Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/14515
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Noções acerca do sistema das Nações Unidas

Noções acerca do sistema das Nações Unidas

Publicado em . Elaborado em .

1 Histórico

A idéia de uma organização internacional [01] política com caráter permanente e universal não é nova, vez que a humanidade, face aos constantes conflitos que sempre marcaram sua existência, há tempos vem buscando formas de contornar tais tensões. [02]

Diante dos destroços da Primeira Guerra Mundial, [03] verifica-se, no cenário global, a necessidade premente de segurança e paz internacionais.

Nesse contexto e dentro dos 14 pontos apresentados pelo então presidente dos Estados Unidos da América Woodrow Wilson, [04] e também da idéia já presente desde o século XIV, por meio do Tratado de Versalhes, de 1919, surge a Liga das Nações [05] – organização predecessora da ONU – como entidade hipoteticamente capacitada a assegurar as tão almejadas paz e segurança na esfera internacional. [06] O presidente Woodrow Wilson defendia, dentre outros, o sistema de segurança coletiva, [07] bem como o princípio da autodeterminação dos povos. Importa destacar que, não obstante a ausência dos Estados Unidos da Liga, várias sugestões do presidente foram mantidas.

Na obra sobre Organizações Internacionais, Campos, Porto, Fernandes, Medeiros, Ribeiro e Duarte (1999) explicitam que:

O Tratado de Paz de Versalhes, acolhendo a proposta do Presidente Wilson, dos EUA, criou a Sociedade Geral das Nações, sediada em Genebra (Suíça), organização universal instituída para manter a paz e dotada de uma estrutura institucional complexa: a Assembléia composta por representantes de todos os Estados-Membros, um Conselho restrito e um Secretariado.

Assim, após o final da Primeira Guerra, dentro da ordem ‘estabelecida’, teve origem a Liga das Nações, instituída pelos vencedores [08], com o objetivo de prevenir a emergência de novos conflitos armados internacionais. De fato, afastando os Estados vencidos na guerra da elaboração do Tratado de Versalhes, concerne-se a Carta da Liga a aliança militar entre os vitoriosos, com o escopo de impor uma situação aos derrotados. [09]

Todavia, não se pode olvidar que o passo dado na Conferência de Versalhes representa grande avanço ao amadurecimento de determinada modalidade de cooperação entre os Estados, sendo certo que o Tratado Constitutivo da Liga situa, ainda que de forma vaga, alguns direitos e deveres dos Estados-Membros.

Tendo como principal propósito a manutenção da paz e segurança em contexto global, a criação da Liga das Nações espelha a preocupação da sociedade internacional em introduzir progressivas restrições ao uso da força pelos Estados. De tal modo, o Pacto da instituição visava à regulação pacífica de conflitos, à limitação dos armamentos, ao afastamento dos Estados que atentassem contra a paz e à exclusão das potências vencidas na guerra.

Ocorre que, pelo Pacto da Liga das Nações, não restava completamente defeso o uso da força, vez que se limitava, tão-somente, a coibir emprego da força armada antes de recorrer-se a outros meios não-belicosos, como arbitragem, decisão judicial ou deliberação do Conselho. Em qualquer das hipóteses, estabelecia o Pacto que, em caso de agressão, o Estado vítima deveria aguardar o lapso de três meses. Passado este período, era lícito desencadear ataques armados contra Estados que não atendessem à deliberação arbitral, judicial ou do Conselho.

Destarte, o direito à guerra não foi totalmente suprimido, ficando apenas sujeito a um tempo de abrandamento, na expectativa de que o decurso daquele lapso viesse a arrefecer as inclinações belicosas dos Estados. A Liga das Nações, assim, não detinha exclusividade do recurso à força na esfera internacional, sendo que os Estados iniciadores de hostilidades limitavam-se a asseverar que estavam a praticar medidas autorizadas pelo Pacto. Neste contexto, o Pacto da Liga, em seu artigo 15(7) [10], permite aos Membros da Sociedade "proceder como julgarem necessário para a manutenção do direito e da justiça". Adicionalmente, o artigo 16 [11] do Pacto, em seu parágrafo 2º, determina somente que o Conselho deveria recomendar o uso da força pelos Estados-Membros da Liga. [12]

A Liga das Nações, de tal modo, não foi capaz de engranzar uma alteração radical nas relações internacionais, vez que não impedindo os Estados de aceder à força, apenas serviu para reduzir a freqüência com que lançavam mão de seu emprego.

Porém, de forma pertinente, em 1928, adotou-se o Pacto Briand-Kellog (Pacto de Paris), pelo qual os Estados-partes abdicaram ao emprego da força como modo de resolução de conflitos.

Cumpre adicionar, que o Pacto da Liga tinha natureza tão-somente convencional, não gerando efeitos erga tertius, deixando então de alcançar Estados como a URSS, os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão. Para estes Estados ainda vigia o direito consuetudinário permissivo do recurso à força.

Realça-se, também, que a nova ordem internacional – criada no quadro da Liga das Nações – registra algumas contribuições muito válidas à sociedade global, dentre as quais se destacam a criação da Corte Permanente de Justiça Internacional (1921), incentivo à formação de outras Organizações Internacionais (como a Organização Internacional do Trabalho), abolição dos acordos de rendição entre Estados (refletindo a tendência da gradual proscrição das desigualdades entre os sujeitos primários de direito internacional), preocupação com a questão da escravatura na ordem internacional e maior sensibilidade para com direitos humanos e liberdades fundamentais.

Seitenfus (2003) ainda asserta o fato de ter nascido, com a Liga, a fórmula institucional [13] clássica das organizações internacionais. Neste diapasão, reproduzindo a estruturação moderna do Estado, a Liga será tripartite [14], constando de uma Assembléia, [15] com representação plena e igualitária (equiparada a um parlamento); um Conselho restrito [16] (espécie de ‘Poder Executivo’ da organização); e um Secretariado permanente.

Previa-se, nesse contexto, que o Conselho da Liga seria composto por cinco Membros permanentes (Reino Unido, França, EUA, Itália e Japão) e quatro Membros não permanentes.

A Assembléia, por seu turno, compor-se-ia por todos os Membros da Liga.

Ocorre que, apesar de a Liga vir a ser constituída por quarenta e dois Estados, não foi possível a participação dos Estados Unidos da América (o qual viria a ser Membro permanente do Conselho), por motivos de política interna. Este episódio acabou por representar o passo inicial ao enfraquecimento da organização que mal tinha nascido. [17]

Assim, devido às falhas dos acordos de paz estabelecidos após o término da Primeira Grande Guerra, bem como à inaptidão a evitar a Segunda Guerra [18] e tendo em mente, dentre outros fatores, a insatisfação de alguns Estados, o revide da diplomacia velada, os conflitos envolvendo pretensões expansionistas de alguns Membros permanentes do Conselho (dos quais a Liga acabou por tornar-se instrumento), a inviabilidade de tornar-se uma organização internacional de caráter supranacional, a prevalência do ‘interesse nacional’ dos Estados em praticamente todos os momentos [19] e a não participação dos Estados Unidos na organização criada, vê-se esta fadada ao fracasso. [20]

Ad similia, elucida Higgins (1991) que,

Ao final da Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações foi formada para o fim de dar à paz uma estrutura institucional e de proibir a guerra futura. A Convenção da Liga, entretanto, provou ser uma proibição imperfeita da guerra por causa das limitações textuais, da falta da vontade por parte dos Membros, e da ausência da URSS e dos Estados Unidos no começo do que deveria ter sido um sistema global novo. (tradução nossa) [21]

De tal modo, na 21ª (vigésima primeira) reunião da Assembléia da Liga, ocorrida em 18 de abril de 1946 – quase um ano após a assinatura da Carta da ONU, sua sucessora – colocou-se termo à Liga das Nações, a qual veio a ter suas atividades formalmente encerradas aos 31 dias do mês de julho de 1947. [22]

1.2 Dos destroços da Segunda Grande Guerra surge um novo organismo internacional: a Organização das Nações Unidas [23]

Após a Segunda Guerra Mundial, reitera-se a urgência de um organismo internacional responsável pela manutenção e estabelecimento das tão-visadas paz e segurança entre os Estados, pois apesar das falhas apresentadas pela Liga, [24] os Estados não olvidaram ser certo que se faz imprescindível, no cenário global, uma organização internacional geral, [25] aberta, [26] de natureza política e de atuação permanente e universal. [27]

É fato que os Estados já vinham empenhando-se de forma a constituir uma nova organização internacional, sendo que, conforme reflete Marques (2005),

As primeiras referências ao surgimento da organização, que posteriormente veio a se tornar a ONU, podem ser identificadas quando da decadência da Liga das Nações. Em meados dos anos 30, quando a situação beligerante dos Estados europeus era evidente e a Liga era incapaz de evitar o conflito que se anunciava, pessoas atuantes na área de relações internacionais começavam a sugerir a reforma da Liga ou, principalmente, a criação de uma nova organização internacional mais eficiente na área da proteção à paz internacional.

Nesse lastro, os vencedores da Segunda Grande Guerra extraíram lições da ruína da Liga, de forma a edificar uma nova organização internacional sem vir a cometer os mesmos desacertos. Vem ao mundo, então, aos 24 dias do mês de outubro de 1945, a Organização das Nações Unidas, [28] a qual, com atuação significativamente mais ampla, [29] passa também a cuidar da maioria dos assuntos da Liga, [30] preservando, como um dos objetivos principais [31] a manutenção da paz e segurança entre os Estados.

Configurando um primeiro passo rumo ao estabelecimento das Nações Unidas, aos 12 de junho de 1941, foi firmada em Londres a ‘Declaração Interaliados’, objetivando a trabalhar em conjunto com outros povos livres, tanto na guerra, quanto na paz. [32]

Marco histórico do início das atuações conjuntas de Estados em direção à criação da ONU, aos 14 de agosto de 1941, Roosevelt e Churchill, [33] representando respectivamente os EUA e o Reino Unido, ratificaram a ‘Carta do Atlântico,’ [34] a qual ainda não mencionava a criação de uma organização internacional, mas estabelecia princípios fundamentais visando à colaboração na manutenção da paz e segurança internacionais.

Confirmando o exposto, doutrinam Campos et al (1999):

O primeiro documento de conteúdo programático sobre a reorganização da sociedade internacional quando terminasse a Segunda Guerra Mundial foi a Carta do Atlântico, uma declaração conjunta do primeiro-ministro britânico Winston Churchill e do presidente norte-americano Roosevelt.

Mas em 1º de janeiro de 1942, após a entrada da União Soviética e dos Estados Unidos na Guerra, com a intenção de não realizar acordos de paz apartados, uma conferência é realizada em Washington, reunindo vinte e seis Estados em guerra contra os Membros do Pacto Tripartido. Ao reiterar os princípios contidos na ‘Carta do Atlântico’, a ‘Conferência de Washington’, anuncia, pela primeira vez, a necessidade de uma solidariedade destas ‘Nações’, a partir daquele momento ‘Unidas’, para fazer frente ao Eixo. Acatando sugestão do presidente norte-americano Roosevelt, os Estados unidos pela guerra passam a se denominar ‘Nações Unidas.’ [35]

Segue-se, no dia 30 de outubro de 1943, a ‘Conferência de Moscou’, com a participação dos Ministros de Relações Exteriores da China, EUA, Reino Unido e URSS. O resultado foi a ‘Declaração das Quatro Nações sobre Segurança Geral’, na qual os governos ‘Aliados’ insistem na criação de uma "organização internacional baseada no princípio da igualdade soberana de todos os Estados pacíficos, pequenos ou grandes, com o objetivo de manter a paz e a segurança internacionais." [36] No primeiro dia de dezembro do mesmo ano, representantes dos EUA, URSS e Reino Unido reuniram-se em Teerã, onde reafirmaram o objetivo de estabelecer a Organização Internacional supracitada.

Ao mesmo tempo em que as Potências Aliadas esforçavam-se para organizar as relações econômicas internacionais, na ‘Conferência de Brettton Woods’ (julho de 1944), os representantes de China, Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética encontraram-se nos arredores de Washington para definir os contornos da organização política das relações internacionais do pós-guerra.

Nesta ocasião, foi submetido à chamada ‘Conferência de Dumbarton Oaks’ [37] (que se estendeu de 21 de setembro a 7 de outubro de 1944) um texto preparado pelo Departamento de Estado, contendo os principais dispositivos da futura organização internacional, restando decididos aspectos fundamentais da mesma, como seus objetivos, estrutura, funcionamento e, em particular, sobre a existência de um Conselho de Segurança. [38] De fato, a finalidade específica dos Estados na ‘Conferência de Dumbarton Oaks’ era elaborar um projeto para a nova organização internacional, sendo que o resultado da Conferência – denominado ‘Propostas para o Estabelecimento de uma Organização Internacional Geral’ – foi publicado no dia 9 de outubro do mesmo ano.

Não se pode olvidar que o caráter universal da nova Organização Política Internacional – que a impedia de ser formada somente pelas grandes potências – não poderia erigir em óbice à sua eficácia, que somente seria possível se contasse com a colaboração de tais Forças. Logo, cumpre advertir sobre o papel dominante exercido pelas grandes potências no contexto do estabelecimento da Organização, sendo que esforços dos Estados ‘periféricos’ para abrandar o poder daquelas fadaram ao fracasso.

Contrariamente à experiência da Liga das Nações – espaço de encontros e discussões entre Estados colocados num mesmo patamar jurídico –, a nova organização deveria permitir o acesso às instâncias decisórias somente a um seleto grupo de Estados, visando a conservar e a construir a paz e a segurança na esfera internacional. De tal modo, do ponto de vista institucional, a organização contaria com duas câmaras principais: uma geral, constituída por todos os Estados representados de forma paritária, mas com poderes tênues; e outra limitada, formada essencialmente pelas grandes potências vencedoras da guerra, com procuração ampla que, na prática, asseguraria eficácia à organização.

Assim, na ‘Conferência de Yalta’ [39](Ucrânia), reunindo Winston Churchill, Franklin Roosevelt e Josef Stalin, concluiu-se, em fevereiro de 1945, que a manutenção da paz só seria viável com a participação conjunta dos "Grandes". Por conseqüência, mesmo na hipótese de ser necessária, a atuação da Organização apenas viria a acontecer se não houvesse a oposição de qualquer das Potências. Deu-se início, então, a um esboço da sugestão do tão-conhecido ‘poder de veto’ no Conselho de Segurança, o qual, ainda neste cenário, veio a ser fixado – trata-se da chamada ‘fórmula de Yalta’ –, sendo aplicável apenas em questões substantivas, e não em assuntos procedimentais.

Logo, no que tange à forma decisória a ser adotada pela nova Organização, aponta Seitenfus (2003) que

As potências vencedoras da guerra corriam o risco de ser compelidas a acatar iniciativas coletivas para a manutenção da paz, mesmo contra a sua vontade expressa, caso as decisões fossem tomadas baseando-se em qualquer cálculo majoritário ou proporcional, no âmbito do órgão restrito. Não bastava, então, fazer parte de um órgão decisional restrito. Era necessário, igualmente, que as potências – individual e coletivamente – pudessem controlar o rumo de suas decisões. A solução será adotada na Conferência de Yalta, que reuniu, em janeiro de 1945, Churchill, Roosevelt e Stalin. Trata-se de diferenciar os países Membros do Conselho em permanentes e transitórios. Qualquer decisão emanada deste órgão não deveria sofrer oposição de um Membro permanente. Portanto, os Membros permanentes deveriam agir de forma unânime para que uma decisão viesse a ser adotada. Surge assim o chamado poder de veto. A adoção da idéia do poder de veto no Conselho sofre forte oposição dos pequenos e dos médios Estados, como, por exemplo, alguns latino-americanos e a Austrália. A contestação repousa na principiologia, pois não é admissível estabelecer, numa organização que pretende ser democrática, parâmetros que criam duas categorias de Estados-Membros. Mas além do atentado ao princípio, reina uma certa confusão no que diz respeito ao campo da aplicabilidade do direito de veto. Este deveria restringir-se às questões de segurança em seu senso estrito. Contudo, não há nenhuma indicação sobre os temas pertinentes à segurança, ficando o Conselho com total autonomia para decidir caso a caso. Finalmente, não foi possível fazer com que as grandes potências aceitassem, de forma clara e indiscutível, que nos conflitos em que elas eram parte, deveriam abster-se de utilizar o direito de veto. (...) Este será o ponto crucial que paralisará o Conselho de Segurança por décadas.

Ocorreu ainda em Yalta, a convocação para a ‘Conferência das Nações Unidas’, que ocorreria na cidade de São Francisco (EUA), em abril de 1945, ‘to prepare the Charter of such an organization along the lines proposed in the informal conversation of Dumbarton Oaks’. De fato, diante da iminência do triunfo contra o Eixo, tornava-se imprescindível institucionalizar as relações internacionais. Então, representantes de 51 Estados de todos os lados do globo reuniram-se em São Francisco, [40] nos EUA, com a finalidade de redigir o documento constitutivo da organização que viria a garantir a paz e segurança internacionais, bem como regular a situação internacional emergente da Segunda Guerra Mundial. [41]

Os preparativos datavam de vários anos. Durante a formação da importante coalizão antinazista, articulada logo no início da Segunda Guerra Total, os EUA e o Reino Unido, seus primeiros expoentes, situaram os princípios que deveriam orientar as relações internacionais após o conflito. Destarte, na penúltima sessão do plenário, aos 25 dias do mês de junho de 1945, a Carta foi unanimemente adotada e saudada como marco de uma nova era para o direito e para as relações internacionais.

A ‘Conferência de São Francisco’ [42] iniciou seus trabalhos no dia 25 de abril de 1945 e teve seu termo no dia 26 de junho do mesmo ano, data em que os cinqüenta Estados presentes [43] firmaram o documento constitutivo [44] da Organização nas cinco línguas oficiais e sem aposição de reservas.

Criada aos 24 de outubro de 1945, com o início da vigência da Carta através da sua ratificação por parte dos cinco Membros permanentes do Conselho de Segurança e pela maioria dos outros signatários, foram sopesados os efeitos devastadores do Segundo Conflito Mundial, decidindo-se dotar a Organização com poderes de assentar restrições significativas ao uso da força. [45] Instituiu-se, para esse propósito, o sistema de segurança coletivo. (Milestones in United Nations History. Tradução nossa) [46]

Desta forma, surge a Organização das Nações Unidas como a mais respeitável tentativa de cunhar-se uma instituição política internacional, permanente, aberta, democrática e universal, com o objetivo precípuo de manter e estabelecer a paz [47] e segurança no sistema global, provendo ainda esse sistema com uma nova ordem.

A respeito, bastante pertinentes são as palavras de Tettamanti (1995), ao doutrinar que,

Los autores de la Carta buscaron dotar las Naciones Unidas de los medios necesarios para hacer frente a situaciones contrarias a la paz y la seguridad, con la esperanza de cubrir las limitaciones que mostrara la Sociedad de las Naciones...

Observa-se que a Carta, embora aprovada por unanimidade, vem ao mundo como uma ‘constituição outorgada’ pelas potências vitoriosas, vez que estas estabeleceram, desde o início, que as linhas basilares de Dumbarton Oaks [48] eram inalteráveis. Nessa conjuntura, conforme há de se considerar adiante, devido ao paradigma aristocrático no arranjo e deliberação do Conselho, a situação vigente durante a Guerra Fria impediu largamente o funcionamento do sistema de segurança coletivo almejado pela Carta da ONU.


2 Apontamentos acerca dos propósitos, princípios, características, estrutura e atuação da ONU

Composta praticamente por toda a sociedade global, [49] conforme esclarece o ‘Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil’ (s.d.), a Organização das Nações Unidas possui, além da sede central em Nova York, outra em Genebra, na Suíça, e escritórios em grande parte dos Estados. [50]

De fato, organização política, internacional, multilateral, aberta, permanente e de âmbito universal, [51] não há, na nova entidade constituída, discriminação para ingresso [52] de Estados, [53] bastando que satisfaçam à meta essencial da Organização. [54]

A ONU, organização internacional com caráter de permanência – pois criada com o objetivo de durar indefinidamente –, é instituição dotada de personalidade jurídica, configurando-se como titular de direitos e deveres na ordem jurídica internacional. Nesse diapasão, acerca da personalidade jurídica da Organização das Nações Unidas, a Corte Internacional de Justiça, em seu Parecer Consultivo de 11 de abril de 1949, sobre o caso ‘Reparações de danos sofridos a serviço das Nações Unidas’, "(...) concluiu que a Organização, como detentora de direitos e obrigações, tem uma larga medida de personalidade internacional e de capacidade para operar no plano internacional, embora não seja certamente um super-Estado." (BRANT, 2005, p. 497)

Destarte, sendo certa sua autonomia em relação aos Estados, a ONU é provida de vontade própria e distinta dos Estados-Membros, mas não se tratando de um super-Estado, encontra seus limites nos princípios e nos propósitos para os quais fora instituída.

Em traços gerais, são propósitos da ONU: manter a paz e a segurança no campo internacional; desenvolver relações amistosas entre as nações; realizar cooperação internacional para resolver problemas mundiais de caráter econômico, social, cultural e humanitário, promovendo, para tanto, respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; e ser um centro destinado a harmonizar a ação dos povos para a consecução desses objetivos comuns. (Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil, s.d.) [55]

Sobre o tema, Manuel Tello (199?) esclarece que "los principales propósitos de las Naciones Unidas (...) son de una gran amplitud y de una noble concepción. Gracias a ellos será posible que la convivencia internacional, en sus más variados aspectos, se desenvuelva en beneficio de todos."

No que diz respeito à sua natureza, a ONU é uma organização internacional com finalidades gerais, perseguindo objetivos predominantemente políticos [56] e lidando com questões essencialmente conflitivas. Concerne, deste modo, a uma organização de concertação política e de atuação universal, sendo notório o traço fundamental do caráter político-diplomático de suas atividades. Exerce então, nesse quadro, ampla influência sobre questões vitais dos Estados Membros, como por exemplo a soberania, a autodeterminação e a independência internacional.

Pertine ainda sublinhar ser o método de ação da Organização essencialmente preventivo, não pretendendo agir somente de forma a restaurar ou construir a paz, mas precipuamente tomando iniciativas que impeçam sua ruptura.

Logo, concerne-se a organização internacional de natureza intergovernamental, instituída por um tratado constitutivo, possuindo órgãos próprios e perseguindo objetivos comuns,

Desde o primeiro momento, a ONU assumiu suas duas funções principais: a manutenção da paz internacional e a cooperação para o desenvolvimento econômico e social das nações, principalmente apoiando a reconstrução dos países destruídos pela guerra. (TOMASSINI apud RODRIGUES, 2000, p. 29)

Paralelamente, constata-se que, para a consecução dos propósitos elencados, a ONU e seus respectivos Membros devem pautar-se pelos princípios basilares do sistema, a saber: [57] a Organização baseia-se no princípio da igualdade soberana da totalidade de seus Membros; todos os Membros obrigam-se a cumprir, de boa fé, os compromissos da Carta; todos deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais; todos deverão abster-se, em suas relações internacionais, de recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra outros Estados; todos deverão dar assistência às Nações Unidas em qualquer medida que a Organização tomar em conformidade com os preceitos da Carta, abstendo-se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo; nenhum preceito da Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em assuntos que são essencialmente da alçada doméstica [58] de cada Estado.

Adicionalmente, impera considerar que, se para integrar os quadros da ONU, o Estado deve satisfazer algumas condições e, para permanecer na situação de Membro, necessita manter tais características, sob pena de, em determinadas circunstâncias, poder haver suspensão [59] ou, até mesmo, em hipóteses mais graves, expulsão [60] de Membro da ONU.

Visando à consecução dos fins para os quais a ONU fora criada, estabelece-se os organismos que a compõem. Assim, a estrutura orgânica da Organização em foco encontra-se disciplinada no artigo 7º da Carta, [61] segundo o qual a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, [62] o Conselho de Tutela, [63] a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado [64] são os principais órgãos das Nações Unidas, restando facultada a instituição de órgãos subsidiários considerados necessários.

Concluindo esta etapa, impende esclarecer que, de certa forma (ainda não satisfatória), a ONU tem desempenhado seu principal papel na manutenção e estabelecimento da paz. É fato que, transcorridos mais de sessenta anos, pelo menos até os dias atuais, resguardou-se a humanidade de uma Terceira Guerra Total. De acordo com o relatório da pesquisa feita pelo Human Security Centre, da Universidade de British Columbia, no Canadá, a diminuição no número e violência das guerras é decorrência da intervenção da ONU e de outras organizações de ajuda humanitária. (BBC Brasil, 17 de outubro, 2005)

Some-se ainda, que tem a ONU como um dos seus maiores méritos, o fato de atuar como um fórum permanente de debates, onde grande conglomeração de Estados atua, mesmo que de forma díspar, do processo político internacional.

Por outro lado, em não poucas situações, atua a Organização como um mero aparelhamento de manutenção do status quo e de exercício do poder por parte de Estados tidos como ‘Grandes’. Nessa conjuntura, faz-se de extraordinária relevância a apreciação do principal órgão político da Instituição – o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas –, sendo este a chave-mestra para a compreensão dos desníveis existentes e dos jogos políticos que deles dimanam.


Notas

  1. Acerca da importância das organizações internacionais, Campos, Porto, Fernandes, Medeiros, Ribeiro e Duarte (1999) esclarecem que a interdependência crescente dos Estados, nos mais diversos domínios da atividade humana (econômico, humanitário, social, técnico, financeiro e monetário, científico e cultural), com a correspondente variedade e complexidade de relações a que não podem furtar-se, fizeram das organizações internacionais intergovernamentais um instrumento privilegiado da indispensável cooperação internacional. Estas organizações são hoje atores permanentes, dinâmicos, imprescindíveis e portanto incontornáveis da cena internacional. Assim, é fundamental o papel que as organizações internacionais modernamente desempenham no quadro das relações internacionais.
  2. Sobre a necessidade histórica de estabelecer-se um ente para disciplinar as controvérsias existentes, Seitenfus (2003) esclarece que "os constantes conflitos entre grupos socialmente organizados conduziram a humanidade, desde o século XIV, a interrogar-se sobre os meios de controlar a guerra e tornar permanente a paz. Incipientes e de escasso alcance, as idéias de constituição de uma organização internacional de caráter universal foram manifestadas por Pierre Dubois e, em 1464, por George Podiebrad, Rei da Boêmia, com um projeto de manutenção da paz na Europa. A partir do século XVI, novos estudos são divulgados por William Penn, Jean-Jacques Rousseau, os abades São Pedro e Gregório. Surge o importante trabalho de Kant sobre a paz perpétua. Contudo, a manifestação destas vontades isoladas ou de pequenos grupos não atinge a política dos Estados que prosseguem em uma concepção nacional e individualista da segurança de seus respectivos Estados." Aduz ainda o doutrinador que, criada em 1919, a Liga das Nações foi a primeira organização internacional com objetivos políticos de caráter universal. Ressalta-se que os Estados primeiramente estabeleceram organizações internacionais para cooperação em assuntos específicos. A ‘União Internacional de Telecomunicação’ foi fundada em 1865, assim como a ‘União Telegráfica Internacional’, e a ‘União Postal Universal’ foi estabelecida em 1874. Todas elas hoje são agências especializadas da ONU. Também as Nações Unidas (Milestones in United Nations History) clarificam que, em 1899, a ‘Conferência Internacional para a Paz’ ocorreu, em Haia, para elaborar instrumentos que viessem a resolver crises pacificamente, prevenindo guerras e codificando regras de guerra. Adotou-se a ‘Convenção para a Resolução Pacífica de Disputas Internacionais’ e estabeleceu-se a ‘Corte Permanente de Arbitragem’, a qual começou a trabalhar em 1902. (Tradução nossa).
  3. Conflito formalmente iniciado em 1914, tratou-se a Primeira Grande Guerra Mundial do embate travado entre a ‘Tríplice Aliança’ e a ‘Tríplice Entente’, A primeira (‘Tríplice Aliança’) fora composta pela Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro (monarquia dual formada pela união, em 1867, da Áustria e da Hungria e que, após o final da Primeira Grande Guerra, pelos Tratados de Saint-Germain e de Trianon, restou dissolvida, erigindo-se os seguintes Estados: Hungria, Iugoslávia, Polônia e Tchecoslováquia). Por sua vez, a ‘Tríplice Entente’, vencedora da Guerra, tinha como mebros França, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Rússia. Do conflito, finalizado apenas em 1918, resultaram mortes de aproximadamente 6,5 (seis e meio) milhões de civis e 8 (oito) milhões de oficiais. "O choque da Primeira Guerra Mundial permite encarar uma verdadeira revolução através da construção de um poder internacional de direito superior aos Estados: a Sociedade das Nações (S.d.N) é criada pela Conferência de Paz de Versalhes em 28 de Abril de 1919, com o objectivo de manter, em tempo de paz, a solidariedade dos povos democráticos e impedir uma nova «guerra civil internacional» (G. Scelle). A S.d.N. é, com efeito, a primeira organização com vocação universal – em 1938 conta com cinqüenta e quatro Estados Membros – cuja função é simultaneamente política e técnica." (DAILLER; PELLET; QUOC DINH, 1999, p. 62). Dos ensinamentos de Brant (aula) depreende-se, ainda, que a partir da Primeira Guerra Mundial, os Estados vão perceber que a paz não poderia ser alcançada unicamente através do euilíbrio de forças.
  4. Os ideais do presidente Woodrow Wilson, fonte de inspiração da Liga, representavam ruptura com idéia de equilíbrio de poderes.
  5. "Só após a 1.ª Grande Guerra e no quadro do Tratado de Versalhes foi criada a primeira grande organização internacional de carácter universal e de natureza política, dotada de competência geral e vocacionada para a universalidade – a Sociedade da Nações. Esta organização, instituída fundamentalmente para salvaguardar a paz, não conseguiu evitar a II Guerra Mundial, a que não sobreviveu. Sucedeu-lhe a Organização das Nações Unidas." (CAMPOS, João de Mota et al, 1999, p. 203)
  6. A respeito, doutrina Seitenfus (2003) que "a Conferência de Paz que põe fim à Primeira Guerra Mundial adotou, por unanimidade, em 28 de abril de 1919, o projeto que criou a Sociedade das Nações (SDN), também conhecida como Liga das Nações. Tratava-se de uma associação intergovernamental, de caráter permanente, com vocação universal, baseada nos princípios da segurança coletiva e da igualdade entre Estados soberanos. (...) Com a Liga das Nações, tem-se pela primeira vez uma verdadeira organização internacional com o objetivo específico de manter a paz através de mecanismos jurídicos".
  7. Explanam Brownlie (1997) e Ricardo Seitenfus (2003) que a idéia central para a manutenção da paz repousa no princípio da segurança coletiva. Extraída dos ensinamentos do presidente Wilson, a Liga das Nações advoga que a segurança de um é a segurança de todos.
  8. Ressalta-se o fato de a Conferência de Versalhes não ter sido uma reunião entre vencedores e vencidos, mas sim uma conferência de vitoriosos para impor condições de paz ao inimigo.
  9. A Alemanha, por exemplo, derrotada na Primeira Guerra, no contexto do nascimento da Liga perdeu colônias, foi privada da sua força marinha e aérea, ficou destituída de um terço do seu território, viu seu Exército comprimido a cem mil homens, e ficou com obrigação de pagar pesadas indenizações de guerra. Importa averbar que o Presidente Wilson, à época, opôs-se às reparações infligidas à Alemanha.
  10. Dispõe o parágrafo 7º do artigo 15 do Pacto da Liga (1919) que "no caso em que o Conselho não consiga fazer aceitar seu relatório por todos os seus Membros, exclusive os representantes de qualquer das partes litigantes, os Membros da Sociedade reservam-se o direito de proceder como julgarem necessário para a manutenção do direito e da justiça." (SALIBA, 2006, p.746)
  11. Das letras do artigo 16 do Pacto da Liga (1919) infere-se que, no caso de um Membro da Sociedade recorrer à guerra, contrariamente aos compromissos assumidos nos termos do Pacto, ele será ipso facto considerado como tendo cometido um ato de guerra contra todos os outros Membros da Sociedade. Nesse caso, o Conselho terá o dever de recomendar aos diversos governos.
  12. Por seu turno, a Carta do ONU (1945) apresenta grande alteração em relação ao que dispunha o Pacto da Liga (1919). O artigo 43 da Carta (1945) abre ao seu Conselho de Segurança a possibilidade de, per si, implementar medidas que considerar necessárias para a manutenção da paz e segurança internacionais. Ocorre que tal possibilidade decorreria diretamente do fato de dispor de contingentes militares próprios, cedidos pelos Estados-Membros da ONU, fato este que, na prática, encontrou restrições, não vindo a concretizar da forma intencionada pela Organização. Assim, apertis verbis o artigo assuntado reza: "1. Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais. 2. Tal acordo ou tais acordos determinarão o número e tipo das forças, seu grau de preparação e sua localização geral, bem como a natureza das facilidades e da assistência a serem proporcionadas. 3. O acordo ou acordos serão negociados o mais cedo possível, por iniciativa do Conselho de Segurança. Serão concluídos entre o Conselho de Segurança e Membros da Organização ou entre o Conselho de Segurança e grupos de Membros e submetidos à ratificação, pelos Estados signatários, de conformidade com seus respectivos processos constitucionais."
  13. A estrutura institucional das organizações internacionais comporta, em regra, dois órgãos deliberativos, ambos constituídos por representantes dos Estados-Membros: um órgão plenário e um órgão restrito.
  14. Nos termos do artigo 2º do Pacto da Liga (1919), "a ação da Sociedade, tal como se define no presente Pacto, é exercida por uma Assembléia e por um Conselho, assistidos de um secretário permanente." Trata-se da divisão tripartite dos Poderes segundo Locke e Montesquieu.
  15. Acerca da Assembléia Geral, Campos, Porto, Fernandes, Medeiros, Ribeiro e Duarte (1999) doutrinam que no órgão plenário tomam assento representantes de todos Estados-Membros da Organização e a regra – estabelecida em consonância com o princípio da igualdade dos Estados – é de que cada Membro dispõe de um voto. O órgão plenário reúne, em regra, em sessões anuais. É dotado de competência geral, incumbindo-lhe normalmente definir a política geral da Organização Internacional, pronunciar-se sobre questões particulares importantes (admissão de novos Membros, revisão do pacto constitutivo, adoção de sanções) e ocupar-se das questões financeiras.
  16. O órgão restrito é composto por representantes de um número limitado de Estados. Os Membros do órgão restrito são em geral nomeados pelo órgão plenário, salvo se o estatuto da organização dispuser de outro modo assegurado a alguns Estados-Membros uma situação de privilégio – como é o caso excepcional dos Membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O órgão restrito dispõe de competências específicas – definidas com o maior rigor possível – que exerce com grande autonomia. (CAMPOS, João de Mota et al, 1999, p. 108-109)
  17. Nesse sentido, Sadat e Carden (2000, s.n.p.) aclaram: "The failure of the United States to join and support the League of Nations contributed to the demise of that institution."
  18. Após a invasão da Polônia pela Alemanha, a França e o Reino Unido vieram a declarar guerra ao Estado invasor, dando-se início à Segunda Grande Guerra. Formalizou-se, subseqüentemente, em 1940, o ‘Eixo’, composto pela Alemanha, Itália e Japão. Este último Estado, em 1941, bombardeou ‘Pearl Harbor’ (base naval norte-americana no Havaí), desencadeando a inserção dos Estados Unidos da América na guerra, formando-se assim o grupo dos denominados ‘Aliados’, composto pelos EUA, França, Reino Unido e URSS. Do Segundo Conflito Total, resultaram aproximadamente 50 (cinqüenta) milhões de mortes.
  19. A experiência da Liga das Nações, com a auto-exclusão, durante a década de 30, dos Estados culpados de agressão, demonstrou que a organização internacional não respondia mais às expectativas hegemônicas de países como Alemanha, Japão e Itália.
  20. Destarte, nascida com a guerra e por esta extinta, a Liga das Nações e seu malogro demonstraram ser insuficiente à Sociedade Internacional – onde a atuação dos Estados é determinada principalmente por seus interesses nacionais – declarar a proibição da força e esperar pela espontânea colaboração dos Estados no seu cumprimento.
  21. "At the end of World War I, the League of Nations was formed in order to give peace an institutional framework and to prohibit future war. The Covenant of the League, however, proved to be an imperfect prohibition of war because of textual limitations, lack of will on the part of the members, and the absence of the USSR and the United States at the inception of what was to have been a new global system."
  22. Clareia Seitenfus (2003) que formalmente, com a prestação contábil, a Liga das Nações encerrou suas atividades em 31 de julho de 1947. Todavia, desde meados da década de 1930, a organização havia perdido credibilidade. O fato de as potências agressoras, tais como o Japão na China, a Itália na Etiópia e a Alemanha na Europa Central, terem praticado agressões contra outros Estados sem que a Liga pudesse estar à altura de organizar uma resposta, deixa a Sociedade à margem das relações internacionais e dos esforços para manter a paz e a segurança. O golpe mortal à Liga das Nações é desferido, em setembro de 1939, pela Alemanha ao desencadear a Segunda Guerra Mundial.
  23. Nações Unidas era o nome que designava os Estados em luta contra potências do Eixo. "The name ‘United Nations’, coined by United States President Franklin D. Roosevelt, was first used in the ‘Declaration by United Nations’ of 1 January 1942, during the Second World War, when representatives of 26 nations pledged their Governments to continue fighting together against the Axis Powers." (Basic Facts About the United Nations, 2000)
  24. "The forerunner of the United Nations was the League of Nations, an organization conceived in similar circumstances during the first World War, and established in 1919 under the Treaty of Versailles ‘to promote international cooperation and to achieve peace and security.’ The International Labour Organization was also created under the Treaty of Versailles as an affiliated agency of the League. The League of Nations ceased its activities after failing to prevent the Second World War". (Basic Facts About the United Nations, 2000)
  25. Organizações Internacionais gerais são aquelas cujo objeto, definido no respectivo pacto constitutivo, abarca o conjunto das relações pacíficas entre os seus Membros e a resolução dos conflitos internacionais. (CAMPOS, João de Mota et al, 1999, p. 46)
  26. "Algumas OI podem considerar-se abertas na medida em que os Estados que preencham certas condições objectivas têm assegurado o seu direito de participação na OI. Tal é, em princípio, o caso da ONU: segundo o art.4º§1º, da Carta das Nações Unidas podem ser Membros da Organização Mundial «os Estados pacíficos que aceitem as obrigações da Carta» e que, segundo o julgamento da organização, têm capacidade para as cumprir e estejam dispostos a fazê-lo. Esse julgamento da Organização é expresso pela Assembléia Geral, sob recomendações do Conselho da Segurança. Note-se, porém, que não obstante este carácter aberto da ONU, no período da «guerra fria» os EUA e a Rússia, usando do poder de veto de que dispõem no Conselho de Segurança, impediram durante muito tempo o ingresso de novos Membros que, segundo o critério de um ou de outro dos dois super-grandes, podiam incorporar-se nas hostes de apoio do seu adversário. As candidaturas de Portugal e de Espanha, para não irmos mais longe, foram durante anos vítimas da obstrução soviética." (CAMPOS, João de Mota et al, 1999, p. 53-54)
  27. "São universais as organizações que pelos seus objectivos e facilidades de ingresso têm vocação para associar todos os Estados." (CAMPOS, João de Mota et al, 1999, p. 43)
  28. "The United Nations officially came into existence on 24 October 1945, when the Charter had been ratified by China, France, the Soviet Union, the United Kingdom, the United States and by a majority of other signatories. United Nations Day is celebrated on 24 October each year." (Basic Facts About the United Nations, 2000)
  29. Apesar da sucessão e do fato de ambas as organizações (ONU e Liga) serem frutos da obra dos vitoriosos nas duas Grandes Guerras, a ONU terá um campo de atuação bem mais amplo, desenvolvendo, além das atividades da Liga, várias outras. Esclareça-se, ainda, que a nova organização criada (ONU), quando necessário, fará uso da força institucionalizada para alcançar suas metas.
  30. Oportunamente, reitera-se, no presente momento, o fato de a ONU ter sido, diante das circunstâncias, a sucessora formal da Liga, procedendo à continuidade dos trabalhos desta. A respeito, Antônio Augusto Cançado Trindade (2002) expõe que "certamente há uma considerável evolução histórica desde os idos da Liga das Nações até os nossos dias. Aron comenta, laconicamente, que ‘a Carta das Nações Unidas se inspira, no fundo, na mesma filosofia subjacente ao Pacto da Sociedade das Nações: uma filosofia legalista e pacifista’. Mas se a filosofia é a mesma, há, paralelamente, diferenças estruturais básicas entre a Liga e a ONU, que até certo ponto explicam o sucesso dos esforços desta última em evitar o malogro e os erros de sua precursora. Recordemos as principais diferenças básicas. A Carta da ONU não repetiu a insensatez – tão criticada – do Pacto da Liga de incorporar-se ao texto dos tratados de paz ao fim de uma guerra mundial. O sistema da ONU é bem mais descentralizado e complexo que o da Liga, mediante a atuação das agências especializadas. Mesmo no seio da ONU, a delimitação de competências e funções de seus órgãos internos é bem mais clara do que o era na Liga. A ONU abandonou a regra da unanimidade, de aplicação geral no sistema da Liga. A ONU realizou grande progresso no campo econômico e social, mediante a criação de seu Conselho Econômico e Social (ECOSOC), Conselho de Tutela (sucessor da antiga Comissão de Mandatos da Liga, erigido em órgão principal na ONU), e várias agências especializadas atuando em áreas distintas. Em suma, é a ONU uma Organização consideravelmente mais complexa, flexível e global do que sua precursora."
  31. Nos termos do artigo 1º da Carta da ONU, "os propósitos das Nações Unidas são: 1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; 2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e 4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns."
  32. "Signed in London on 12 June 1941, the Inter-Allied Declaration‘to work together, with other free peoples, both in war and in peace’was a first step towards the establishment of the United Nations." (Milestones in United Nations History)
  33. "On 14 August 1941, President Franklin Delano Roosevelt of the United States and Prime Minister Winston Churchill of the United Kingdom proposed a set of principles for international collaboration in maintaining peace and security. The document, signed during a meeting on the ship HMS Prince of Wales, ‘somewhere at sea’, is known as the Atlantic Charter." (Milestones in United Nations History). Marques (2005) ainda observa que"Franklin Delano Roosevelt, presidente dos EUA quando da assinatura da Carta do Atlântico, desde 1937 oficialmente defendia a criação de uma nova organização mundial para a manutenção da paz. Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido quando da assinatura da Carta do Atlântico, também era simpatizante da idéia da criação de uma nova organização internacional para garantir a segurança internacional, apesar de priorizar a função de organizações de caráter regional."
  34. Sobre o assunto, ensina Seitenfus (2003) que a Carta do Atlântico, firmada pelos dois países em 14 de agosto de 1941, enumera os seguintes princípios: direito dos povos de escolher sua organização política; proibição do uso da força nas relações exteriores; obrigação de consulta às populações em caso de modificações territoriais; acesso aos mercados e matérias-primas; liberdade de navegação nos mares e segurança coletiva. Apesar destes princípios, o documento bilateral não menciona a necessidade de criação de uma organização internacional. Marques (2005) também elucida que "a Carta do Atlântico, marco histórico do início das atuações conjuntas de Estados no sentido da criação da ONU, enumera os seguintes princípios: direito dos povos de escolher a sua organização política, proibição da utilização de força nas relações internacionais, obrigação de consulta às populações em caso de modificações territoriais, acesso aos mercados e matérias-primas e liberdade de navegação nos mares. Além disso, declara que, ‘pending the establishment of a wider and permanent system of general security’, o desarmamento dos Estados agressores era essencial."
  35. "On 1 January 1942, representatives of 26 Allied nations fighting against the Axis Powers met in Washington, D.C. to pledge their support for the Atlantic Charter by signing the "Declaration by United Nations". This document contained the first official use of the term ‘United Nations’, which was suggested by President Roosevelt." (Milestones in United Nations History)
  36. "In a declaration signed in Moscow on 30 October 1943, the Governments of the Soviet Union, the United Kingdom, the United States and China called for an early establishment of an international organization to maintain peace and security. That goal was reaffirmed at the meeting of the leaders of the United States, the USSR, and the United Kingdom at Teheran on 1 December 1943". (Milestones in United Nations History)
  37. "The first blueprint of the UN was prepared at a conference held at a mansion known as Dumbarton Oaks in Washington, D.C. During two phases of meetings which ran from 21 September through 7 October 1944, the United States, the United Kingdom, the USSR and China agreed on the aims, structure and functioning of a world organization". (Milestones in United Nations History)
  38. Nesse sentido, explicita Seitenfus (2003) que, "do ponto de vista institucional, a organização contará com duas câmaras: uma geral e sem poder real (AG), onde todos os Estados possuem tão-somente um interesse limitado pelas questões internacionais. O outro órgão é restrito em sua composição (CS), onde as grandes potências vencedoras da guerra, capazes militarmente e com interesses generalizados, serão representadas de forma permanente. Portanto, podemos dizer que, em Genebra, a organização internacional sustentava-se sobre uma certa idéia da justiça, enquanto em Dumbarton Oaks o objetivo essencial consistia na manutenção da segurança." Não pode ser relegado o papel do Secretariado, sendo que este viria a exercer funções de natureza administrativa.
  39. "On 11 February 1945, following meetings at Yalta, President Roosevelt, Prime Minister Churchill and Premier Joseph Stalin declared their resolve to establish ‘a general international organization to maintain peace and security’".(Milestones in United Nations History)
  40. "In 1945, representatives of 50 countries met in San Francisco at the United Nations Conference on International Organization to draw up the United Nations Charter. Those delegates deliberated on the basis of proposals worked out by the representatives of China, the Soviet Union, the United Kingdom and the United States at Dumbarton Oaks, United States in August-October 1944. The Charter was signed on 26 June 1945 in the Herbst Theatre auditorium of the Veterans War Memorial Building, by the representatives of the 50 countries. Poland, which was not represented at the Conference, signed it later and became one of the original 51 Member States." (United Nations. Basic Facts, 2000)
  41. Aclara o professor Ricardo Seitenfus (2003) que tal como ocorrera com o Pacto da Liga das Nações, a Carta da ONU surge pela iniciativa de um bloco de países coligados circunstancialmente numa aliança militar. Portanto, a Carta representa o compromisso de países unidos no presente, em razão da existência de um inimigo comum, com vistas a organizar o futuro das relações internacionais.
  42. "On 25 April 1945, delegates of 50 nations met in San Francisco for the United Nations Conference on International Organization. The delegates drew up the 111-article Charter, which was adopted unanimously on 25 June 1945 in the San Francisco Opera House. The next day, they signed it." (Milestones in United Nations History)
  43. Registra-se o comparecimento Presidente Harry Truman.
  44. Ressalta-se que a obscuridade, bem como as cláusulas ambíguas e a redação extensa da Carta resultam das peculiaridades e diferenças existentes entre os Estados-Membros, e também das intenções dos mesmos em relação à nova Organização. Nota-se assim, que os Estados Aliados, dotados de traços culturais, históricos, sociais, políticos e ideológicos distintos, acabaram por atuar com o fito de espelhar suas particularidades na Organização, o que veio a criar um cenário repleto de incompatibilidades.
  45. "Roosevelt não queria repetir os erros e o idealismo de Woodrow Wilson com a Liga das Nações, após a Primeira Guerra Mundial. Desta vez, era necessária uma entidade com músculo, com poder. A idéia não era erguer os pilares de um governo mundial. O objetivo era um pacto de segurança para evitar uma outra guerra mundial. O clube da ONU seria aberto a todos (grandes e pequenos, ricos e pobres), mas a ordem seria mantida pelo ‘quatro policiais’: EUA, Rússia, China e Grã-Bretanha. Logo depois, a França ganhou seu uniforme e privilégios." (BBC Brasil, 09 de setembro de 2005)
  46. O sistema de segurança coletivo constituído apresenta alguns elementos que rememoram o aparelhamento do Concerto Europeu (1815). De fato, foram as grandes potências que lhe deram corpo (EUA e URSS) e elas próprias assumiram sua direção, tendo-lhe adicionado outros Estados (Reino Unido, França e China).
  47. De fato, ao termo da Segunda Grande Guerra, o imperativo da paz passou a constituir missão primordial do sistema internacional.
  48. Importa mencionar que somente poderiam participar dessas seletas reuniões (Dumbarton Oaks, Yalta, São Francisco) os Estados que declararam guerra contra o Eixo.
  49. O caráter global da Organização pode ser inferido da leitura dos artigos 3º e 4º do seu Tratado Constitutivo. De tal forma, nos termos do artigo 3º da Carta (1945), "os Membros originais das Nações Unidas serão os Estados que, tendo participado da Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional, realizada em São Francisco, ou, tendo assinado previamente a Declaração das Nações Unidas, de 1 de janeiro de 1942, assinarem a presente Carta, e a ratificarem, de acordo com o Artigo 110". Por sua vez, o artigo 4º complementa a redação do seu antecessor, estabelecendo que "1. A admissão como Membro das Nações Unidas fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações. 2. A admissão de qualquer desses Estados como Membros das Nações Unidas será efetuada por decisão da Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança."
  50. Enfatiza-se a posição de destaque da Organização das Nações Unidas, devido tanto à sua universalidade quanto ao âmbito de atuação de extensão inigualável.
  51. No que concerne à universalidade condicional, o douto professor Leonardo Nemer Caldeira Brant (2002) explicita que "esta aparece claramente no fato de que a Organização é aberta a todos os Estados, mas respeitando-se a condição de que estes satisfaçam ao objetivo fundamental da Organização, ou seja, a manutenção da paz." Seitenfus (2003), por sua vez, traz a lume serem as principais características das organizações internacionais: multilateralidade, permanência e institucionalização. Continua o doutor em Relações Internacionais pelo ‘Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra’ ensinando que a multilateralidade pode caracterizar-se pelo regionalismo ou pelo universalismo. Mais do que os objetivos e princípios, a diferença entre o regionalismo e o universalismo é encontrada na composição dos sócios. Os primeiros pertencem ao espaço físico delimitado, onde a contigüidade geográfica é uma das principais, mas não decisiva, característica. Ao contrário, as organizações internacionais de cunho universalista não fazem discriminação de origem, de organização política ou de localização entre seus sócios.
  52. Anteriormente transcrito, o artigo 4º do Pacto Constitutivo da Organização (1945) permite a admissão como Membros da ONU de todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações.
  53. De acordo com Seitenfus (2003), os Estados são classificados em dois grupos: primeiramente, os cinqüenta e um Membros originários que participaram da Conferência de São Francisco ou assinaram ‘previamente a Declaração das Nações Unidas de primeiro de Janeiro de 1942’; e o outro é formado por todos os demais Estados que, ‘por serem amantes da paz e estarem aptos a cumprir as obrigações decorrentes da Carta’, foram admitidos como Membros por decisão da Assembléia Geral, mediante recomendações do Conselho de Segurança (artigo 4 da Carta).
  54. Averba-se, neste ponto, que os objetivos da Organização das Nações Unidas são amplos, enfatizando-se a manutenção e o estabelecimento da paz e segurança internacionais. Neste sentido leciona Francisco Rezek (2005), afirmando que o objetivo precípuo da Organização das Nações Unidas é preservar a paz entre as nações, fomentando, para tal, a solução pacífica de conflitos e proporcionando meios idôneos de segurança coletiva.
  55. Nos marcos do 1º artigo da Carta (1945), "os propósitos das Nações Unidas são: 1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; 2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e 4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns."
  56. Insta consignar que, sendo organização de concertação política, o objetivo primeiro da Organização das Nações Unidas está em assegurar, restaurar e construir a paz e segurança internacionais. Por outro lado, há as organizações de cooperação técnica, cujo objeto principal, mais delimitado, consiste em assuntos vinculados à cooperação funcional.
  57. O artigo 2 da Carta (1945), concernente aos princípios das Nações Unidas, dispõe que "a Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes princípios: 1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros. 2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta. 3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais. 4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas. 5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo. 6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais. 7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capítulo VII."
  58. Compete elucidar que, nas palavras de Eduardo Lorenzetti Marques (2005), o respeito à não intervenção em assuntos internos e à igualdade soberana dos Estados encontrava-se apenas de forma indireta e incipiente no Pacto da Liga.
  59. Nos termos do artigo 5 da Carta (1945), "o Membro das Nações Unidas, contra o qual for levada a efeito ação preventiva ou coercitiva por parte do Conselho de Segurança, poderá ser suspenso do exercício dos direitos e privilégios de Membro pela Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e privilégios poderá ser restabelecido pelo Conselho de Segurança."
  60. O artigo 6 da Carta (1945) aduz que "o Membro das Nações Unidas que houver violado persistentemente os Princípios contidos na presente Carta, poderá ser expulso da Organização pela Assembléia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança."
  61. Lê-se do artigo 7 da Carta (1945), que "1. Ficam estabelecidos como órgãos principais das Nações Unidas: uma Assembléia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Econômico e Social, um Conselho de Tutela, uma Corte Internacional de Justiça e um Secretariado. 2. Serão estabelecidos, de acordo com a presente Carta, os órgãos subsidiários considerados de necessidade."
  62. Conforme elucida Seitenfus (2003), a Carta das Nações Unidas, aprovada na Conferência de São Francisco, estipula, em seu artigo 55 que buscando "criar condições de estabilidade e de bem-estar necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo e língua ou religião". Nesse contexto, de forma a possibilitar o alcance de tais objetivos foi criado o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) que se reúne duas vezes por ano. A primeira reunião ocorre na primavera do hemisfério Norte, em Nova Iorque, e encarrega-se das questões sociais e econômicas. A segunda acontece em julho, em Genebra, e trata das questões relativas aos direitos humanos. Os integrantes do ECOSOC são eleitos pela Assembléia Geral para um mandato de três anos, podendo ser reconduzidos. A repartição dos Membros eleitos obedece ao critério geográfico, fazendo com que todas as regiões do mundo estejam representadas; e as decisões do ECOSOC são tomadas por maioria simples dos presentes, sendo que cada Membro dispõe de um voto. O Conselho em análise, desfruta de ampla autonomia, adotando seu regulamento interno, criando comissões necessárias ao exercício de suas funções e determinando o ritmo e a duração de suas sessões. É senhor também de amplo leque de competências, sendo que apenas questões estritamente políticas escapam de seu alcance. Adiciona-se também, que as organizações não-governamentais participam do ECOSOC como observadoras, podendo, ainda, apresentar sugestões. Concluindo, importa ressaltar que o ECOSOC somente sugere políticas e ações, não criando qualquer obrigatoriedade para seus destinatários.
  63. Em razão da descolonização, ao Conselho de Tutela, não é mais atribuído papel relevante.
  64. João de Mota Campos et al (1999) lecionam sobre o órgão citado, elucidando que o Secretariado (e não o secretário-geral) é o órgão administrativo da Organização das Nações Unidas estabelecido pela Carta. À figura do secretário-geral a Carta, ao contrário do que acontecia na Sociedade das Nações, atribui funções políticas, embora limitadas, tendo, ao longo da história das Nações Unidas, assumido uma importância muito maior que a que resulta daquele texto. Ao Secretariado compete, de um modo geral, assegurar todo o suporte administrativo e logístico da ONU. Elucida a doutrina que a função representativa do secretário-geral tem contribuído fortemente para acentuar a idéia, na opinião pública mundial, de que o secretário-geral personaliza a Organização, sendo certa a necessidade de se ter, perante os Estados e a comunidade internacional, que ser identificável com uma figura concreta. De fato, é difícil afirmar qual dos planos de ação do secretário-geral é mais relevante, se o político, ou se o administrativo. Ressalta ainda que a relação entre o secretário-geral e os Membros permanentes do Conselho de Segurança é uma condicionante essencial para o eixo de sua atuação, sendo que a prática tem demonstrado ser muito difícil o exercício das funções do secretário-geral com oposição de algum ou alguns dos Membros permanentes do Conselho de Segurança. A Carta reconhece ao secretário-geral a faculdade de suscitar a atenção do Conselho de Segurança para situações de crise. Adicionalmente, o secretário-geral dispõe de poderes para inscrever pontos na ordem de trabalhos da Assembléia Geral, faculdade de que têm resultado importantes iniciativas da Organização, como o caso, por exemplo, da ‘Agenda para a Paz’, de Boutros Ghali. Acresça-se ainda que o pessoal do Secretariado é nomeado pelo secretário-geral, nos termos do artigo 100 da Carta (1945), de acordo com regras aprovadas pela Assembléia Geral. Na SdN, pelo contrário, as nomeações tinham que ser aprovadas pelo Conselho. Por sua vez, Brownlie (1997) explica que frente à administração das Nações Unidas encontra-se um Secretário-Geral, o funcionário mais graduado da instituição. Ele é nomeado pela Assembléia Geral, seguindo recomendação do Conselho de Segurança. Portanto, o Secretário deve reunir, entre outras vontades, a unanimidade dos Membros permanentes do Conselho. Como a Carta não previu a duração de seu mandato, a Assembléia Geral definiu, através de uma resolução, que seria de cinco anos, podendo ser reconduzido uma vez. Responsável por uma administração ampla, pesada e com muitas responsabilidades burocráticas e técnicas, o Secretário-Geral da ONU não deve ser influenciado por nenhum dos Estados-Membros. Além dele, os seus assessores e o conjunto dos funcionários internacionais estão a serviço da organização internacional, sendo que, para tanto, usufruem de imunidades diplomáticas e respondem somente perante as Nações Unidas. Os funcionários internacionais deverão ser recrutados segundo critérios de ‘eficiência, competência e integridade’, mas será "levada na devida conta a importância de ser a escolha do pessoal feita dentro do mais amplo critério geográfico possível". Trata-se o Secretário-Geral da única pessoa que, não possuindo representação de Estado-Membro, "poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto em que sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais." (Artigo 99 da Carta)

Autor

  • Raquel Torres Gontijo

    Raquel Torres Gontijo

    Mestre em Direito Internacional pelo Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora titular da cadeira de Direito Internacional Privado e de Introdução à Ciência do Direito da Fundação Universidade de Itaúna. Professora titular da cadeira de Direito Internacional Público e Privado da Universidade Presidente Antônio Carlos (Faculdade Regional do Alto São Francisco). Juíza do ‘Philip C. Jessup International Law Moot Court Competition’.

    Textos publicados pela autora

    Fale com a autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONTIJO, Raquel Torres. Noções acerca do sistema das Nações Unidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2450, 17 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14515. Acesso em: 29 mar. 2024.