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Da exigência de ITBI no contrato de promessa de compra e venda de imóvel

Da exigência de ITBI no contrato de promessa de compra e venda de imóvel

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Sumário. 1. Introdução. 2. Do entendimento do Supremo Tribunal Federal. 3. O ITBI na legislação vigente. 4. Do contrato de promessa de compra e venda de imóvel e da ocorrência do fato gerador. 5. Da impossibilidade de exigir duas vezes o tributo quando a propriedade se consolidar nas mãos do promitente-comprador. 6. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

Trata-se de análise da incidência tributária do ITBI nos casos de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, diante de recente acórdão publicado pelo Supremo Tribunal Federal, que confirmou o enunciado da Súmula nº 82 da Corte.


II. DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Em 23 de fevereiro de 2007 o Supremo Tribunal Federal publicou acórdão com o seguinte teor:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. NÃO-INCIDÊNCIA DO ITBI. 1. Controvérsia decidida à luz de normas infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. A celebração de contrato de compromisso de compra e venda não gera obrigação ao pagamento do ITBI. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI-AgR 603309 / MG - MINAS GERAIS, Rel. Min. EROS GRAU, T2, Julgamento: 18/12/2006)

Assim, decidiu a Corte que a celebração de contrato de compromisso de compra e venda não é fato gerador de ITBI. Tal acórdão repete entendimento que havia sido consolidado através do seguinte enunciado:

SÚMULA Nº 82 - SÃO INCONSTITUCIONAIS O IMPOSTO DE CESSÃO E A TAXA SOBRE INSCRIÇÃO DE PROMESSA DE VENDA DE IMÓVEL, SUBSTITUTIVOS DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO, POR INCIDIREM SOBRE ATO QUE NÃO TRANSFERE O DOMÍNIO.

Ocorre que referida súmula foi editada em 1963, sob a vigência da Constituição Federal de 1946, que previa a incidência de ITBI nos seguintes casos:

Art 19 - Compete aos Estados decretar impostos sobre:

I - propriedade territorial, exceto a urbana;

II - transmissão de propriedade causa mortis;

III - transmissão de propriedade imobiliária inter vivos e sua incorporação ao capital de sociedades;

(...)

Ou seja, a redação do texto constitucional à época somente previa a incidência tributária de ITBI nos casos de transmissão da propriedade e de sua incorporação ao capital de sociedades.


3. O ITBI NA LEGISLAÇÃO VIGENTE

A Constituição Federal de 1988 ampliou as hipóteses de incidência do ITBI, estabelecendo o seguinte:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

A norma é repetida na legislação de São José dos Campos, que assim dispõe:

Art. 155. O Imposto sobre Transmissão "Inter Vivos" de Bens Imóveis tem como fato gerador (art. 1º da Lei nº 3.444/89):

I - a transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso;

a) de bens imóveis

b) de direitos reais sobre bens imóveis;

II - a cessão de direitos relativos à aquisição de bens imóveis;

Parágrafo único. Consideram-se bens imóveis, para efeito de incidência, aqueles assim definidos na lei civil, por natureza ou por acessão física.

Portanto, a legislação vigente diz que são três os fatos geradores do ITBI: (1) transmissão de bens imóveis, (2) transmissão de direitos reais sobre bens imóveis e (3) cessão de direitos reais à aquisição de imóvel.

Assim, verifica-se de plano que é possível incidência tributária em momento anterior à efetiva transmissão da propriedade, diante das duas últimas hipóteses.


4. DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL IRRETRATÁVEL E DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR

O acórdão do Supremo Tribunal Federal acima mencionado estabeleceu que a celebração do contrato de compromisso de compra e venda não gera obrigação de recolhimento do ITBI. De fato, a mera celebração do contrato, por si só, e não é fato gerador do ITBI.

Ocorre que esse contrato, enquanto não quitado, poderá ser registrado em cartório, em ato posterior à sua celebração. Nesse momento, o acordo gerará ao adquirente direitos reais sobre o imóvel.

Tal entendimento, que durante longa data era fruto de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, passou a ser fonte formal de direito com a vigência do Código Civil de 2002.

Art. 1.225. São direitos reais:

(...)

VII - o direito do promitente comprador do imóvel;

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

A promessa de compra e venda é contrato preliminar que atribui ao promitente comprador a perspectiva de proprietário, gerando ao promitente vendedor a obrigação de outorgar escritura de compra e venda no momento do pagamento integral do preço.

Assim, identificam-se três situações distintas quanto ao contrato de compromisso de compra e venda: (1) a celebração do contrato e seu aperfeiçoamento com a assinatura das partes, (2) o seu registro, quando não quitado, no Cartório de Registro de Imóveis, criando direitos reais para o adquirente e, (3) a quitação da promessa e a efetuação da escritura definitiva, operando a efetiva transmissão da propriedade.

A primeira hipótese não gera dúvidas porque não transmite qualquer direito real e nem mesmo a propriedade.

A terceira hipótese também não gera dúvidas quanto à incidência tributária: uma vez quitado o contrato, o promitente comprador ao efetuar a escritura definitiva adquirirá o próprio imóvel, operando sua efetiva transferência, nos termos do art. 1.245 do Código Civil. Nesse caso, o fato gerador é a transmissão da propriedade.

Ocorre que não só a efetiva transferência da propriedade é fato gerador de ITBI, mas também a transferência de direitos reais sobre o bem e a cessão de direitos reais à sua aquisição. Assim é que expressiva parte das legislações municipais prevê a incidência tributária nos casos de uso, usufruto e enfiteuse, que são direitos reais.

O Código Civil de 2002 elevou, expressamente, o direito do promitente comprador à categoria de direito real, quando o contrato for registrado no Cartório de Registro de Imóveis.p>

Ementa: CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RECOLHIMENTO. ITBI. CESSÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL SEM CLÁUSULA DE ARREPENDIMENTO. NOVA SISTEMÁTICA DO CÓDIGO CIVIL. 1. PELA NOVA DOGMÁTICA DO CÓDIGO CIVIL (ART. 1225, VII), O DIREITO DO PROMITENTE COMPRADOR DE IMÓVEL, AGORA, CARACTERIZA-SE COMO DIREITO REAL, E A SUA CESSÃO, CONSEQÜENTEMENTE, CARACTERIZA-SE COMO CESSÃO DE DIREITOS REAIS, NA DOGMÁTICA DO INCISO II, DA LEI DISTRITAL N. 11/88, DISPOSITIVO NÃO ALCANÇADO PELA AIL 838-6/98, COMO BEM DESTACADO PELA D. PROCURADORIA DE JUSTIÇA. 2. RECURSO DESPROVIDO. (TJDF –APELAÇÃO CÍVEL 20040110279824APC DF - Órgão Julgador : 1ª Turma Cível - Relator : SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Publicação no DJU: 02/08/2005 Pág. : 91)

Assim, o registro do contrato de compromisso de compra e venda, ainda não quitado, por transferir ao adquirente direitos reais sobre o imóvel gera a obrigação tributária de recolhimento do imposto municipal, não sob o fundamento de transmissão da propriedade, mas sim de transferência de direitos reais sobre o imóvel.

Até que se efetive o registro do contrato no cartório competente, ainda não ocorreu a transferência de direitos reais sobre o imóvel.

O contrato registrado transferirá direitos reais e, após sua quitação, com a lavratura da escritura definitiva, estar-se-á diante da transferência do próprio imóvel. Em qualquer das situações, somente será possível a tributação após o efetivo registro, nos termos da legislação civil.

Assim, a promessa de compra e venda, por si só, enquanto não registrada, não é fato gerador de ITBI, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal no acórdão acima mencionado. Porém, ainda que não quitado, vindo o contrato a ser registrado no cartório competente haverá a incidência do tributo, diante da transferência ao adquirente de direito real sobre o imóvel.

Nesse sentido a jurisprudência de diversos tribunais do País:

Ementa: TRIBUTO - ITBI - Município de Itaquaquecetuba - Pretensão dos impetrantes a que a autoridade se abstenha de cobrar ITBI de promessas de venda de lotes não registradas. Insurgência contra a denegacão da segurança - Caracterização do fato gerador só com o registro imobiliário dos instrumentos - Recurso provido. (TJSP - Apelação Com Revisão 6933925600,Rel. Erbetta Filho, 1ª Câmara – 1º TAC , DJ 30.11.2007)

CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DO ITBI - IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE DO PACTO. Cuidando-se de contrato de compra e venda, mas com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, há que ser exigido o ITBI para registro do pacto no cartório de imóveis. (TJMG – 1.0024.04.392732-6/001(1) – Rel. Wander Marotta, DJ 23.02.2006)

Ementa: DECLARAÇÃO DE DÚVIDA - REGISTRO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. EXIGÊNCIA DE APRESESENTAÇÃO DO COMPROVANTE DO PAGAMENTO DE ITBI. - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU NA ÍNTEGRA. RECURSO DESPROVIDO. (TJRJ - 2005.001.11493 – APELACAO - DES. EDSON SCISINIO DIAS - Julgamento: 01/12/2005 - DÉCIMA QUARTA CAMARA CIVEL)

Não há na doutrina ou na jurisprudência qualquer questionamento sobre a incidência do ITBI quando do registro dos demais direitos reais, como nos casos de uso e usufruto. Assim, uma interpretação lógica determina que o direito real do promitente comprador, por conferir-lhe muito mais poderes sobre o bem do que qualquer outro direito real, com muito mais razão permitirá a tributação.

Enquanto não registrada, a mera promessa de compra e venda não produz qualquer efeito tributário, porque a conclusão lógica afasta a incidência do tributo nos casos de transmissão de direitos obrigacionais. No caso do compromisso de compra e venda nem poderia ser de outra forma, haja vista a impossibilidade fática de se fiscalizar e apurar o que seria o crédito tributário.

Somente no momento registro do contrato, quitado ou não, é que surge o fato gerador, seja pela transferência do próprio bem imóvel, seja pela transferência de direitos reais sobre ele. È no momento do ingresso do contrato no registro de imóveis que o compromisso ganha contornos de direito real, permitindo a incidência do tributo.

Portanto, verifica-se que a exigência de ITBI sobre o contrato de promessa de compra e venda, no momento de seu registro, está de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal e com a legislação vigente, por se tratar de hipótese de incidência expressamente prevista na Constituição Federal de 1988.


5. DA IMPOSSIBILIDADE DE EXIGIR DUAS VEZES O IMPOSTO QUANDO A PROPRIEDADE SE CONSOLIDAR NAS MÃOS DO PROMITENTE-COMPRADOR

O Código Tributário Nacional determina que na aplicação da legislação tributária, ausente disposição expressa, a autoridade competente para sua aplicação utilizará a analogia, os princípios gerais de direito tributário, os princípios gerais de direito público e a equidade, sucessivamente.

Assim é que, dentre os princípios gerais de direito tributário, está o postulado da razoabilidade. Ainda que não expresso na Constituição Federal de 1988, sua aceitação no ordenamento jurídico como princípio implícito é pacífica tanto na doutrina como na jurisprudência.

(...) TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. - O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. - A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado. (ADI-MC-QO2551 / MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, DJ 20.04.2006)

Nas palavras de LUIS ROBERTO BARROSO:

O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. (...) É razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 224.)

Tendo o contribuinte recolhido o imposto no momento do registro do contrato de promessa de compra e venda, e vindo o mesmo, após o pagamento do preço integral, a adquirir a propriedade plena do imóvel, não se demonstra razoável exigir novo recolhimento, porque os fins pretendidos pela norma já foram atingidos.

Assim, uma vez registrado o contrato de promessa de compra e venda, ainda não quitado, caso o promitente-comprador venha a efetivar a quitação, não poderá ser exigido novo recolhimento do mesmo contribuinte, porque os direitos foram consolidados na mesma pessoa.


6. CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que a legislação vigente determina a incidência do ITBI no momento do registro de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, nos termos do estabelecido na Constituição Federal de 1988 e conforme o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.

E a incidência tributária se dá não pela transferência da propriedade, mas sim pela transmissão dos direitos reais que incidem sobre o imóvel, ainda que não haja a outorga de escritura definitiva.


Autor

  • Diogo Fontes dos Reis Costa Pires de Campos

    Diogo Fontes dos Reis Costa Pires de Campos

    Procurador do Município de São José dos Campos.Especialista em Direito Processual Constitucional pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS.Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS. Especializando em Direito Tributário Empresarial pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP.Membro da Comissão de Incentivos Fiscais e do Grupo de Análise de Incentivos Fiscais da Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Diogo Fontes dos Reis Costa Pires de. Da exigência de ITBI no contrato de promessa de compra e venda de imóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2441, 8 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14458. Acesso em: 29 mar. 2024.