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O Direito e o fenômeno político

O Direito e o fenômeno político

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Sumário: 1- Introdução; 2 – O Direito, o poder e o fenômeno político; 3 – Estado de direito e a judicialização da política; 4 – Conclusões; 5 - Referências.

Resumo: O presente trabalho tem por objeto de estudo o estado do Direito, do fenômeno político e suas interfaces. Para tanto, faz-se uma análise histórica do tema, aborda-se assuntos correlatos à vida em sociedade, tais quais o Poder, bem comum, Estado de Direito, até adentrar na importante e atual problemática acerca da judicialização das políticas públicas. Ao final, externam-se as conclusões acerca da matéria debatida.

Direito. Política. Judicialização. Políticas Públicas.

Abstract: This work has the object of the state law, the political phenomenon and its interfaces. Thus, it is a historical analysis of the issue, it addresses related topics, such as the power and the rule of law, to enter the important and current issues on the judicial public policy. Finally, external the conclusions about the matters discussed.

Right. Policy. Judicialization. Public Policy.


1 - Introdução

O homem é um ser social. Esta assertiva é recorrente àqueles que se dedicam as ciências sociais ou humanas, seja no plano da história, da sociologia, da ciência jurídica e mesmo na ciência política.

O professor Celso Bastos chega a ponderar ser um truísmo referida afirmação. De fato, com a evolução do homem se percebe, desde passado remoto, que este supera a vida individual, isolada, para se relacionar, constituindo comunidades.

Aparecem, neste passo, a família, as tribos, os grandes impérios e reinos, cidades-estados, etc, como estruturas em que se verifica a coexistência social entre os homens.

Nas palavras de Aristóteles

A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir o ponto de uma auto-suficiência praticamente completa; assim, ao mesmo tempo que já tem condições para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para lhes proporcionar uma vida melhor. Toda cidade, portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as primeiras comunidades;

(...)

Mais a frente, prossegue o citado autor

Estas considerações deixam claro que a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social, e um homem que, por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade (...)

Ao final arremata

Efetivamente, o homem, quando perfeito, é o melhor dos animais, mas é também o pior de todos quando afastado da lei e da justiça (...) a justiça é a base da sociedade; sua aplicação assegura a ordem na comunidade social, por ser meio de determinar o que é justo. (ARISTÓTELES, 1988: 15-16)

Deste modo, pode-se afirmar que não somente a vida em sociedade, mas também a relação entre os indivíduos e o poder que disciplina tais relações como instrumento de pacificação remontam a um passado longínquo.

Com efeito, da interação social decorrem algumas implicações e conseqüências. Destacam-se, neste passo, a existência de conflitos de interesses e a imperiosa necessidade de solucioná-los, sob pena de inviabilização da vida em sociedade, ainda mais quando se sabe que, na medida da evolução do ser humano e dos fenômenos a esta decorrentes, crescem também as disputas, especialmente no que se refere ao domínio, à propriedade privada.

Destarte, imprescindível e inerente à coexistência humana é a sua regulação. Ora, considerando que a vida em coletividade visa, em larga medida, a consecução do bem comum, e que a existência de conflitos de interesse é ínsita à vida na comunidade, necessário se faz um meio, um instrumento que assegure a pacificação social. Surge, assim, como decorrência da interação e integração da sociedade o poder. Este não se confunde com a força – a despeito desta última, em alguns momentos histórico tenha sido o fundamento legitimador daquele. É, em definição sumária, a existência de uma autoridade superior que detém a prerrogativa de solucionar os conflitos, de forma preventiva ou repressiva.

Não é por outra razão que na antiguidade os filósofos já se deparavam com estas relevantes questões. Na Grécia antiga há escritos de Platão que discorrem acerca do Estado, elevando-o a um plano ideal. Ainda neste período há que registrar a existência, de fato, de comunidades organizadas, as cidades-estados, as quais também foram objeto de apurado estudo de um dos mais importantes filósofos da humanidade; trata-se do já citado Aristóteles, que nos seus estudos vislumbrou as comunidades, as cidades-estados existentes em concreto, denominadas Polis. Dedicou-se à análise de seus aspectos estruturais, organizacionais e, especialmente, o finalístico: o de proporcional a vida feliz. Fala-se, desde então, de política, como filosofia e ciência [01].

Todavia, a idéia de política vigente não mais se mostra de acordo com o quanto pioneiramente propagado por Platão, seguido por Aristóteles, ou mesmo pela noção que conformava as castas, as famílias, tribos, reinos, impérios, jungidos desde a Antiguidade até a Idade Média. Daí a necessidade de estudá-lo com base em um novo contexto, sob o prisma das diversas relações com outras ciências, em especial a do Direito, sem olvidar, de outra banda, a necessidade de se evitar incidir em um sincretismo metodológico prejudicial aos resultados ótimos e verdadeiros próprios da pesquisa científica.


2 – O Direito, o poder e a complexidade do fenômeno político

Diante da complexidade inerente à matéria e do quadro acima proposto, o Direito, o Poder e o Fenômeno Político são eleitos como decisivos para obtenção das conclusões almejadas pelo presente estudo.

Assim como o homem e a vida em sociedade, a idéia de poder passa, concomitantemente, por uma evolução a qual culmina com a necessidade de sua própria disciplina, sujeição a regras e limites.

Isto decorre, em larga medida, da existência de dois poderes: o Poder Social e o Poder Político.

O primeiro é inerente à comunidade. Já o Poder Político concentra-se naquele quem, dado momento histórico, possui autoridade, exercendo-a para atingir o interesse coletivo.

Como dito, a evolução do homem e de suas relações, em conjunto com os diversos fatores de influencia (sociais, econômicos, históricos e mesmo políticos), ensejaram a necessidade de disciplina do próprio poder disciplinador (seja o social ou o político).

É neste momento que nasce o fenômeno político tal qual concebido na atualidade, com todos os reflexos na organização da vida em sociedade.

O Poder Político e Social necessita de ordem, regulação, limites. Isto porque, até a Idade Moderna, experimenta-se o exercício do poder de forma absoluta, autoritária, com benefício de determinadas classes em detrimento das demais.

Noberto Bobbio doutrina que

A relação de poder político é apenas uma das infinitas formas de relação de poder existentes entre os homens. Para caracterizá-la, pode-se recorrer a três critérios distintos: a função que ela exerce, os meios dos quais se serve, o fim ao qual atende. (BOBBIO, 2000: 217)

As revoluções desencadeadas na Idade Moderna assumem, neste sentido, relevante papel.

Merecem destaque a implantação das noções de: Estado de Direito, onde todos, mesmo os exercestes do poder, estão submetidos à lei; separação de poderes e sistema controle e balanceamento entre os mesmos; e a idéia de soberania.

Estas, breves noções históricas são premissas imprescindíveis para escorreita compreensão do fenômeno político. Isto porque, da simples constatação da evolução do homem, da vida em sociedade, da noção de poder, verifica-se, sem maior esforço, que a política é fenômeno complexo, abarcando diversas realidades, sendo confluência de fatores sócio-econômicos, históricos, filosóficos e outros.

Portanto, indubitável que o fenômeno político encontra suas bases em diversas realidades. Entretanto, duas delas não podem ser olvidadas: a realidade social e a jurídica.

Ao tratar sobre a Teoria Geral do Estado e a Ciência Política, leciona Celso Ribeiro Bastos que a primeira tem como finalidade precípua o seu estudo e dos seus elementos. Mas também estuda a atividade política, razão pela qual

Esta disciplina vê o Estado como um fenômeno complexo, que envolve realidades de toda a sorte. Portando, para ser bem compreendido, faz-se necessário analisá-lo sob os prismas das ciências jurídicas e sociais... Assim, o Estado é uma realidade sociológica a partir do momento em que o analisa como uma evolução do homem para se chegar a uma sociedade política capaz de resolver as suas necessidades. É também realidade jurídica posto que toda a organização estatal esta pautada e, normas jurídicas. (BASTOS, 2002: 2)

Como poder, exercício mesmo de autoridade para regulação da vida em comunidade em prol do bem comum [02], o fenômeno político decorre dos fatos e conformações sociais. Como poder, limitado, delimitado e devidamente organizado por ordem coativa de conduta humana [03], o fenômeno político é jurisdicizado, sendo, assim, objeto do Direito.

Na escol de Paulo Bonavides

O objeto da Ciência do Direito começa com o enunciado da lei, ao passo que a Sociologia Jurídica, precisamente por fazer a vinculação essencial entre o fato jurídico e os demais fatos sociais, procede antes a uma indagação genética da norma, parra descobrir, na matéria viva da experiência social, os elementos geradores do direito. O jurista se contenta com a aplicação da lei, depois de uma operação lógica em que reproduz o caso concreto a uma norma extraída dos códigos ou da jurisprudência. O sociólogo-jurista levanta o problema da maior ou menor eficácia da lei, medindo o grau de sua adequação à realidade, pela aceitação ou recusa que encontra na consciência social. (BONAVIDES, 1973:332)

Foi afirmado alhures que a noção de Estado e de política não é recente. Acompanham, desde a antiguidade, a evolução do homem e da sociedade. Asseverou-se também que o fenômeno político e a noção de Estado, tal como concebidos hodiernamente, são fruto da evolução, especialmente em razão das revoluções ocorridas ao início da Idade Moderna, onde a necessidade de controle do próprio poder controlador é posta.

Pois Bem.

É desse processo que se constrói a ciência política, sempre atrelada as noções de sociedade e poder, também por esse processo é que surge o Estado nos moldes atuais.

Por isso mesmo é que existem diversos sistemas de governo (Monocracia, Oligarquia, Democracia, Tirania, Ditadura), regimes de governo (Presidencialista, Parlamentarista, Monárquico, Republicano) e formas de Estado (Unitário, Composto, Federado).

Oportuna a advertência de Celso Ribeiro Bastos

Esta multiplicidade que se apresenta em torno do fenômeno estatal não prejudica seu estudo. Ao contrário, é por força desta multiplicidade que se pode ter uma compreensão cabal do que seja o Estado (BASTOS, 2002:3)

Fincadas as premissas na qual se fundam este estudo e revelada, ademais, a complexidade do fenômeno político, passemos a discutir a questão central proposta: o direito, o fenômeno político e sua judicialização.


3 – Estado de direito e a judicialização da política

Ponto modal pertinente ao fenômeno político, nos dias atuais, é a judicialização da política.

Com a necessidade de disciplina do próprio poder o direito amplia seu objeto, sendo ordem de conduta humana e de delimitação e organização do poder. Todos, inclusive os detentores do poder, estão sujeitos à lei.

Já tivemos oportunidade de nos manifestar acerca do tema, asseverando que

A despeito de outras ciências (...) objetivarem a melhoria, a organização e, em alguma medida, a ordenação da vida em sociedade, esta fica, em última análise, a cargo do Direito.

Kelsen afirma que "... quando confrontamos uns com os outros os objetos que, em diferentes povos e diferentes épocas, são designados como ‘Direito’, resulta logo que todos eles se apresentam como ordens de conduta humana."

Precisas são as palavras de Lourival Vilanova:

"O Direito é uma técnica de esquematizar classes de condutas para poder dominar racionalmente a realidade social. Generaliza em esquemas abstratos a vida em sua concreção existencial, para ofertar a possibilidade de previsão de condutas típicas, indispensável à coexistência social."

Para este mister, necessário se faz um poder superior, não individual e que assegure a isonomia e generalidade de tratamento aos integrantes de dada sociedade.

Emerge, assim, a figura do Estado, detentora de um Poder próprio, responsável pela elaboração, fiel execução e - mediante a figura do Estado-juiz – por dizer, mediante decisão final imutável [04], qual o direito aplicável em determinado caso concreto. Seu fim último é o bem estar coletivo.

Destarte, "O Estado-poder cria e faz cumprir as regras regendo as relações das pessoas dentro do Estado-sociedade (...). Quem não as cumpre espontaneamente, sujeita-se ao uso da força, pelo Estado-poder, para obtenção da obediência."

Como ordem coativa da conduta humana, o Direito prescreve determinados comportamentos porque os considera valiosos para a comunidade. [05] Para tanto, se vale das normas jurídicas [06], que são regras prescritivas de conduta, as quais impõem a todos um dever-ser, imperativo a ser atendido sob pena de, em não sendo cumprido, sujeitar o infrator à sanção correspondente. (HUMBERT, 2009: 17-19)

Em suma, infere-se do quanto até aqui exposto que são elementos essenciais que compõem o fenômeno político: a sociedade, o poder e o Estado soberano. E neste diapasão, insta salientar a forma pela qual modernamente o direito incorpora o fenômeno político. Com efeito, sociedade, poder e soberania, são conceitos básicos, fundamentais. Não é por outra razão que a sua disciplina deve ser levada à efeito mediante norma básica, fundamental. E, portanto, a Constituição, compreendida como norma hierarquicamente superior, base do sistema, constituída legitima e originariamente, quem dispõe acerca da matéria.

Merece destaque, aqui, o surgimento das constituições, também denominadas Cartas Políticas, formadas por sistema de normas (princípios e regras) que ordenam direitos e garantias individuais do homem, bem como a organização política do Estado, a repartição dos poderes, das competências, a afirmação da soberania, enfim, o sistema, regime de governo e forma do Estado, além de outras disposições.

Figure-se como exemplo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. No plano político, estabelece referido diploma normativo que o Estado brasileiro submete-se ao regime de governo Republicano - Presidencialista, com sistema Democrático, sob a forma de Federação. Fixa, ademais, a separação de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), regulamentam os partidos políticos, os direitos políticos (de votar e ser votado para exercício do Poder Executivo e Legislativo) e a repartição de competências entre os Entes da federação em cada esfera do Poder.

Prescreve, ademais, como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana e o bem estar social, positivando, para tanto, uma série de direitos sociais e políticas públicas, verdadeiros dever ser, concretizados mediante ações afirmativas as quais devem ser efetivadas para a consecução daqueles princípios basilares.

Por fim, cumpre anotar que a Constituição eleva a República Federativa do Brasil ao status de Estado Soberano, cujo exercício se dará pela União Federal. Ou seja, alem de disciplinar as questões de políticas interna, manifesta, o multimencionado plexo normativo, regras de política externa, fazendo referencia à soberania, mas sem deixar de lado as relações internacionais a serem travadas com outros Estados soberanos. Outrossim, importante destacar que as relações entre Estados soberanos e a globalização é questão de grande relevância para ciência política e jurídica nos dias atuais. Vive-se momento em que cada vez mais tais relações se estreitam, surgindo Blocos Econômicos (MERCOSUL, União Européia), Organismos (OMC, ONU), bem como Normas (Tratados Internacionais) e Jurisdição (Tribunais Internacionais), colocando-se em cheque conceitos teóricos jurídicos-políticos como soberania, ordem interna, além de outras questões com alto enredamento, tal qual a disciplina jurídica dos referidos blocos regionais [07].

Portanto, é da denominada judicialização do fenômeno político que se extraí o conceito, a concepção de Estado Moderno, como sendo a ordem jurídica soberana, cuja finalidade é a consecução do bem comum de determinado povo organizado em determinado território, na feliz acepção de Dalmo Dallari [08]. (DALLARI, 1972:104).

Disto resultam algumas conseqüências. Luis Alberto Barroso as constata

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel ativo na vida institucional brasileira. O ano de 2008 não foi diferente. A centralidade da Corte – e, de certa forma, do Judiciário como um todo – na tomada de decisões sobre algumas das grandes questões nacionais tem gerado aplauso e crítica, e exige uma reflexão cuidadosa. O fenômeno, registre-se desde logo, não é peculiaridade nossa. Em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, cortes constitucionais ou supremas cortes destacaram-se em determinadas quadras históricas como protagonistas de decisões envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade. De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular. Os exemplos são numerosos e inequívocos. No Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense. Nos Estados Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro na fronteira com o território palestino. A Corte Constitucional da Turquia tem desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico. Na Hungria e na Argentina, planos econômicos de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes. Na Coréia, a Corte Constitucional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído por impeachment. Todos estes casos ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo. (BARROSO, 2009)

Sobre o conceito de judicialização, assevera o supracitado autor

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. (BARROSO, 2009)

Este fenômeno também foi objeto de análise de Gisele Citadino para quem

...a jurisdição constitucional, nas sociedades contemporâneas, tem atuado intensamente como mecanismo de defesa da Constituição e de concretização das suas normas asseguradoras de direitos. E já são muitos os autores que designam esse "ativismo judicial" como um processo de "judicialização da política".

Várias são as chaves de interpretação desse processo que podem, inclusive, ser utilizadas para a análise da expansão do poder judicial tanto nos países centrais como nos periféricos: o fenômeno da normatização dos direitos, especialmente em face de sua natureza difusa e coletiva; as transições pós-autoritárias e a edição de constituições democráticas, seja em países europeus ou latino-americanos, com a conseqüente preocupação com o reforço das instituições de garantia do Estado de Direito, dentre elas a magistratura e o ministério público; as diversas investigações voltadas para elucidação dos casos de corrupção a envolver a classe política (...) a instituição de algum tipo de poder judicial internacional (...); e, finalmente, a emergência de discursos acadêmicos e doutrinários (...) (CITADINO, 2002: 18)

Ora, a análise do quanto até aqui exposto parece ensejar alguma incoerência. Sustenta-se que Direito e Política são instituições distintas, ao mesmo tempo em que se comprova que os principais elementos, as notas essenciais de ambos estão diretamente relacionadas.

Esta aparente contradição também foi ressaltada por Barroso

Direito é política, proclamava ceticamente a teoria crítica do Direito, denunciando a superestrutura jurídica como uma instância de poder e dominação. Apesar do refluxo das concepções marxistas na quadra atual, é fora de dúvida que já não subsiste no mundo contemporâneo a crença na idéia liberalpositivista de objetividade plena do ordenamento e de neutralidade absoluta do intérprete. Direito não é política. Somente uma visão distorcida do mundo e das instituições faria uma equiparação dessa natureza, submetendo a noção do que é correto e justo à vontade de quem detém o poder. Em uma cultura pós-positivista, o Direito se aproxima da Ética, tornando-se instrumento da legitimidade, da justiça e da realização da dignidade da pessoa humana. Poucas críticas são mais desqualificantes para uma decisão judicial do que a acusação de que é política e não jurídica. Não é possível ignorar, porém, que a linha divisória entre Direito e Política, que existe inegavelmente, nem sempre é nítida e certamente não é fixa. A ambigüidade refletida no parágrafo anterior impõe a qualificação do que se entende por política. Direito é política no sentido de que (i) sua criação é produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis; (ii) sua aplicação não é dissociada da realidade política, dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e expectativas dos cidadãos; (iii) juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia e, conseqüentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que formula. A Constituição faz a interface entre o universo político e o jurídico, em um esforço para submeter o poder às categorias que mobilizam o Direito, como a justiça, a segurança e o bem-estar social. Sua interpretação, portanto, sempre terá uma dimensão política, ainda que balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente. Evidentemente, Direito não é política no sentido de admitir escolhas livres, tendenciosas ou partidarizadas. O facciocismo é o grande inimigo do constitucionalismo. (...) Em rigor, uma decisão judicial jamais será política no sentido de livre escolha, de discricionariedade plena. Mesmo nas situações que, em tese, comportam mais de uma solução plausível, o juiz deverá buscar a que seja mais correta, mais justa, à luz dos elementos do caso concreto. O dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e persuasiva, é um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma específica legitimação. (BARROSO, 2009)

Nesta esteira, confira-se, por oportuna, a análise de Gisele Cittadino

Falar de um processo de judicialização da política, de outra parte, evoca, necessariamente algumas indagações. Há relação entre a "força do direito" e o tão propalado "fim da política"? As democracias marcadas pelas paixões políticas estão sendo substituídas por democracias mais jurídicas, mais reguladoras? Uma idade racional do direito sucede a uma idade teológica da política? Parece razoável afirmar que não. Confundir a política com o direito é certamente um risco para qualquer sociedade democrática. (CITTADINO, 2002:18)

Ressalvada a divergência quanto à questão jus filosófica [09] apresentada pelo autor citado, concordamos, na essência, com o quanto acima exposto. Em rigor, a política é fenômeno, repita-se, complexo, que remonta a diversas realidades e é plasmada pelo Direito. Este regula comportamento humano e, na acertada definição de Miguel Reale "delimita para libertar: quando limita, liberta" (REALE, 2005:64). É ordem prescritiva de conduta humana. Distingue-se, desta forma, das demais ordens sociais.

Retomando idéias já sustentadas em outro trabalho, deduzimos que

A relação entre Direito e Política é inafastável. Os elementos de intersecção são, sem dúvidas, a relação de poder e o Estado. Todavia, são ciências sociais que não se confundem. Verbaliza Celso Ribeiro Bastos:

O Poder Político exerce uma função transcendente desde logo na própria Constituição do Estado. Este nada mais é que uma comunidade transformada pelo exercício sobre ela do Poder Político.

A Ciência Política tem por objeto o conjunto de fenômenos relativos ao Estado. Este "é a mais complexa das organizações criadas pelo homem". É simultaneamente um fato social e também jurídico, "organização política sob a qual vive o homem moderno. Ela caracteriza-se por ser a resultante de um povo vivendo sobre um território delimitado e governado por leis que se fundam num poder não sobrepujado por nenhum outro externamente e supremo internamente". Este poder — o Direito — materializa-se na Constituição.

Do exposto, pode-se concluir, com Maria Paula Dallari Bucci, que

"(...) adotar a concepção de políticas públicas em direito consiste em aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídicas e política ou, em outras palavras, assumir a comunicação que há entre os dois subsistemas, reconhecendo e tornando públicos os processos dessa comunicação na estrutura institucional do poder, Estado e Administração Pública."

Logo, a Política é realidade externa ao Direito. Contudo, com este se relaciona. E, ao ser inserido no ordenamento jurídico mediante o processo interno correspondente, torna-se fato jurídico, normado, a ser, desta forma, objeto de estudo da ciência jurídica.

Para nos valer da judiciosa preleção de Konrad Hesse: "A Constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social". (HUMBERT, 2009: 70-71)

Na conformação desta realidade, o Direito prevê a existência de três Poderes [10], que funcionam, articuladamente e de forma concatenada, submetida por regime jurídico próprio, mediante o sistema de freios e contrapesos originariamente proposto por Maquiavel. Define a atividade precípua de cada um destes Poderes, delimitando-as, ao passo em que prevê mecanismos de controle recíproco do exercício destes Poderes, com a finalidade de manter a própria existência do sistema. O Direito é ordem de conduta não só do povo, mas também do próprio Estado. Esta é a essência do Estado de Direito, sob a qual todos, de forma isonômica, estão sujeitos.

Desta forma, é próprio da Política e do Direito, é mesmo ínsito a essa conjugação de fenômenos, possibilitar que, dentro de, ressalte-se, certos limites previamente estabelecidos para todos – inclusive para o Estado-Poder, aja legítima interferência do direito no exercício da atividade política [11]. Todavia, isto não significa e nem mesmo justifica, necessariamente, aceitar a formação de uma via de mão dupla; a recíproca, neste particular, não é verdadeira [12], pois o Direito, em última instância, visa perpetrar a segurança das relações, o que não se coaduna com a incidência de interesses, valores, anseios momentâneos ou de determinada classe a determinar o direito livremente, pena de resultar na eclosão de suas bases principais e, consequentemente, do próprio sistema [13].


4 - Conclusões

Diante do exposto podemos extrair as seguintes conclusões:

1.O fenômeno político é complexo, englobando diversas realidades;

2.Sociedade, Poder, Bem Comum e Estado são objetos mais relevantes da ciência política;

3.A ciência política não se encontra exclusivamente no plano do ser, nem do dever ser, tratando-se, dada a complexidade de seu objeto, de disciplina de síntese;

4.A judicialização da política ocorre naturalmente, pois que diretamente ligada a fatos como Poder (Soberania), Estado e Bem Comum (Sociedade), o direito a toma como fato juridicamente relevante, disciplinando, mediante normas jurídicas (portanto prescrições imperativas) o seu regime, pelo que, por essa mesma razão, a política passa a ser objeto da ciência do direito, enquanto norma integrante do sistema jurídico;

5.Na medida em que ocorre a judicialização da política, é legitima a interferência direta desta por outros poderes, eu não o Político, desde que na forma e nos limites impostos pelo sistema jurídico.


5 - Referências

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 1998.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo: C. Bastos, 2002.

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade

Democrática. In Atualidades Jurídicas. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Disponível em: www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf Acesso em: 16.03.2009.

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Reflexões política e Direito. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1973.

BOMPAM, Ferndanda. Gazeta Mercantil/Caderno A. TJ-SP seqüestra conta para pagar precatório não alimentar. São Paulo: 2009, p. 10.

DALLARI, Dalmo. O Futuro do Estado. São Paulo: Saraiva: 1972.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1991.

HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e função socioambiental da propriedade imóvel urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2005.


NOTAS

  1. Oportuno e relevante o esclarecimento preliminar de Noberto Bobbio, para quem "... cada acepção de ‘filosofia política’ corresponde um modo distinto de se propor a questão das relações entre filosofia e ciência política, colocando assim de sobreaviso qualquer um que esteja tentado a acreditar que o problema tenha uma solução única". Na seqüência, o citado autor apresenta o que, na sua concepção, são os quatro diferentes significados de ‘filosofia política’, quais sejam: "1 (...) como descrição, projeção, teorização da ótima república, ou, se quisermos, como a construção de um modelo ideal de Estado (...) 2. (...) como a busca do fundamento último do poder (...) na determinação de um ou mais critérios de legitimidade do poder; 3. (...) como atividade autônoma, modo ou forma de Espírito (...) que tem como características específicas que a distinguem tanto da ética quanto da economia, ou do direito ou da religião. (...) 4. (...) como discurso crítico, voltado para os pressupostos, para as condições de verdade, para a pretensa objetividade, ou não valoração da ciência política." (BOBBIO, 2000: 67-69). É no terceiro sentido que se enquadra o presente estudo.
  2. A noção de bem comum remonta à antiguidade. Conforme apontava Platão, o bem comum da cidade deve sobrepor a bens particulares. Para este filósofo, o bom governante é aquele que considera seu próprio interesse subordinado ao interesse do Estado. Portanto, a política é, segundo esta doutrina, a arte de cuidar do todo, sendo a sua finalidade o bem geral dos cidadãos. Aristóteles também se dedicou ao tema. No livro primeiro de sua Ética Nicomaquea, aborda a problemática do bem e sua relação com a felicidade do homem. Ao identificar as diferentes situações que produzem felicidade, propõe a existência de uma hierarquização, pelo que se infere que a contemplação do bem - a visão do bem comum -, em sua acepção mais ampla, é a política. Já salientamos que "O bem comum é o fim precípuo, é inerente ao próprio Estado Social Democrático de Direito. Consubstancia-se no conjunto de condições sociais que possibilitam a felicidade coletiva. Enfim, é o fazer algo em benefício de todos. Da ordem posta, isto é, do Direito Positivo Brasileiro, extraem-se duas acepções, dois conceitos jurídicos de bem comum. No plano infraconstitucional, a expressão bem comum está inserta no art. 5º da LICC, que dispõe que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum." Portanto, trata-se de método de aplicação da lei. No plano constitucional é referido pelo art. 3º da CF, de onde pode extrair o seu conteúdo mínimo que lhe confere densidade normativa: Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Destarte, verifica-se, nesta segunda hipótese, que a promoção, o alcance, o atendimento, ou ao menos a busca incessante da consecução do bem comum não é só um objetivo, uma questão política, sociológica, um desejo ou mera recomendação: é prescrição, imposição legal." (HUMBERT, 2009: 70-71).
  3. Kelsen averba: "O momento coação, isto é, a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como conseqüência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e — em caso de resistência — mediante o emprego de força física, é o critério decisivo". (KELSEN, 2006: 37).
  4. Com efeito, a coisa julgada é garantia fundamental, inserta no art. 5°, XXXVI da Constituição, como base do Estado Democrático de Direito que se norteia pela segurança jurídica. Segundo o nosso ordenamento, denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso. (CPC, art. 467)
  5. Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 35.
  6. "As normas de uma ordem jurídica regulam a conduta humana." Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 33.
  7. À título de exemplo pode ser citado a recente tentativa de promulgação de uma Constituição Européia, frustrada apenas em razão da não referendação por dois integrantes do Bloco Europeu.
  8. Consoante esse Autor "Nesse conceito, se acham presentes todos os elementos que compõem um Estado e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica própria da ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo, e, finalmente, a territorialidade limitadora da ação jurídica e política do Estado está presente na menção a determinado território." (DALLARI, 1972: 104).
  9. Isto porque, dentre outros fatores, não há que se falar em pós-positivismo. A palavra pós remete-nos a idéia de superação, de algo que foi ultrapassado e substituído. E isto, a toda evidência, não reflete a realidade do positivismo jurídico, que, nas suas mais variadas facetas, permanece válido e em pleno uso, sendo que seu método de estudo do direito ainda é serviçal ao desenvolvimento de pesquisa nesta seara.
  10. Confira-se, neste sentido, os arts. 44 a 135 da nossa Carta Magna que dispõem acerca da organização dos Poderes.
  11. Por isso mesmo que o Poder Judiciário tem acertado ao, constatando-se a omissão (que, não há dúvidas, é violação de dever jurídico) da Administração na efetivação de Políticas Públicas, determine a adoção de providências em determinado caso concreto, interferindo diretamente na Política própria de uma das esferas do Poder (a Executiva ou Administrativa). Nesta esteira, brilhante a decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello: EMENTA: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). AGRAVO IMPROVIDO.- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por  efeito da alta significação social de que se reveste a educação   infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de   maneira concreta, em favor das "crianças até 5 (cinco) anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da    discricionariedade político- -administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.- Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases  excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos    estatais competentes, por   descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais  impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina. (STF - AI 677-274-8, grifamos)
  12. Cite-se, ademais, recente decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que deferiu o sequestro de conta do Município de Guarulhos para pagamento de precatório não alimentar, uma vez que o exequente, que não possuía plano médico e é aposentado, possa quitar dívida contraída perante hospital privado em razão de doença grave e continuar o tratamento indispensável à sua sobrevivência (BOMPAM, 2009:10) Nesta esteira, cite-se, ainda, presente decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, interferindo diretamente na Política Pública de saúde da Administração local, assim decidiu:

    APELAÇÃO CÍVEL. ECA. realização de cirurgia. PRELIMINAR de ilegitimidade passiva e perda do objeto afastadas. SOLIDARIEDADE ENTRE OS PODERES. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS À VIDA E À SAÚDE. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO ESGOTAMENTO ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE INGERÊNCIA desacolhida.

    Existe solidariedade entre a União, os Estados e os Municípios, quando se trata de saúde pública, cabendo ao necessitado escolher quem deverá lhe fornecer o tratamento médico pleiteado. A realização de exames, cirurgias ou a aquisição de medicamentos à criança independe de previsão orçamentária, tendo em vista que a Constituição Federal, ao assentar, de forma cogente, que os direitos das crianças e adolescentes devem ser tratados com prioridade, afasta a alegação de carência de recursos financeiros como justificativa para a omissão do Poder Público. Restando comprovado que o menor necessita do tratamento médico do medicamento postulado, prevalece o direito constitucional à saúde da criança e do adolescente. A administração pública, que prima pelo princípio da publicidade dos atos administrativos, não pode se escudar na alegada discricionariedade para afastar do Poder Judiciário a análise dos fatos que envolvem eventual violação de direitos. O princípio da dignidade humana e a garantia de atendimento prioritário às crianças e adolescentes, além do exame da prova dos autos, conduz ao pronto atendimento do pedido da inicial." TJRJ – 8ª Cam. Cível; ACI n.° 70026720326, j. 30/10/2008, v.u)

  13. Cumpre firmar que há autores que admitem, ou melhor, partem do pressuposto de que o Direito é realidade viva, é aquilo que os diversos fatores sociais diz que é, a final, aquilo que os juízes decidem, havendo um sincretismo entre norma, moral, ideologias etc. Não se nega a interferência destes fatores na formação e conformação do Direito. Contudo, estes não são objeto do Direito e somente são juridicamente relevantes a partir do momento em que o sistema jurídico os incorpora pelo método legalmente previsto, positivando-os. Ademais, não se pode confundir a atividade de descrever o direito, daquela proferida pelo intérprete do direito. Sobre o tema, consulte-se CARRIÓ, Genaro Ruben. Principios jurídicos y positivismo jurídico. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1970.DINIZ, Maria Helena. A ciência jurídica. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 17. ed., à luz da Lei nº 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 2005. DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1977.
  14. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2003.KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

  15. O conceito de sistema aqui se emprega no sentido kelseniano. As normas jurídicas, conforme lição recorrente, nunca podem ser examinadas isoladamente. (KELSEN, 2006: 52). Também nesta acepção, resguardadas as peculiaridades e objeto de cada obra, são precisas as lições de Lourival Vilanova ao tratar das estruturas lógicas do Direito, as quais, apesar de extensas, não podemos olvidar em transcrever em sua íntegra: "O direito positivo, sempre historicamente individualizado pelo substrato social a que responde, como contrapartida normativa, tem estruturas de diversos tipos. Em conjunto, é uma estrutura social, inseparável o suporte factual e a capa normativa, pois não há fato social sem normatividade. É um sistema social, e dentro do sistema global que é a sociedade, cumpre a função de um subsistema ou sistema-parte desse todo". Continua o citado mestre: "Entre as estruturas, há aquelas que residem no fato de o direito ser um produto objetivo da cultura, fixado num sistema de linguagem. E na linguagem encontramos, pondo de parte as estruturas meramente gramaticais, as estruturas lógicas ou formais. Assim, o direito positivo se não é, tende a ser um sistema. Não é mero agregado de proposições normativas, simples justaposição de preceitos, caótico feixe de normas. A própria finalidade que tem de ordenar racionalmente a conduta humana sujeita-o às exigências da racionalidade, de que a lógica é a expressão mais depurada. É da ordem da práxis, sem deixar de pertencer à razão prática". Ao final, remata: "O ser-sistema é a forma lógica mais abrangente. As partes são as proposições. Onde há sistema há relações e elementos, que se articulam segundo as leis...". (VILANOVA, 2005:86-87).

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HUMBERT, Georges Louis Hage. O Direito e o fenômeno político. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2390, 16 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14197. Acesso em: 28 mar. 2024.