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Júri de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá: decisão que enoja

Júri de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá: decisão que enoja

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A palavra nojo, no sentido jurídico, significa o pesar pelo falecimento de uma pessoa da família. Fico inquieto com o cruel destino de uma criança e a apatia popular, bem como o ativismo inconsciente e inconsequente.

"Tudo o que faz, o tirano faz conscientemente; mas o povo não tem sequer a possibilidade de saber o que faz". [01]

1. APRESENTAÇÃO DO TEMA

De 22 a 26.3.2010, o brasileiro foi obrigado a acompanhar o julgamento que a imprensa denominou equivocadamente de "Casal Nardoni" (veremos que a mulher não tem o nome do marido). Ainda que não quisesse, o povo viu as casas, os bares, os locais de trabalho etc. invadidos pelos meios de comunicação de massa que fizeram questão de dar plena cobertura ao caso como se ele fosse o mais emblemático do mundo. [02]

A palavra nojo, aqui utilizada, é tomada em seu sentido jurídico, significando "o desgosto, a tristeza, ou o pesar, que se gera do falecimento de uma pessoa da família". [03] Embora não tendo morrido ninguém da minha família, fico profundamente inquieto com o cruel destino de uma criança (que não sei se foi vítima de crime) e a apatia popular, bem como o ativismo inconsciente e inconsequente. Este povo aplaude uma sentença que contém grandes equívocos.


2. A SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA

A palavra crítica, em Kant, não tinha sentido pejorativo. Ela significava investigar, indagar, buscar conhecer etc. É nesse sentido que utilizarei a palavra neste breve estudo, o qual partirá da sentença condenatória e será orientado pelos critérios de aplicação da pena que consigno nos meus livros "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" e "Execução Criminal: Teoria e Prática".

Segue a íntegra da sentença proferida:

"VISTOS 1. ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, qualificados nos autos, foram denunciados pelo Ministério Público porque no dia 29 de março de 2.008, por volta de 23:49 horas, na rua Santa Leocádia, nº 138, apartamento 62, vila Isolina Mazei, nesta Capital, agindo em concurso e com identidade de propósitos, teriam praticado crime de homicídio triplamente qualificado pelo meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), utilização de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente pela janela) e com o objetivo de ocultar crime anteriormente cometido (esganadura e ferimentos praticados anteriormente contra a mesma vítima) contra a menina ISABELLA OLIVEIRA NARDONI.

Aponta a denúncia também que os acusados, após a prática do crime de homicídio referido acima, teriam incorrido também no delito de fraude processual, ao alterarem o local do crime com o objetivo de inovarem artificiosamente o estado do lugar e dos objetos ali existentes, com a finalidade de induzir a erro o juiz e os peritos e, com isso, produzir efeito em processo penal que viria a ser iniciado.

2. Após o regular processamento do feito em Juízo, os réus acabaram sendo pronunciados, nos termos da denúncia, remetendo-se a causa assim a julgamento ao Tribunal do Júri, cuja decisão foi mantida em grau de recurso.

3. Por esta razão, os réus foram então submetidos a julgamento perante este Egrégio 2º Tribunal do Júri da Capital do Fórum Regional de Santana, após cinco dias de trabalhos, acabando este Conselho Popular, de acordo com o termo de votação anexo, reconhecendo que os acusados praticaram, em concurso, um crime de homicídio contra a vítima Isabella Oliveira Nardoni, pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado pelo meio cruel, pela utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima e para garantir a ocultação de delito anterior, ficando assim afastada a tese única sustentada pela Defesa dos réus em Plenário de negativa de autoria.

Além disso, reconheceu ainda o Conselho de Sentença que os réus também praticaram, naquela mesma ocasião, o crime conexo de fraude processual qualificado.

É a síntese do necessário.

FUNDAMENTAÇÃO.

4. Em razão dessa decisão, passo a decidir sobre a pena a ser imposta a cada um dos acusados em relação a este crime de homicídio pelo qual foram considerados culpados pelo Conselho de Sentença.

Uma vez que as condições judiciais do art. 59 do Código Penal não se mostram favoráveis em relação a ambos os acusados, suas penas-base devem ser fixadas um pouco acima do mínimo legal.

Isto porque a culpabilidade, a personalidade dos agentes, as circunstâncias e as conseqüências que cercaram a prática do crime, no presente caso concreto, excederam a previsibilidade do tipo legal, exigindo assim a exasperação de suas reprimendas nesta primeira fase de fixação da pena, como forma de reprovação social à altura que o crime e os autores do fato merecem.

Com efeito, as circunstâncias específicas que envolveram a prática do crime ora em exame demonstram a presença de uma frieza emocional e uma insensibilidade acentuada por parte dos réus, os quais após terem passado um dia relativamente tranqüilo ao lado da vítima, passeando com ela pela cidade e visitando parentes, teriam, ao final do dia, investido de forma covarde contra a mesma, como se não possuíssem qualquer vínculo afetivo ou emocional com ela, o que choca o sentimento e a sensibilidade do homem médio, ainda mais porque o conjunto probatório trazido aos autos deixou bem caracterizado que esse desequilíbrio emocional demonstrado pelos réus constituiu a mola propulsora para a prática do homicídio.

De igual forma relevante as conseqüências do crime na presente hipótese, notadamente em relação aos familiares da vítima.

Porquanto não se desconheça que em qualquer caso de homicídio consumado há sofrimento em relação aos familiares do ofendido, no caso específico destes autos, a angústia acima do normal suportada pela mãe da criança Isabella, Srª. Ana Carolina Cunha de Oliveira, decorrente da morte da filha, ficou devidamente comprovada nestes autos, seja através do teor de todos os depoimentos prestados por ela nestes autos, seja através do laudo médico-psiquiátrico que foi apresentado por profissional habilitado durante o presente julgamento, após realizar consulta com a mesma, o que impediu inclusive sua permanência nas dependências deste Fórum, por ainda se encontrar, dois anos após os fatos, em situação aguda de estresse (F43.0 - CID 10), face ao monstruoso assédio a que a mesma foi obrigada a ser submetida como decorrência das condutas ilícitas praticadas pelos réus, o que é de conhecimento de todos, exigindo um maior rigor por parte do Estado-Juiz quanto à reprovabilidade destas condutas.

A análise da culpabilidade, das personalidades dos réus e das circunstâncias e conseqüências do crime, como foi aqui realizado, além de possuir fundamento legal expresso no mencionado art. 59 do Código Penal, visa também atender ao princípio da individualização da pena, o qual constitui vetor de atuação dentro da legislação penal brasileira, na lição sempre lúcida do professor e magistrado Guilherme de Souza Nucci:

‘Quanto mais se cercear a atividade individualizadora do juiz na aplicação da pena, afastando a possibilidade de que analise a personalidade, a conduta social, os antecedentes, os motivos, enfim, os critérios que são subjetivos, em cada caso concreto, mais cresce a chance de padronização da pena, o que contraria, por natureza, o princípio constitucional da individualização da pena, aliás, cláusula pétrea’ ("Individualização da Pena", Ed. RT, 2ª edição, 2007, pág. 195).

Assim sendo, frente a todas essas considerações, majoro a pena-base para cada um dos réus em relação ao crime de homicídio praticado por eles, qualificado pelo fato de ter sido cometido para garantir a ocultação de delito anterior (inciso V, do parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal) no montante de 1/3 (um terço), o que resulta em 16 (dezesseis) anos de reclusão, para cada um deles.

Como se trata de homicídio triplamente qualificado, as outras duas qualificadoras de utilização de meio cruel e de recurso que dificultou a defesa da vítima (incisos III e IV, do parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal), são aqui utilizadas como circunstâncias agravantes de pena, uma vez que possuem previsão específica no art. 61, inciso II, alíneas "c" e "d" do Código Penal.

Assim, levando-se em consideração a presença destas outras duas qualificadoras, aqui admitidas como circunstâncias agravantes de pena, majoro as reprimendas fixadas durante a primeira fase em mais um quarto, o que resulta em 20 (vinte) anos de reclusão para cada um dos réus.

Justifica-se a aplicação do aumento no montante aqui estabelecido de um quarto, um pouco acima do patamar mínimo, posto que tanto a qualificadora do meio cruel foi caracterizada na hipótese através de duas ações autônomas (asfixia e sofrimento intenso), como também em relação à qualificadora da utilização de recurso que impossibilitou a defesa da vítima (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente na defenestração).

Pelo fato do co-réu Alexandre ostentar a qualidade jurídica de genitor da vítima Isabella, majoro a pena aplicada anteriormente a ele em mais 1/6 (um sexto), tal como autorizado pelo art. 61, parágrafo segundo, alínea ‘e’ do Código Penal, o que resulta em 23 (vinte e três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.

Como não existem circunstâncias atenuantes de pena a serem consideradas, torno definitivas as reprimendas fixadas acima para cada um dos réus nesta fase.

Por fim, nesta terceira e última fase de aplicação de pena, verifica-se a presença da qualificadora prevista na parte final do parágrafo quarto, do art. 121 do Código Penal, pelo fato do crime de homicídio doloso ter sido praticado contra pessoa menor de 14 anos, daí porque majoro novamente as reprimendas estabelecidas acima em mais 1/3 (um terço), o que resulta em 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão para o co-réu Alexandre e 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão para a co-ré Anna Jatobá.

Como não existem outras causas de aumento ou diminuição de pena a serem consideradas nesta fase, torno definitivas as reprimendas fixadas acima.

Quanto ao crime de fraude processual para o qual os réus também teriam concorrido, verifica-se que a reprimenda nesta primeira fase da fixação deve ser estabelecida um pouco acima do mínimo legal, já que as condições judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são favoráveis, como já discriminado acima, motivo pelo qual majoro em 1/3 (um terço) a pena-base prevista para este delito, o que resulta em 04 (quatro) meses de detenção e 12 (doze) dias-multa, sendo que o valor unitário de cada dia-multa deverá corresponder a 1/5 (um quinto) do valor do salário mínimo, uma vez que os réus demonstraram, durante o transcurso da presente ação penal, possuírem um padrão de vida compatível com o patamar aqui fixado.

Inexistem circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena a serem consideradas. Presente, contudo, a causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 347 do Código Penal, pelo fato da fraude processual ter sido praticada pelos réus com o intuito de produzir efeito em processo penal ainda não iniciado, as penas estabelecidas acima devem ser aplicadas em dobro, o que resulta numa pena final para cada um deles em relação a este delito de 08 (oito) meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, mantido o valor unitário de cada dia-multa estabelecido acima.

5. Tendo em vista que a quantidade total das penas de reclusão ora aplicadas aos réus pela prática do crime de homicídio triplamente qualificado ser superior a 04 anos, verifica-se que os mesmos não fazem jus ao benefício da substituição destas penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, a teor do disposto no art. 44, inciso I do Código Penal.

Tal benefício também não se aplica em relação às penas impostas aos réus pela prática do delito de fraude processual qualificada, uma vez que as além das condições judiciais do art. 59 do Código Penal não são favoráveis aos réus, há previsão específica no art. 69, parágrafo primeiro deste mesmo diploma legal obstando tal benefício de substituição na hipótese.

6. Ausentes também as condições de ordem objetivas e subjetivas previstas no art. 77 do Código Penal, já que além das penas de reclusão aplicadas aos réus em relação ao crime de homicídio terem sido fixadas em quantidades superiores a 02 anos, as condições judiciais do art. 59 não são favoráveis a nenhum deles, como já especificado acima, o que demonstra que não faz jus também ao benefício da suspensão condicional do cumprimento de nenhuma destas penas privativas de liberdade que ora lhe foram aplicadas em relação a qualquer dos crimes.

7. Tendo em vista o disposto no art. 33, parágrafo segundo, alínea ‘a’ do Código Penal e também por ter o crime de homicídio qualificado a natureza de crimes hediondos, a teor do disposto no artigo 2º, da Lei nº 8.072/90, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/07, os acusados deverão iniciar o cumprimento de suas penas privativas de liberdade em regime prisional FECHADO.

Quanto ao delito de fraude processual qualificada, pelo fato das condições judiciais do art. 59 do Código Penal não serem favoráveis a qualquer dos réus, deverão os mesmos iniciar o cumprimento de suas penas privativas de liberdade em relação a este delito em regime prisional SEMI-ABERTO, em consonância com o disposto no art. 33, parágrafo segundo, alínea "c" e seu parágrafo terceiro, daquele mesmo Diploma Legal.

8. Face à gravidade do crime de homicídio triplamente qualificado praticado pelos réus e à quantidade das penas privativas de liberdade que ora lhes foram aplicadas, ficam mantidas suas prisões preventivas para garantia da ordem pública, posto que subsistem os motivos determinantes de suas custódias cautelares, tal como previsto nos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal, devendo aguardar detidos o trânsito em julgado da presente decisão. Como este Juízo já havia consignado anteriormente, quando da prolação da sentença de pronúncia - respeitados outros entendimentos em sentido diverso - a manutenção da prisão processual dos acusados, na visão deste julgador, mostra-se realmente necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade do crime, da culpabilidade, da intensidade do dolo com que o crime de homicídio foi praticado por eles e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar.

Tanto é assim que o próprio Colendo Supremo Tribunal Federal já admitiu este fundamento como suficiente para a manutenção de decreto de prisão preventiva:

‘HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA <CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA>, NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO PROCESSO.’

‘O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública.’ (STF, HC 85298-SP, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Aires Brito, julg. 29.03.2005, sem grifos no original).

Portanto, diante da hediondez do crime atribuído aos acusados, pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social, tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta Capital, mas de todo o país, que envolveu diversas manifestações coletivas, como fartamente divulgado pela mídia, além de ter exigido também um enorme esquema de segurança e contenção por parte da Polícia Militar do Estado de São Paulo na frente das dependências deste Fórum Regional de Santana durante estes cinco dias de realização do presente julgamento, tamanho o número de populares e profissionais de imprensa que para cá acorreram, daí porque a manutenção de suas custódias cautelares se mostra necessária para a preservação da credibilidade e da respeitabilidade do Poder Judiciário, as quais ficariam extremamente abaladas caso, agora, quando já existe decisão formal condenando os acusados pela prática deste crime, conceder-lhes o benefício de liberdade provisória, uma vez que permaneceram encarcerados durante toda a fase de instrução.

Esta posição já foi acolhida inclusive pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como demonstra a ementa de acórdão a seguir transcrita:

‘LIBERDADE PROVISÓRIA - Benefício pretendido - Primariedade do recorrente - Irrelevância - Gravidade do delito - Preservação do interesse da ordem pública - Constrangimento ilegal inocorrente.’ (In JTJ/Lex 201/275, RSE nº 229.630-3, 2ª Câm. Crim., rel. Des. Silva Pinto, julg. em 09.06.97).

O Nobre Desembargador Caio Eduardo Canguçu de Almeida, naquele mesmo voto condutor do v. acórdão proferido no mencionado recurso de "habeas corpus", resume bem a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva no presente caso concreto:

‘Mas, se um e outro, isto é, se clamor público e necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional se aliarem à certeza quanto à existência do fato criminoso e a veementes indícios de autoria, claro que todos esses pressupostos somados haverão de servir de bom, seguro e irrecusável fundamento para a excepcionalização da regra constitucional que presumindo a inocência do agente não condenado, não tolera a prisão antecipada do acusado.’

E, mais à frente, arremata:

‘Há crimes, na verdade, de elevada gravidade, que, por si só, justificam a prisão, mesmo sem que se vislumbre risco ou perspectiva de reiteração criminosa. E, por aqui, todos haverão de concordar que o delito de que se trata, por sua gravidade e característica chocante, teve incomum repercussão, causou intensa indignação e gerou na população incontrolável e ansiosa expectativa de uma justa contraprestação jurisdicional. A prevenção ao crime exige que a comunidade respeite a lei e a Justiça, delitos havendo, tal como o imputado aos pacientes, cuja gravidade concreta gera abalo tão profundo naquele sentimento, que para o restabelecimento da confiança no império da lei e da Justiça exige uma imediata reação. A falta dela mina essa confiança e serve de estímulo à prática de novas infrações, não sendo razoável, por isso, que acusados por crimes brutais permaneçam livre, sujeitos a uma conseqüência remota e incerta, como se nada tivessem feito.’ (sem grifos no original).

Nessa mesma linha de raciocínio também se apresentou o voto do não menos brilhante Desembargador revisor, Dr. Luís Soares de Mello que, de forma firme e consciente da função social das decisões do Poder Judiciário, assim deixou consignado:

‘Aquele que está sendo acusado, e com indícios veementes, volte-se a dizer, de tirar de uma criança, com todo um futuro pela frente, aquilo que é o maior ''bem'' que o ser humano possui - ''a vida'' - não pode e não deve ser tratado igualmente a tantos outros cidadãos de bem e que seguem sua linha de conduta social aceitável e tranqüila. E o Judiciário não pode ficar alheio ou ausente a esta preocupação, dês que a ele, em última instância, é que cabe a palavra e a solução.

Ora.

Aquele que está sendo acusado, ''em tese'', mas por gigantescos indícios, de ser homicida de sua ''própria filha'' - como no caso de Alexandre - e ''enteada'' - aqui no que diz à Anna Carolina - merece tratamento severo, não fora o próprio exemplo ao mais da sociedade. Que é também função social do Judiciário. É a própria credibilidade da Justiça que se põe à mostra, assim.’ (sem grifos no original).

Por fim, como este Juízo já havia deixado consignado anteriormente, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido pelo pai de Alexandre para ali estabelecessem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, como ainda pelo fato de nenhum deles ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão temporária que havia sido decretada inicialmente, isto somente não basta para assegurar-lhes o direito à obtenção de sua liberdade durante o restante do transcorrer da presente ação penal, conforme entendimento já pacificado perante a jurisprudência pátria, face aos demais aspectos mencionados acima que exigem a manutenção de suas custódias cautelares, o que, de forma alguma, atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência:

‘RHC - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO PROVISÓRIA - A primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita não impedem, por si só, a prisão provisória’ (STJ, 6ª Turma, v.u., ROHC nº 8566-SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. em 30.06.1999).

"HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ASSEGURAR A INSTRUÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA A TESTEMUNHAS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ORDEM DENEGADA. 1. A existência de indícios de autoria e a prova de materialidade, bem como a demonstração concreta de sua necessidade, lastreada na ameaça de testemunhas, são suficientes para justificar a decretação da prisão cautelar para garantir a regular instrução criminal, principalmente quando se trata de processo de competência do Tribunal do Júri. 2. Nos processos de competência do Tribunal Popular, a instrução criminal exaure-se definitivamente com o julgamento do plenário (arts. 465 a 478 do CPP). 3. Eventuais condições favoráveis ao paciente - tais como a primariedade, bons antecedentes, família constituída, emprego e residência fixa - não impedem a segregação cautelar, se o decreto prisional está devidamente fundamentado nas hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Nesse sentido: RHC 16.236/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 17/12/04; RHC 16.357/PR, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 9/2/05; e RHC 16.718/MT, de minha relatoria, DJ de 1º/2/05). 4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, v.u., HC nº 99071/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julg. em 28.08.2008).

Ademais, a falta de lisura no comportamento adotado pelos réus durante o transcorrer da presente ação penal, demonstrando que fariam tudo para tentar, de forma deliberada, frustrar a futura aplicação da lei penal, posto que após terem fornecido material sanguíneo para perícia no início da apuração policial e inclusive confessado este fato em razões de recurso em sentido estrito, apegaram-se a um mero formalismo, consistente na falta de assinatura do respectivo termo de coleta, para passarem a negar, de forma veemente, inclusive em Plenário durante este julgamento, terem fornecido aquelas amostras de sangue, o que acabou sendo afastado posteriormente, após nova coleta de material genético dos mesmos para comparação com o restante daquele material que ainda estava preservado no Instituto de Criminalística.

Por todas essas razões, ficam mantidas as prisões preventivas dos réus que haviam sido decretadas anteriormente por este Juízo, negando-lhes assim o direito de recorrerem em liberdade da presente decisão condenatória.

DECISÃO.

9. Isto posto, por força de deliberação proferida pelo Conselho de Sentença que JULGOU PROCEDENTE a acusação formulada na pronúncia contra os réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, ambos qualificados nos autos, condeno-os às seguintes penas:

a) co-réu ALEXANDRE ALVES NARDONI:

- pena de 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, agravado ainda pelo fato do delito ter sido praticado por ele contra descendente, tal como previsto no art. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final, art. 13, parágrafo segundo, alínea ‘a’ (com relação à asfixia) e arts. 61, inciso II, alínea ‘e’, segunda figura e 29, todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional FECHADO, sem direito a ‘sursis’;

- pena de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada, tal como previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional SEMI-ABERTO, sem direito a ‘sursis’ e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo.

B) co-ré ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ:

- pena de 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, tal como previsto no art. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final e art. 29, todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional FECHADO, sem direito a "sursis";

- pena de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada, tal como previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional SEMI-ABERTO, sem direito a "sursis" e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo.

10. Após o trânsito em julgado, feitas as devidas anotações e comunicações, lancem-se os nomes dos réus no livro Rol dos Culpados, devendo ser recomendados, desde logo, nas prisões em que se encontram recolhidos, posto que lhes foi negado o direito de recorrerem em liberdade da presente decisão.

11. Esta sentença é lida em público, às portas abertas, na presença dos réus, dos Srs. Jurados e das partes, saindo os presentes intimados.

Plenário II do 2º Tribunal do Júri da Capital, às 00:20 horas, do dia 27 de março de 2.010.

Registre-se e cumpra-se.

MAURÍCIO FOSSEN

Juiz de Direito".

A palavra sentença decorre do latim sententia, significando modo de ver ou decisão. Entre os romanos, a palavra designava apenas "o que o Juiz sentia acerca da questão proposta pelo autor, nos limites do seu pedido e da contestação do réu". [04] Hoje, nos termos do Código de Processo Civil, sentença é a decisão que implica alguma das situações dos seus arts. 267 e 269 (art. 162, § 1º). Entretanto, a sentença em sentido restrito (estritamente jurídico), será apenas a que examina o mérito, tendo a pretensão de ser definitiva, como a transcrita.

A sentença transcrita poderá não ser definitiva porque poderá ser impugnada por recurso de apelação. O recurso poderá estar fundamentado em alguma das razões do art. 593, inc. III, do Código de Processo Penal.

Muitas críticas poderiam ser feitas à forma de escrever. O magistrado demonstra não ser um grande acadêmico, isso desde a inserção da palavra "vistos" [05] (no início do ato processual em comento) até "isto posto" (no dispositivo da decisão), um erro gramatical grosseiro. [06] De qualquer modo, a sentença é um ato de inteligência do Juiz, [07] o momento em que ele deve mais se esmerar para produzir ato processual válido.

O Juiz deveria ter evitado algumas confusões, mas parece que é "gente do povo" e que concorda com o linchamento popular havido, fomentado pela imprensa, visto que se calou perante a qualificação de peritos, autoridades policiais etc. como testesmunhas. O Código de Processo Penal, obsoleto e autoritário, não foi respeitado porque pessoas com direto interesse na condenação dos acusados foram tratadas como testemunhas (observe-se que o CPP distingue claramente a testemunha do informante e dos peritos). Todavia, não são tais aspectos os que interessam neste momento. Aqui interessará o dispositivo da sentença, cuja leitura foi transmitida ao vivo por emissoras de televisão e rádios.


3. RELATÓRIO DA SENTENÇA

A sentença será dotada de três partes, a saber: relatório, fundamentação (ou motivação) e conclusão (ou dispositivo). No caso concreto, o relatório da sentença transcrita é claro e suficiente para entender a dinâmica processual.


4. MOTIVAÇÃO DA SENTENÇA

O que o magistrado chamou de "fundamentação", em um processo da competência do Juiz singular integraria o dispositivo. A sentença do Juiz Presidente do Tribunal do Júri dependerá de motivação sucinta, bastando o que consta do item 3 transcrito, ou seja, o que o Juiz chamou de relatório, é a fundamentação do decreto condenatório.

Jurados são pessoas do povo chamadas a julgar. Elas não tem que fundamentar suas decisões, bastando responder "sim" ou "não" aos quesitos que lhes serão apresentados. Destarte, a fundamentação da sentença a ser elaborada pelo Juiz Presidente é simples: o resultado dos votos dos jurados refletirá a conclusão condenatória ou absolutória.

O exposto evidencia que a motivação ensejadora do dispositivo está topograficamente mal colocada na sentença transcrita. Tecnicamente, inserir a motivação da aplicação da pena na segunda parte não causa maiores inconvenientes. Porém, é melhor que se inclua tal motivação no dispositivo, visto que decorrente do decreto condenatório já concretizado.


5. DISPOSITIVO DA SENTENÇA

Nesta seção, tomarei por correta a decisão do júri, só discutindo a sentença proferida, uma vez que esta decorre do Juiz Presidente do Tribunal do Júri e deve respeitar aos parâmetros científicos que norteiam a aplicação da pena.

O calcanhar de Aquiles de todo Juiz é a quesitação, apresentada e explicada em plenário, novamente esclarecida e votada na sessão secreta. No caso vertente, não apreciarei os quesitos para verificar eventual nulidade havida na quesitação, até porque, em face da tese defensiva, tenho por razoavelmente simples a elaboração dos quesitos. Então, passo diretamente ao resultado dos votos, ou seja, à condenação.

Eu iniciaria o dispositivo assim:

Com as respostas aos quesitos que lhes foram apresentados, os jurados condenam Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá como incursos nas penas do art. 121, § 2º, incs. III, IV e V, com a causa de aumento do § 4º, e do art. 347, com a causa de aumento do seu parágrafo único, tudo do Código Penal. Destarte, passo à dosimetria da pena.

Nunca vi o conceito de culpabilidade apresentado na sentença. Aliás, esta mistura circunstâncias judiciais em um discurso vago e nada científico, a fim de justificar a elevação da pena base, a qual poderia ser fixada em qualquer quantum, desde que respeitados os limites, mínimo (12 anos) e máximo (30 anos), decorrentes do art. 121, § 2º, do Código Penal.

Não existindo circunstância judicial desfavorável (são judiciais as circunstâncias do art. 59 do Código Penal), a pena deveria ser fixada no mínimo. Pensemos então, nas circunstâncias judiciais encontradas, sempre tendo em vista que é vedado bis in idem (repetir no mesmo).

Abandonadas a teoria psicológica da culpabilidade, em que esta era sinônima de dolo ou negligência (conforme o caso) poderia até emergir a estéril culpabilidade, desenvolvida por Welzel. Porém, o finalismo decorrente do ontologismo vazio de Nicolai Hartmann, foi sepultado. Junto com ele, perdeu prestígio a teoria normativa da culpabilidade. Sem dúvida, a melhor teoria é a psicológica-normativa, pela qual culpabilidade é censurabilidade, a ser aferida pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta conforme o Direito e intensidade de dolo ou grau de negligência, conforme o caso.

A culpabilidade é desfavorável aos sentenciados porque ambos tem maior grau de potencial consciência da ilicitude do que a média, uma vez que ela é estudante e ele bacharel em Direito. Ninguém pode alegar desconhecimento da lei, sendo que os acusados tem menor chance de dizer isso.

Personalidade, data venia, em sentido jurídico é uma análise do risco que os agentes representarão para o objeto jurídico. É uma projeção do futuro, difícil de ser feita e que não foi realizada in casu. O magistrado inventou, não há qualquer base científica para ele dizer que a personalidade dos sentenciados é voltada para o crime.

Caso o Juiz tivesse se baseado nos antecedentes e na reincidência, entendo que haveria bis in idem, encontraria sustentáculo na doutrina e na jurisprudência que tem admitido tal exame para "conhecer" a personalidade. Porém, nem má conduta social pode ser imputada a qualquer dos dois sentenciados, razão do magistrado ter se valido desse "desequilíbrio emocional demonstrado pelos réus" para dizer que a personalidade é desfavorável.

Já tive oportunidade de estudar o assunto e cheguei à conclusão de que não existe critério razoável para aferir personalidade, sendo que a Psicologia recomenda profunda análise, seja lá qual método se empregue, para se admitir a discussão em todo da personalidade de alguém. Com isso, concluo que o Juiz, pessoa especialista na Ciência do Direito e que viu o acusado por raras vezes, não detinha qualquer elemento para considerar a personalidade desfavorável, isso em relação aos sentenciados.

Circunstâncias do crime são aquelas que tornam o fato mais grave, as quais repercutirão, em regra, nas consequências do crime. Passear e brincar com a criança vítima durante todo dia não é circunstância que repercute nas suas consequências desfavoravelmente. Ao contrário, a conduta evidencia que não há circunstância desfavorável que se possa aferir.

O desequilíbrio posterior da mãe da vítima não é suficiente para considerar a consequência do delito desfavorável aos sentenciados. Esse item deve ser apurado objetivamente. Perder um filho é sempre um grave mau, daí a pena mínima do homicídio já ser elevada.

A irresponsabilidade estatal, caracterizada pelo fomento da divulgação do assunto na mídia, não pode ser atribuida aos sentenciados. O membro do Ministério Público, autoridades policiais etc. estavam aparentemente felizes pela notoriedade momentânea que o caso lhes deu. Destarte, o clamor público e o assédio são estranhos à conduta dos agentes, não podendo ser atribuidos em desfavor deles.

Caso a vítima fosse a mãe da criança, as consequências seriam desfavoráveis porque o fato se repercutiria gravemente na vida da criança. O inverso, data venia, não é o normal do delito, uma vez que toda criança tem mãe e ser menor de 14 anos, por si só, será causa de aumento de pena (CP, art. 121, § 4º).

O exposto permite concluir que apenas uma circunstância judicial é desfavorável aos sentenciados, qual seja, a culpabilidade. O quantum máximo a ser aumentado por cada uma, para não supervalorizar as circunstâncias judiciais (não se pode atribuir maior importância do que as causas de aumento de pena) será de um sexto. Destarte, o máximo que se poderia fixar na pena base, nos dois casos, seria 15 anos de reclusão.

Em grau mínimo, para não subvalorizar cada circunstância judicial e tendo em vista a jurisprudência do TJSP, a pena base poderia ter sido fixada em até 13 anos e 10 meses. [08]

Considerando a multiplicidade de qualificadoras, somente uma poderia ser utilizada para tal (CP, art. 121, § 2º, inc. III). As demais se transformam em circunstâncias legais (agravantes genéricas). Com isso, o máximo que se poderia elevar, por cada uma delas, seria um sexto. Destarte, não haveria problema em agravar a pena de 4 anos na segunda fase.

Na segunda fase, a pena de ambos, em grau máximo, passaria a totalizar 20 anos. Ocorre que o réu Alexandre Nardoni tem mais uma circunstância legal em seu desfavor, que é a do art. 61, inc. II, alínea "e". Aqui entendo que houve outro erro porque a alínea "f" seria aplicável à ré, pois ela era tinha parentesco de 1º grau em linha reta, por afinidade (a aproximação de Anna Carolina Jatobá com a vítima se deu por relação de parentesco por afinidade). Desse modo, os dois teriam penas iguais ou próximas.

Considerando o que foi concretizado, pela circunstância legal da ascendência do sentenciado, em relação à vítima, a pena base efetivamente aplicável em grau máximo (15 anos), seria majorada de um sexto, ou seja, 2 anos e 6 meses. Como incidem outras circunstâncias legais, a pena de Alexandre Nardoni, na segunda fase, poderia ter resultado em 22 anos e 6 meses.

Considerando cada circunstância legal no mínimo razoável, segundo os parâmetros consagrados pela jurisprudência do TJSP, a pena resultaria, na segunda fase, em aproximadamente 15 anos e 10 meses, isso porque, em grau mínimo, a pena base seria 13 anos e 10 meses e cada circunstância legal majoraria a pena de quantum correspondente a algo entre 1/9 e 1/10 avos da pena.

Na terceira fase, há a causa de aumento do art. 121, § 4º, in fine, do CP, visto que o delito foi praticado contra criança. Com isso, a pena de Alexandre Nardoni, 22 anos e 6 meses, deveria ser elevada de mais 1/3 (7 anos, 6 meses), totalizando, em grau máximo, 30 anos.

Pena superior a 30 anos, por um único crime, doutrinariamente, eu não veria problema porque a Constituição Federal não veda e o Código Penal não tem redação expressa limitando ao quantum 30 anos. No entanto, o art. 71, parágrafo único, que trata da continuidade delitiva violenta profissional, não admite ultrapassar tal limite.

O art. 9º da Lei n. 8.072, de 25.7.1990, para os crimes hediondos que considerou mais graves, estabeleceu o limite máximo de 30 anos. Então, não se pode condenar por um único crime a pena superior a 30 anos e, portanto, condenar Alexandre Nardoni, unicamente por homicídio, à pena superior a 30 anos foi um equívoco que merece correção.

No tocante à Anna Carolina Jatobá, afastada a circunstância legal do art. 61, inc. II, alínea "f", do CP, sua pena da sua segunda fase totalizaria, em grau máximo, 20 anos. Acrescida da causa de aumento do art. 121, § 4º, in fine, do CP (vítima criança), totalizaria 26 anos e 8 meses. Todavia, entendo que o correto seria a mesma pena a ser imposta ao réu, ou seja, em grau máximo poderia chegar a 30 anos.

Como entendo que o razoável era impor a mesma pena, ou penas semelhantes, em grau mínimo, atentando para a jurisprudência do TJSP, em face do homicídio, a pena poderia totalizar cerca de 21 anos, 1 mês e 10 dias.

Observe-se que a individualização da pena, segundo os critérios consagrados pela jurisprudência do TJSP, estará assegurada. In casu, permitiria uma variação de 8 anos, 10 meses e 20 dias, isso considerando o grau máximo de 30 anos e o mínimo de 21 anos, 1 mês e 10 dias. Ocorre que o Juiz condenou a pena maior que a consagrada na jurisprudência do TJSP e ultrapassou abertamente ao limite legal. Pergunto-me se este comportamento não evidencia ser o Juiz impedido (ou no mínimo suspeito) para o caso, visto que diretamente interessado em prejudicar o acusado Alexandre Nardoni.

No tocante ao crime do art. art. 347 do CP, em grau máximo, a pena base seria fixada em 6 meses e 15 dias. Isso porque somente a culpabilidade seria desfavorável, induzindo à elevação do máximo (um sexto). Em grau mínimo, a pena base seria fixada em 5 meses.

Inexistindo circunstância legal a ser considerada, na segunda fase, seria mantida a pena fixada na primeira fase. Porém, em face da causa especial de aumento de pena do art. 347, parágrafo único, do CP, a pena total (que deveria ser dobrada), em grau máximo, resultaria em 1 ano e 1 mês. De outro modo, em grau mínimo, resultaria em 10 meses.

A pena pelo homicídio deverá ser especificada em reclusão e a decorrente da fraude processual, em detenção. Outrossim, como uma das penas exige o regime inicial fechado (Lei n. 8.072/1990, art. 2º, § 1º), o regime de inicial de cumprimento da outra deve acompanhar o mais grave, visto que é equivocado fixar dois regimes iniciais na sentença (isso apenas exigirá que o Juiz da Execução unifique os mesmos).

Desnecessária seria a inserção de maiores elementos sobre o regime inicial, até porque, assim como a lei, a sentença não deve conter palavras vãs, uma vez que será a "lei do caso concreto". Todavia, o Juiz resolveu estender a discussão, como se o assunto não estivesse pacificado e suficientemente regulado por lei.

A Lei de Execução Penal exige que se fale do sursis. Esta é uma palavra francesa que não tem correspondente no idioma português, significando suspensão condicional da pena. Não preenchendo os requisitos do art. 77 do CP, o benefício não deveria mesmo ser concedido.

Evidente o descabimento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Porém, foi forçada a fundamentação para recomendar os réus na prisão que se encontram. Melhor seria ter assegurado o direito de apelar em liberdade.

É pacífica a jurisprudência do STF de que a gravidade do fato, por si só, não é suficiente para ensejar prisão cautelar. Outrossim, é pífio o argumento de que a comoção social recomenda manutenção da prisão para prestigiar a vontade popular. Pior é dizer que a prisão constitui meio de defesa a direito fundamental. Desse modo, caso a vida dos sentenciados fique em risco pela soltura, deverá o estado propiciar segurança aos mesmos, não determinar a privação da liberdade sob o manto de estar protegendo suas vidas.

Direito é ciência. Embora deva concordar com Luigi Ferrajoli, no sentido de que o Juiz não pode ser considerado apenas a "boca da lei", [09] a intervenção cautelar, que é o caso, só se justificaria se existisse elemento suficiente para dizer que presente algum dos fundamentos do art. 312 do CPP, os quais poderiam evidenciar o periculum in mora. Qual seria o fundamento da prisão, assegurar a aplicação da lei criminal, em benefício da instrução criminal ou garantia da ordem pública?

O esforço do magistrado para demonstrar a necessidade da prisão para garantia da ordem pública, confirma aquilo que Luigi Ferrajoli denomina de fatores externos ao garantismo. Entretanto, espero que a pena não seja apenas aquilo que Tobias Barreto dizia ser, vingança popular. [10]

Tratando dos aspectos externos ao garantismo, diria que o caso vertente evidencia a elevada influencia do clamor público, trazido pela imprensa, sobre o Juiz. Depois do julgamento, vejo colocações absurdas, como a Revista Veja, a qual anuncia que, agora, a criança morta pode descansar em paz, [11] como se a condenação fosse a única conclusão possível. Data venia, Alexandre Nardoni e Anna Carolina continuam com o status de inocente.


6. CONCLUSÃO

A sentença contém vários equívocos no tocante à dosimetria da pena, ensejando recurso e reforma pelo próprio tribunal. Outrossim, ela falha ao estabelecer dois regimes diferentes para início do cumprimento, defeito que pode ser sanado pelo Juiz da Execução. Finalmente, são extremamente frágeis os fundamentos contrários a conceder aos réus o direito de recorrerem em liberdade.

Isabella Nardoni está morta e assim irá continuar. Rir e comemorar com fogos de artifício e aplausos à sentença evidencia que o povo se satisfaz com a vingança pura e simples. Ainda que os réus sejam efetivamente culpados (por enquanto eles tem o status de inocentes,) fiquei e continuarei pesaroso em saber que uma criança linda, como era a vítima, morreu gerando extrema dor no seio familiar. Também, sinto nojo de sentenças que demonstram ser o Poder Judiciário, em muitas situações, passional ao extremo. E, desde a leitura de Lombroso, passei a ter certeza que o "louco por paixão" representa um risco à sociedade.


Notas

  1. HERÓDOTO in BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 10 ed. Brasília: UnB, 2000. p. 40.
  2. Em Unaí, Minas Gerais, um rapaz matou toda família e mereceu apenas pequenas referências momentâneas dos meios de comunicação de massa. Ninguém sabe sequer se foi julgado.
  3. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.002. p. 556.
  4. TORNAGUI, Hélio. Curso de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1.989. v. 2, p. 147.
  5. REIS, Novély Vilanova da Silva. O que não deve ser dito. Brasília: TRF/1, 1994. p. 6.
  6. O correto seria "posto isso". Outro aspecto que constitui vício corrente, mas que considero equivocado é o tal do "ene bolinha". Concordo com o estudo do TRF/1 que afirma: "Nenhum sentido faz, então, colocarmos a desinência de masculino na abreviatura de "número", sendo que a palavra ‘númera’ não existe em nossa língua. Abreviar dessa maneira seria o mesmo que para ‘página’ usar p.a, forma que ninguém aplica. Vemos, sim, na maioria dos casos, ‘página’ ser abreviada como p. ou pág., mas nunca com a desinência de feminino, o que esboçaria uma oposição a ‘págino’. (CUNHA, Renato. Esse tal de ene bolinha. Brasília: TRF/1, O Que do Mês. Disponível em: http://www.trf1.gov.br/ Consulta/PubOficial/PubOficialAbrePdf.php?numero=97983. Acesso em: 27.3.2010, às 3h30).
  7. MOSSIN, Heráclito Antônio. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas, 1.998. v. 3, p. 258-259.
  8. Para fixação do quantum de cada circunstância judicial, deve ser assegurado, em grau máximo, até 1/6 da variação entre a pena máxima e a pena mínima cominada. Em grau mínimo, algo em torno de 1/10 e 1/9 da mesma variação.
  9. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002. p. 725-737.
  10. BARRETO, Tobias. Estudos de direito. Campinas: Bookseller, 2.000. p. 163-180.
  11. KALLEO, Laura Diniz et al. A justiça foi feita. Disponível em: http://veja.abril.com.br/310310/justica-foi-feita-p-080.shtml. Acesso em: 27.3.2009, às 17h30.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Júri de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá: decisão que enoja. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2463, 30 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14596. Acesso em: 28 mar. 2024.