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Não incidência do ICMS na importação de produtos para o ativo fixo de empresa prestadora de serviços

Não incidência do ICMS na importação de produtos para o ativo fixo de empresa prestadora de serviços

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O ICMS jamais pode incidir sobre a importação de bens por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto.

1.

O modelo tributário nacional possui toda sua estrutura calcada na Constituição da República. Detém, desta forma, uma condição ímpar do restante dos demais países, concentrando toda a lógica da hipótese tributária desenhada no texto normativo constitucional.

Dada a esta vinculação necessária, todo o imenso rol de tributos existentes guarda (ou deveria guardar) total pertinência com os ditames da Constituição. E assim o é com o ICMS (Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias), previsto no artigo 155, inciso II, da CF. Quando o legislador constituinte originário expôs que referido imposto deve incidir sobre operações de circulação de mercadorias, fixou ele o critério material do tributo.

No entanto, a Emenda Constitucional nº 33/2001 alargou este conceito, determinando que o ICMS também deveria incidir sobre "sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto", violando assim diversos núcleos de proteção ao contribuinte, todos previstos na Constituição.

Este foi o modo como o Estado resolveu a batalha que havia sido iniciada nos tribunais, cuja interpretação era amplamente favorável aos contribuintes. Derrotado no Poder Judiciário, movimentou-se o Poder Legislativo para tentar impor aos prestadores de serviços o pagamento de mais um oneroso tributo.

No entanto, apesar da Emenda Constitucional nº 33/2001 continuar vigente, o intérprete do direito não pode admitir a efetividade do disposto no artigo 115, §2º, IX, "a", da CF, pois ele está eivado de inconstitucionalidades.

É este o objeto do presente trabalho, que pretende demonstrar que o ICMS jamais pode incidir sobre a importação de bens por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto.


2. O MODELO CONSTITUCIONAL DO ICMS

O termo ICMS, utilizado pelo legislador constituinte originário para estabelecer um tributo de competência estadual, indica diversos limites ao "poder" de tributar dos Estados-membros. Isso porque, nas afirmações de CARRAZZA (2001, p. 419), "o respeito devido a tais normas (constitucionais) é absoluto e sua violação importa irremissível inconstitucionalidade".

O conteúdo ímpar conferido pela Constituição acerca do ICMS quase que esgota todos os critérios de sua regra-matriz de incidência, ou seja, está na Carta Magna grande parte dos atributos necessários para instituição do referido tributo, deixando pouca margem de liberdade para os Estados-membros. HENSEL (1956, p. 51) é enfático em enunciar que "cada norma jurídica tributária deve respeitar as limitações jurídicas fixadas na Constituição, como lei suprema".

Na síntese formulada por CARRAZZA (2001, p. 426), "o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição".

Portanto, quando a Constituição enuncia que ICMS é tributo de competência estadual relativo à operações de circulação de mercadorias, não pode o legislador estadual ir além deste enunciado, expandindo o conteúdo constitucional. Como se vê, o critério material de incidência deste tributo vem inteiramente previsto na Constituição.

O critério material se consubstancia em um comportamento de pessoas, físicas ou jurídicas, condicionado por circunstância de espaço e tempo. Conforme afirmação de CARVALHO (2004, p. 255), o critério material se realiza em um verbo (pessoal) e um complemento, delimitadores de conduta, capazes de formar o direito subjetivo do Estado em pleitear o tributo.

Por isso não se pode tributar nada além de operações de circulação de mercadorias, conforme o quis o legislador constitucional. Daí pergunta-se, importar bens para integrar o ativo fixo da empresa se coaduna com este critério da norma? Obviamente que não, pois não há qualquer circulação de mercadoria.

Há que se guardar uma pertinência mínima entre o critério material da hipótese de incidência com o preconizado na Constituição. Sendo assim, se a Carta Magna prevê que ICMS incida sobre "operação mercantil", não pode o intérprete deslocar este critério para outra situação fática, ou seja, o desembaraço aduaneiro. Pensar de forma contrária é violar os princípios mais cediços da norma tributária, entre eles o da legalidade e tipicidade, atribuindo-se injustamente a um fato concreto uma hipótese não prevista na Constituição.

Em momento algum há que dizer configurada uma "operação", e muito menos "circulação", na acepção jurídica e para efeitos de incidência do ICMS, o ato de importar produtos para o ativo fixo da empresa. Neste sentido, vale transcrever a lição trazida pelo eminente tributarista CARRAZA (2005, p. 36):

Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias. É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança da titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio de ICMS. Esta idéia, abonada pela melhor doutrina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cléber Giardino etc.), encontrou ressonância no próprio STF.

O legislador constituinte originário estabeleceu na Constituição da República, a partir do artigo 145, as normas atinentes ao Sistema Tributário Nacional. Neste capítulo, estabeleceram-se os parâmetros gerais e abstratos a serem aplicados pelo legislador infraconstitucional quando da criação dos tributos.

Muito embora se tratem de diretrizes abstratas, os mandamentos constitucionais indicam alguns limites ao "poder" de tributar. Aliado a vários outros princípios, surge a idéia de que a cada ente federativo é concedido uma gama de competências para tributar, todas de acordo com o definido na Constituição. A indicação que a Constituição leva à cabo implica em estabelecer o conteúdo mínimo da hipótese tributária.


3. DA INTERPRETAÇÃO DO TEMA ATÉ A EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2001 – UMA VISÃO ESSENCIALMENTE ECONÔMICA

Apesar de não guardar pertinência alguma com o significado do termo ICMS, referido tributo sempre incidiu "sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço".

Algumas batalhas foram travadas nos tribunais brasileiros sobre a falta de pertinência entre o termo ICMS e sua aplicação sobre as importações, porém, todas optaram por uma interpretação literal do texto de lei, concluindo pela incidência do referido imposto.

No entanto, formou-se uma condicionante: para a incidência do ICMS, a importação deveria se dar com natureza mercantil ou assemelhada, ou seja, totalmente lícita a cobrança do ICMS nas importações, desde que seu contribuinte fosse contribuinte habitual do imposto.

Assim o Supremo Tribunal Federal amenizou as intempéries lógicas existentes entre o termo "operações de circulação de mercadorias" e "importação", fazendo uma interpretação extensiva, concluindo que, se a empresa é contribuinte habitual do ICMS, haveria então a circulação, mas oriunda do exterior.

Segue abaixo transcrito um dos primeiros julgados do STF sobre o tema, decidindo pela legalidade da incidência do tributo, desde que a empresa fosse contribuinte habitual do ICMS:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. IMPORTAÇÃO DE BEM. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação de mercadoria. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 203075, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Primeira Turma, julgado em 05/08/1998, DJ 29-10-1999 PP-00018 EMENT VOL-01969-02 PP-00386)

Percebe-se que a solução adotada pelo Supremo Tribunal Federal possui como elementos definidores conceitos meramente econômicos, dispensando a técnica tributária da regra-matriz de incidência, agindo de acordo com interesses políticos e nitidamente arrecadatórios. Assim, o sistema tributário nacional passou a abarcar o ICMS incidente sobre as importações, pois (e não se pode negar), trata-se de texto expresso da Constituição.

No entanto, as disputas judiciais continuavam a entupir o Judiciário, agora tanto por parte dos contribuintes quanto por parte da Fazenda, já que existiam teses capazes de abranger ambos os lados.

Estupefato com tal situação, o Supremo Tribunal Federal editou duas Súmulas em seqüência, visando por fim aos debates. Tratam-se das Súmulas 660 e 661, que enunciam claramente que "NÃO INCIDE ICMS NA IMPORTAÇÃO DE BENS POR PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA QUE NÃO SEJA CONTRIBUINTE DO IMPOSTO" (Súmula 660) e que "NA ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR, É LEGÍTIMA A COBRANÇA DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO" (Súmula 661).

Enquanto a primeira consolidou o entendimento de que o tributo somente incide sobre empresas contribuintes habituais do ICMS, a segunda definiu o momento do pagamento do ICMS (diferentemente do afirmado por alguns juristas, que enunciam que a Súmula 661 revogara a Súmula 660).

A Súmula 661 do STF tem um caráter definidor do critério temporal da incidência do tributo. Para casos em que o importador seja contribuinte do ICMS, haveria então a incidência do ICMS, devendo o pagamento ocorrer na ocasião do desembaraço aduaneiro.

É dos próprios julgados que deram origem a Súmula 661 que se extrai esta conclusão. Perceba-se que todos os acórdãos que motivaram a edição de dita súmula trataram unicamente do momento da ocorrência do pagamento do tributo, é não da aplicação incondicional desta. Assim dispôs o MINISTRO ILMAR GALVÃO [01] ao julgar o RE 193.817:

(...) Antecipado o momento temporal do recebimento da mercadoria, vale dizer, do desembaraço, fez-se ela necessária, tendo em vista que a entrada de mercadoria, não raro, se dá em terminal portuário ou aéreo situado fora dos limites do Estado de destino da mercadoria. (g.)

(...) O benefício da medida salta á vista: reduzir praticamente a zero a sonegação, com simultânea redução do esforço de fiscalização, sem gravame para o contribuinte.

Perceba assim que a Súmula 661 do Supremo Tribunal Federal alterou somente o critério temporal da incidência do referido tributo, e não o critério pessoal ou material do ICMS. Por isso, não deve a Súmula 661 ser aplicada genérica e abstratamente a todos os casos que se verifique a importação de bens estrangeiros.

Além do mais, a súmula se aplica apenas aos importadores contribuintes do tributo de ICMS, e não para os prestadores de serviços, sujeitos ao ISS. Por isso, convivem harmoniosamente as Súmulas 660 e 661, ambas delimitando de formas diferentes os sujeitos passivos da obrigação tributária. O que as diferencia é a condição do contribuinte: se prestador de serviço, não incide ICMS.

Sendo assim, até a edição da Emenda Constitucional nº 33/2001, não pairava qualquer dúvida acerca da não incidência do ICMS nas importações realizadas por empresas prestadoras de serviços. A redação do artigo 155, §2º, IX, "a" da CF era assim disposta: "sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço".


4. DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33/2001

Infelizmente, com a edição da Emenda Constitucional nº33/2001 surge um injustificado e inconstitucional alargamento do conceito de ICMS, aplicado em detrimento ao contribuinte, violando princípios como o da legalidade, não-confisco, capacidade contributiva, igualdade, etc.

Estabelece agora o texto constitucional que o ICMS incidirá também "sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço".

Com a EC 33/2001, o teor da Súmula 660 do STF mostrou-se totalmente incompatível com a nova redação da Constituição, onerando os contribuintes que ainda conseguiam se esquivar da disposição frenética da Fazenda Estadual em arrecadar. O Fisco, insatisfeito com as derrotas nos tribunais, utilizou-se da artimanha de, simplesmente, alterar o texto constitucional a seu favor.

Daí aparece, notadamente, o papel do Supremo Tribunal Federal, zelando por aquilo que já havia decidido e colocado um ponto final com a Súmula 660.

Dispôs novamente o Supremo Tribunal Federal, mediante julgamento único e emblemático, que o detalhe capaz de gerar a incidência do ICMS deve advir, necessariamente, de negócio jurídico mercantil, o que por certo não é o que ocorre com empresas prestadoras de serviços.

O Ministro Erro Grau, relator do Recurso Extraordinário nº 401.552-SP, afastou a incidência do ICMS sobre empresas prestadoras de serviços, declarando válida e de plenos efeitos a Súmula 660 STF, contemplando o entendimento daquele Tribunal, verbis:

RELATOR MIN. EROS GRAU. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PRESTADOR DE SERVIÇOS. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada. Inexigibilidade do imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física ou por entidade prestadora de serviço.

2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Importação de bens realizada por entidade que, sendo prestadora de serviço, não é não-contribuinte do tributo. Inocorrência do fato gerador do tributo e, conseqüentemente, inexigibilidade da exação

. (g.)

3. Hipótese anterior à promulgação EC 33/2001, que, embora tenha previsto a possibilidade de cobrança do ICMS na importação nas operações efetuadas por quem não seja contribuinte habitual do imposto, não prescinde de integração legislativa para disciplinar a realização da compensação do tributo, de modo a conferir efetividade ao princípio constitucional da não-cumulatividade da exação. Agravo regimental não provido. (RE 401552 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 21/09/2004, DJ 15-10-2004 PP-00012 EMENT VOL-02168-02 PP-00354)

Tal julgamento supre uma aforada discussão criada em torno da republicação e aplicação da Súmula 660 do STF, ocorrida em 2003. Tendo o texto constitucional contrariado flagrantemente o disposto naquela Súmula, certamente que estaria ela revogada. No entanto, um fato inusitado reavivou sua existência.

Na sessão de julgamento do plenário do STF realizada em 26/11/2003, o Ministro Sepúlveda Pertence sugeriu até mesmo a alteração do Enunciado da Súmula nº 660, para que passasse a vigorar nos seguintes termos: "Até a vigência da EC 33/2001, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto".

O Tribunal concordou em reavaliar o assunto e o Diário da Justiça da União (DJU) chegou a publicar uma retificação da aludida redação na edição de 5/8/2004, dando a impressão de que a ressalva temporal havia sido aprovada pela Corte Suprema. Contudo, no Informativo do STF nº 422, de 3 a 7 de abril de 2006 (paginação interna de 12 de abril de 2006), foi publicado o seguinte informe, ipsis litteris, "enunciado da Súmula 660 do STF: Republicação".

Em razão de o Tribunal, na sessão plenária de 26.11.2003, ter recusado a proposta de alteração da Súmula 660, constante do Adendo nº 7, foi republicado o respectivo enunciado nos Diários da Justiça dos dias 28.3.2006, 29.3.2006 e 30.3.2006, com o teor aprovado na sessão plenária de 24.9.2003: "Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto". Restou esclarecido que o Plenário do STF não concordou em alterar o Enunciado da Súmula nº 660, permanecendo válida a redação original, contundente, e com a qual esta peticionária exige cumprimento, dada a sua melhor adequação ao texto constitucional.

Nos dois precedentes que motivaram o enunciado supra (RE nº 203.075-9/DF e RE n.º 185.789-7/SP), os vários Ministros do STF destacaram e repetiram a importância de o importador ser contribuinte do ICMS para permitir a sua incidência. Em outras palavras, a incidência do ICMS na importação está condicionada, entre outras razões, à necessidade de se observar a condição mercantilista do importador, de modo a possibilitar que o princípio da não-cumulatividade seja efetivado.

Isso porque, no dizer de CARVALHO (1981, p. 12), o termo "operações", "exprime o sentido de atos ou negócios hábeis para provocar a circulação de mercadorias. Adquire, neste momento, a acepção de toda e qualquer atividade, regulada pelo Direito, e que tenha a virtude de realizar aquele evento".

Agora, contra a Fazenda Pública, o STF se utilizou novamente de argumentos essencialmente econômicos, eis que a sustentação de seus motivos calca-se sobre a impossibilidade da compensação tributária (não-cumulatividade) e a violação à isonomia, ignorando aquela premissa maior, no sentido de que operação de circulação de mercadoria (ICM) jamais se compatibilizaria com o verbo importar. Tem pertinência os ensinamentos de AMORIM FILHO (1961, p. 109):

É certo que há um princípio de hermenêutica segundo o qual as leis não contém palavras ou dispositivos inúteis, mas é igualmente certo que existe um outro princípio, muito mais importante, segundo o qual a interpretação dos textos legais não deve conduzir a conseqüências absurdas. Se há conflito, é óbvio que deve prevalecer o princípio mais importante.

À guiza de conclusão, na visão do Ministro Erro Grau, relator do Recurso Extraordinário nº 401.552-SP, reafirma-se que o ICMS é um tributo não-cumulativo e a sua cobrança somente poderá ser realizada sobre os contribuintes habituais daquele imposto. Esta tese vem sendo também assimilada pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, consoante se aufere dos seguintes julgados:

ICMS. VEÍCULO. IMPORTAÇÃO. A Turma, acolhendo precedente do STF contrário à Súmula n.º 198-STJ, deu provimento ao recurso, decidindo que a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada, mesmo quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo de estabelecimento, não se aplica às operações de importação de bens efetuadas por pessoa física para uso próprio. Precedente citado do STF: RE 203.075-DF, DJ 29/10/1999. RMS 11.145-CE, Rel. Min. José Delgado, julgado em 25/9/2000.

ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA. EQUIPAMENTO. PRESTADORA. SERVIÇOS MÉDICO-HOSPITALARES. Trata a espécie sobre a incidência de ICMS na operação de importação de sistema robótico para auxílio em cirurgia, equipamento destinado a compor ativo físico de pessoa jurídica prestadora de serviços hospitalares. Tal fato aconteceu antes do advento da EC n. 33/2001, que modificou o teor do art. 155, IX, a, da CF/1988. O STF entende que, antes da EC n. 33/2001, não incide o ICMS na importação de bem por pessoa física ou entidade que tenha por finalidade prestar serviço, pois o fato gerador do tributo é uma operação de natureza mercantil ou assemelhada. Precedentes citados do STF: RE 401.552-AgR-SP, DJ 15/10/2004; AI 342.050-AgR-SP, DJ 10/10/2003, e AI 455.387-AgR-BA, DJ 30/4/2004; do STJ: REsp 575.009-RS, DJ 27/9/2004; REsp 654.230-RS, DJ 24/10/2005, e REsp 496.223-RS, DJ 1º/9/2003. REsp 556.206-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 14/11/2006.

Destaca-se, por fim, que a Emenda Constitucional nº 33/2001 trouxe ao sistema tributário uma figura nova: o contribuinte habitual, cuja definição não está em lei. Portanto, dada e inexistência de definição legal, PAULSEN ensina que "para ser contribuinte habitual de um tributo, é preciso, antes de qualquer coisa, ser contribuinte deste tributo". Logo, a habitualidade é uma característica que somente pode ser conferida ao contribuinte do referido imposto.

Conforme entendimento de parte da doutrina, e especificamente nas palavras de NORBERTO RUFFALDI e SEBASTIÃO VENTURA PEREIRA DA PAIXÃO JÚNIOR, "para haver a chamada contribuição esporádica, exige-se primeiramente a própria condição de contribuinte. Permanecem assim, válidos e eficazes os fundamentos jurídicos invocados em decisões jurisprudenciais, inclusive da Suprema Corte, que concluíram pela não incidência de ICMS na importação de bens realizada por pessoa física ou jurídica não-contribuinte do tributo estadual". Portanto, o ICMS incidiria somente àqueles que, ainda que esporadicamente, contribuíssem com o imposto estadual.


5. A DEFESA DO CONTRIBUINTE COM BASE NOS PRINCÍPIOS DA NÃO-CUMULATIVIDADE, DA ISONOMIA E DA VEDAÇÃO AO EFEITO CONFISCATÓRIO

Toda a Constituição da República, inclusive o sistema tributário, está estruturada com o fim de proteger os Direitos Fundamentais, principalmente o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Desta forma, o tributo que não obedecer tais imperativos constitucionais são ilegais e inválidos. Nas afirmações de Torres (in SCHOUERI, 2003, p. 452) e Ichihara (in FOLMANN, 2006, p.325), os direitos garantidos como fundamentais perante a tributação aparecem como verdadeiros instrumentos de defesa dos sujeitos passivos da obrigação tributária. Sendo assim, o tributo passa a ser visto como o preço da liberdade, sendo protegido pelos direitos fundamentais que e podem ser relativizados pelo exercício do poder de tributar.

Tais direitos não podem ser mitigados em face de princípios do direito administrativo (superioridade do bem público sobre o privado) ou financeiro, devendo ser sempre observados. Sendo assim, uma das formas de defesa do contribuinte em face das arbitrariedades do Fisco está na invocação do seu bem maior, como a vida e a liberdade, em contraposição com a necessidade da arrecadação estatal.

Por isso, e considerando-se posição atual do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, no sentido de que não incide ICMS sobre a importação de produtos para o ativo fixo da empresa se esta for prestadora de serviços, as premissas maiores, ou seja, os princípios do direito ganham especial relevância.

Dada a visão econômica do STF, a maior tese encontrada pelos juristas para afastar a incidência do ICMS ganhou contornos essencialmente práticos e econômicos, no sentido de evocar situações de onerosidade excessiva com referido tributo, deixando assim técnica da regra-matriz da incidência de lado. Não se pode ignorar tal linha de pensamento e, portanto, ainda que sumariamente, é preciso destacar o que seria a não-cumulatividade do ICMS.

Previsto na Constituição da República no artigo 155, §2º, dispõe que o imposto não será cumulativo, ou seja, que se compensará o que for devido em cada operação relativa, via de regra, à circulação de mercadorias. Aplica-se diretamente ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e sobre o Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Vale lembrar que não vem a ser a norma determinante da não-cumulatividade mero preceito, mas sim em uma diretriz obrigatória.

Na opinião de MACHADO (2007, p. 398), a não-cumulatividade "constitui um dos graves defeitos de nosso sistema tributário", uma vez que é complexo, enseja fraudes, atinge a atividade agropecuária, possui alíquotas elevadas, impede a outorga de isenções e gera atritos entre o Fisco e os contribuintes.

Infelizmente, na prática o que se verifica é que o grande número de dispositivos que tentam normatizar adequadamente esta regra são ineficientes, pois as desigualdades econômicas entre Estados e a dimensão do território brasileiro prejudicam a aplicação da não-cumulatividade.

Pode-se verificar que a essência do ICMS é, basicamente, a da sua não-cumulatividade, de modo a conferir ao contribuinte a compensação do tributo devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou Distrito Federal. Ou seja, haverá a incidência quando houver uma cadeia de contribuintes deste imposto, de forma isonômica, entre todos que estão na mesma situação jurídica.

É exatamente aí que reside a tese de defesa dos contribuintes acerca do ICMS nas importações. Isso porque, ao se exigir o pagamento do ICMS para o desembaraço aduaneiro, inexiste um terceiro mercador com quem se possa compensar o tributo pago, já que o fornecedor, localizado no exterior, v.g., não se submete a legislação brasileira.

Veja-se que o princípio da não-cumulatividade impõe o tratamento isonômico entre as partes que estão na mesma situação jurídica, já que a carga tributária deve ser uniforme dentro do cenário de contribuintes. Não é o que ocorre na presente narrativa pois, se adimplido integralmente o pagamento do ICMS, sem poder ser compensada com operação anterior (por que inexistente no caso), estar-lhe-á impondo um tratamento totalmente desigual, contrário aos ditames constitucionais.

Decorre deste ponto o rompimento com outro significativo princípio constitucional, que é isonomia, mérito este de grande relevo em defesa dos contribuintes.

Diretamente ligada à capacidade contributiva e à igualdade, a isonomia está expressa no art. 150, inciso II da Constituição, devendo ser interpretado conforme o caso concreto, pois é impossível estabelecer todas as situações possíveis no mundo real.

Consiste na exigência de que todo contribuinte deve ser tratado igualmente a outros contribuintes que se encontrarem na mesma situação. Deve-se dar igual tratamento para situações equivalentes de capacidade contributiva. Tal princípio veda a ocorrência de discriminação tributária, que privilegiem ou favoreçam determinadas pessoas físicas ou jurídicas.

Baseando-se neste princípio, conforme afirma MACHADO (2007, p. 68), cabe ao legislador seu papel fundamental de disciplinar "as desigualdades naturais existentes entre as pessoas". Isso, obviamente, confere ao legislador um certo poder discricionário, por envolver uma análise subjetiva. Uma vez descritos padrões de diferenciação, os contribuintes que ali se enquadrarem devem ser tomados de maneira igual.

A incidência de ICMS sobre os equipamentos importados para uso exclusivo na prestação de serviços, sem oportunidade de compartilhar o valor do imposto incidente em operações anteriores, impõe uma sobrecarga injusta/inconstitucional/ilegal do tributo, com efeito confiscatório do patrimônio da empresa importadora. Nesse sentido, BASTOS e MARTINS (1990, P. 162) defendem que "todo o sistema terá que ser revisto, mas principalmente aquele tributo que, quando criado, ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidadão".

Como bem lembrado por MERSAN (1988, P. 55), "é difícil estabelecer um conceito do confisco mas nos parece oportuno recordar que ele pode dar-se quando se absorve a totalidade, a maior parte do capital ou da renda tributária e assim deve entender-se que é confiscatório o ato que em virtude de uma obrigação fiscal determina uma injusta transferência patrimonial do contribuinte ao Fisco, injusta em seu montante ou por falta de causa jurídica, ou finalmente porque aniquila o ativo patrimonial. Pode dizer-se que equivale à exação, com a diferença de que em lugar de ser ilegal, é inconstitucional".

Em consonância com o princípio constitucional da igualdade, o direito tributário preocupa-se com a noção de igualar proporcionalmente a carga tributária sobre os contribuintes. Oliveira (in SCHOUERI, 2006, p. 520) a define como "o atributo do contribuinte que emana e provém do conteúdo econômico necessariamente existente em todo e qualquer pressuposto de fato da obrigação tributária", isto é, todos os fatos geradores devem ter um conteúdo econômico do qual se subtrai uma parcela destinada ao erário público.

Constitucionalmente previsto no art. 145, §1º da Constituição da República, tal princípio enuncia que sempre que possível, o tributo deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte, sob pena de ser considerada ilegal.

Refere-se como capacidade contributiva a aptidão dos indivíduos de arcar com o ônus tributário, com base em uma disponibilidade econômica específica, também denominada de habilitação do sujeito passivo em suportar determinada carga tributária.

Nas palavras de CASSONE (2003, p. 117), "percebe-se, assim, que o exame da infringência da capacidade contributiva envolve sérias dificuldades, por requerer apreciação objetiva e subjetiva". Para piorar, tal enunciado deve ser aplicado "sempre que possível", o que deixa uma margem bastante discricionária para o legislador elaborar os tributos.

Porém, via de regra, toda obrigação tributária deve observar este princípio, incidindo onde haja riqueza, em qualquer de suas etapas de existência, seja na aquisição, na manutenção ou no consumo.

Alinhando o princípio da proibição do efeito confiscatório dos tributos com o princípio da não-cumulatividade, pode-se observar que os mesmos se tocam e se complementam. Supondo-se que em algum momento, ou em determinada operação, o ente tributante venha a estabelecer a proibição total ou parcial do dever-poder do contribuinte de creditar-se do imposto incidente nas operações anteriores, estará ele, a um só tempo, provocando o efeito cumulativo, condutor de um aumento artificial no preço das mercadorias, produtos e serviços, em prejuízo do consumidor final.

Do mesmo modo, também estará acarretando um efeito confiscatório, porque sobre o mesmo preço está ocorrendo mais de uma incidência do mesmo imposto, a retirar de cada um dos agentes do ciclo, mais imposto do que o efetivamente devido. Assim, em nenhuma hipótese, o contribuinte poderá ser proibido de proceder aos créditos correspondentes ao imposto incidente nas operações anteriores, sob pena de provocar o efeito confiscatório, o que é vedado pela Constituição (art. 154, IV).


6. CONCLUSÃO

O Direito nunca foi e nunca será uma ciência exata e, por isso, não existe certeza sobre matéria alguma. Apesar de alguns dispositivos serem expressos, claros e inequívocos, é preciso sempre considerar aspectos econômicos, políticos e sociais. No entanto, esta premissa pode ser admitida por alguns, mas jamais pelos técnicos do direito.

Admitir imprecisões terminológicas, interpretações dissonantes de preceitos constitucionais e violações a princípios fundamentais do Direito é destruir conquistas históricas de renomados e batalhadores juristas.

Por isso, em que pese a questão da incidência do ICMS na importação de bens para o ativo fixo por prestadores de serviços se mostre consolidada sobre fundamentos econômicos, ou seja, não seria devido o referido tributo por violar preceitos como a não cumulatividade e isonomia, ainda há que se ressuscitar os critérios materiais da regra-matriz de incidência.

Quando a Constituição prevê um imposto, de competência estadual, incidente sobre "operação de circulação de mercadoria", está explícita a hipótese imponível, única e exaustiva, definidora da realização do tributo.

Desta feita, obter para si, bem oriundo do exterior, jamais se subsume às noções de circulação de mercadoria, afastando por completo a incidência do referido tributo sobre a presente narrativa. Essa é a interpretação jurídica da discussão, e que deveria prevalecer nos tribunais brasileiros.


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Notas

01 RE 193.817/RJ. Tribunal Pleno. DJU 10.08.2001


Autor

  • Kristian Rodrigo Pscheidt

    Professor em Direito. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014). Especialista em Teoria Geral da Norma e Interpretação pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET/SP). L.L.M em Direito de Negócios pela FMU (2014). Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba (2010) . Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2008). Graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2004). Advogado no S. B. Lewis Advogados & Consultores (www.lewis.adv.br)

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PSCHEIDT, Kristian Rodrigo. Não incidência do ICMS na importação de produtos para o ativo fixo de empresa prestadora de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2381, 7 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14056. Acesso em: 29 mar. 2024.