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A situação atual da teoria dos princípios no Brasil

A situação atual da teoria dos princípios no Brasil

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1 PRINCÍPIOS

Miguel Reale nos ensina que "toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber" (1998, p. 305).

Na história do pensamento ocidental, a busca pelos princípios sempre foi um fator importante. Afinal, a filosofia é fundada com Tales de Mileto afirmando que o princípio de todas as coisas é a água (MARÍAS, 2004, p. 16; HEGEL, 2005, p. 42). Esse primeiro esforço filosófico foi feito para discernir os entes meramente aparentes das coisas de existência real, que existem em si, de natureza primordial e irredutível a outra, utilizando para isso o pensamento racional (GARCÍA MORENTE, 1980, p. 68).

A filosofia grega, então, vai tentar identificar o princípio de onde emerge ou brota toda a realidade concreta, isto é, qual é ou quais são as coisas que têm uma existência em si. O termo "princípio" é utilizado nos dois sentidos da palavra: como começo e como fundamento de todas as coisas (MARÍAS, 2004, pp. 11-12; GARCÍA MORENTE, 1980, p. 69).

Após Tales, outros filósofos pré-socráticos buscaram uma coisa material como origem de todas as demais, (GARCÍA MORENTE, 1980, p. 69) como, por exemplo, Anaximandro, que irá dizer que o princípio de todas as coisas é o apeíron e Anaxímenes que identificou o princípio como sendo o ar, dentre outros (MARÍAS, 2004, pp. 16-17).

Apesar do fato de que adentrar nas ideias dos demais filósofos gregos nos faria escapar em demasia de nosso objetivo, vale fazer uma menção final a Aristóteles. O discípulo genuíno de Platão concebeu a filosofia primeira, a Metafísica, que é a ciência que se ocupa das realidades que estão além das físicas, como a pesquisa, dentre outras coisas e em primeiro lugar, das causas e dos princípios primeiros ou supremos (REALE, Giovanni, 2007, pp. 27, 28 e 32). Aristóteles enumera diversos significados para a palavra "princípio", dentre eles:

[c] aquilo cuja presença determina em primeira instância o surgimento de alguma coisa. Por exemplo, a quilha de um navio e as fundações de uma casa [...]; [e] aquilo, em conformidade com cuja escolha deliberada, o que é movido é movido, e o que é transformado é transformado, do que são exemplos as magistraturas nas cidades, e os governos: oligarquias, monarquias e tiranias; [g] aquilo a partir de que uma coisa começa a ser compreensível também é chamado de princípio da coisa, por exemplo, as hipóteses das demonstrações (2006, p. 129).

Para Kant, o ponto principal da filosofia moderna é ‘fornecer’ princípios adequados para as divisões gregas clássicas da filosofia: física, ética e lógica. Entende que princípio ("grundsatz") é um juízo a priori imediatamente certo, a partir do qual outros juízos são provados, mas ele próprio não pode ser subordinado a qualquer outro. Os princípios contêm "em si mesmos os fundamentos de outros juízos, embora não sendo eles próprios derivados de um princípio superior" (CAYGILL, 2000, pp. 259-262).

Em relação a um sistema de conhecimento, os princípios são suas verdades fundantes, podendo ser discriminados em três grandes categorias. Princípios omnivalentes: válidos para todas as formas de saber; princípios plurivalentes: aplicáveis a vários campos de conhecimento, mas não a todos; e princípios monovalentes: apenas válidos para determinada ciência, como, por exemplo, os princípios gerais de direito (REALE, Miguel, 1998, pp. 305-306).


2 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

2.1 Diretrizes para a integração das lacunas (artigo 4º da LICC).

A partir do século XIX, os princípios gerais de direito foram recepcionados pelos códigos de diversos países. Rodolfo Luis Vigo leciona que essa recepção ocorreu de três distintas maneiras. Assim, os de inspiração jusnaturalista, como o Código Civil austríaco de 1811, que utiliza a expressão "princípios de direito natural"; os de filiação positivista, mais excepcionais, tal qual o Código Civil italiano de 1942, que faz alusão aos "princípios gerais do ordenamento jurídico do Estado"; e, por fim, os que adotaram a fórmula neutra de "princípios gerais de direito", tolerantes de uma interpretação tanto positivista quanto jusnaturalista, como o argentino, o espanhol de 1888, o mexicano de 1928, etc (2005, pp. 125-126). Nesta última categoria, pode-se incluir a codificação brasileira.

O artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n. 4.657/42), com texto semelhante ao artigo 7º da antiga Lei de Introdução de 1916 (Lei n. 3.071/16), "Art. 7º Applicam-se nos casos omissos as disposições concernentes aos casos analogos, e, não os havendo, os princípios geraes de direito" (texto original), expressamente menciona os princípios gerais do direito na hipótese de lacuna no ordenamento jurídico: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

Primeiramente, para não restar dúvidas, vale ressaltar que a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), ao contrário do que possa parecer pelo próprio nome, não se trata apenas de uma lei aplicável ao direito civil. Na verdade, como leciona Maria Helena Diniz, "é uma lei de introdução às leis, por conter princípios gerais sobre as normas sem qualquer discriminação", sendo "uma norma preliminar à totalidade do ordenamento jurídico nacional". Não se limita a regular o direito civil, ultrapassa-o, alcançando todo o direito privado e o direito público também; aplica-se, então, a todas as normas nacionais, tanto de direito privado quanto de direito público (2002, pp. 3-4).

O juiz não podendo denegar justiça, de acordo com o artigo 126 do Código de Processo Civil, tem à sua disposição os elementos enunciados no artigo 4º da LICC que possibilitam o preenchimento das lacunas da lei: analogia, costumes e princípios gerais de direito (CIOTOLA, 2001, p. 33).

A analogia consiste em "aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou especifico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado" (DINIZ, 2002, p. 111). E considera-se costume a adoção de uma determinada prática reiterada de agir por um grupo social, cuja repetição constante a transforma em regra de comportamento (PEREIRA, 2005, p. 67).

Quando a analogia e o costume falham no preenchimento da lacuna, [01] leciona Maria Helena Diniz, "o magistrado supre a deficiência da ordem jurídica, adotando princípios gerais de direito, que são cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico" (2002, pp. 124-125).

Carlos Maximiliano e Eduardo Espínola, autores clássicos que se ocuparam da interpretação das disposições da LICC, afirmavam que no caso de lacuna do direito, o juiz deveria seguir a graduação estabelecida, como regra. Primeiro, se vale da analogia, depois dos costumes e, por último, dos princípios gerais de direito. Parece, que na verdade, eles faziam uma interpretação condicionada à exigência disposta no artigo 7º da antiga LICC, exigência esta que não permanece no artigo 4º da LICC atual. De qualquer forma, os próprios autores admitiam que não era forçoso seguir essa ordem sempre, podendo ser alterada para alcançar a solução mais acertada para o caso concreto (2003, p. 246; 1999, p. 120).

Para Miguel Reale, aqueles que entendem que haveria no artigo 4º da LICC uma "enumeração excludente, de tal modo que, em primeiro lugar, se deveria recorrer à analogia; a seguir, aos costumes e, por fim, aos princípios gerais" seguem a equivocada tese da supremacia absoluta da lei, pois tal entendimento exige que busque primeiro outras normas do ordenamento jurídico positivo para solucionar a lacuna antes de se valer das outras fontes. É possível, na verdade, até serem utilizados concomitantemente a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito; ou o juiz identificar de pronto, por exemplo, que os princípios gerais de direito fornecem uma solução satisfatória, sequer buscando uma norma para ser aplicada por analogia (1998, p. 317).

Do exposto, cabe ressaltar que a analogia, apesar de ser utilizada no processo de integração do direito, não é fonte do direito, apenas a lei e o costume são. A fonte, em última análise é a lei, de onde se tirou a regra que será aplicada analogicamente. Ao passo que os princípios gerais de direito constituem verdadeira fonte supletiva à lei positiva (ESPÍNOLA, 1999, p. 110).

Ao analisar os três vocábulos que compõem a locução princípios gerais de direito, Marcello Ciotola diz que: o termo ‘princípios’ nos dá a ideia de fundamento, origem, razão, causa; o vocábulo ‘gerais’ nos remonta à distinção entre o gênero e a espécie e, por fim; o termo ‘direito’ nos lembra o caráter de juridicidade, a qualidade daquilo que está conforme a regra e dá a cada um o que lhe pertence (2001; p. 31).

Mas nem todos são igualmente gerais, podendo haver os seguintes tipos de princípios: a) de um instituto jurídico; b) de vários institutos jurídicos; c) de um dos ramos do direito privado ou do direito público; d) de todo o direito privado ou de todo o direito público; e) de todo o direito positivo vigente e f) de todo o direito universal (ESPÍNOLA, 1999, p. 119).

Os princípios gerais de direito servem como uma diretriz para a integração das lacunas estabelecidas pelo próprio legislador. Por serem vagos e imprecisos, já que não são regras imperativas de realização determinada, (ESPÍNOLA, 1999, p. 112) foram concebidos de maneira diversa por diferentes escolas jurídicas estrangeiras, sendo seis no total, de acordo com a pesquisa efetuada por Maria Helena Diniz (2002, pp. 125-128).

A primeira combate os princípios gerais de direito, negando que possam ser utilizados como mecanismos de suprimento (CASTRO Y BRAVO apud DINIZ, 2002, p. 126). A segunda os considera como normas de direito natural, podendo ser identificados, conforme a ideia que se tenha de direito natural, como a razão natural, (DEL VECCHIO, 1937 apud DINIZ, 2002, p. 126) a natureza das coisas (LEGAZ Y LACAMBRA, 1943 apud DINIZ, 2002, p. 126) ou verdades objetivamente derivadas da lei divina (DIEZ-PICAZO apud DINIZ, 2002, p. 126). A terceira os confundem com a própria equidade (OSILIA, 1923 apud DINIZ, 2002, pp. 125-126). A quarta, como tendo caráter universal, ditados pela ciência e pela filosofia do direito (ALÍPIO SILVEIRA apud DINIZ, 2002, p. 127). A quinta, positivista, os caracterizam como base do direito legislado, historicamente contingentes e variáveis, e extraídos das diversas normas do ordenamento jurídico (BARASSI, 1955 apud DINIZ, 2002, pp. 127-128). A sexta, por fim, adota uma posição eclética, tentando conciliar as posições citadas (ENNECCERUS apud DINIZ, 2002, p. 128).

Após essa exposição, a referida autora completa sua análise afirmando que considera que os princípios gerais de direito contêm múltipla natureza. Sendo, então, decorrentes das normas do ordenamento jurídico, atuando como fundamento de integração do sistema normativo e como limite da atividade jurisdicional, derivados das ideias políticas e sociais vigentes e reconhecidas pelas nações civilizadas (DINIZ, 2002, pp. 128-129).

Miguel Reale, por outro lado, cita três tendências principais da origem e fundamento dos princípios gerais de direito: no direito pátrio, estariam implícitos na legislação positiva; no direito comparado, as estruturas sociais e históricas dos diversos povos; e no direito natural, se legitimam como pressupostos de natureza lógica ou axiológica, fundado no valor primordial que é a "pessoa humana, cujo significado transcende o processo histórico" (1998, pp. 308-318).

Para Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, os princípios gerais do direito são inferidos "do espírito e das ideias fundamentais das leis e costumes, que formam o sistema jurídico do próprio país" e achados nos "trabalhos teóricos dos sábios e a análise das circunstancias históricas, que influíram sobre a própria legislação". Formam-se, então, na relação do conjunto de leis e costumes, direito positivo do país, com os resultados gerais do estudo da jurisprudência, da ciência jurídica e da legislação comparada (1999, p. 111).

Esses autores distinguem em dois tipos: princípios gerais do direito nacional e princípios gerais do direito universal, [02] devendo o intérprete se valer destes apenas quando aqueles não forem satisfatórios para solução do caso (ESPÍNOLA, 1999, p. 111).

De acordo com Carlos Maximiliano, a noção de princípios gerais de direito abrange não apenas a legislação nacional, mas também os princípios filosóficos; não se restringe, então, ao direito positivo, devendo o intérprete se valer do direito natural para suprir as lacunas e completar o sentido do texto. [03] (2003, p. 242).

O exposto acima tratou da função primeira dos princípios gerais do direito, que é preencher as lacunas da lei, em consonância com o artigo 4º da LICC, como já aludido com base na doutrina tradicional. De acordo com Miguel Reale o próprio legislador, no momento da feitura da lei, reconhece que o "sistema de leis não é suscetível de cobrir todo o campo da experiência humana, restando sempre grande número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado". Para essas situações, que são chamadas de lacunas do direito, "há a possibilidade do recurso aos princípios gerais de direito, mas é necessário advertir que a estes não cabe apenas essa tarefa de preencher ou suprir as lacunas da legislação", (1998, p. 306) como se verá abaixo.

2.2 Os alicerces do direito

Os princípios gerais de direito não assumem uma função apenas no caso particular de lacunas encontradas na legislação. "Em verdade, toda a experiência jurídica e, por conseguinte, a legislação que a integra, repousa sobre princípios gerais de direito que podem ser considerados os alicerces e as vigas mestras do edifício jurídico" (REALE, Miguel, 1998, pp. 317-318). A segunda função é, então, servir de "sustentáculo para todo o ordenamento jurídico", funcionando como alicerce da própria ciência jurídica, "possibilitando a construção de todo um edifício doutrinário", (CIOTOLA, 2001, p. 38) o que demonstra também o papel de fonte supletiva que cabe aos princípios gerais de direito.

Essa segunda função já era vislumbrada como tendo até mesmo a força de que um "princípio dominante no direito positivo poderá ter a conseqüência de reduzir a zero uma prescrição legal, que com ele se choque (interpretação ab-rogante)" (ESPÍNOLA, 1999, p. 120).

Logo, os princípios gerais do direito são "enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas" (REALE, Miguel, 1998, p. 306).

Cabe ao intérprete interpretar e aplicar os modelos jurídicos, sejam eles legais, costumeiros, jurisprudenciais ou negociais, à luz dos princípios, (REALE, Miguel, 1998, p. 318) para impedir "a injustiça, o absurdo, as decisões disparatadas, fazendo, ao contrário, alcançar-se o ideal de justiça e de utilidade social, correspondente ao bem comum, que é, sempre, o escopo geral e supremo da ordem jurídica" (ESPÍNOLA, 1999, p. 120).

Com o advento da Constituição Federal de 1988, os autores pátrios irão dizer que os princípios gerais de direito penetraram na lei maior, se transformando em princípios constitucionais (CIOTOLA, 2001, p. 52).

2.3 Dos princípios gerais de direito aos princípios constitucionais

Paulo Bonavides, ao tratar da conversão dos princípios gerais de direito em princípios constitucionais, alude a três fases da juridicidade dos princípios: jusnaturalista, positivista e pós-positivista (2008, p. 258).

Na fase jusnaturalista [04], mais antiga e tradicional, os princípios eram considerados como sendo abstratos e de baixa ou nenhuma normatividade, também chamados de axiomas [05] jurídicos. Seriam normas estabelecidas pela reta razão, com inspiração nos postulados de justiça, verdades objetivas da lei divina e humana, confundidos com o ideal de justiça. Tal concepção teria dominado a dogmática jurídica até a Escola Histórica do Direito, tendo sido levada ao descrédito por sua formulação axiomática. [06] (BONAVIDES, 2008, pp. 259-262).

Com o positivismo, segunda fase, os princípios gerais de direito aumentam seu prestígio ao serem recepcionados pelos códigos, desempenhando o papel de fonte normativa subsidiária. Passam a informar o direito positivo e lhe servir como fundamento. Todavia, a doutrina majoritária os considerou como carentes de normatividade ou como normas mais gerais, mas não como normas como as demais (BONAVIDES, 2008, pp. 262-263).

A terceira fase da teorização dos princípios é a do pós-positivismo, que corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas do século XX. Os princípios, ao se transferirem dos Códigos, nos quais eram meras fontes subsidiárias, para as Constituições, se convertem em fonte primária de normatividade, verdadeiras normas-chave de todo o sistema jurídico, fundamentos de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais (BONAVIDES, 2008, pp. 264-283).

Paulo Bonavides conclui que os princípios gerais de direito correspondem, em sentido e substância, aos princípios constitucionais, servindo de fundamento para o sistema jurídico, e que são normas, mais especificamente, normas primárias; ao passo que as regras seriam normas secundárias (2008, pp. 271-275).

Com essa trajetória, usando as palavras de autores recentes, termina então uma verdadeira "peregrinação normativa que, iniciada nos códigos, acaba nas constituições". Quando os princípios gerais de direito "penetram na Constituição, se transformam em princípios constitucionais", (CIOTOLA, 2001, pp. 51-52) passam de última fonte no sistema positivado, a ser a primeira fonte e, de forma antecedente, a reger a lei (MOREIRA, 2008, pp. 250-251). Nos tópicos seguintes, veremos até que ponto essas afirmações podem ser aceitas.

2.3.1 Crítica à identificação dos princípios jurídicos com os princípios gerais de direito

Eros Roberto Grau parte da aceitação dos princípios como normas que compõem o ordenamento jurídico e segue sua explanação dizendo ser importante "indagarmos quais princípios compõem essa ordem", visto que a meditação sobre os princípios fora banalizada (2003, p. 46).

O autor então irá classificar os princípios da seguinte forma: os princípios explícitos, recolhidos no texto da Constituição ou da lei; após, os princípios implícitos, inferidos como resultado da análise de um ou mais preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislação infraconstitucional (exemplos: o princípio da motivação do ato administrativo – artigo 93, inciso X, da Constituição; o princípio da imparcialidade do juiz – artigos 95, parágrafo único, e 5º, inciso XXXVII, da Constituição); por fim, os princípios gerais de direito, também implícitos, coletados no direito pressuposto, que também é direito positivo, pois tais princípios "não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior", por isso já estão positivados, como o da vedação do enriquecimento sem causa (GRAU, 2003, p. 47).

De maneira que distingue os princípios jurídicos (implícitos ou explícitos), chamados por Bonavides de princípios constitucionais, dos princípios gerais de direito, considerando ambos normas jurídicas. "Norma jurídica é gênero que alberga, como espécies, regras e princípios – entre estes últimos incluídos tanto os princípios explícitos quanto os princípios gerais de direito." (GRAU, 2003, p. 49).

Fábio de Oliveira também considera não ser viável identificar os princípios constitucionais com os princípios gerais de direito. Faz essa distinção tendo em vista o fato desses últimos encontrarem sua sede no direito natural, devido a sua generalidade (2007, pp. 29-30).

A tese de Eros Grau, por outro lado, se funda na ideia de que "os princípios gerais de direito – princípios implícitos, existentes no direito pressuposto – não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior". Esses princípios também já estão positivados, como os demais. Sustenta a "não-transcendência dos princípios implícitos, princípios gerais de um determinado direito", pois a "positivação" dos princípios "não se dá mediante seu resgate no universo do direito natural, como tantos supõem; ela não é constituída, essa ‘positivação’, mas simplesmente reconhecida, no instante do seu descobrimento (do princípio) no interior do direito pressuposto da sociedade a que corresponde" (2003, pp. 47-48).

Marcello Ciotola, seguindo a lição de Paulo Bonavides, defende a identidade dos diferentes tipos de princípios, isto é, que os tradicionais princípios gerais de direito correspondem aos modernos princípios constitucionais. Para isso, utilizando um critério onomástico, baseia-se no fato de que os princípios gerais de direito (ou preceitos fundamentais) citados por Miguel Reale, em seu livro Lições Preliminares de Direito, coincidem com os princípios presentes na Constituição Federal de 1988 citados por Luis Roberto Barroso, em Interpretação e Aplicação da Constituição (2001, p. 51).

Na verdade, dos preceitos fundamentais enumerados por Miguel Reale, apenas alguns realmente coincidem com os que constam na citação de Luis Roberto Barroso, (BARROSO, 2001, pp. 155 e seg.) tais como a ideia de função social da propriedade com o princípio da função social da propriedade (artigo 170, inciso III) e a subordinação da atividade administrativa aos ditames legais com o princípio da legalidade administrativa (artigo 37, caput). Já outros preceitos fundamentais citados por Miguel Reale não constam na Constituição Federal, tais como a "boa fé como pressuposto da conduta jurídica", o "equilíbrio contratual" e a "condenação de todas as formas de onerosidade excessiva" (1998, pp. 307-308). Apesar disso o autor conclui que a comparação "certamente confirma que entre princípios gerais de direito e princípios constitucionais não existe uma diferença substancial ou essencial" (CIOTOLA, 2001, p. 52).

Do exposto, pode-se concluir que, apesar de abalizada doutrina em contrário, os princípios gerais de direito não correspondem aos chamados princípios jurídicos ou constitucionais. Recaséns Siches distinguia ambos ao lecionar que a lacuna do direito é verificada quando o juiz, em um caso concreto e singular, não fosse capaz de localizar no ordenamento jurídico positivo nenhuma norma [07] ou princípio que direta ou indiretamente se referisse ao conflito submetido à jurisdição; assim, o juiz deve se valer, dentre outras coisas, dos princípios gerais de direito formulados no ordenamento positivo (1961, pp. 325-326).

Apesar de se concordar com Eros Grau de que os princípios gerais de direito são distintos dos princípios jurídicos ou constitucionais, discordamos das teses de que ambos seriam normas e de que os princípios gerais de direito seriam apenas coletados no denominado pelo autor de direito pressuposto, sendo normas positivadas também.

Pelo que já foi exposto no presente capítulo, pode-se fazer a distinção entre os dois diferentes princípios da seguinte forma: os princípios gerais de direito funcionam como fonte supletiva do ordenamento jurídico, aplicáveis as hipóteses de lacuna, e como alicerce da própria ciência jurídica, as normas decorreriam de sua utilização; ao passo que os princípios jurídicos, implícitos ou explícitos, como se verá a seguir, constituem, ao lado das regras, espécie de norma jurídica. Logo, os princípios gerais de direito não podem ser classificados como normas, sendo substancialmente distintos dos princípios jurídicos.

Além do mais, os princípios gerais de direito não são apenas coletados no direito positivo de um determinado ordenamento jurídico, pois, como já vimos, podem também ser identificados tanto como ius gentium, já que apresentam um caráter universal ao serem observados no direito das nações civilizadas, quanto como direito natural, servindo de alicerce para o próprio direito positivo.


3 PRINCÍPIOS JURÍDICOS

O estudo dos princípios jurídicos e da distinção entre princípios e regras não é recente. Em 1941, Walter Wilburg (Die Elemente des Schadensrechts), e em 1956, Josef Esser (Grundsatz und Norm), já tratavam desses temas. Mas esse esses estudos ganham força total a partir das obras de Ronald Dworkin (Taking Rights Seriously, 1977) e Robert Alexy (Theorie der Grundrechte, 1984) (SILVA, 2003, p. 609).

3.1.1 Ronald Dworkin

Ronald Dworkin realizou um "ataque geral contra o positivismo", pois, em sua visão, os positivistas consideram, de maneira equivocada, o direito como um sistema composto exclusivamente de regras, ignorando os princípios (2007, pp. 35-36).

Ele dirá que os juristas não se valem apenas das regras, pois em certas situações, principalmente nos chamados casos difíceis, aqueles em que não conseguem identificar uma regra jurídica aplicável, recorrem a padrões que não funcionam como regras (2007, p. 36).

Esses padrões seriam políticas ou princípios [08], ressalvando que ao longo do texto utiliza o termo princípio para se referir de maneira genérica a esses dois tipos de padrões. As políticas estabelecem "um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade." Ao passo que os princípios, em sentido estrito, trariam "um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade". Como exemplo de princípio, cita o de que "nenhum homem pode beneficiar-se dos erros que comete" (DWORKIN, 2007, pp. 36-40).

A diferença entre princípios e regras, diz Dworkin, é de natureza lógica. As regras "são aplicáveis à maneira tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão". Já um princípio enuncia "uma razão que conduz o argumento em uma certa direção". Mas pode haver outro princípio que argumente na direção oposta. Pode ser, então, que aquele princípio não prevaleça, "mas isso não significa que não se trate de um princípio de nosso sistema jurídico, pois em outro caso, quando essas considerações em contrário estiverem ausentes ou tiverem menor força, o princípio poderá ser decisivo" (DWORKIN, 2007, pp. 39-42).

Outra diferença, decorrente da primeira, é que os "princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou de importância". No caso concreto, deve ser levada em conta a força relativa de cada princípio. Regras não têm essa dimensão. Não se pode dizer que "uma regra é mais importante que outra enquanto parte do mesmo sistema de regras". [09] (DWORKIN, 2007, pp. 42-43).

3.1.2 Robert Alexy

Robert Alexy apresenta uma distinção entre regras e princípios a partir da realizada por Dworkin, como o próprio admite (2008, p. 91, nota 27).

Dirá expressamente que as regras e os princípios são espécies de normas. "Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição" (ALEXY, 2008, p. 87).

Princípios "são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes", considerados, por isso, como mandamentos de otimização (com esse conceito o autor também inclui as permissões e as proibições), satisfeitos em grau variados, dependendo das possibilidades jurídicas e fáticas. [10] (ALEXY, 2008, p. 90).

Por outro lado, as regras "são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas", que contêm determinações. Se a regra é válida, então, "deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos" (ALEXY, 2008, p. 91).

A diferença fica mais clara nos casos de colisões entre princípios e de conflitos entre regras. Em ambos os casos, "duas normas, se isoladamente aplicadas, levariam a resultados inconciliáveis entre si, ou seja, a dois juízos concretos de dever-ser jurídico contraditórios", mas a forma de solução dessa situação é distinta se as normas são princípios ou se são regras (ALEXY, 2008, p. 92).

Um conflito entre regras somente pode ser solucionado de duas maneiras. Com a introdução, em uma das regras, de uma cláusula de exceção que elimine o conflito; nesse caso, ambas as regras seriam válidas. Ou com pelo menos uma das regras sendo declarada inválida, nessa situação uma das regras será extirpada do ordenamento jurídico; essa invalidez pode se dar de diferentes formas, por exemplo, usando os institutos lex posterior derogat legi priori (critério cronológico) ou lex specialis derogat legi generali (critério de especialidade). [11] (ALEXY, 2008, pp. 92-93).

A colisão entre princípios é solucionada de maneira diversa. Quando dois princípios colidem, um deles terá que ceder. Mas isso não significa "que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção". Ocorre, na verdade, que um dos princípios terá precedência sobre o outro no caso concreto, através do sopesamento de interesses; mudando as condições, pode ser que a questão da precedência seja solucionada de forma oposta. Por isso o autor, seguindo claramente Dworkin, diz que "os princípios tem pesos diferentes e que os princípios com o maior peso tem precedência". [12] (ALEXY, 2008, pp. 93-94).

Conclui que "conflitos entre regras ocorrem na dimensão de validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão de peso" (ALEXY, 2008, p. 94).

Outra distinção é constatada pelo "distinto caráter prima facie das regras e dos princípios". Os princípios não contêm um "mandamento definitivo, mas apenas prima facie", representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. Portanto, "não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes das possibilidades fáticas". O caso das regras é diverso, pois elas "exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam", então, vale definitivamente aquilo que elas prescrevem. [13] (ALEXY, 2008, pp. 103-104).

3.2 A distinção entre princípios e regras no Brasil

Como ressalta Eros Grau: "A última década do século passado é marcada, no campo da meditação sobre o direito, pelo paradigma dos princípios". Mas isso se passou de tal modo que foram eles banalizados, (2003, p. 46) a euforia é tamanha que hoje se fala até em "Estado Principiológico". [14] (ÁVILA, 2007, p. 23).

Em um já clássico trabalho sobre os princípios jurídicos relativos ao direito do consumidor, percebe-se um exemplo dessa banalização, já que a violação de um princípio, de acordo com Nelson Nery Júnior, seria a forma mais grave de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, "porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra" (1992, p. 51). Veremos mais a frente que as coisas não devem ser colocadas nesses termos.

Disso resulta que não apenas se confundem os princípios gerais de direito com os princípios jurídicos, mas também a distinção entre princípios e regras é feita (ou não é feita, na verdade) de tal maneira que nítidas regras são consideradas princípios.

É comum na doutrina pátria que se proceda, preliminarmente, à distinção entre princípios e regras com base nas teorias de Dworkin e Alexy para, todavia, ser feita uma tipologia dos princípios constitucionais, no moldes das concepções tradicionais, que, de acordo com Virgílio Afonso da Silva, define princípios como "mandamentos nucleares" ou "disposições fundamentais de um sistema", [15] (2003, p. 613) confundindo os dois diferentes tipos de princípio já aludidos.

Princípios seriam então as "normas mais fundamentais do sistema, enquanto as regras costumam ser definidas como uma concretização desses princípios e teriam, por isso, caráter mais instrumental e menos fundamental". Mas na teoria de Robert Alexy princípio "é um conceito que nada diz sobre a fundamentalidade da norma", uma norma, então, seria classificada como princípio "apenas em razão de sua estrutura normativa e não de sua fundamentalidade" (SILVA, 2003, pp. 612-613). Daí nota-se a diferença elementar entre princípios gerais de direito e os princípios jurídicos.

A renomada obra de Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, é um exemplo desse posicionamento criticado pelo autor, pois apesar de se valer das teses de Dworkin e Alexy, concluirá que os princípios:

Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes. São qualitativamente a viga mestra dos sistemas, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição (2008, p. 294).

Por outro lado, continua Virgílio Afonso da Silva, os autores brasileiros procedem também de maneira contraditória ao efetuar uma distinção entre princípios e regras, pois "muito do que as classificações tradicionais chamam de princípio, deveria ser, se seguirmos a forma de distinção proposta por Alexy, chamado de regra". Como exemplo os chamados "princípios" do nulla poena sine lege, da legalidade e da anterioridade seriam classificados como regras. De maneira que, "mesmo quando se diz adotar a concepção de Alexy, ninguém ousa deixar esses ‘mandamentos fundamentais’ de fora das classificações dos princípios para incluí-los na categoria das regras" (2003, p. 613).

Essa confusão ocorre também pela ideia de que o critério da generalidade distingue os princípios das regras, mas como Robert Alexy elucida, há normas de alto grau de generalidade que não são princípios, mas sim regras, já que exigem algo que sempre ou é cumprido, ou não. Como é o caso do artigo 103, § 2º, da Constituição alemã, (2008, p. 109) correspondente ao enunciado do inciso XXXIX, do artigo 5º, da Constituição Federal brasileira – "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", ser chamado de "princípio" da legalidade ou nullum crimen nulla poena sine lege de maneira unânime pela doutrina, principalmente penalistas (BATISTA, 2007, pp. 65 e seg.; JESUS, 2005, p. 9). Nessa hipótese, na verdade, o dispositivo constitucional traz uma regra.

Virgílio Afonso da Silva conclui ao dizer que "classificações ou são coerentes e metodologicamente sólidas, ou são contraditórias". Por isso, "se se define ‘princípio’ pela sua fundamentalidade, faz sentido falar-se em princípio da legalidade ou princípio do nulla poena sine lege. Essas são, sem dúvida, duas normas fundamentais em qualquer Estado de Direito." Caso, no entanto, se prefira utilizar os critérios estabelecidos por Robert Alexy não se deve incluir aquelas "normas tradicionalmente chamadas de princípios – legalidade etc.-, visto que elas, a despeito de sua fundamentalidade, não poderiam mais ser consideradas como princípios, devendo ser incluídas na categoria de regras". De maneira que há regras tão ou mais importantes que muitos princípios, como é o caso da legalidade ou da nulla poena sine lege (2003, p. 64).

3.3 A proposta de dissociação entre princípios e regras de Humberto Ávila

3.3.1 Críticas à distinção fraca e à distinção forte

De acordo com Humberto Ávila, pode-se falar em duas correntes que definem os princípios: uma seria a "distinção fraca" e outra a "distinção forte" (2007, p. 84). A distinção fraca, de certa forma se adequada às críticas efetuadas por Virgílio Afonso da Silva, e a outra, a distinção forte, seria a tese defendida acima pelo referido autor.

A primeira, que pode ser denominada distinção fraca, sustenta que os princípios são normas de elevado grau de abstração e generalidade, dirigem-se a um número indeterminado de pessoas e situações, exigindo um grande subjetivismo do aplicador; são os alicerces, as vigas-mestras ou os valores do ordenamento jurídico. As regras, ao contrário, possuem pouco ou nenhum grau de abstração e generalidade, por isso, exigem pouca ou nenhuma influência de subjetividade do intérprete (ÁVILA, 2007, p. 84).

Essa corrente fundamenta a distinção no grau de indeterminação das normas. Assim, os princípios são mais indeterminados, fluídos, permitindo maior mobilidade valorativa do aplicador, ao passo que as regras são menos indeterminadas ou pretensamente determinadas, o que elimina ou diminui drasticamente a liberdade do intérprete (ÁVILA, 2007, pp. 84-85).

São dois os problemas provocados pela distinção fraca. Primeiro, por distinguir as normas tendo em vista algo que é comum a todas elas, a indeterminação, transforma as regras em normas de segunda categoria, [16] esquecendo que elas possuem um conteúdo valorativo, pois servem, no mínimo, de meio para a realização de dois valores: o valor formal da segurança jurídica e o valor substancial referente a uma finalidade que é subjacente, levando a crença de que o "intérprete não tem liberdade alguma de configuração dos conteúdos semântico e valorativo das regras". O que resulta, também, em uma "supervalorização dos princípios" (ÁVILA, 2007, pp. 85-86).

Em segundo lugar, tal distinção tem levado autores a qualificar como princípios normas que não são e, pior, que sequer possuem elevado grau de abstração e generalidade. Por exemplo, a norma que veda a utilização de provas obtidas por meios ilícitos no processo, inciso LVI, do artigo 5º, da Constituição Federal, é uma regra. Apesar disso, os autores em geral a incluem no rol dos chamados princípios processuais penais (OLIVEIRA, Eugênio, 2009, p. 41; BONFIM, 2009, pp. 48-49; CAPEZ, 2003, p. 31.). Sendo assim, "a doutrina, de um lado cai em contradição e, de outro – o que é bem pior -, legitima a flexibilização na aplicação de uma norma que a Constituição, pela técnica de normatização que utilizou, queria menos flexível" (ÁVILA, 2007, p. 86).

Enquanto que a distinção forte, capitaneada por Dworkin e Alexy, [17] afirma que os princípios são diferentes das regras "relativamente ao modo de aplicação e ao modo como são solucionadas as antinomias que surgem entre eles" (ÁVILA, 2007, p. 87). Apesar de ser a corrente mais difundida na doutrina, Humberto Ávila aponta duas inconsistências.

O modo de aplicação das espécies normativas, diz o autor, "não é adequado para diferenciá-las, na medida em toda norma jurídica é aplicada mediante um processo de ponderação", não apenas os princípios; podendo conduzir à uma trivialização das regras, "transformando-as em normas que são aplicadas de modo automatizado e sem a necessária ponderação de razões". [18] (ÁVILA, 2007, pp. 88-89).

O mesmo ocorre com o modo de solução de antinomias, "embora o conflito entre regras resolva-se, normalmente, com a decretação de invalidade de uma delas, nem sempre isso ocorre", podendo a superação de uma regra ocorrer por razões extraordinárias, como a utilização do postulado da razoabilidade. E se tratando de princípios, o enfoque em sua classificação nas hipóteses de colisão conduz ao uso "arbitrário dos princípios, relativizados conforme o interesse em jogo" (ÁVILA, 2007, pp. 88-89).

Essa corrente também padece do mal de qualificar de "princípios" normas que não têm essa propriedade, como visto na distinção fraca. Além de generalizar o entendimento de que "descumprir um princípio é mais grave que descumprir uma regra", enquanto, em geral, o correto é o contrário; pois uma regra reflete uma solução provisória para um "conflito de interesses já conhecido ou antecipável pelo Poder Legislativo", devido à sua pretensão de decidibilidade, ao passo que os "princípios apenas oferecem razões complementares para solucionar um conflito futuramente verificável" (ÁVILA, 2007, p. 90).

3.3.2 Dissociação entre princípios e regras

De início, cabe ressaltar que Humberto Ávila propõe uma classificação que admite "alternativas inclusivas", no sentido de que os dispositivos podem servir de base, simultaneamente, para mais de uma única espécie normativa. Um dispositivo legal ou vários deles interpretados conjuntamente, ou mesmo a implicação lógica deles decorrente, pode exprimir uma dimensão imediatamente comportamental (regras) ou finalística (princípios). Afasta a ideia de "alternativas exclusivas" entre as espécies normativas, visto que a observação de uma espécie normativa não exclui a existência de outra (ÁVILA, 2007, pp. 68-69).

Como exemplo, analisa o dispositivo constitucional que exige lei formal para a instituição ou aumento de tributo (artigo 150, inciso I). Esse dispositivo é considerado, de forma geral, como sendo um princípio pela doutrina, (MACHADO, 2004, p. 94; TORRES, 2005, p. 106.) no que concorda o autor ao dizer que pode ser examinado como princípio "porque estabelece como devida a realização dos valores de liberdade e de segurança jurídica". Mas também pode ser examinado como regra, porque condiciona a validade da lei à observância de um determinado procedimento legislativo (ÁVILA, 2007, pp. 68-69).

Propõe três critérios de dissociação fundamentais: critério da natureza do comportamento prescrito, critério da natureza da justificação exigida e critério da medida de contribuição para a decisão.

De acordo com o critério do comportamento prescrito, tanto as regras quanto os princípios fazem referência a fins e a condutas. As regras são normas imediatamente descritivas, pois descrevem as condutas a serem adotadas ao estabelecer obrigações, permissões e proibições. Essas condutas servem à realização de fins, por isso também são definidas como normas mediatamente finalísticas, visto que estabelecem indiretamente fins ao estabelecerem o comportamento devido.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, "já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos". Esse estado ideal de coisas a ser atingido, por óbvio, é um fim, sua realização depende de condutas necessárias. Por exemplo, o princípio do Estado de Direito estabelece estados de coisas, como a previsibilidade da legislação, logo, é necessária a adoção de determinadas condutas, como a publicação com antecedência da lei (ÁVILA, 2007, pp. 71-73).

Já o critério da justificação tem como base a ideia de que a interpretação e a aplicação das normas permitem a diferença entre suas espécies se for centrada no modo de justificação, que pode ser observado preliminarmente, não no modo de aplicação (tudo ou nada e mais ou menos), que só pode ser confirmado ao final.

Dessa forma, no caso das regras o aplicador avalia a correspondência entre os fatos e o conceito da norma e a finalidade que a esta dá suporte. Quando a correspondência ocorre facilmente, o aplicador necessita de uma argumentação menor, pois a descrição normativa serve, por si só, como justificação. Nos chamados casos difíceis, por outro lado, é necessário um ônus maior de argumentação, tendo em vista que há uma correlação entre o fato e a descrição normativa, mas pode não ser adequada à finalidade que dá suporte a regras ou pode ser esta superável por razões excepcionais. Por haver essa correlação entre fatos e descrição normativa, as regras possuem "caráter retrospectivo (past-regarding), na medida em que descrevem uma situação de fato conhecida pelo legislador".

Ao passo que no caso dos princípios, deve ser feita "uma avaliação da correlação entre o estado de coisas posto como fim e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária". Daí ser fundamental a análise de casos paradigmáticos (não casos fáceis nem difíceis) para identificar o conteúdo normativo dos princípios, pois demonstram os efeitos decorrentes da adoção de um princípio. Como não há correlação entre fatos e descrição normativa, diferente das regras, os princípios "possuem caráter prospectivo (future-regarding), já que determina um estado de coisas a ser construído" (ÁVILA, 2007, pp. 73-76).

Por fim, o critério da contribuição para a decisão demonstra que os princípios consistem em normas primariamente complementares e preliminariamente parciais, em razão de não terem a pretensão de gerar uma solução específica e abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão, contribuindo ao lado de outras razões. Um exemplo claro é o princípio de proteção dos consumidores que, por um lado, não pretende prescrever todas e quaisquer medidas para alcançar o fim e, por outro, ainda se harmoniza com outras razões além da proteção do consumidor, como a livra iniciativa e a propriedade.

Já as regras consistem em normas preliminariamente decisivas e abarcantes, pois abrangem os aspectos relevantes para a tomada de decisão e aspiram gerar uma solução específica para o conflito entre razões. Como exemplo, o artigo 150, inciso VI, "d", da Constituição Federal afasta, por si só, a inclusão de outros objetos, como quadros ou estátuas, pois, apesar de ter como finalidade a disseminação da cultura, apenas veda a instituição de impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (ÁVILA, 2007, pp. 76-78).

Vale a pena, por fim, transcrever a forma sintética com que o autor dissocia os princípios das regras:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. [19] (2007, pp. 78-79).

Pelo exposto, nota-se que a Teoria dos Princípios elaborada por Humberto Ávila é a que apresenta maiores qualidades técnicas em comparação com o restante da doutrina pátria; pois, além de sua originalidade, não confunde os princípios gerais do direito com os princípios jurídicos e elabora uma rigorosa dissociação entre princípios e regras.


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Notas

  1. Como será visto a seguir, essa ordem não é absoluta. Mas não descabe razão à autora ao afirmar que os princípios gerais de direito suprem a lacuna quando não for possível o intérprete se valer da analogia e dos costumes.
  2. O fato de alguns autores se referirem ao direito universal, ao direito reconhecido pelas nações civilizadas etc, faz parecer que a fundamentação dos princípios gerais de direito reside no ius gentium. O ius gentium ou "direito das gentes" é entendido como aquilo que, na lição de Daniel Nunes Pêcego, "deriva da lei natural como conclusões dos princípios (por exemplo, compras justas, vendas etc, coisas sem as quais o homem, animal social, não pode viver), comum a todas as comunidades políticas e, por isso, podendo ser considerado o embrião do Direito Internacional." (2009, p. 128)
  3. Interessante verificar que Carlos Maximiliano se compromete com uma posição metafísica, ao afirmar que os princípios gerais de direito são direito natural, apesar de fazer diversas alusões em sua obra de que o verdadeiro jurista seria o jurista sociólogo, isto é, aquele que busca o seu conhecimento não tanto na Ciência do Direito, mas em outros ramos do saber, principalmente na Sociologia (2003, pp. 160, 241, etc) Esse primado da Sociologia mostra a influência positivista, que critica a metafísica, no pensamento de Maximiliano, pois para Comte a Sociologia seria a ciência efetiva, o ápice na hierarquia das ciências (MARÍAS, 2004, pp. 385-392)
  4. Paulo Bonavides não faz menção ao que ele entende como jusnaturalismo, nem quais seriam os autores que efetivamente defendiam essa tese nessa época anterior ao domínio do positivismo, apenas faz essa alusão de que os jusnaturalistas perderam lugar com o aparecimento da Escola Histórica do Direito e de que Del Vecchio, contemporâneo ao período positivista (segunda fase), defenderia a aproximação dos princípios gerais de direito da ideia de direito natural. Dessa forma, parece que o autor parte da difundida premissa de identificar como jusnaturalistas todos os juristas que dominaram o pensamento jurídico durante a época pré-moderna, já que o jusnaturalismo vem perdendo cada vez mais espaço com o advento da modernidade. De acordo com o senso comum apresentado no meio jurídico, jusnaturalistas seriam todos aqueles que defendem a inseparabilidade do conceito de justiça do de direito e/ou a tese metafísica de que existem leis positivas e leis naturais. Cf., por exemplo, ARAUJO, 2009, pp. 161-162.
  5. Axioma, na lição de Humberto Ávila, seria "uma proposição jurídica cuja veracidade é aceita por todos, dado que não é nem possível nem necessário prová-la". O autor conceitua o que seria axioma com o intuito de diferenciá-los dos princípios jurídicos (1998, p. 161)
  6. Todavia, Paulo Bonavides não explica o motivo dessa identificação dos princípios gerais do direito com os axiomas ter levado a fase jusnaturalista ao descrédito. Encontramos uma fundamentação, se bem que dirigida aos princípios jurídicos, em Humberto Ávila que diz que "um axioma não se confunde com uma norma-princípio, já que essa, ao contrário daquele, deve ser necessariamente reconduzida a fontes materiais de produção normativa e deve ser aplicada com referência a pontos de vista prático-institucionais" (1998, pp. 163-164)
  7. O que Recaséns Siches chama de "norma" nesse trecho é considerado no presente trabalho pelo título de "regra", vide o capítulo 3.
  8. As definições de políticas e de princípios são semelhantes a definição de princípios já vista, apesar de a doutrina pátria entender que não há necessidade em desenvolvê-la, como diz Virgílio Afonso da Silva (2003, p. 610, nota 10)
  9. Robert Alexy trata dessa distinção entre princípios e regras da seguinte forma: "os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão de peso" (ALEXY, 2008, p. 94).
  10. Para Virgílio Afonso da Silva: "O elemento central da teoria dos princípios de Alexy é a definição de princípios como mandamentos de otimização" (SILVA, 2009, p. 46).
  11. Para Virgílio Afonso da Silva, essa caracterização do conflito entre regras reafirma o raciocínio "tudo-ou-nada" desenvolvido por Ronald Dworkin, pois tais conflitos são resolvidos no plano de validade (SILVA, 2009, pp. 47-49).
  12. O sopesamento ou ponderação de interesses é definido por Ana Paula de Barcellos como sendo "uma técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais" (2005, p. 38).
  13. Para Virgílio Afonso da Silva, "o principal traço distintivo entre regras e princípios, segundo a teoria dos princípios, é a estrutura dos direitos que essas normas garantem. No caso das regras, garantem-se direitos (ou se impõem deveres) definitivos, ao passo que no caso dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie" (SILVA, 2009, p. 45).
  14. Na defesa de que, na atual conjuntura do direito e da ciência política, tendo em vista a importância dos princípios para os Estados modernos, deve-se falar em um "Estado principialista" ou "Estado principiológico", cf., por ex., OLIVEIRA, Fábio de, 2007, p. 11; BONAVIDES, Paulo, 2008, p. 7.
  15. Deve ser acrescentado ao raciocínio correto do autor que essas chamadas "concepções tradicionais" se referem aos princípios gerais de direito, confundindo-os com os princípios jurídicos, logo, não estariam de todo equivocadas.
  16. Como visto na concepção de Paulo Bonavides acerca da distinção entre princípios e regras, pois afirma que os princípios seriam normas primárias e as regras seriam secundárias (2008, p. 275).
  17. Vide os itens 3.1.1 e 3.1.2 do presente artigo, principalmente sobre a distinção entre princípios e regras tendo em vista os modos de aplicação e de solução das antinomias.
  18. Em sentido contrário, Virgílio Afonso da Silva entende que não há ponderação de regras, mas sim uma ponderação entre um princípio que sustenta determinada regra e outro princípio que com ele colide; caso a regra seja afastada, ela é considerada não-aplicável, por não-configuração de seu suporte fático. Por isso, "não é possível confundir ‘tudo-ou-nada’ ou ‘subsunção’ com ‘automatismo’ ou ‘facilidade na interpretação’" (2009, pp. 56-60).
  19. Para Virgílio Afonso da Silva, contudo, "as redefinições que Ávila sugere para os conceitos de regra e princípio mais confundem que esclarecem a distinção. Confundem sobretudo por inserirem um sem-número de elementos nas definições, que, além de dificultarem sobremaneira sua intelecção, não são elementos imprescindíveis à correta e suficiente distinção entre os dois conceitos." Dessa forma, o autor, claramente seguindo Robert Alexy, considera que a melhor forma de conceituar os princípios e as regras é a seguinte: "(...) o conceito de princípio, neste trabalho, deverá ser ele compreendido como mandamentos de otimização, ou seja, como normas que garantem direitos ou impõe deveres prima facie (...) O mesmo vale para as regras: quando mencionadas, estarão sempre em contraposição aos princípios, ou seja, como normas que garantem direitos ou impõem deveres definitivos".(SILVA, 2009, pp. 63-64).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Guilherme Bohrer Lopes. A situação atual da teoria dos princípios no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2410, 5 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14289. Acesso em: 28 mar. 2024.