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A evolução da advocacia no decorrer dos tempos.

A preocupação com o nível dos cursos jurídicos e a formação dos novos advogados

A evolução da advocacia no decorrer dos tempos. A preocupação com o nível dos cursos jurídicos e a formação dos novos advogados

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Vai longe o tempo em que, após receber o título de bacharel em ciências jurídicas, o futuro advogado preparava-se para obtenção do seu registro na Ordem dos Advogados Brasil e iniciava a montagem da tão sonhada banca.

Eram tempos gloriosos nos quais a expectativa e a ansiedade pela entrada do primeiro cliente no escritório harmonizavam-se com as revisões dos institutos considerados de maior complexidade no tempo acadêmico.

A biblioteca era escassa, normalmente acrescida de poucos volumes que haviam sido utilizados durante o curso. Acondicionados em estantes simples, eram escoltados por alguns objetos de decoração (a balança em porcelana, por exemplo) que eliminavam os espaços vazios das prateleiras, proporcionando um conjunto mais agradável.

Ao lado da mesa reinava absoluta em mesinha própria, a máquina de escrever (mecânica, evidentemente), de onde proviriam as primeiras pretensões, as primeiras defesas, os primeiros recursos.

O controle dos futuros processos já estava organizado, aguardando pacientemente a chegada das informações. Não, não eram sistemas informatizados, mas sim fichas – do tipo "literária" – nas quais eram reproduzidos os principais dados do processo e eram lançadas manualmente as breves informações sobre o andamento do feito. Os prazos não eram agendados em notebooks, tampouco em agendas eletrônicas, mas em fichas menores acondicionadas nos tradicionais, mas não menos eficientes escaninhos.

Aos poucos, sem qualquer constrangimento, a tecnologia foi tomando conta dos escritórios, substituindo as máquinas de escrever mecânicas por sofisticadas máquinas eletromecânicas (inclusive com possibilidade de alteração do tipo das letras); vieram os aparelhos de fac-símile, as secretárias eletrônicas e os computadores.

Em pouco tempo, os advogados experimentaram uma mudança radical no conteúdo de um gabinete de trabalho. E não vai tardar o momento em que vamos entrar em um gabinete com um objeto apenas (desconsiderados os de decoração), suficiente para controlar prazos, processos, armazenar toda a biblioteca e, de sobra, acompanhar os processos em qualquer instância ou esfera, podendo até interagir com o próprio cliente: o notebook.

Evidente que não é uma mudança fácil de ser enfrentada. Há profissionais que ainda olham para sua máquina de "dactilografar" com saudosismo. Foi, ou está sendo, uma mudança radical em um espaço de tempo muito curto. Praticamente na mesma geração. Mas é inegável que tudo isso trouxe muito benefício ao exercício da profissão.

E mais, não só o aparelhamento e a evolução da tecnologia de informatização foram responsáveis pelas mudanças ocorridas. A sociedade mudou. O mercado mudou. A advocacia mudou. Mesmo que as próprias leis não tenham mudado tanto. Mas esse aspecto será abordado um pouco mais adiante. Antes, contudo, é necessária a reflexão sobre a advocacia em si. O curso de direito. A formação profissional.

Há tempos que esse tema vem ocupando os espaços reservados à discussão sobre o "futuro" da advocacia, a formação dos novos advogados e, enfim, a evolução (ou involução) dos cursos jurídicos.

Em 1997, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, então sob a presidência de Ernando Uchoa Lima, fez publicar o quarto volume da série OAB – ENSINO JURÍDICO – volume este em comemoração ao 170º aniversário da instituição dos cursos jurídicos no Brasil.

Escrevendo a introdução deste exemplar, Adriano Pinto, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, deixou assim registrado o tema:

"No relatório que fez e foi aprovado pela I Conferência Nacional da OAB, realizada de 4 a 8 de agosto de 1958, no Rio de Janeiro, tendo sido tema a "Reestruturação do Curso Jurídico em Função da Realidade Social Contemporânea do País", o Professor Orlando Gomes concluiu propondo a reforma do ensino jurídico, conforme o pensamento que demonstrou dominante, para se obter uma formação profissional como reação ao teorismo.

Essa proposta incluía a supressão de muitas disciplinas, entre as quais Introdução à Ciência do Direito, Teoria Geral do Estado, Direito Romano, Direito Internacional Público, Filosofia do Direito e Economia Política". [01]

Sete anos mais tarde, o Ministério da Educação, através da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, baixou a Resolução nº 9, de 29 de setembro de 2004, pela qual, em seu artigo 5º estabelece que "o curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam os seguintes eixos interligados de formação: I Eixo de Formação Fundamental tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia".

É importante que se estabeleça um paralelo entre os dois momentos, pois, ainda que de forma não absoluta, o que se propunha era exatamente contrastante com o que se estabeleceu como diretriz curricular para o curso de Direito.

Em que pese ser o aluno, nos primeiros contatos com a ciência jurídica, um entusiasta das propostas mais imediatas para as soluções e todos os conflitos sociais e das quebras dos regramentos e das normas ditadas pelo Estado, é incontestável que determinados conteúdos não sejam absorvidos da forma esperada, quer pela imaturidade cultural, quer pela ansiedade profissional.

De toda forma, o ideal seria que, ainda que se mantivessem as disciplinas clássicas na introdução do curso, fossem elas reprisadas em pós-graduação, de tal sorte que o agora bacharel pudesse exercitar seus conhecimentos em prol da ciência, em paralelo com a desenvoltura profissionalizante.

Mas esse não era o único prisma que preenchia o eixo de preocupações dos debates. Continuou Adriano Pinto:

"Nessa mesma conferência, se tem como um dos temas "O problema da multiplicação das Faculdades de Direito", relatado por Ruy de Azevedo Sodré com notícia de representações feitas pela OAB-SP desde 1951, quanto à qualidade desses cursos, o que acabou resultando na decisão do Conselho Nacional de Educação contra a criação das Faculdades de Direito de Ribeirão Preto, por não atender aos requisitos legais para o seu funcionamento, instando-se que o Conselho Federal assumisse a luta que, até então vinha sendo mantida pela seccional paulista[...]

De certa forma, essa busca de qualidade fundada na profissionalização chocava-se com a proposta também defendida, na época, desde 1954, quanto à necessidade do que hoje denominamos Exame de Ordem". [02]

E por fim concluiu Adriano Pinto:

"Devemos acreditar que os resultados positivos até agora obtidos pela CEJ vão ter continuidade e confiar em que os nossos dirigentes encontrarão meios e modos de vencer todas as vicissitudes que já se colocam contra o esforço de produzir uma mudança estrutural e metodológica no processo do ensino jurídico, que se faz, igualmente, instrumento indutor do progresso social". [03]

Em 2000, José Geraldo de Souza Junior, então vice-presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB, deixou registrado o resultado de pesquisas, estudos e levantamentos feitos com o escopo que continua a porfiar pela melhoria dos níveis dos cursos jurídicos no Brasil.

E assim ficou registrado:

"O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil organizou, no final do ano de 1999, por meio de projeto atribuído à empresa especializada, pesquisa e estudo destinados a caracterizar o perfil de seus associados, bem como conhecer-lhes a opinião quanto à sua atuação".[...]

"O estudo atual se insere no propósito permanente de manter atualizado o conhecimento sobre o perfil do advogado e de suas percepções, notadamente no que diz respeito aos desempenhos corporativo e institucional da Entidade. Mas, tem ainda o objetivo de orientar as ações da OAB no tocante às expectativas que se manifestam por meio dessas percepções e que demandam respostas adequadas a indagações razoáveis identificadas no conjunto de questões propostas aos entrevistados". [04]

Com relação à formação profissional e condições de exercício da advocacia, Souza Junior divulgou:

"A pesquisa dotou, neste tópico, o critério de identificação de dificuldades que interferem no processo de formação profissional e nas condições de exercício da advocacia.[...]

A pesquisa constata, conforme o relatório apresentado, o despreparo dos advogados recém-formados para inserção no mercado de trabalho, considerando que 56,5% dos entrevistados afirmaram ter enfrentado dificuldades para nele se colocar no início de suas carreiras, em decorrência de limitações em sua formação acadêmica". [05]

No mesmo ano de 2000, a OAB lançou o quinto volume da série OAB ENSINO JURÍDICO, desta feita, sob o título Balanço de uma experiência.

Na presidência da Comissão de Ensino Jurídico, Adilson Gurgel de Castro escreveu a introdução desse volume, cujos excertos permitimo-nos consignar:

"Superada a fase universitária e assim que recebem os seus diplomas em Direito, os bacharéis verificam (alguns até com surpresa) que o documento de conclusão do curso não os habilita imediatamente a coisa alguma... E logo são submetidos a Exame de Ordem e a concursos públicos de provas e títulos, para poderem exercer uma profissão jurídica. Tudo isso significando novas avaliações do curso, mesmo indiretas.[...]

Podemos tirar duas lições dessa estória: primeiro, a faculdade de Direito não é só para se aprender o que está nos livros e sim o que está na vida, também; segundo, se não soubermos o sentido de nossa vida e do nosso curso, desperdiçaremos nossas energias em vão ou a esmo". [06]

Das singelas expressões de Gurgel de Castro, em verdade, se tem o exato retrato de fato que vem se arrastando ao longo desses anos. O curso de Direito nem sempre, ou até mesmo quem sabe, na maioria das vezes, é utilizado como simples opção e não como consequência natural de uma vocação voltada às carreiras jurídicas. É sempre bom rememorar que o curso de Direito não se destina à formação exclusiva de advogados, tão somente. É através dele que se completam cargos em carreiras públicas, como do Ministério Público, Polícia e Magistratura, entre outros.

Vale ainda destacar que poucos são os estímulos durante o curso que convergem à formação de novos docentes, ou seja, formação de professores. Não há o incentivo à carreira do magistério superior jurídico.

E é nesse sentido que todos os esforços dependidos precisam se consagrar.

E na conclusão de Gurgel de Castro:

"Deve ser objetivo de todo curso a tentativa de formar aquilo que podemos denominar como ‘bacharel integral’. Nele, está contida não só a capacidade técnica para exercer o múnus em qualquer profissão jurídica, como também os conhecimentos éticos e da realidade circundante que permitam ao Bacharel ser alguém útil à sociedade que o recebe". [07]

Já em 2001, os objetivos visados para o aprimoramento e aperfeiçoamento dos cursos jurídicos levaram a Ordem dos Advogados do Brasil a desenvolver um projeto inédito, com seriedade e de resultado eficaz, que foi o PROJETO OAB RECOMENDA. Então na presidência do Conselho Federal, Reginaldo Oscar de Castro apresentou o exemplar denominado OAB RECOMENDA – Um Retrato dos Cursos Jurídicos assim se manifestando:

"OAB Recomenda – Um Retrato dos Cursos Jurídicos é um instrumento eficaz de consolidação do trabalho do Conselho Federal da OAB em prol do ensino dos cursos jurídicos – uma campanha permanente da Entidade.

Não é a primeira vez que a Ordem atua no processo de avaliação do ensino superior. No ano de 1993, ela realizou um trabalho pioneiro de avaliação e classificação dos cursos jurídicos no País, então apresentado ao público com a edição denominada OAB Ensino Jurídico: Parâmetros para elevação da Qualidade e Avaliação.

A Entidade, embora consciente das dificuldades do empreendimento, encontra-se amadurecida para essa realização. A sua liderança, no debate sobre a elevação da qualidade dos cursos, expressa mediante a promoção de vários seminários nacionais e regionais, palestras, visitas, publicações da coleção OAB Ensino Jurídico, consolidou um protagonismo que, neste campo, lhe foi insistentemente assinalado, como se pode perceber nos pronunciamentos dos seus expoentes, oferecidos em todas as Conferências Nacionais dos Advogados até agora realizadas".

Nesta mesma edição, Lussia P. Musse Felix [08] escreveu artigo primoroso denominado DA REINVENÇÃO DO ENSINO JURÍDICO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRIMEIRA DÉCADA, do qual destacamos excerto da introdução:

"Ao longo da última década, ocorreu destacado movimento na história da educação superior brasileira. A verdadeira cruzada pela reforma do ensino jurídico, que conseguiu agregar em torno de seus valores um conjunto surpreendente de sujeitos históricos, trouxe não apenas para a educação em Direito, mas para todo o sistema de educação superior do país, mudanças estruturais que se refletem positivamente neste sistema e que devem perdurar.

É certamente uma curiosidade histórica que os cursos de Direito tenham sido a primeira área de ensino superior a ser implantada no país e também a primeira, mais de século e meio depois, a construir e adotar, a partir de suas próprias forças, um sistema de responsabilização social na maneira como formam seus novos quadros profissionais. Nesse contexto, a decisão de tornar público um elenco de cursos de graduação recomendados pelo Conselho Federal da OAB, a partir de projeto levado a cabo por sua Comissão de Ensino Jurídico, é certamente um marco. Um marco que encerra um ciclo de percepção e edificação desse sistema. Na verdade, frente aos demais temas que ocuparam a pauta de manifestações e ações do Conselho Federal da OAB nos últimos dez anos (1990-2000), a causa do Ensino Jurídico terá sido certamente a de mais impacto. Porque vinculada ao futuro. Porque, como nenhuma outra corporação profissional, a OAB pode interferir na conformação dos elementos nucleares que determinam a capacidade e características de suas futuras gerações de profissionais. Diversamente e outros estamentos vinculados à atuação jurídica, a corporação dos advogados orientou sua ação institucional para uma interferência preventiva na formação dos profissionais do Direito. Enquanto a Magistratura e o Ministério Público optaram por centrar esforços na educação continuada, com a disseminação das Escolas Superiores da Magistratura e do Ministério Público, a OAB concentrou-se no cerne da questão, ou seja, o período de formação inicial do futuro bacharel. A qualidade da formação de graduação, seja ela deficiente ou de excelência, molda indelevelmente a personalidade profissional do graduado. Os anos de graduação são por demais preciosos para serem desperdiçados com um mau começo". [09]

Em 2001, no exercício da presidência do Conselho Federal da OAB, Rubens Approbato Machado fez publicar HOMENS E IDÉIAS. Pequenas Homenagens – Grandes Esperanças. E dedicando um capítulo à solidariedade da responsabilidade sobre a grave crise de valores que assolava (e assola) a sociedade brasileira, como violência desmedida, corrupção e falta absoluta de sentimento ético e moral, escreveu:

"Durante a XVII Conferência Nacional dos Advogados, no Rio de Janeiro, os advogados – brasileiros e estrangeiros – estarão imbuídos da necessidade de apontar novos caminhos para o Direito e as crises atuais vivenciadas globalmente pela humanidade. Como adverte o historiador Eric Hobsbawm: "Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou três últimos séculos. Sabemos, ou pelo menos é razoável supor, que ele não pode prosseguir ad infinitum. O futuro não pode ser uma continuação do passado, e há sinais, tanto externamente quanto internamente, de que chegamos a um ponto de crise histórica".

A crise pode ser dolorosa, mas tem a função de despertar para as mudanças. Crise e ruptura estão contemplados no tema da conferência – Justiça: realidade (a crise do presente) e utopia (perspectiva de mudança ideal). No Brasil, ela apresenta muitas facetas, das quais destaco duas: a difícil construção da cidadania e da consolidação da ética. Somos uma Nação de excluídos, na qual a cidadania é negada de muitas formas, como o árduo acesso à Justiça e a uma vida digna. Tenho a convicção de que sem o direito à Justiça não há cidadania. Mas transformar essa Justiça em uma instância democrática e ágil ainda constitui tarefa complexa e dependente da ação efetiva de todos os operadores do Direito, em cooperação, com o Legislativo". [10]

Em 1993, com Approbato Machado ainda na presidência do Conselho Federal da OAB, foi lançado outro exemplar da série OAB ENSINO JURÍDICO, desta feita, abordando a formação jurídica e a inserção profissional.

E em seu discurso de abertura do VI Seminário do Ensino Jurídico [11] destacou:

[...] "A Ordem dos Advogados do Brasil luta pela qualidade do ensino, desde o fundamental até o de terceiro grau; pela qualificação de novos cursos jurídicos e de aumento indiscriminado de vagas, inclusive através da chamada "extensão do campus universitário".

A OAB quer fazer propostas e discuti-las, com o objetivo da crise diagnosticada.

Cabe, desse modo, senhoras e senhores, ante o quadro descrito, pontuarmos a respeito de nossa proposta central: reformulação no ensino jurídico.

Cabe aqui ouvir as sábias palavras da Professora Ada Pellegrini Grinouver, que conhece profundamente o tema. Ressalta a Professora Ada que falta às Escolas de Direito "um projeto educacional que defina o tipo de profissional que se propõe formar e a que comunidade ela vai servir" (in: Jornal do Advogado – OAB-SP, ano XXVII, nº 257, março de 2002, p.18).

A nossa proposta, com tais ensinamentos, trata, na verdade, de uma tentativa de adaptação do que se conhece domo "Declaração de Sorbonne", pela qual os países da União Européia assentaram a harmonização da estrutura dos sistemas de ensino superior.

Essa proposta consiste em se manter um primeiro nível seguido de um segundo nível com o objetivo de propiciar a formação cultural e profissional correspondente a uma especialização.

Na nossa proposta, a que submetemos à discussão, teremos um primeiro ciclo de cinco anos, que é o período previsto pelas diretrizes curriculares, formando o bacharel em Direito. Findo esse primeiro ciclo, o portador do diploma poderá utilizá-lo para seu currículo profissional, funcional ou social, ou mesmo em atividade paralegal que poderá e deverá ser criada por Lei. Porém, só como título de bacharel, não poderá exercer a profissão de advogado nem exercer qualquer função pública das carreiras jurídicas (magistrados, promotores de justiça, defensores públicos, procuradores, delegados de polícia).

Para se tornar um profissional de qualquer uma das carreiras jurídicas, necessário será fazer o segundo ciclo (do qual o primeiro é pré-requisito obrigatório) de, no mínimo, dois anos. Esse segundo ciclo, destinado à formação profissional de magistrados, promotores de justiça, advogados e demais carreiras jurídicas, deve ser realizado sem universidades ou centros universitários oficialmente reconhecidos (quando conformados aos respectivos requisitos legais), com a obrigatória supervisão, fiscalização e participação na elaboração e fiscalização da grade curricular, da qualificação do corpo decente, a definição do perfil do profissional, através das Escolas Superiores de Advocacia; das Escolas da Magistratura, das Escolas do Ministério Público das Escolas ou Academias relacionadas com a formação do profissional dos demais operadores do direito.

Trata-se, dessa forma, de criarmos uma estrutura condizente com as reais demandas da sociedade brasileira, e que tem sido objeto de constantes e seguidas manifestações de organizações profissionais da advocacia, do ministério público e da magistratura," [12]

É, assim, portanto, a revisão dos conceitos, princípios e fundamentos que regem a formação do profissional do direito, tema que não é novo. Vem sendo objeto de discussões há décadas, todavia, sem que haja uma proposta efetiva, sólida e realmente com vistas às reais necessidades da sociedade brasileira, dentro dos padrões sociais globalizados, contudo, sempre ungido pelo mais alto senso de ética e dignidade humana.


OS NOVOS CONCEITOS E OS NOVOS RUMOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS

Mas a sociedade se conforma numa velocidade extremamente alta. A tecnologia de informação atinge e influencia, de forma quase que absoluta, todas as camadas sociais. Ainda que parte considerável da população padeça de recursos materiais, na verdade, a televisão, bem de consumo presente na maioria dos lares brasileiros, se encarrega de imprimir a mudança de hábitos relacionados ao vestuário, à comunicação à etiqueta social e tantos outros.

O desenvolvimento econômico, voltado ao suprimento das necessidades básicas do capitalismo, acaba por exigir soluções imediatas e mutantes, visando à superação das principais dificuldades irradiadas no mundo globalizado do capital e do lucro.

E como não poderia deixar de ser, a advocacia se viu, em um curto intervalo de tempo, envolvida em novos parâmetros, novos conceitos, novas exigências, que a maioria absoluta dos cursos existentes não possui condições de proporcionar. Até porque, conforme abordado no item anterior e, em especial, às palavras de Rubens Approbato Machado, a mutação educacional urge para que possamos dar nova conformação ao profissional do direito, no Brasil.

E para que tais exigências pudessem ser satisfeitas, o mercado passou a moldar de forma diferenciada o advogado, impondo-lhe novos conceitos além dos técnicos já assimilados (gestão administrativa, gestão de mercado, por exemplo).

A partir daí, as sociedades de advogados passaram a ser constituídas com visão "além-direito". A proficiência em língua estrangeira integrou a expectativa dos currículos profissionais; pós-graduação em gestão; especialização em áreas voltadas às práticas empresariais internacionais, e outras tantas.

E não pára por aí. Quem teve a oportunidade de viver ou conhecer a advocacia das décadas de 50 ou 60, com certeza, vai estranhar muito a mesma atividade exercida hoje. Os tempos chamados da "advocacia romântica", nos quais os profissionais desenvolviam seu trabalho centrados única e exclusivamente na defesa dos interesses de seus clientes, através de suas teses e correntes doutrinárias, deram espaço para uma advocacia mais abrangente, mais corporativa, enfim, mais empresária.

Que não se confundam esses novos conceitos com a prática da mercancia pura caracterizadora das atividades econômicas clássicas da indústria transformadora e do comércio tradicional e milenar. Em verdade, a "advocacia empresária" traduz-se em uma atividade mista, em que ao tempo dedicado à defesa técnica de teses e correntes jurídicas é acrescido tempo dedicado à gestão da atividade (mais complexa em sua estrutura física) e a própria forma da prospecção da clientela.

O "advogado romântico" de outrora era procurado pelo seu potencial jurídico, seu poder de convencimento e altivez junto aos poderes públicos. O "advogado empresário" compõe um conjunto de conceitos, envolvendo aqueles da era romântica e mais uma série de outros que, passam desde a forma como organizam e conduzem seus escritórios, até a estratégia de condução de uma lide em conjunto com o próprio cliente. E tudo isso, evidentemente, sem prejuízo do desenvolvimento técnico-jurídico – afinal as leis continuam a existir e devem ser respeitadas, como sempre.

Aos poucos, estamos assistindo uma mutação fantástica da atividade. Há escritórios com estrutura tão complexa que, não poucas vezes, chegamos a estranhar e até a duvidar de sua eficiência no mundo jurídico, insinuando desvio daquela que sempre foi considerada a mais tradicional e conservadora das profissões. Ledo engano. É exatamente com esta "estranha estrutura" que aos poucos a advocacia vem tomando praticamente os mesmos contornos que a advocacia norte-americana – as law firms – na qual uma corporação surge com estrutura predefinida; com planos de carreira; com investimentos maciços na alta tecnologia de informação digital; com permanente capacitação de seus profissionais que não mais são contratados ou "agregados" à principal atividade de seu líder, mas sim associados a uma estrutura que lhes permite, no futuro, estar também no comando da corporação. Uma verdadeira estrutura empresarial, na mais das vezes, superior a uma enorme gama de empresas mercantis constituídas para essa exclusiva finalidade.

Evidentemente, que não se confunda a atividade empresarial aqui referida para a advocacia como sendo a mais absoluta incompatibilidade com os estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil. Lá, o que se determinam como incompatíveis é a advocacia com a atividade mercantil, não empresarial.

Quanto mais o tempo passa, mais essa transformação se faz presente. Aos poucos, vão surgindo novos escritórios com estrutura empresária em que não só o aspecto técnico prevalece. A própria estrutura passa a ser elemento de prospecção e na formação de uma carteira de clientes cada vez mais exigente.

Uma estrutura composta de plano de carreira, na qual o iniciante vai desenvolvendo atividade predominantemente técnico-jurídica, já tem, todavia, contato com noções e práticas de gestão administrativa e gestão de negócios. Uma das principais fundações voltadas ao ensino põe, à disposição desse novo profissional, cursos denominados MBA – Master Business Administration – que alcançam índices de desempenho comparados aos internacionais, além de extensões especificamente voltadas à advocacia institucional, tais como Técnicas de Negociação, Direito Tributário, Direito Ambiental, Direito Societário, Economia Aplicada ao Direito, Metodologia da Pesquisa, Direito do Trabalho, Contratos Empresariais, Contabilidade Aplicada ao Direito, Noções de Comércio Exterior, Recuperação de Empresas, Aspectos Processuais e de Direito Material, Direito Penal Empresarial Aplicado aos Delitos Tributários e Previdenciários, e outros tantos, em grau especializado.

Por fim, reporta-se novamente às palavras do Prof. Limongi França:

"[...] Desse templo, nenhum de nós, Diretores ou Conselheiros, nenhum de nós, teria o vezo e a pretensão de constituir uma grei de sacerdotes irretorquíveis. Mas, diversamente, todos temos o desejo, o empenho e a fé, em que, não só os Professores, mas também e principalmente cada qual dos Discípulos, nossos amados Colegas de profissão, componham a predestinada falange dos baluartes da renovação da Advocacia.

E a Advocacia, não apenas como órgão auxiliar, mas esteio imprescindível da Justiça! – E de que Justiça? – Da Justiça como entidade e poder? – Não! – Da Justiça em todas as suas amplas acepções correlatas especialmente como a VIRTUDE de, no menor prazo possível, de maneira otimizada na humanização, sem perda da lisura e do equilíbrio – dar a cada um, efetivamente, aquilo que é seu e lhe é devido." [13]

Sem sombra de dúvida, o pensamento está e permanece na justiça como conceito, que deve ser permanentemente atualizado, remodelado aos contornos da sociedade, seus hábitos, seus preceitos, sua cultura, enfim.

Nas palavras de Gabriel I. Chalita:

"O direito não pode estar à margem das transformações sociais. Não pode viver ensimesmado, sem olhar para o mundo, apenas esperando que o legislador crie nova lei e que o interessado se dirija às cortes para reclamar de seu direito. A democratização do acesso à justiça já é garantia constitucional. A linguagem tem de ser adequada ao auditório, que precisa entender dos termos técnicos que regem essa área, senão os cidadãos não terão seus direitos garantidos, não terão atendidos os pressupostos mínimos da democracia. Tudo isso está em nossas mãos. É preciso acreditar e, se acreditarmos, as coisas começarão a mudar. Senão, o que estaríamos fazendo aqui? Por que teríamos optado por essa profissão?" [14]


A PERSPECTIVA DE UM NOVO ENSINO JURÍDICO

Todas essas considerações não seriam suficientes se não agregássemos alguns comentários sobre o novo panorama do ensino jurídico. Mais do que isso, um novo panorama do ensino, seja ele em nível básico ou superior.

O momento é propício para estabelecermos uma comparação entre o que se denomina de "sistema tradicional" e "sistema contemporâneo", na maioria das vezes, formado por empresas educacionais.

Com uma evolução na tecnologia de informação em velocidade espantosa, vemos o surgimento de técnicas de comunicação que jamais imaginaríamos, há algumas décadas. A transmissão de dados, imagens e sons em tempo real, pelas vias distintas da velha e conhecida televisão, fez com que fossem revistos os conceitos da comunicação.

E isso, aos poucos (mas não tão pouco) está influenciando diretamente aos métodos de conferência e palestra.

Surge então o ensino à distância – EAD – que as poucos vai se tornando firme e sólido no processo de educação e formação profissional.

Ficam atentos, assim, os profissionais da pedagogia, observando, analisando e gerando as mais diversas teorias sobre uma possível alteração conceitual da própria ciência, frente à eventual ausência do professor no processo educacional.

Nesse momento o choque é inevitável. Por mais que se tente evoluir, fazer evoluir e construir evolução, não há nada que possa comprovar a dispensabilidade desse profissional. Nem mesmo admitindo que toda coordenação e supervisão de um processo meramente digitalizado, ou virtual, ficaria a cargo de um pedagogo.

Tive a oportunidade de acessar um texto reproduzido da publicação "Pequenos passos rumo ao êxito para todos", da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, relativo ao projeto "Facilitando mudanças educacionais".

Esse texto foi publicado originalmente em 1994, na Holanda pelo APS – Centro Nacional pelo Aperfeiçoamento das Escolas, Ultrecht-Holanda. Escrito por Loek van Veldhüyzen e K. Vreugdenhil denomina-se O meu professor ideal.

Ali, os autores resumiram em quatro dimensões o perfil considerado – pela sociedade holandesa – como sendo o ideal:

a)Professor enquanto profissional;

b)Professor enquanto educador;

c)Professor enquanto especialista em didática;

d)Professor enquanto membro de uma equipe.

Embora o estudo tenha sido publicado há 15 anos, considerando que o ensino vem desde o século XVII experimentando pesquisas históricas e avaliações permanentes, até que o tempo não é de todo longínquo.

Mas percebe-se que o perfil do sistema educacional que vem se desenhando, aos poucos, distancia-se – e em muito – das dimensões apresentadas. Duas, ao menos, de partida, seriam descartadas diante do contorno com que se poderá vir a ensinar através das câmaras de reprodução de imagem: o professor enquanto profissional e o professor enquanto membro de uma equipe.

Evidentemente não estou desqualificando o profissional que promove o ensino pelo sistema de vídeo-conferência, apenas e tão somente desvinculando-o dessas duas dimensões que pressupõem a equipe "interdisciplinar" e o profissionalismo como característica dos que dedicam ao magistério tempo razoável de sua vida, com capacitação permanente e severo aperfeiçoamento, este incluindo o contato assíduo com a realidade da sociedade da qual faz parte.

Restariam, então, duas dimensões: "educador" e "especialista em didática". A primeira, pressupõe, no mínimo, a percepção da relação da educação familiar e ensino e a responsabilidade pedagógica pelo que faz.

Outros aspectos, sem dúvida, estão presentes nessa análise, mas estou me propondo apenas a primeira reflexão, sem contudo, desprezar ou menosprezar o avanço tecnológico e inevitável mutação de todo o sistema educacional.

A segunda, "especialista em didática", sem dúvida, vai imprimir uma verdadeira revolução científica. A didática está voltada a permanente evolução da própria sociedade. Assim, métodos, modelos de instrução, manejo do alunado, bem como o planejamento geral das ações, estarão totalmente voltados para uma nova realidade.

É por essas razões que as novas perspectivas vão exigir – e rápido – das ciências que regem e formam os profissionais que exercem o magistério, novas posturas envolvendo metodologia e objetivos.

Somente dessa forma não perderemos o direcionamento de um progresso permanente, todavia, sem dissolver ou diluir o nível e o conteúdo técnico e científico dos profissionais que emergirão do processo educacional brasileiro, inclusive, no Direito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO, Rubens Approbato. Homens & Idéias – Pequenas Homenagens; Grandes Esperanças. Brasília, Conselho Federal OAB, 2001.

RODRIGUES, Horácio Wanderley; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Ensino do Direito no Brasil. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2002.

Conselho Federal da OAB. Ensino Jurídico OAB – 170 Anos de Cursos Jurídicos no Brasil. Brasília, 1997.

Conselho Federal da OAB. Advogado: Desafios e Perspectivas no Contexto das Relações Internacionais. Volume II. Brasília, 2000.

Conselho Federal da OAB. A OAB Vista pelos Advogados. Brasília, 2000.

Conselho Federal da OAB. OAB Ensino Jurídico – Balanço de uma Experiência. Brasília, 2000.

Conselho Federal da OAB. A Ordem dos Advogados do Brasil e o Estado Brasileiro. Brasília, 2001.

Conselho Federal da OAB. OAB Recomenda – Um Retrato dos Cursos Jurídicos. Brasília, 2001.

Conselho Federal da OAB. OAB Ensino Jurídico – Formação Jurídica e Inserção Profissional. Brasília, 2003.

Revista do Advogado [da Associação dos Advogados de São Paulo]. Sociedade de Advogados. São Paulo, AASP, nº 74, dez./2003.

Visão Jurídica [Revista]. Escritório que Escolhem Clientes a Dedo. Editora São Paulo, Escala, nº 12, 2007.

Mercado & Negócios – ADVOGADOS [Revista]. A Nova Advocacia Brasileira; A Revolução dos Escritórios. São Paulo, Minuano, nº 11, 2007.

Dignidade [Revista]. A Evolução do Conceito de Justiça – Universidade Metropolitana de Santos, Santos, nº. 1, 2002.


Notas

  1. ENSINO JURÍDICO OAB – 170 ANOS DE CURSOS JURÍDICOS NO BRASIL. Conselho Federal da OAB, Brasília, 1997, p.13
  2. Obra citada, p. 14
  3. Obra citada, p. 34
  4. A OAB VISTA PELOS ADVOGADOS. Pesquisa de Avaliação da Imagem Institucional da OAB. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2000, p. 15
  5. Obra citada, p. 21
  6. OAB ENSINO JURÍDICO: BALANÇO DE UMA EXPERIÊNCIA. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2000, p. 10
  7. Obra citada, p. 33
  8. Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília; Coordenadora de Pós-Graduação; Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos; Mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-RJ
  9. OAB RECOMENDA: Um Retrato dos Cursos Jurídicos. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2001, pp. 23-24
  10. HOMENS & IDÉIAS – PEQUENAS HOMENAGENS. GRANDES ESPERANÇAS. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2001, p. 139
  11. OAB ENSINO JURÍDICO. FORMAÇÃO JURÍDICA E INSERÇÃO PROFISSIONAL. Conselho Federal da OAB, Brasília, 2003, p.17-28
  12. Obra citada, pp. 25-26
  13. Obra citada, p. 53 (grifos no original)
  14. REVISTA DIGNIDADE. A evolução do conceito da justiça. Unimes, Santos, 2002, pp. 95-96

Autor

  • Francisco José Zampol

    Francisco José Zampol

    Sócio da ZMCC Advogados e Consultores Legais, mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos - UNIMES, Professor contratado da cadeira de Direito do Trabalho no curso de Direito do Centro Universitário de Santo André - UniA

    é autor do livro 'O Direito, a Lei e a advocacia'.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAMPOL, Francisco José. A evolução da advocacia no decorrer dos tempos. A preocupação com o nível dos cursos jurídicos e a formação dos novos advogados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2442, 9 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14476. Acesso em: 28 mar. 2024.