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O Projeto de Lei nº 5.938 e a questão dos royalties do petróleo

O Projeto de Lei nº 5.938 e a questão dos royalties do petróleo

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Entre as mudanças, estão a eliminação da cobrança de participação especial, o aumento da alíquota dos royalties e um novo modelo de distribuição dessas compensações financeiras.

RESUMO: Foi aprovado na Câmara dos Deputados, com mudanças, o texto referente ao Projeto de Lei nº 5.938, de 2009, de autoria do Poder Executivo Federal, que propõe a adoção do modelo de partilha de produção nas áreas do Pré-Sal a serem licitadas. Entre essas mudanças estão a eliminação da cobrança de participação especial, o aumento da alíquota dos royalties e um novo modelo de distribuição dessas compensações financeiras. O modelo proposto não encontra similar no mundo. Ele apresenta mais características de um modelo chamado de joint venture do que de partilha de produção. Como não foi estabelecido um mínimo excedente em óleo da União, as receitas governamentais poderão ser até mesmo menores que as estabelecidas pela legislação em vigor. Os critérios de distribuição dos royalties propostos pelo relator e pela chamada "Emenda Ibsen" poderiam convergir para critérios mais técnicos e mais razoáveis. Destaque-se, por fim, que o estabelecimento de uma participação mínima da Petrobras de 30% nos contratos de partilha pode condicionar o ritmo de exploração do Pré-Sal à capacidade de investimento da empresa. Esse ritmo poderá não ser compatível com o interesse da sociedade brasileira.

PALAVRAS-CHAVES: Projeto de Lei nº 5.938 – alteração – modelo – concessão – partilha – Petrobras – unitização – royalties – participação especial.


1. INTRODUÇÃO

As recentes descobertas da Petrobras e de outras empresas na província petrolífera do Pré-Sal, localizada na plataforma continental brasileira, podem representar a agregação de reservas superiores a 90 bilhões de barris de petróleo, volume muito maior que as atuais reservas nacionais, que são de 14 bilhões. No contexto dessas descobertas, no dia 31 de agosto de 2009, o Poder Executivo Federal lançou sua proposta de novo marco legal para exploração de áreas estratégicas como o Pré-Sal.

A proposta é composta de quatro projetos de lei que tratam, respectivamente, da introdução do regime de partilha de produção; da criação de uma nova empresa pública; da criação de um fundo social; e da cessão de direitos de pesquisa e lavra da União e capitalização da Petrobras. O objetivo deste trabalho é analisar o Projeto de Lei nº 5.938, que propõe a introdução do modelo de partilha.

No dia 9 de dezembro de 2009 foi aprovada, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, a Subemenda Substitutiva Global ao Substitutivo ao Projeto de Lei nº 5.938, de 2009, oferecida pelo Relator da Comissão Especial, ressalvada a Emenda de Plenário nº 387, que foi objeto do destaque para votação em separado por parte da bancada do Partido Popular Socialista (PPS).

Tanto o texto do Relator quanto a Emenda nº 387, cujos primeiros signatários são os Deputados Federais Humberto Souto e Ibsen Pinheiro, propõe alteração nos critérios de distribuição de royalties e participação especial. No dia 10 de março de 2010, essa Emenda, que tem sido chamada de "Emenda Ibsen", foi aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados.

O objetivo deste trabalho é analisar a proposta original do Poder Executivo, a Subemenda Substitutiva Global do relator e a "Emenda Ibsen".


2. O PROJETO DE LEI Nº 5.938

O Projeto de Lei nº 5.938, de 2009, dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo e gás natural sob o regime de partilha de produção em áreas do Pré-Sal e em áreas estratégicas. Sob esse regime, parcela da produção será repartida entre a União e o contratado. Essa parcela é resultante da diferença entre o volume total produzido e as parcelas relativas ao custo em óleo, aos royalties e, quando exigível, à participação aos proprietários da terra.

A Petrobras será a operadora de todos os blocos contratados sob o regime de partilha de produção, sendo-lhe assegurada uma participação mínima de 30% no consórcio por ela constituído com o vencedor da licitação para a exploração e produção em regime de partilha de produção.

A União, por intermédio do Ministério de Minas e Energia (MME), celebrará os contratos de partilha de produção diretamente com a Petrobras, dispensada a licitação, ou mediante licitação na modalidade leilão. A gestão dos contratos de partilha de produção caberá a uma empresa pública a ser criada com este propósito, denominada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. (Petro-Sal).

Caberá ao MME propor ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ouvida a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a definição dos blocos que serão objeto de concessão ou de partilha de produção; os critérios para definição do excedente em óleo da União; o percentual mínimo do excedente em óleo da União; a participação mínima da Petrobras no consórcio; e os critérios e os percentuais máximos da produção anual destinados ao pagamento do custo em óleo.

A Petro-Sal integrará o consórcio como representante dos interesses da União no contrato de partilha de produção. A administração do consórcio caberá a um comitê operacional, que será composto por representantes da Petro-Sal e dos demais consorciados. Essa empresa pública indicará a metade dos integrantes do comitê operacional, inclusive o seu presidente, que terá poder de veto e voto de qualidade.

Caberá a esse comitê operacional definir os termos do acordo de individualização da produção a ser firmado com o titular da área adjacente e definir os programas anuais de trabalho e de produção a serem submetidos à análise e aprovação da ANP.

A Petrobras, na condição de operadora do contrato de partilha de produção, deverá encaminhar ao comitê operacional todos os dados e documentos relativos às atividades realizadas.

A União, representada pela Petro-Sal, celebrará com os interessados, nos casos em que as jazidas da área do Pré-Sal e das áreas estratégicas se estendam por áreas não concedidas ou não partilhadas, acordo de individualização da produção, cujos termos e condições obrigarão o futuro concessionário ou contratado sob regime de partilha de produção. A ANP deverá fornecer à Petro-Sal todas as informações necessárias para o acordo de individualização da produção.

O MME terá acesso irrestrito e gratuito ao acervo técnico constituído pelos dados e informações sobre as bacias sedimentares brasileiras, também considerado parte integrante dos recursos petrolíferos nacionais, com o objetivo de realizar estudos e planejamento setorial, mantido o sigilo a que esteja submetido.

A Petro-Sal, representando a União, poderá contratar diretamente a Petrobras, dispensada a licitação, como agente comercializador do petróleo e do gás natural destinados à União em decorrência dos contratos de partilha de produção.

A receita advinda da comercialização será destinada a um fundo de natureza contábil e financeira com a finalidade de constituir fonte regular de recursos para a realização de projetos e programas nas áreas de combate à pobreza e desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental.

Enquanto não for aprovada lei sobre a participação no resultado da lavra de petróleo e gás natural, prevista no artigo 1º do artigo 20 da Constituição Federal, haverá o pagamento da participação especial, prevista no art. 50 da Lei nº 9.478/1997, calculada sobre o excedente em óleo, que será deduzida e paga da parcela da produção atribuível à União.


3. A SUBEMENDA SUBSTTITUTIVA GLOBAL

A Subemenda Substitutiva Global ao Substitutivo ao Projeto de Lei nº 5.938, de 2009, apresentada pelo Relator da matéria ao Plenário da Câmara dos Deputados, contempla importantes modificações em relação ao texto original do PL 5.938 com relação a royalties e participação especial.

Essa Subemenda estabelece critério específico de distribuição de royalties, elimina a cobrança de participação especial e aumenta a alíquota dos royalties de 10% para 15% quando da produção de petróleo e gás natural sob o regime de partilha de produção.

Com relação aos critérios vigentes para distribuição de royalties decorrentes da produção na plataforma continental, estabelecidos no art. 49 da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, a principal inovação da Subemenda é a destinação de 44% da parcela dos royalties, nos contratos de partilha de produção, para todos Estados e Municípios do Brasil. Nos atuais contratos de concessão, são destinados a todos os Estados e Municípios de 7,5% a 10% da arrecadação dos royalties.

Aos Estados e Distrito Federal caberia 22% da arrecadação dos royalties, de acordo com o critério de partilha do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE). Os outros 22% seriam distribuído entre todos os Municípios, conforme o critério de partilha do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Outra alteração é a destinação de 3% dos royalties para fundo especial, a ser criado por lei, para o desenvolvimento de ações e programas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

A Subemenda Substitutiva Global inclui dispositivo com o objetivo de tornar claro que o contratado sob o regime de partilha de produção tem direito à restituição, em óleo, dos valores dos royalties pagos.

Com relação aos royalties dos contratos de concessão referentes a bloco situado na área do pré-sal já licitado, foi mantido o percentual para os Estados produtores confrontantes, for reduzida a parcela dos Municípios produtores confrontantes de 26,5%, em média, para 18%, foi reduzida a fração dos Municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de 8,75%, em média, para 5%, e foi reduzida a parcela da União de 30%, em média, para 20%.

Isso possibilitou um aumento da parcela dos royalties para os demais Estados e Municípios de 8,75%, em média, para 30,75% , sendo 22% para os Estados não-produtores e 8,75% para os Municípios não-produtores, de acordo com critérios de distribuição, respectivamente, do FPE e FPM.

Em relação à participação especial, a Subemenda propõe que a parcela da União seja reduzida de 50% para 35%. Essa diferença seria destinada aos Estados não-produtores (10%) e aos Municípios não-produtores (5%), também de acordo com os critérios do FPE e FPM.


4. A "EMENDA IBSEN"

A Emenda de Plenário nº 387 altera a distribuição de royalties e participação especial proposta pela Subemenda Substitutiva Global e o atual modelo de distribuição, estabelecido na Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.

Essa Emenda propõe o acolhimento da redução da parcela da União proposta pela Subemenda e propõe que, ressalvada essa parcela, os royalties e participação especial referentes aos contratos de partilha e de concessão para exploração na plataforma continental sejam distribuídos igualmente entre Estados e Municípios, seno 50% segundo critérios do FPE e 50% segundo critérios do FPM.

A Figura 4.1 mostra o atual modelo de distribuição de royalties e participação especial na plataforma continental; já a Figura 4.2 mostra o modelo proposto pela Subemenda Substitutiva Global e pela "Emenda Ibsen".

O texto referente ao PL 5.938 aprovado na Câmara dos Deputados inova em vários sentidos em relação aos contratos de partilha de produção convencionais. Em geral, a lei estabelece um percentual mínimo do petróleo lucro que cabe ao estado, que, no texto aprovado, é denominado "excedente em óleo".

Com relação aos royalties, é importante ressaltar que seu conceito de compensação financeira é estranho ao conceito de partilha de produção, pois, nesse modelo, a propriedade do óleo é do estado. Dessa forma, vários países adotam modelos de partilha de produção que não preveem o pagamento de royalties [01], já que o estado fica com a maior parte do óleo.

O texto estabelece um percentual de royalties em montante correspondente a quinze por cento da produção de petróleo ou gás natural; já o pagamento de participação especial, previsto na proposição original, não mais consta do texto aprovado.

Assim sendo, a participação do estado na renda petrolífera pode ser, até mesmo, menor que a decorrente do atual modelo de concessão, estabelecido pela Lei nº 9.478/1997 e pelo Decreto nº 2.705, de 3 de agosto de 1998.

Importa destacar que, nos campos gigantes do Pré-Sal descobertos em áreas já concedidas, o valor da participação especial deverá ser muito maior que o dos royalties. A Figura 5.1 mostra um gráfico típico da arrecadação governamental em campos gigantes como os do Pré-Sal.

Partilha convencional Partilha brasileira Excedente em óleo da União Critérios estabelecidos em lei Critérios não estabelecido em lei Royalties Não é cobrado em muitos países, visto que a receita do estado é garantida por um alto percentual do excedente em óleo Estabelecido em lei Petrobras como operadora única Não é comum um operador único, visto que na partilha o objetivo do estado é ficar com a maior parte do excedente em óleo sem necessidade de investir e de correr riscos Estabelecido em lei Órgão regulador como parte de contrato Não é comum, visto que cabe ao órgão regulador fiscalizar o contrato, e nunca ser parte. O normal é que uma empresa pública seja parte em nome dos interesses comerciais do estado Em áreas não estratégicas, o órgão regulador é parte do contrato. No Pré-Sal, o MME é parte no contrato, e não a Petro-Sal Petróleo ou equivalente monetário O estado opta por receber o petróleo físico ou o equivalente monetário do excedente em óleo da União Estabelecido em lei que a União tem que receber o petróleo. A Petro-Sal vai ser responsável pela gestão dos contratos de comercialização desse petróleo

Com relação aos royalties e participação especial, tanto a Subemenda Substitutiva Global quanto a Emenda de Plenário nº 387 merecem reparos. A Subemenda por manter uma arrecadação muita alta para os Estados e Municípios chamados de produtores/ confrontantes e a Emenda nº 387 por não prever nenhum recurso adicional para os Estados e Municípios afetados pelas operações de produção e por não prever um período de transição. Seria importante haver uma combinação entre essas propostas.


6. PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO

6.1 Mínimo excedente em óleo da União

Para se garantir que o modelo de partilha de produção gere mais renda para o estado brasileiro, é fundamental que se estabeleça um mínimo excedente em óleo da União. A Tabela 5.1 mostra a simulação de adoção de um percentual desse excedente de 70%.

Tabela 6.1 – Simulação de cálculo da renda do estado nos modelos de partilha e de concessão

Partilha com excedente em óleo da União de 70%     Atual modelo de concessão  
preço do barril US$ 75,0   preço do barril US$ 75,0
custo de produção US$ 15,0   custo de produção US$ 15,0
royalties US$ 11,3   royalties US$ 7,5
excedente da União (70%) US$ 34,1   participação especial (38%) US$ 20,0
excedente contratado (30%) US$ 14,6   concessionário US$ 32,6
renda do estado US$ 45,4   renda do estado US$ 27,5

Nesse caso, a renda do estado seria de US$ 45,4 por barril, o que corresponde a 60,5% do valor da produção. Ressalte-se que essa renda, acrescida da tributação direta da produção, estaria mais próxima dos padrões internacionais superiores a 70%.

Propõe-se, então, a seguinte redação para a alínea "a" do inciso III do art. 10:

"Art. 10 .............................................................................................................

III - ......................................................................................................................

a) os critérios para definição do excedente em óleo da União, que não poderá ser inferior a setenta por cento do excedente em óleo total;

............................................................................................................................"

6.2 Royalties

No modelo de partilha, os royalties não deveriam ser definidos, nos termos do texto aprovado, como "compensação financeira devida aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, em função da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção, nos termos do § 1º do art. 20 da Constituição", como disposto no inciso XIII do art. 2º ".

Essa definição pode até fazer sentido no modelo de concessão, mas não no modelo de partilha, no qual a propriedade do produto extraído é do estado. Nesse modelo é aconselhável que a produção seja dividida em três parcelas: a primeira correspondente ao custo em óleo, a segunda aos royalties e a terceira ao excedente em óleo.

Propõe-se, então, a seguinte redação para o inciso XIII do art. 2º:

"Art. 2º ...............................................................................................................

..............................................................................................................................

XIII - royalties: parcela da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos a ser repartida entre Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União."

Como o § 1º do art. 42 define, em duplicidade, o conceito de royalties, sugere-se que sua redação seja alterada, conforme o seguinte texto:

Art. 42. ...............................................................................................................

..............................................................................................................................

§ 1º Os royalties correspondem à parcela da produção devida nos termos do art. 43 e distribuída na forma do art. 44, vedada sua inclusão no cálculo do custo em óleo."

Também é importante alterar a redação do § 2º do art. 42, pois só se deve assegurar ao contratado a parcela da produção correspondente aos royalties depois que ele efetivar o pagamento, nos seguintes termos:

Art. 42. ...............................................................................................................

...............................................................................................................................

§ 2º Fica assegurado ao contratado sob o regime de partilha de produção a parcela da produção de petróleo, gás natural ou outros hidrocarbonetos fluidos correspondente aos royalties por ele pagos.

............................................................................................................................"

Como o art. 43 estabelece o percentual de royalties em montante correspondente a 15% da produção de petróleo ou gás natural, o custo em óleo a ser apropriado pelo contratado não pode ser superior a 85%.

Sem esse teto, no caso de uma expressiva redução do valor da produção, haveria um risco de o estado não receber, integralmente, os royalties. Ao estado deve ser sempre garantida a parcela de royalties correspondente a 15% da produção.

Propõe-se, então, a inclusão de um parágrafo único no art. 2º, com a seguinte redação:

"Art. 2º ..............................................................................................................

..............................................................................................................................

Parágrafo único. A apropriação de que trata o inciso I não poderá ser superior a oitenta e cinco por cento da produção"

Também seria importante alterar a distribuição dos royalties e da participação especial devidos pelos concessionários durante a fase de produção dos reservatórios do Pré-Sal localizados em áreas já licitadas.

Até o ano de 2033, esses reservatórios poderão gerar receitas de royalties e participação especial de US$ 250 bilhões para Estados e Municípios, enquanto, no regime de partilha, os royalties totais, até 2033, podem não passar de US$ 10 bilhões.

Da parcela dos royalties e da participação especial de reservatórios do Pré-Sal, excluída a parcela dos órgãos da administração direta da União, 70%, por exemplo, poderia ser destinada a um Fundo Especial, cujos recursos seriam distribuídos para todos os Estados e Municípios, segundo critérios do FPE e FPM, e 30% aos Estados e Municípios afetados pelas operações.

6.3 PETROBRAS

Nas discussões no âmbito da Comissão Especial, foi quase consensual que a Petrobras deve ser a operadora única no modelo de partilha. Nesse contexto, sugere-se que, pelo menos, não seja exigida uma participação de 30% dessa empresa no consórcio, pois essa participação pode inibir a celebração de contratos de partilha para o desenvolvimento das áreas do Pré-Sal ainda não licitadas.

Estima-se que a exploração dessas áreas exigirá recursos financeiros superiores a US$ 1 trilhão. Mantida a exigência dessa participação, seriam necessários investimentos de, no mínimo, US$ 300 bilhões pela Petrobras. Esses investimos podem, até mesmo, inviabilizar a celebração de contratos de partilha, pois a Petrobras já está absolumente comprometida com a exploração de vários reservatórios já descobertos em áreas concedidas e também não concedidas como as estabelecidas no Projeto de Lei nº 5.941, de 2009. Esse projeto trata da cessão de reservas em áreas não concedidas para a Petrobrás [02] e da capitalização da empresa.

Apenas em reservatórios já descobertos no Pré-Sal, onde a Petrobras lidera a maioria dos consórcios, deverão ser produzidos mais de 50 bilhões de barris nas próximas três décadas. Para uma empresa que tem reservas de cerca de 14 bilhões de barris, o desafio de produzir essas áreas concedidas e não concedidas já é muito grande.

Ressalte-se, no entanto, que mesmo que a lei estabeleça uma participação mínima apenas simbólica, o CNPE, poderá, nos editais para celebração dos contratos de partilha de produção, caso seja de interesse do estado, definir percentuais de participação da Petrobras de 30% ou mais. No entanto, não seria recomendável estabelecer, em lei, um percentual mínimo de 30%.

Registre-se que, segundo o Presidente da Petrobras, esse percentual de 30% é compatível com participações de operadores em consórcios que exploram sob o regime de concessão no golfo do México. Entretanto, não existe nenhuma correlação entre esse regime e o "modelo de partilha" proposto para o Pré-Sal brasileiro.

É importante ressaltar que o ritmo de exploração do Pré-Sal deve ser estabelecido livremente pelo estado brasileiro. Assim, não se deveria admitir que a capacidade de investimento da Petrobras viesse a limitar o ritmo de exploração das áreas do Pré-Sal ainda não licitadas.

Também é importante destacar que o petróleo é um combustível fóssil e que daqui a algumas décadas ele poderá perder valor. Dessa forma, pode ser interessante para o estado brasileiro aproveitar a ótima janela de oportunidade que pode representar as próximas décadas.

Propõe-se, então, que a participação mínima da Petrobras seja reduzida para 5% e que essa empresa, mesmo tendo 60% do seu capital social em mãos privadas, possa ser devidamente remunerada com uma parcela correspondente a até 10% do excedente em óleo da União.

Dessa forma, os arts. 10 e 49 passariam a ter a seguinte redação:

"...........................................................................................................................

Art. 10. .............................................................................................................

.............................................................................................................................

III - .....................................................................................................................

c) a participação mínima da PETROBRAS no consórcio previsto no art. 20, que não poderá ser inferior a cinco por cento;

...........................................................................................................................

Art. 49. A receita advinda da comercialização referida no art. 48 será destinada a fundo de natureza contábil e financeira, criado por lei específica, com a finalidade de constituir poupança pública de longo prazo e fonte regular de recursos para a realização de projetos e programas nas áreas de combate à pobreza e desenvolvimento da educação, da cultura, da saúde pública, da ciência e tecnologia e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, deduzida de uma parcela de até dez por cento para remunerar a PETROBRAS pelas suas atividades como operadora, quando sua participação no consórcio de que trata o art. 20 for inferior a trinta por cento.

..................................................................................................................."

6.4 Unitização

A individualização da produção, também conhecida como unitização, dos campos do Pré-Sal que se estendem por áreas não concedidas devia ser uma das principais questões em debate no Congresso Nacional. No entanto, esse tema, praticamente, não foi discutido na Comissão Especial, nem no Plenário da Câmara dos Deputados.

A fração do petróleo armazenada nas áreas não concedidas é um patrimônio público que poderia gerar enormes receitas públicas no curto prazo, a partir da celebração de acordos de unitização com a União sendo representada por uma empresa pública.

Não é sem razão, que um grupo de trabalho, formado por representantes da ANP e da Petrobras, tem se dedicado à questão. Esse grupo determinou a locação do primeiro poço a ser perfurado em área não concedida, contígua à área concedida do Pré-Sal.

Esse poço já foi perfurado, em um reservatório que pode ser o mesmo descoberto em Iara, com o objetivo de certificar as reservas de 5 bilhões de barris em áreas não concedidas que deverão ser cedidas à Petrobras, em tese, onerosamente, após a aprovação do Projeto de Lei nº 5.941, de 2009.

Como não será devida a participação especial e o valor da participação pode ser maior que o ônus, poderá haver não uma cessão onerosa, mas uma doação do patrimônio público de reservas de 5 bilhões de petróleo em área nobre do Pré-Sal.

Nesse contexto, é muito importante a criação da Petro-Sal para representar os interesses comerciais do estado brasileiro. Sugere-se que, enquanto a Petro-Sal não for criada, que suas atribuições sejam exercidas por outra empresa pública, e não pela ANP, de modo que as funções comerciais sejam segregadas das funções regulatórias. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) poderia, então, assumir, temporariamente, as funções da Petro-Sal.

Dessa forma, sugere-se a seguinte redação para o art. 53:

"Art. 53. Enquanto não for criada a empresa pública de que trata o § 1º do art. 8º, suas competências serão exercidas pela União, por intermédio do Ministério de Minas e Energia, que poderá ser representado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), podendo ainda ser delegadas por meio de ato do Poder Executivo."


7. CONCLUSÕES

O texto aprovado na Câmara dispõe sobre a introdução de um modelo de partilha de produção completamente diferente dos modelos de partilha existentes nos vários países.

A proposta não estabelece um percentual mínimo do excedente em óleo a ser destinado à União. Dessa forma, o modelo proposto pode gerar menos receitas para o estado brasileiro que o atual modelo de concessão.

A definição de royalties presente no texto é compatível com o modelo de concessão, mas não com o modelo de partilha. Dessa forma, é importante que os royalties deixem de ser definidos como uma compensação financeira e passem a ser estabelecidos como uma parcela da produção destinada ao estado brasileiro.

Seria mais justo que a maior parte da arrecadação decorrente da exploração de petróleo e gás natural localizados na plataforma continental fosse destinada a todos os Estados e Municípios brasileiros, segundo critérios, por exemplo, do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios.

No entanto, os Estados e Municípios afetados pelas operações de produção devem receber uma parcela maior que a dos outros, pois há necessidade de investimentos em razão da atividade petrolífera. A Subemenda Substitutiva Global e a Emenda nº 387 devem convergir para um texto mais justo para todos.

O fato de haver uma empresa estatal, que é a Petrobras, com participação mínima de 30% também é uma inovação que obriga o estado a ser investidor, o que não ocorre na maioria dos países que adotam o modelo de partilha. Dessa forma, o modelo de partilha proposto no Brasil assemelha-se mais a um contrato do tipo risco conjunto (joint venture).

Da forma como disposto no texto, o ritmo da exploração do Pré-Sal sob o regime de partilha de produção pode ser determinado não pelo ritmo que o estado brasileiro considere adequado, mas pela capacidade de investimento da Petrobras, que já está bastante comprometida com os reservatórios já descobertos em áreas concedidas e não concedidas.

Em razão do atual contexto mundial de mudanças climáticas, o petróleo, por ser um combustível fóssil, pode perder valor de mercado daqui a algumas décadas. Dessa forma, é aconselhável que o ritmo da exploração não fique limitado, em razão da participação mínima de 30% da Petrobras.

Destaque-se, ainda, a importância que os processos de unitização deveriam receber do Congresso Nacional, pois são eles, e não a cessão para a Petrobras de reservas de 5 bilhões de barris localizadas em áreas não concedidas, que poderiam gerar, no curto prazo, grandes receitas para o resgate da grande dívida social brasileira.

A participação da Petro-Sal e, temporariamente, da EPE nesses processos, com o objetivo de defender os interesses comerciais do estado brasileiro, assim como as empresas petrolíferas defendem os interesses comerciais de seus acionistas, seria fundamental neste momento.


Notas

  1. JOHNSTON, Daniel. International petroleum fiscal systems and production sharing contracts. Pag. 53. PennWell Publishing Company.
  2. LIMA, Paulo César Ribeiro. O Projeto de Lei nº 5.941 e a capitalização da Petrobras. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2445, 12 mar. 2010.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Paulo César Ribeiro. O Projeto de Lei nº 5.938 e a questão dos royalties do petróleo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2458, 25 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14569. Acesso em: 29 mar. 2024.