Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/14662
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Relação socioafetiva: desbiologização do conceito de filiação

Relação socioafetiva: desbiologização do conceito de filiação

Publicado em . Elaborado em .

As recentes técnicas de reprodução humana assistida heteróloga colaboraram para que o dogma do biologismo fosse mitigado, haja vista que um dos polos da filiação será necessariamente firmado por laços afetivos.

RESUMO

A socioafetividade no Direito de Família moderno vem se apresentando como um novo paradigma da filiação. Por anos preponderou no meio jurídico e social o modelo familiar patriarcalista, matrimonializado e hierarquizado. Com o passar dos anos percebeu-se que este arranjo não comportava a nova gama de valores incorporados pela sociedade, além de não contribuir para o desenvolvimento pleno dos membros da família. A relação socioafetiva passou a ser considerada como o critério que melhor se harmoniza com essa nova postura, desbiologizando o conceito de filiação. As recentes técnicas de reprodução humana assistida heteróloga colaboraram para que o dogma do biologismo fosse mitigado, haja vista que um dos polos da filiação será necessariamente firmado por laços afetivos.

Palavras-chave: 1. Família. 2. Filiação. 3. Relação socioafetiva. 4. Direito ao estado de filiação. 5. Biodireito. 6. Reprodução humana assistida heteróloga.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 AS ORIGENS DA FAMÍLIA. 1.1 A FAMÍLIA ROMANA. 1.2 O MODELO FAMILIAR NA VISÃO DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. 1.3 A FAMÍLIA SEGUNDO A ATUAL CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1.4 A FAMÍLIA E O CÓDIGO CIVIL DE 2002. 2 DO PARENTESCO. 2.1 PARENTESCO NATURAL OU CONSAGUÍNEO. 2.2 PARENTESCO CIVIL 2.3 PARENTESCO POR AFINIDADE. 3 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA FILIAÇÃO. 4 AS NOVAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA. 4.1 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA. 5 DESBIOLOGIZAÇÃO DO CONCEITO DE FILIAÇÃO. 5.1 JURISDICIONALIZAÇÃO DA SOCIOAFETIVIDADE. 5.2 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. 6 SÚMULA 301 DO STJ: VERDADE DO DNA E RETROCESSO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Vivenciamos atualmente uma total reformulação do conceito de família. O tradicional modelo de família já não é suficiente para comportar uma gama de novas situações introduzidas em nosso meio social e jurídico em decorrência da globalização e da aquisição de novos valores incorporados na sociedade contemporânea.

A família é núcleo social protegido pela Constituição Federal de 1988, quando em seu art. 226 prescreve ser ela a base da sociedade. Toda a comunidade encontra ou deveria encontrar nela o seu ponto de partida. É o espelho sem o qual a sociedade não poderá prosseguir seu caminho rumo ao bem comum.

É inquestionável que o modelo tradicional de família encontra seu alicerce na ascendência genética, sustentado pelo paradigma do biologismo, onde se determinava a filiação pela origem biológica, com o auxílio de presunções legais tendentes a facilitar a sua identificação prática, adotadas em razão das limitações científicas que impediam, antes do advento dos testes de DNA, a certeza a respeito da origem genética. Contudo, participamos ativamente da transposição deste modelo para outro, mais contextualizado e sintonizado com a evolução social e tecnológica que o mundo hoje presencia, não podendo esta vinculação da relação jurídica de filiação à origem genética ser tomada como um dado perene, algo fixo e indiferente ao avanço da sociedade.

Em verdade, o biologismo deve ser visto como um dos critérios determinantes da filiação, mas não o preponderante. A exemplo desta nova postura observa-se que a doutrina e jurisprudência pátria e alienígena já delineiam uma tendência maior em aproveitar o filho havido por estas novas técnicas reprodutivas aos pais que intentaram o projeto parental, que imprimiram esforços no sentido de realizar o desejo de serem pais, que almejam amar a criança, enchendo-a de afeto.

A legislação nacional é tendente no sentido de proteção à família e aos interesses da criança. Impõe-se ao legislador o dever de labutar em prol do menor, oferecendo-lhe meios protetivos que propiciem melhores condições de desenvolvimento social, afetivo e humano.

Assim, surgem alguns novos problemas a serem discutidos, donde devem ser apresentadas soluções mais próximas do ideal. Dentre alguns problemas a serem enfrentados está também a solução dos conflitos de direitos que podem surgir a partir das novas relações nascidas com as recentes técnicas de reprodução. De um lado está o direito de paternidade daqueles que intentaram o projeto parental, de outro está o direito ao estado de filiação, e aqui se inclui o direito fundamental de ter pais.

Durante muito tempo o direito manteve-se inerte frente a essas novas situações, principalmente por se sustentar em presunções legais quanto à filiação, e posteriormente deslumbrou-se com o advento dos testes de DNA e sua absoluta certeza.

Entretanto, o mundo percebeu que nem sempre a verdade biológica e nem a legal se coadunam com os interesses da criança. A família mudou, passou de núcleo sob a custódia absoluta do "chefe de família" para uma nova roupagem, funcionando agora como instrumento de desenvolvimento pessoal de cada um dos seus membros. E neste ponto, os dois critérios de determinação da filiação citados anteriormente não se mostram aptos a abarcar todos os novos valores adotados pela sociedade.

Percebendo a fragilidade dos dois critérios frente à evolução social, o direito tratou de jurisdicionalizar um conceito mais comum às ciências sociais, a socioafetividade.

A socioafetividade ocupa com louvor o espaço antes ocupado pelos critérios biológico e legal no que concerne à filiação. Mostrou-se como o grande coringa no direito familiarista.

E não poderia ser de outro modo. A socioafetividade é o sentimento que deve sempre preponderar no meio familiar, traduzido nas condutas de cooperação, atenção, amor, ajuda, educação.

Trata-se de um tema de extrema relevância no mundo jurídico, uma vez que representa uma problemática atual e interessante no âmbito do biodireito, direito civil e constitucional, haja vista o incremento de novas situações surgidas a partir da descoberta de técnicas de reprodução medicamente assistida (focando as reproduções heterólogas) que estão acontecendo cotidianamente com a utilização do novo conceito de família vinculado á afetividade.


1 AS ORIGENS DA FAMÍLIA

A família é núcleo social protegido pela nossa Carta Magna, quando em seu Art. 226 prescreve ser ela a base da sociedade. Toda a comunidade encontra ou deveria encontrar nela o seu ponto de partida. É o espelho sem o qual a sociedade não poderá prosseguir seu caminho rumo ao bem comum.

Arx Tourino (apud MORAES, 2004, p. 705-706), assim conceitua juridicamente a família:

O conceito de família pode ser analisado sob duas acepções: ampla e restrita. No primeiro sentido, a família é o conjunto de todas as pessoas, ligadas pelos laços do parentesco, com descendência comum, englobando, também os afins – tios, primos, sobrinhos, e outros. É a família distinguida pelo sobrenome: família Santos, Silva, Costa, Guimarães e por aí afora, neste grande país. Esse é o mais amplo sentido da palavra. Na acepção restrita, família abrange os pais e filhos, um dos pais e os filhos, o homem e a mulher em união estável, ou apenas irmãos... É na acepção stricto sensu que mais se utiliza o termo família, principalmente do ângulo do jus positum.

Desta feita, em sentido amplo, a família é vista como o conjunto de pessoas que descendem de um mesmo tronco genealógico, unidos por laços sanguíneos, abrangendo desta forma os parentes em linha reta ou colateral, bem como os parentes por afinidade conforme declara o Código Civil Brasileiro em seus dispositivos referentes às relações de parentesco.

Por seu turno, em sentido estrito a família é vista como representativa do conjunto de pais e filhos decorrentes dos laços do matrimônio ou das novas configurações surgidas ao longo do tempo, as quais a Constituição da República tratou de dar proteção, embora tenha se esquecido de outros arranjos não isolados.

Mas estes não são os conceitos que se quer apresentar neste trabalho. Busca-se algo mais sintonizado com o atual estágio da sociedade contemporânea. E, para tanto, necessário se faz perfazer a sua trajetória no direito brasileiro, para enfim indicar o tom do critério que tem ganhado destaque.

É cediço que a origem da família é bastante imprecisa e controversa a despeito de inúmeros estudos e pesquisas investigatórias sobre o tema. Diversos autores relacionam a origem remota da família à promiscuidade sexual originária, na qual todas as mulheres pertenciam a todos os homens.

Nessa mesma linha de promiscuidade, o mundo conheceu o tipo familiar poliândrico, em que ressalta a presença de vários homens para uma só mulher, e o tipo familiar oriundo do matrimônio por grupo, caracterizado pela união coletiva de algumas mulheres com alguns homens.

Friedrich Engels, em sua obra sobre a origem da família, ao descrever o fato de que as relações familiares das civilizações primitivas não se assentavam em relações individuais, afirma que a família teve, inicialmente, um caráter matriarcal, visto que as relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo e disso decorria que, ao contrário do pai, a mãe era sempre conhecida, e, assim, era ela quem, sozinha, alimentava e educava seus filhos (VENOSA, 2005, p. 19).

Continua o renomado autor informando ser muito improvável que essa estrutura fosse homogênea em todos os povos do passado. Com o tempo, na vida primitiva, as guerras, a carência de mulheres, e uma inclinação natural para a exclusividade, fizeram com que os homens passassem a procurar mulheres em outras tribos. Seriam os primeiros passos contra o incesto no meio social rumo às relações individuais (VENOSA, 2005, p. 19).

Destarte, em que pese existir variadas teses acerca da origem da família, o certo é que com o passar dos anos as relações familiares passaram a se assentar - ou desde o início assim o foram - em relações individuais baseadas na exclusividade – embora algumas civilizações até hoje mantenham relações poligâmicas -, surgindo, assim, a organização familiar de inspiração monogâmica que acabou propiciando o exercício do poder paterno, conforme coloca Venosa (2005, p. 19), in verbis:

A monogamia desempenhou um papel de impulso social em benefício da prole, ensejando o exercício do poder paterno. A família monogâmica converte-se, portanto, em um fator econômico de produção, pois esta se restringe quase que exclusivamente aos interiores dos lares, nos quais existem pequenas oficinas.

O conceito, a compreensão e a extensão da família se alteraram significativamente no curso da história. A família, atualmente, possui uma conotação jurídica e social bastante diferente das civilizações do passado. Entretanto, é inegável que muitas características da família brasileira contemporânea possuem raízes nos modelos de família existentes no passado.

1.1 A FAMÍLIA ROMANA

Desde a sua descoberta em 1500, até a primeira metade do século passado, o Brasil experimentou um grande fluxo de imigrantes europeus, notadamente de Portugal, cujas origens remontam ao modelo familiar romano, razão pela qual, indiscutivelmente, nosso país também apresenta resquícios deste modelo, de modo que se torna crucial tecer alguns comentários acerca da família romana.

O arranjo familiar romano caracterizava-se por ser rigidamente patriarcal, tendo na figura do pater famílias seu senhor absoluto, da qual todos os membros deviam total obediência. Este possuía, além do comando absoluto sobre todos os membros da família, considerável autonomia frente ao Estado, visto que este dificilmente interferiria em assuntos familiares.

A família romana patriarcal era tipicamente monogâmica, principalmente em relação à mulher. Entretanto, esta exclusividade não era em decorrência do amor sexual individual, mas sim decorrência lógica do próprio patriarcalismo que reinava na sociedade romana, baseada em aspectos econômicos, símbolo do triunfo da propriedade privada, onde os únicos objetivos da monogamia eram a preponderância do homem na família e a procriação de filhos que só pudessem ser seus para dele herdarem.

No direito romano, o afeto natural, muito embora pudesse existir, não era o elo entre os membros da família. O pater poderia nutrir o mais profundo sentimento por sua filha, no entanto, não legava bem algum a ela. O que realmente vinculava determinadas pessoas em torno de um núcleo familiar era a religião doméstica e o culto aos antepassados. A mulher, ao se casar, abandonava o culto dos antepassados do lar de seu pai e passava a cultuar os do seu marido (VENOSA, 2005).

A família romana era ampla e hierarquizada, incluindo pai, mãe, filhos, escravos, clientes, e tantos outros que viviam sob o mesmo teto e sob a autoridade irrestrita do pater, que era ascendente comum mais velho do sexo masculino.

Sabe-se que o pater exercia múltiplos papéis na condução de sua família. Era chefe político, sacerdote e juiz. Seu poder era tão absoluto que a ele cabia era o chamado ius vitae ac necis, direito de vida e morte sobre todos os membros de seu grupo, impondo penalidades e tratando-os como coisas pertencentes ao seu patrimônio. A própria expressão família, que deriva do latim famulus, se referia ao conjunto de escravos domésticos e bens postos à disposição do pater. Era ele, e tão somente ele, que adquiria e administrava os bens da família, que exercia o patria potestas sobre os filhos e a manus sobre a mulher (RIBEIRO, 2002, p. 5). A mulher vivia totalmente subordinada à autoridade marital, nunca adquirindo autonomia, restando sempre subordinada à autoridade de algum homem, primeiro seu pai, e depois de casar-se passava ao poderio de seu marido. Chefiava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça.

O pater famílias era, assim, o senhor absoluto da domus. Era o sacerdote que presidia o culto aos antepassados; era o juiz que julgava seus subordinados; era o administrador que comandava os negócios da família (FIUZA, 2008, p. 927). Desta forma, a família romana centrava-se no poder paterno ou marital, que por sua vez, é resultado da religião predominante nesse modelo de instituição familiar. A família como grupo era essencial para a perpetuação do culto familiar e os vínculos que existiam entre seus membros eram a religião doméstica e o culto dos antepassados. O afeto, portanto, embora pudesse existir, não era o principal fundamento de união entre os componentes do grupo familiar.

Para a perpetuação da família, não bastava apenas gerar um filho. Este deveria ser necessariamente do sexo masculino para cumprir os objetivos de perpetuação do culto aos antepassados – visto que a filha não poderia ser continuadora do culto de seu pai quando contraísse núpcias - e, ainda, precisava ser fruto de um casamento religioso, tendo em vista que o Cristianismo condenou as uniões livres e instituiu o casamento como sacramento, passando, portanto, essa instituição a ser considerada um dogma da religião doméstica (VENOSA, 2005, p. 20, 21).

Percebe-se que o arranjo familiar romano, fundados no matrimônio, não possuía qualquer resquício de amor ou afetividade. Não tinha, portanto, como objetivos imediatos, o amor, afeto. Visava apenas à união de duas pessoas com vistas a cultuar os antepassados do marido e a gerar um filho do sexo masculino que continuasse o culto dos seus antepassados.

A partir do século V, com o imperador Constantino, os princípios do cristianismo passaram a exercer forte influência sobre a família romana, fazendo surgir questões de ordem moral sob inspiração do espírito do amor, da solidariedade e da caridade, fazendo com que o modelo tradicional romano entrasse em declínio.

1.2 O MODELO FAMILIAR NA VISÃO DO CÓDIGO CIVIL DE 1916

As normas elaboradas no século passado refletiram fielmente o meio social que regulava. Naquela época, a sociedade estava mergulhada no patriarcalismo, já que a grande parte da população vivia no campo. Guardavam-se profundas marcas do tradicional modelo de família da Antiguidade. A mulher devia dedicar seu tempo única e exclusivamente aos afazeres domésticos, não lhe sendo deferidos os mesmos direitos do homem.

O homem, chefe da família, representava a hierarquia máxima do núcleo familiar. Ele detinha o controle sobre todos os membros do grupo, incluindo filhos, esposa e empregados. Todos os membros da família deviam obediência absoluta ao chefe da família. A administração dos bens da família e todas as decisões a respeito dela cabiam única e exclusivamente a ele. O Código Civil de 1916, e quase a totalidade das leis da época refletiram aquele pensamento ultrapassado (VENOSA, 2005).

O pátrio poder era direito subjetivo exclusivo do homem, cabendo a ele a condução do destino de sua família, resquícios muito fortes da tradição romana.

A mulher, nesta época, era totalmente submissa aos ditames do esposo, não tendo qualquer autonomia dentro do núcleo familiar. Não possuía direito de administrar seus próprios bens, precisando da autorização do marido para o exercício de diversos direito na seara cível. Até para trabalhar era necessário outorga do marido, sendo raríssimos os casos de mulheres casadas labutando, já que a sociedade machista daquela época aceitava que apenas o homem deveria trabalhar para o sustento e manutenção de seu lar. Somente com a publicação do Estatuto da Mulher Casada, nos idos de 1962, quando, então, a mulher deixou de ser relativamente incapaz após o casamento, passando a ser notada juridicamente na sociedade, ainda que de modo sutil. Isto porque, ao se casar, a mulher passava a ser relativamente incapaz, cabendo ao marido a tomada da maioria das decisões, não havendo igualdade de direitos na relação conjugal.

Para o ordenamento pátrio daquela época, o matrimônio era a única forma de agrupamento familiar protegido, instituição legitimadora de direitos. Os filhos havidos fora dos laços conjugais eram considerados ilegítimos, tamanha era a rigidez quanto ao casamento. O concubinato não era um arranjo familiar bem quisto pela sociedade, e os filhos desta relação não possuíam igualdade de direitos e tratamento pelo meio social. O casamento era fator de legitimação dos filhos.

Desta feita, a família brasileira regulada pelo Código Civil de 1916, a exemplo do modelo romano, ao definir o casamento como única forma legítima de constituição familiar, trazia consigo certa carga de proteção aos interesses econômicos. O casamento representava muito mais a união de bens do que a união de pessoas pelo vínculo afetivo. Disso depreende-se que a afetividade possuía papel coadjuvante, tanto no matrimonio quanto nas relações paterno-filiais.

Lôbo Netto (2000, p. 3), em louvável colocação, afirma que:

A família patriarcal perpassou a história deste país e marcou, profundamente, a formação do homem brasileiro. Suas funções mais evidentes eram econômico-patrimoniais, políticas, procracionais e religiosas. A função de realização da comunidade afetiva, que passou a ser determinante ao final do Século XX, era secundária. A filiação biológica, desde que originada na família matrimonializada, era imprescindível para o cumprimento dessas funções e papéis, notadamente de preservação da unidade patrimonial.

Em face de uma sociedade basicamente rural, revelava uma família que funcionava como uma unidade de produção, importando para tanto ser numerosa, representando uma maior força de trabalho e maiores condições de sobrevivência de todo o grupo. Este modelo de família era chefiado por um homem, que além de exercer o papel de pai e marido, detinha toda a autoridade e poder sustentados numa estrutural patrimonial. Daí, as características patriarcais e hierarquizadas do modelo centrado na chefia do marido, ocupando a mulher e os filhos uma posição de inferioridade no grupo familiar (GRUNWALD apud BOEIRA, 2003, p. 2).

Note-se que a família, constituída no matrimônio indissolúvel, era percebida não apenas pelos laços de sangue, mas também pelo patrimônio que carregava, de modo que influenciou fortemente na própria manutenção do Estado, que se viu obrigado a protegê-la (GRUNWALD, 2003). A família tradicional, unida pelo casamento, era o mecanismo apropriado para transmitir os bens por via hereditária por gerações (VENOSA, 2005, p. 245).

Vista como necessária à sua sobrevivência, o Estado disciplina regras que devem ser seguidas necessariamente pelos cônjuges, interferindo e fiscalizando o comportamento destes dentro da sociedade doméstica, e em especial, destes relativamente aos filhos, fornecendo aos contraentes do matrimônio uma pequena margem de autonomia, a fim de que o Direito Civil não perca seu objetivo: regulação dos interesses privados (AMORIM, 2002, p. 1). É sensível notar que as normas do direito de família são quase todas de ordem pública, não permitindo aos cônjuges dispor delas segundos suas vontades, restando apenas autonomia, limitada, no que concerne ao regime de bens.

As normas do passado aceitavam a família apenas como o núcleo formado pelo casamento indissolúvel de homem e mulher. Qualquer manifestação diferente não tinha a proteção do Estado e ainda sofria com a rejeição da sociedade. A mulher divorciada, ou mãe solteira não detinha o mesmo tratamento dispensado às casadas. Diversos entraves ao exercício de direitos eram sentidos pelas mulheres que se encaixavam nesta situação.

Maria Berenice Dias (2005) [01], ex-desembargadora do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em importante contribuição nos traz a seguinte asserção:

Eleito o casamento como modelo de família, foi consagrado como a única modalidade aceitável de convívio. Como forma de impor obediência à lei, por meio de comandos intimidatórios e punitivos e por normas cogentes e imperativas, são estabelecidos paradigmas comportamentais na esperança de gerar posturas alinhadas com o perfil moral majoritário. A jurisprudência igualmente não resiste à sedutora arrogância de punir quem vive de maneira diversa do aceito como certo. Na tentativa de desestimular atitudes que se afastem do único parâmetro reconhecido como legítimo, nega juridicidade a quem se rebela e afronta o normatizado. Com isso, acaba-se não só negando direitos, também se deixa de reconhecer a existência de fatos. A desobediência é condenada à invisibilidade. O transgressor é punido com a negativa de inserção no âmbito do jurídico. Tudo que surge à margem do modelo posto como correto não merece regulamentação. Situações reais simplesmente desaparecem.

O declínio da religião contribuiu para que o Estado onipotente passasse a regular as relações afetivas, mostrando toda sua vertente intervencionista. Almejando o estabelecimento de padrões de estrita moralidade e objetivando regulamentar a ordem social, engessou a família em uma instituição matrimonializada. Cristalizando a família no conceito único do casamento, impuseram, de forma autoritária, deveres, penalizando comportamentos que comprometessem sua higidez, além de impedir sua dissolução. O modelo tradicional da família sempre foi o patriarcal, sendo prestigiado exclusivamente o vínculo heterossexual (DIAS, 2005) [02].

Continuando, a prestigiada autora informa que não é fácil determinar as causas, mas a laicização do Estado, provavelmente, foi um dos movimentos sociais que mais "revolucionou os costumes e especialmente o Direito de Família, provocando sensíveis mudanças em seu próprio conceito" (DIAS, 2005).

Desta forma, o modelo familiar que predominou no Brasil do século XIX, e em grande parte do século seguinte, era eminentemente patriarcal, com a centralização do poder na figura do chefe de família, heterossexual e monogâmica.

1.3 A FAMÍLIA SEGUNDO A ATUAL CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

A Revolução Industrial não representou apenas uma reformulação das unidades produtivas. Seus efeitos fizeram-se sentir no modelo de família até então vigente, uma verdadeira e pobre cópia do arranjo da Roma antiga.

Os crescentes movimentos sociais, como por exemplo, a revolução feminista e os direitos sexuais, não se esquecendo da urbanização desenfreada que se viu com o passar dos anos, provocaram profundas alterações na família brasileira.

A urbanização provocou a diminuição do número de membros da família, ao passo que a necessidade de mão-de-obra crescia em sentido oposto, fazendo com que a mulher, juntamente com o homem, passasse a integrar o mercado de trabalho.

Tal fenômeno teve repercussão direta no seio familiar pátrio, conforme pondera o professor Venosa (2005, p. 22):

A passagem da economia agrária à economia industrial atingiu irremediavelmente a família. A industrialização transforma drasticamente a composição da família, restringindo o número de nascimentos nos países mais desenvolvidos. A família deixa de ser uma unidade de produção na qual todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe. O homem vai para a fábrica e a mulher lança-se no marcado de trabalho. No século XX, o papel da mulher transforma-se profundamente, com sensíveis efeitos no meio familiar.

Diante desta maior participação da mulher no mercado de trabalho, e a consequente diminuição dos integrantes da família, o poder absoluto deferido ao pai de família começa a ser abalado, cedendo espaço a um arranjo fundado em laços afetivos.

Uma das consequências lógicas decorrente do progressivo destaque do afeto nas relações familiares é a despatrimonialização da família, que passa a ser vista não apenas como meio transmissor da herança de pai para filhos.

Com a aquisição de diversos direitos e a maior participação da mulher no mercado de trabalho, esta já não se submete a todos os caprichos da sociedade machista, colocando por terra a verdade insublimável da indissolubilidade absoluta do matrimônio. Venosa (2005, p. 22) apoia este posicionamento quando diz:

A unidade familiar, sob o prisma social e jurídico, não mais tem como baluarte exclusivo o matrimônio. A nova família estrutura-se independentemente das núpcias. Coube à ciência jurídica acompanhar legislativamente essas transformações sociais, que se fizeram sentir mais acentuadamente em nosso país na segunda metade do século XX, após a segunda guerra. Na década de 70, em toda a civilização ocidental, fez-se sentir a família conduzida por um único membro, o pai ou a mãe. Novos casamentos dos cônjuges separados fazem uma simbiose de proles. (...) Em poucas décadas, portanto, os paradigmas do direito de família são diametralmente modificados.

Acompanhando tal evolução, o pai de família já não exerce o pátrio poder em seu interesse exclusivamente, mas sim em prol dos filhos, devendo oferecer-lhes um ambiente salutar de desenvolvimento pessoal.

O conceito de família está mudando, acompanhando a evolução social. Com isso fica mais claro a desbiologização do conceito de filiação e a concepção de paternidade socioafetiva. Paternidade aqui entendida em sentido latu sensu, incluindo também a maternidade. O art. 226 § 7º da Constituição Federal de 1988 pôs fim à preeminência da paternidade biológica, trazendo a noção de paternidade responsável: o direito da filiação não é somente o direito da filiação biológica, mas é também o direito da filiação vivida (DUARTE, 2004).

Paulatinamente o modelo tradicional de família foi cedendo espaço a um novo arranjo, alicerçado mais no afeto do que em meras presunções ou ligações sanguíneas. Direitos foram sendo acrescidos à esfera jurídica da mulher, igualando sua participação na tomada das decisões familiares, acabando com a figura do "chefe de família". Aos filhos não mais é permitida qualquer discriminação odiosa que tempos atrás vigorava, denotando a igualdade de direitos a todos os filhos, independentemente da forma de filiação.

Os movimentos feministas da década de 50 do século passado culminaram numa onde de conquistas sócio-jurídicas das mulheres. Na maioria das legislações, a mulher alcança os mesmos direitos dos homens.

Com isso, a relação entre pais e filhos transforma-se, estes passando mais tempo na escola e em atividades outras, longe do contato com os pais.

As mudanças sociais, a pressão do mercado, a desatenção e desgaste das religiões fizeram com que o número de divórcios aumentasse consideravelmente. As uniões surgidas sem casamento passam a ser reconhecidas e aceitas socialmente. A unidade familiar já não encontra seu ponto de equilíbrio exclusivamente no matrimônio.

Destarte, o Estado não podia manter-se distante, admirando silente esta realidade. Muitos foram os fatos que colaboraram para o derradeiro enfraquecimento da visão machista e centralizadora do homem. Dentre os inúmeros motivos, destacamos a evolução das técnicas científica, aliada à globalização, contribuindo para o declínio do patriarcalismo, derrogando o dogma do biologismo.Por quase toda a história, a família sempre esteve em posição de supremacia, gozando de um conceito dogmático por ser considerada a base da sociedade.

As relações afetivas foram primeiramente absorvidas pela religião, que em tempos primórdios era o regulador da sociedade, impondo regras duras e inflexíveis, convertendo-as em união divina abençoada pelos céus, as quais somente poderiam ser dissolvidas pela morte, ainda que o afeto entre os cônjuges já não existisse mais.

O distanciamento entre o Estado e a Igreja determinou a busca por outros referenciais para a manutenção das estruturas convencionais. Novas configurações familiares surgiram, instaura-se o tempo do pluralismo da entidade familiar.

O modelo tradicional de família não se mostra harmonizado com a visão moderna que devemos ter das novas formas familiares. Adotando-se um conceito moderno de família, mais adequado ao séc. XXI, torna-se necessário analisar principalmente a multiplicidade social, distante do ranço e da mesmice preconceituosa que sempre preponderou na legislação brasileira (DUARTE, 2004).

Essa mudança do paradigma ocorreu, principalmente, devido à Constituição Federal de 1988, que em seus artigos 226 e 227, inovou trazendo a previsão da liberdade quanto ao planejamento familiar, incorporando ao ordenamento novos tipos de entidades familiares baseadas no afeto, e não mais inteiramente no aspecto biológico. A família, doravante, deve gravitar em torno de um vínculo de afeto, de recíproca compreensão e mútua cooperação (VENOSA, 2005, p. 33). Este é o entendimento sufragado por Albuquerque Júnior (2007):

Se é inquestionável que o direito de família tradicional, fulcrado na ideologia liberal, tomou para si como parâmetro um conceito de filiação que se alicerça na ascendência biológica, hoje não constitui novidade afirmar que o direito de família contemporâneo abraçou a filiação de ordem socioafetiva como o seu principal referencial (ainda que não o único, por certo).

Tornava-se imperioso, então, igualar os direitos dos filhos, desvinculando-os da condição jurídica de seus pais, tendo estes os deveres de assisti-los, educá-los, amá-los, independentemente de serem casados ou não.

O Código Civil de 1916 apresentava um caráter individualista e patrimonialista muito destacado. Preocupava-se basicamente em regular as relações patrimoniais, cujo princípio basilar era o da autonomia da vontade, que tinha por objetivo garantir a estabilidade e a segurança das atividades econômicas de cunho privado.

O início de século XIX foi marcado pelo liberalismo máximo e autonomia dos indivíduos (maior destaque aos homens). Procurava-se a ampla igualdade formal, devendo cada indivíduo arcar com o ônus de seus próprios atos, havendo pouca interferência do Estado.

Com o passar dos anos, a sociedade foi percebendo que a ampla liberdade não era suficiente, necessitava-se da intervenção estatal na diminuição das desigualdades sociais.

Após duas grandes guerras mundiais, o homem passou a olhar para o todo, deixando de lado o individualismo exacerbado que marcou o início do século anterior. Nesse sentido, Monteiro (2007, p. 10) assinala:

Movimentos sociais, o avanço da industrialização e a eclosão de duas grandes guerras mundiais fizeram necessária a intervenção do Estado não só na economia, mas também nas relações privadas. Essa intervenção fez surgir a denominada socialização do direito civil que se voltou primordialmente para a proteção do indivíduo integrado na sociedade.

Destarte, as atenções se voltaram para a pessoa em si mesma, e não mais ao patrimônio. Os valores patrimoniais cederam espaço para os valores existenciais, a pessoa humana passou a ser o centro da ordem jurídica e sua dignidade foi elevada ao status de valor supremo do ordenamento. A pessoa passou a ser o valor central e o vértice interpretativo da ordem jurídica brasileira. Os velhos institutos jurídicos passaram a ser vistos sob a perspectiva da pessoa humana.

Tal fenômeno é conhecido por repersonalização do Direito Civil. O Código Civil anterior tinha como núcleo a noção de patrimônio, colocando as pessoas e seus interesses à margem das discussões. A repersonalização do direito civil significou trazer a pessoa humana e suas necessidades fundamentais para o centro das atenções jurídicas. A constitucionalização das relações familiares trouxe a repersonalização do Direito de Família, e, agora, dadas relações são intersubjetivas, e não mais individuais, objetivando a realização do indivíduo. Portanto, para a concretização desse direito fundamental deve ser considerada família tanto aquela união legalizada pelo casamento ou sedimentada por duradouro tempo de convivência - união estável -, bem como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes - família monoparental. Constitucionalmente, todas são merecedoras de proteção do Estado Social Democrático de Direito como núcleo familiar, assim entendido o agrupamento de pessoas envolvidas por laços de sangue, vínculos afetivos e comunhão de interesses.

O Estado, na figura da Constituição da República de 1988, passou a desempenhar um importante papel na transição de uma visão patrimonialista da família para um novo conceito, centrado mais na pessoa humana. E isto é visto com os inúmeros dispositivos de direito privado que passaram a ser regulamentado diretamente pelo texto constitucional, principalmente no que concerne à família, com especial destaque ao macroprincípio da dignidade da pessoa humana, previsto expressamente no art. 1º, III, do texto maior.

Corroborando esta passagem, Teixeira (2005, p. 42) afirma:

Por ter sido portadora de valores sociais latentes, a Constituição passou a ocupar o centro da ordem jurídica, influenciando todos os demais ramos do direito. Ela passou a ser o pólo prioritário de irradiação dos princípios fundamentais do ordenamento, a partir da consciência da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes normativas. Esse fenômeno é conhecido por inúmeras denominações: publicização, descodificação, despatrimonialização, repersonalização e constitucionalização do direito civil.

Tal mudança se mostra salutar, digno de um Estado Social, que intervém nos setores privado almejando a proteção do ser humano. Essa postura é raramente vista em Estados liberais, onde predomina a liberdade ampla e o individualismo. O Direito Civil repersonalizou-se, constitucionalizou-se, afastou-se da concepção individualista e conservadora de antigamente.

Como consequência da repersonalização do direito civil, a afetividade ganhou destaque nas relações familiares e trouxe reflexos diretos na relação paternal. Antes, preponderantemente hierárquica e patriarcal, a relação paterno/materno filial transmuta-se para uma perspectiva dialogal, ou seja, é perpassada pela compreensão mútua e pelo diálogo (TEIXEIRA, 2005, p. 60).

A doutrina, a jurisprudência pátria e principalmente a sociedade defendem a afetividade como fator determinante da filiação, não importando laços de sangue que por vezes apenas castigam e oferecem uma vida inteira de sofrimento aos menores. Se antes a família envolvida por consanguinidade predominava quase que absolutamente, esta já não mais exprime uma realidade perene. Novos núcleos familiares são formados, com as mais diversas configurações.

Lôbo Netto (2006, p. 795), em breve, mas elucidativa passagem, afirma, in verbis:

Muito se avançou no Brasil no que a doutrina jurídica especializada denomina paternidade (e filiação) socioafetiva, assim entendida a que se constitui na convivência familiar, independentemente da origem do filho. A denominação agrupa duas realidades observáveis: uma, a integração definitiva da pessoa no grupo social familiar; outra, a relação afetiva tecida no tempo entre quem assume o papel de pai e quem assume o papel de filho. Cada realidade, por si só, permaneceria no mundo dos fatos, sem qualquer relevância jurídica, mas o fenômeno conjunto provocou a transeficácia para o mundo do direito, que o atraiu como categoria própria. Essa migração foi possível porque o direito brasileiro mudou substancialmente, máxime a partir da Constituição de 1988, uma das mais avançadas do mundo em matéria de relações familiares, cujas linhas fundamentais projetaram-se no Código Civil de 2002.

Como resultado desta transeficácia para o mundo do direito, temos na Constituição da República atual a mudança de paradigma da filiação, havendo mesmo a constitucionalização de diversas normas de caráter privado, com destaque para a total igualdade dos cônjuges na tomada de decisões acerca da família, isonomia entre os filhos, independentemente de sua origem, proteção especial à família e seus diversos arranjos.

A família contemporânea não é fim em si mesma, mas meio de desenvolvimento do menor, sendo a filiação um dever, e não mais poder. Vale mais o princípio da prevalência do interesse do menor em detrimento da vontade dos pais. A família deve servir de meio necessário ao desenvolvimento das relações interpessoais, transformando-se em instrumento de felicidade, e respeito à dignidade humana de cada membro.

A supremacia do princípio da dignidade humana provoca um desmoronamento nas estruturas atrasadas e arraigadas em valores tiranos, materiais e autoritários, elevando a figura do afeto como norteador absoluto das relações familiares. Esta mudança trouxe grandes mudanças na relação entre pais e filhos.

1.4 A FAMÍLIA E O CÓDIGO CIVIL DE 2002

O século XX experimentou grandes mudanças num período de tempo muito curto, de forma que a codificação civil de 1916 já não comportava a imensa gama de novos valores incorporados na sociedade, além de trazer tantos outros há muito superados. A família brasileira sentiu reflexos direitos desta mudança de pensamento, de orientação, de tal modo que diversas leis esparsas foram sendo publicadas no intuito de regulamentar as relações de cunho privado aos novos valores que afloravam no meio social.

A edição de um novo código civil já era anseio da sociedade desde os idos de 1970, como forma de salvaguarda da segurança jurídica que se mostrava fragilizada ante a ausência de regulamentação dos novos princípios e valores acrescidos ao modelo familiar brasileiro, fruto de anos de superação, guerras, lutas por direitos de minorias e vários outros movimentos sociais.

A Constituição de 1988 trouxe em seu bojo a previsão de diversos institutos privados, mas que não suplantava a falta que um novo código civil fazia à sociedade.

Os gritos suplicantes da sociedade e do meio jurídico ecoaram no Congresso Nacional. Em 1975 fora apresentado o projeto do atual Código Civil, que tramitou por incríveis 25 anos naquela casa legislativa. Devido à longa tramitação, o projeto original do Código se mostrava defeituoso, desarmonizado com a ordem vigente.

Após vários retoques, diversas proposições de alteração e muita discussão, enfim, o novo Código Civil foi promulgado em 11 de janeiro de 2002, com início de vigência para 11 de janeiro do ano seguinte. O novo diploma legal tinha por objetivo precípuo a sistematização da matéria civil e a regulamentação das relações de cunho privado - incluindo-se aí as relações familiares - à luz dos novos paradigmas trazidos pela Constituição Federal, no entanto, pode-se dizer que após tantos anos de gestação, ele ainda fora bastante tímido quanto ao êxito de sua missão.

Silvio Rodrigues (2004, p. 15) vê no atual Código Civil o aglutinador das significativas inovações legislativas e conceituais acerca deste ramo do direito que, a partir da Constituição Federal, como visto, tem-se mostrado extremamente dinâmico.

Mesmo merecedor de críticas, não se deve deixar de lado alguns avanços normativos. Tentando-se manter fiel à nova conjuntura ontológica – predominância da dignidade da pessoa humana -, o novo Código expurgou as designações pejorativas e odiosas que outrora se dispensava aos companheiros, filhos havidos fora do casamento, tais como concubinato, filhos ilegítimos, adulterinos e incestuosos.

Outros significativos avanços: a não determinação obrigatória da exclusão do patronímico do marido do nome da mulher quando da conversão da separação em divórcio; a obrigação de prestar alimentos ao cônjuge responsável pela separação quando este não tiver condições de própria subsistência; a nova denominação dada ao pátrio poder, agora chamado poder familiar.

Ainda no campo dos avanços do atual Código Civil, este trouxe relevantes dispositivos concernentes à proteção da dignidade da pessoa humana, com reflexos no direito de família, conforme Teixeira (2005, p. 56):

O Código Civil de 2002 inaugurou um capítulo especialmente voltado para os direitos da personalidade (art. 11 a 21). Tais dispositivos são apenas uma complementação da Cláusula Geral de Proteção à pessoa, esculpida no art. 1.º, III, da Constituição Federal, não encerrando uma tipificação, mas meros exemplos de proteção à personalidade, que não se esgotam em si mesmos, uma vez que são várias as formas de agressão à pessoa, bem como os modos de sua proteção.

Em que pese duras críticas, o atual Código Civil trouxe alguns avanços significativos, cabendo ao intérprete do direito suprir falhas, lacunas ou impropriedades técnicas, sempre tendo como parâmetro a Constituição da República de 1988.

Controvertidas são as situações decorrentes das técnicas de reprodução humana assistida, verdadeiros choques de direitos. Como responder aos inúmeros questionamentos surgidos, tais como o que fazer com a situação da criança gerada por estes meios pleitear o conhecimento de sua ascendência genética; E se ao descobrir cobrar alimentos do doador; E o doador, que não tinha interesse algum em ser pai, torna-se responsável, etc.

Estes são apenas pequenos exemplos da problemática surgida com o advento das técnicas de reprodução assistida, as quais permitiram a inúmeros casais com problemas de procriação atualmente poderem realizar o projeto parental.

Antes de adentrar no tema específico, faz-se imperiosa uma abordagem geral das relações de parentesco e filiação, para somente então, com sólida base de raciocínio, apresentar a ascensão da socioafetividade no direito pátrio.


2 DO PARENTESCO

As disposições gerais acerca do parentesco estão elencadas nos Arts. 1.591 a 1.595 do atual Código Civil. Sua compreensão serve de suporte para inúmeras relações de Direito de Família, repercutindo em diversos ramos da ciência jurídica (VENOSA, 2005).

O Código Civil de 1916 trazia uma classificação que já não comporta mais aceitação, permanecendo apenas para fins didáticos. Este diferenciava, de modo discriminatório, o parentesco em legítimo e ilegítimo, conforme procedesse, ou não, do vínculo de casamento (RODRIGUES, 2004).

Desta forma, os filhos havidos fora do casamento eram chamados de ilegítimos, distinguindo-se em espúrios e naturais. Naturais eram os gerados por pessoas que não apresentavam qualquer impedimento absolutamente dirimente para casar uma com a outra. Espúrios eram os filhos de pais que estavam impedidos de casar entre si, de forma absolutamente dirimente. Sendo este impedimento dirimente decorrente de parentesco, o filho era tido por incestuoso. Quando um dos genitores já estava casado com outra pessoa tínhamos a figura do filho adulterino. Havia, ainda, a legitimação do filho, que era o fenômeno jurídico surgido com o superveniente matrimônio dos genitores (RODRIGUES, 2004).

Cabe relembrar que esta classificação já não encontra qualquer suporte legal desde a Constituição de 1988, a qual acabou por soterrar qualquer discriminação entre os filhos, defendendo a igualdade de direitos. É o que se extrai do art. 227, § 6º, quando dispõe que "Os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". Esta redação é repetida pelo CC/2002 no Art. 1.596, mostrando-se sintonizado com o novo ambiente constitucional inaugurado em 1988.

Lôbo Netto (2004, p. 1), lembra:

Ao longo do século XX, a legislação brasileira, acompanhando uma linha de tendência ocidental, operou a ampliação dos círculos de inclusão dos filhos ilegítimos, com redução de seu intrínseco quantum despótico, comprimindo o discrime até ao seu desaparecimento, com a Constituição de 1988. Com efeito, se todos os filhos são dotados de iguais direitos e deveres, não mais importando sua origem, perdeu qualquer sentido o conceito de legitimidade nas relações de família, que consistiu no requisito fundamental da maioria dos institutos do direito de família. Por conseqüência, relativizou-se o papel fundador da origem biológica.

Permanecendo apenas para fins didáticos, e também como material histórico de evolução social, mostra-se superada a classificação do parentesco fixada pelo Código Civil de 1916, estando em voga um novo conceito de parentesco adotado pelo atual ordenamento pátrio.

A função de conceituar qualquer instituto jurídico não é tarefa fácil, visto ser da própria natureza do direito flexionar-se para acompanhar o desenvolvimento humano em todas as suas vertentes. Entretanto, o conceito de parentesco parece não ser alvo de muita divergência, apresentando-se quase que uníssono, tendo apenas um ou outro nuance que não chega a distingui-lo muito.

Assim, parentesco é a relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem uma das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre o cônjuge e os parentes do outro e entre adotante e adotado.

Os artigos 1.591 e 1.592 do Código Civil vigente explicitam o esqueleto da ligação de parentesco entre os membros da família. A primeira norma informa a parentalidade em linha reta, de modo que uns e outros membros estão ligados na relação de ascendência e descendência. Assim, são parentes em linha reta ascendente o pai, avô, o bisavô, etc.; em linha reta descendente o filho, o neto, o bisneto etc.

O segundo artigo por seu turno nos apresenta a relação de colateralidade, por meio da quais as pessoas estão ligadas umas às outras quando se originam de um mesmo tronco ancestral, sem, no entanto, descenderem uma das outras, sendo que a relação de parentesco, neste último caso, se estende apenas até o quarto grau. É o liame que liga as pessoas que provêm de um só tronco comum. O Código Civil de 1916 limitava o parentesco até o sexto grau, sendo que o atual Código Civil restringiu o parentesco, como dito anteriormente, até o quarto grau (RODRIGUES, 2004).

Grau de parentesco são os números de gerações ligando os membros da família. A contagem de graus de parentesco em linha reta se dá pelo número de gerações. Assim, uma pessoa é parente em primeiro grau de seu pai; em segundo de seu avô e, em terceiro, de seu bisavô (RODRIGUES, 2004, p. 291). Nessa linha, a contagem de graus é infinita, cada geração referindo-se a um grau (VENOSA, 2005, p. 238). Venosa (2005, p. 239-240) nos ensina:

Na linha reta ascendente, a pessoa possui duas linhas de parentesco, linha paterna e materna. Na linha reta descendente, surgem subgrupos denominados estirpes, que abrangem as pessoas provenientes de um mesmo descendente. Assim, dois netos de filhos diferentes são parentes em segundo grau, provenientes de duas estirpes diversas. Essa diferenciação tem importância no direito hereditário porque pode a herança ser atribuída por estirpe ou por cabeça, quando ocorre o direito de representação (arts. 1.851 ss; antigo, arts. 1620 ss) quando houver igualdade de grau e diversidade de linhas quanto aos ascendentes (art. 1.836, § 2º; antigo, art. 1.608).

A parentalidade por linha colateral também utiliza a contagem do número de gerações para determinar o grau de parentesco. O método consiste em subir do parente que se tem em vista até o ascendente comum, descendo-se, depois ao outro parente, cada geração correspondendo a um grau. Assim, esquematicamente, para se determinar o grau de parentesco entre o sobrinho A e seu tio B, sobe-se ao pai de A, depois a seu avô, e depois se desce ao tio B. Todo o caminho percorrido nos dá o número de grau de parentesco entre o sobrinho e o tio: três graus ao todo, pois cada geração corresponde um grau.

O Direito Canônico possui uma forma diferente de contagem de graus, pois se computa somente o grau diretamente para um dos lados, ocorrendo dos irmãos serem parentes em primeiro grau, os primos-irmãos em segundo grau. Sendo as linhas desiguais, contam-se apenas os graus na linha mais extensa, não se levando em consideração a linha menos extensa. Deste modo, tio e sobrinho são parentes em segundo grau, pois na linha mais extensa até o parente comum há duas gerações (VENOSA, 2005).

O estudo do parentesco tem importância no mundo jurídico, visto que seus efeitos são sentidos nos mais diversos ramos do direito. No processo civil, estão impedidos de depor como testemunhas, além do cônjuge da parte, seu ascendente ou descendente, não importando o grau, e do mesmo modo o colateral ou afim, conforme o art. 405, § 2º, I, do CPC. No direito penal, dependendo do parentesco entre vítima e agressor, aumenta-se a pena. No direito fiscal, o parentesco pode definir isenções, deduções ou o nível de tributação. No direito constitucional e administrativo há impedimentos para se ocupar certos cargos a depender do parentesco. No direito de família, o parentesco se mostra mais importante ainda, gerando impedimentos para casamento, dever de prestar alimentos, tutoria. No direito sucessório, o parentesco estabelece as classes de herdeiros que podem receber a herança, havendo limitação até o quarto grau para os colaterais. Vê-se, pois, tamanha a importância do parentesco para a esfera jurídica das pessoas (VENOSA, 2005).

O Código Civil, no art. 1.593 indica que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Por sua vez, o art. 1.594 apresenta o parentesco por afinidade. O que nos interessa no presente trabalho é justamente a expressão "outra origem" contida no primeiro artigo citado. Este, sem duvida alguma é o mote para a socioafetividade como novo paradigma da filiação, a qual será abordada minuciosamente em momento oportuno. Por hora, explicaremos a classificação mais consensual quanto às modalidades de parentesco, sendo em número de três.

2.1 PARENTESCO NATURAL OU CONSANGUÍNEO

Para o Direito Romano, os laços de sangue não eram muito importantes, pois o antigo conceito de família firmava-se mais no liame civil e principalmente no religioso. Para ser considerado membro da família era necessário cultuar os mesmos deuses. Tal forma de parentesco se sustentava pelo momento histórico vivido, onde a religião tinha penetração, quase que absoluta, nas mais diversas relações sociais.

Somente com o declínio religioso é que os laços sanguíneos passaram a determinar o parentesco, passando a família exercer papel importante fulcrado no casamento e na assistência mútua (VENOSA, 2005).

Abraçando a consaguinidade, o parentesco natural é o vínculo entre pessoas descendentes de um mesmo tronco ancestral, ligadas umas às outras pelo mesmo sangue.

Esta classificação subdivide-se, ainda, em duas outras modalidades, ocorrendo o parentesco por linha reta, onde as pessoas estão ligadas uma às outras na relação de ascendência e descendência, ou por colateralidade, quando as pessoas descendem de um mesmo tronco ancestral.

2.2 PARENTESCO CIVIL

Parentesco civil é o que se refere à adoção, estabelecendo, se simples, um vínculo entre adotante e adotado, que não se estende aos parentes de um e de outro, salvo para efeito de impedimento matrimonial.

Para Silvio Rodrigues (2004, p. 290), "o parentesco civil é o decorrente da adoção ou de outra origem". Ao incluir a expressão outra origem, andou bem o legislador ao permitir que se inclua, neste campo, a reprodução assistida, objeto do presente trabalho monográfico. Contudo, falhou ao não delimitar se prevalece o parentesco consaguíneo ou apenas o civil nas inseminações heterólogas. Isto porque, ao considerar como presumida a filiação na procriação heteróloga, quando resultante de material genético masculino doado por terceiro, poder-se-ia chegar à equivocada ideia de estar-se diante de um parentesco natural, quando na verdade trata-se de verdadeiro vínculo civil.

Nesta forma de reprodução humana, o parentesco, para cada um dos pais, deve ser vista de modo isolado, podendo civil para um e natural para outro (doação de material genético de terceiros), ou mesmo civil para ambos (quando os dois não puderem oferecer seus gametas).

A adoção é vínculo civil, independente de laços sanguíneos, sendo, portanto um parentesco artificial, que cria um liame entre o adotado e adotante, gerando para aquele os mesmos direitos deferidos havidos naturalmente (VENOSA, 2005).

2.3 PARENTESCO POR AFINIDADE

Afim é o parentesco que se estabelece por determinação legal, sendo o liame jurídico estabelecido entre um consorte e os parentes consanguíneos do outro, nos limites estabelecidos em lei, desde que decorra de matrimônio válido.

Para Venosa (2005, p. 236), a afinidade distingue-se do conceito de parentesco em sentido estrito, pois gera vínculo a partir de casamento, unindo cada um dos cônjuges aos parentes dos outros, ampliando tal marca às uniões estáveis ou companheirismo.


3 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA FILIAÇÃO

A procriação, fenômeno natural de todo ser vivo, repercute seus efeitos no direito, fazendo gerar inúmeras consequências jurídicas, sendo por isso é considerada um fato jurídico.

Todo ser humano tem pai e mãe. Mesmo a inseminação artificial ou as modalidades de fertilização assistida, dentre as quais está incluída a reprodução humana assistida heteróloga, que será abordada oportunamente. Deste modo, não pode o Direito se afastar daquela verdade científica (VENOSA, 2005).

Venosa (2005, p. 243), em importante passagem, assim conceitua a filiação sob uma abordagem ampla:

Sob perspectiva ampla, a filiação compreende todas as relações, e respectivamente sua constituição, modificação e extinção, que têm como sujeitos os pais com relação aos filhos. Portanto, sob esse prisma, o direito de filiação abrange também o pátrio poder, atualmente denominado poder familiar, que os pais exercem em relação aos filhos menores, bem como os direitos protetivos e assistência geral.

Se por um lado o parentesco significa o vínculo existente não só entre pessoas que descendem uma das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre o cônjuge e os parentes de outro e entre adotante e adotado, a filiação se mostra algo mais específico, tendo sua abrangência restringida à ligação entre pais e filhos, seja pelos laços sanguíneos, seja por outro critério, como a adoção e a socioafetividade.

Sociologicamente entende-se a filiação como meio necessário à perpetuação da espécie, surgida no seio de relações interpessoais. Segundo a doutrina de Maria Cláudia Brauner (apud GRUNWALD, 2003):

O acontecimento da reprodução significa algo mais do que a mera comprovação de maturidade sexual e de fertilidade, ele estabelece uma nova etapa na vida adulta quando a responsabilidade pelo destino deste novo ser torna-se um dever, frente à família e a sociedade.

Sendo assim, a filiação é fundada no fato da procriação, evidenciando o estado de filho, relativo ao vínculo natural ou consaguíneo, formado entre o gerado e os genitores. É relação de parentesco em sentido estrito entre pai e filho, considerados na ordem ascensional, destes para os primeiros, do qual também procedem, em ordem inversa, os estados de pai (paternidade) e de mãe (maternidade) (GRUNWALD, 2003).

Como já apontado alhures, o Direito pátrio de épocas remotas não protegia os filhos havidos fora do matrimônio, entendido como única forma de aquisição de direitos relativos à unidade familiar, incitando discriminações odiosas, garantido, à criança gerada na constância do casamento, direitos que não eram concedidos aos havidos fora do laço matrimonial, afrontando qualquer medida de igualdade ou justiça.

O Código Civil de 1916 marginalizava a família não provinda de justas núpcias, simplesmente ignorando os direitos dos filhos que não proviessem de relações matrimoniais (VENOSA, 2005). O casamento era, então, a base da formação da família, a legalização das relações sexuais de onde se originava a prole; até então o que originava o vínculo de filiação era a relação matrimonial de tal modo que os filhos havidos fora do casamento não faziam parte do núcleo familiar, não podiam nem mesmo ser registrados com o nome paterno sendo este casado (GRUNWALD, 2003).

Filhos continuam a ser gerados fora do casamento, e isto é uma verdade social implacável da qual o direito não pode fechar os olhos. Se por um lado desapareceu o tratamento discriminatório, por outro, os direitos dos filhos havidos fora do casamento devem ser garantidos por meio de instrumentos legais postos de forma ampla e à disposição do ordenamento jurídico (VENOSA, 2005).

Passo a passo a legislação brasileira foi incorporando novos valores, embarcando na tendência mundial, passando a garantir direitos, ainda que superficiais, aos filhos originados fora do casamento, principalmente os relacionados aos direitos de família e sucessão.

Foi neste contexto, acrescentando direitos não previstos por pura mentalidade retrógrada, que o direito brasileiro foi lentamente regulando tais situações, não as deixando às margens do ordenamento jurídico. A pluralidade de novos arranjos familiares fez com que o legislador passasse a regulá-los.

Sílvio Rodrigues (2004) entende que o atual Código Civil está mais bem adaptado ao ambiente constitucional, deixando de distinguir o parentesco em legítimo e não legítimo. Entretanto, entende o jurista que ainda se mostra importante o estudo da filiação havida dentro e fora do casamento, especificamente para se saber quem é o pai. Não havendo qualquer discriminação, na filiação havida no casamento, o marido da mãe será o pai presumido; já nos demais casos, se torna necessário o reconhecimento da paternidade, seja voluntária ou judicial, esta última por meio de investigação de paternidade.

Assim, a filiação havida no casamento se distingue das demais não em função dos efeitos jurídicos em relação aos filhos, mas em razão de existir, nesta hipótese, a presunção de paternidade do marido da mãe. Por seu turno, a filiação civil, decorrente de adoção ou outra origem, bem como naquela havida fora do casamento, a identificação da paternidade se dá de outras formas, como, por exemplo, o reconhecimento (RODRIGUES, 2004).

Nas hipóteses de filiação decorrente de lei, fundadas em presunções, há mecanismos de ilidir esta paternidade, permitindo, de um lado, ao filho a investigação de paternidade, e de outro a negatória de paternidade ao homem que tenha dúvidas acerca da paternidade que lhe for atribuída (RODRIGUES, 2004).

A filiação é fenômeno jurídico-relacional, conforme afirma o professor Lôbo Netto (2004) [03]:

[...] é relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe). O estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. O filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de maternidade, em relação a ele.

Desta forma, o estado de filiação se dá de dois modos: ope legis ou em razão da posse do estado de filiação, originado na convivência familiar e consolidada na afetividade.

No direito de família, com base no art. 227 da Constituição da República, e nos arts. 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, são reconhecidas três formas de estado de filiação, quais sejam: a) filiação biológica em face de ambos os pais, havida de relação de casamento ou da união estável, ou em face do único pai ou mãe biológicos, na família monoparental; b) filiação não-biológica em face de ambos pais, oriunda de adoção regular; ou em face do pai ou da mãe que adotou exclusivamente o filho; e c) filiação não-biológica em face do pai que autorizou a inseminação artificial heteróloga (LÔBO NETTO, 2004) [04].

Na primeira forma de estado de filiação, sustentada na presunção legal, vê-se que há mecanismos para ilidir a paternidade, haja vista sua natureza ser juris tantum.

Já os estados de filiação não-biológica referidos nas alíneas "b" e "c" são irreversíveis e invioláveis, não podendo ser contraditados por investigação de paternidade com fundamento na origem biológica, que apenas poderá ser objeto de pretensão e ação com fins de tutela de direito da personalidade, como o direito de conhecimento de ascendência genética e o direito à intimidade do doador de sêmen na reprodução assistida heteróloga, tema que atualmente encerra vigorosos debates (LÔBO NETTO, 2004).

A reprodução humana assistida heteróloga mostrou ao mundo toda a capacidade humana em suprir dificuldades fisiológicas. Certos casais não podem ou não conseguem reproduzir por um problema ou outro, tendo a ciência contribuído para minorar a frustração daqueles que sempre sonharam em ser pais. Tal técnica é exemplo de núcleo familiar constituído sob os pilares da socioafetividade, ainda que somente em um dos pólos da filiação ou de ambos. Esta forma de reprodução humana artificial contribuiu bastante para demonstrar a supremacia da socioafetividade sobre o biologismo, juntamente com outras formas de constituição da família, notadamente a adoção.


4 AS NOVAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Não há dúvidas que a reprodução humana assistida é tema polêmico, ensejando acirrados debates éticos e questionamentos jurídicos, visto interferir no modo natural de procriação humana, gerando situações antes inimagináveis, desafiando o direito, principalmente as questões relativas à relação de parentesco, relativizando o conceito de filiação, antes um determinismo biológico.

Desde os tempos mais remotos o homem pensou na possibilidade de fecundação fora do ato sexual. A mitologia estrangeira é rica em casos de mulheres que engravidam fora do ato sexual, como por exemplo: Ates – filho de Nana, filha do Rei Sangário, que teria colhido uma amêndoa e colocado em seu ventre (Grécia); Kwanyin – deusa que possibilitava a fecundidade das mulheres que lhe prestassem culto (China); Vanijiin – deusa da fertilidade, mulheres que se dirigiam sozinhas a seu templo retornavam grávidas (Japão); Maria, mãe de Jesus, que engravidou ainda virgem pela força do Espírito Santo (Bíblia); no Brasil é conhecida a lenda do boto que engravida as mulheres que lhe dirigem o olhar (ALDROVANDI; FRANÇA, 2002) [05].

O avanço da ciência, aliada à vontade de reproduzir, permitiram que o sonho mítico se tornasse realidade. As modernas técnicas de inseminação e fertilização assistida tornaram esse "milagre" praticamente um fato "normal", não fossem as dúvidas sobre o desrespeito aos ritmos naturais da vida humana e a valores éticos.

O novo Código Civil elenca algumas das técnicas de reprodução humana assistida, não indo muito além, visto que esta matéria deverá ser regulada por lei específica. Observando o art. 1.597 do diploma civil, veem-se as hipóteses de presunção de paternidade, elencadas nos três últimos incisos, dentre as quais verificamos que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos de fecundação artificial homóloga, inclusive a post mortem, de fecundação in vitro (homóloga), e inseminação artificial heteróloga, com a prévia autorização do marido. Venosa (2005) percebe que este dispositivo resolve inúmeras dúvidas relativas à filiação e à reprodução assistida, deixando tantas outras sem solução, merecendo lei específica que a jurisdicione.

A vontade de ter filhos é inerente ao ser humano. Entretanto, muitos casais não podem, por um motivo ou outro, realizarem o projeto parental.

A todo cidadão é deferido o direito ao planejamento familiar, sendo assegurado constitucionalmente e regulamentado pela Lei nº 9.263/96.

O planejamento familiar é entendido "o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal". Tais ações são deveres do Estado, devendo o Ministério da Saúde garantir os direitos de homens e mulheres em idade reprodutiva, e, para tanto, lançou a Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, ampliando as ações voltadas ao projeto parental.

Segundo Nathalie Carvalho Cândido (2007):

Um dos eixos de ação dessa Política é a introdução das tecnologias de reprodução assistida no Sistema Único de Saúde. As técnicas de reprodução assistida se mostram necessárias, pois, segundo a Organização Mundial de Saúde, entre 8% e 15% dos casais têm algum problema de infertilidade, caracterizado como a incapacidade de engravidar após doze meses de relações sexuais regulares sem uso de contraceptivos.

As técnicas de reprodução humana assistida passaram a ser a solução aos casais que não conseguem gerar filhos, driblando os problemas de infertilidade, superando tal infortúnio.

Neste sentido, Aldrovandi; França (2002):

A Reprodução Humana Assistida é, basicamente, a intervenção do homem no processo de procriação natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas com problema de infertilidade e esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade.

Para tanto, não somente coletou o gameta masculino e o inoculou no corpo da mulher, havendo a fecundação sem a prática sexual, como também realizou toda a fecundação fora do corpo da mulher, unindo espermatozoide e óvulo, para depois implantar no útero desta. Muitos, à época, não acreditavam nesta possibilidade.

A Reprodução Assistida consiste na novidade central da Reprodução Humana, unindo artificialmente os gametas femininos e masculinos. Utiliza dois métodos: o ZIFT e o GIFT (DINIZ, 2007).

O método ZIFT, do inglês Zibot Intra Fallopian Transfer, é a conhecida fertilização in vitro, onde a união dos gametas ocorre fora do corpo da mulher, que consiste na colocação desses zigotos resultantes para o interior das tubas uterinas (antes denominadas trompas de falópio) para que naturalmente ocorra a nidificação. O método GIFT, sigla inglesa para Gametha Intra Fallopian Transfer, consiste na introdução de sêmen na mulher, técnica que conhecemos por Inseminação Artificial (DINIZ, 2007).

A inseminação artificial é um método bem mais simples que aqueles que ocorrem in vitro, visto que há a coleta de gametas masculinos, e estes são injetados dentro da cavidade tubária da mulher, a fim de que os mesmos se encontrem com o óvulo (DINIZ, 2007).

A união do espermatozoide com o óvulo por vezes não ocorre devido a problemas diversos, que vai desde o fraco jato do sêmen, até mesmo a ejaculação precoce, fatos estes impeditivos da fecundação natural.

Tanto as inseminações artificiais, quanto a fertilização in vitro, podem ocorrer de duas formas: homóloga ou heteróloga, a depender da origem dos gametas. Será homóloga quando a fecundação se der entre gametas provenientes de um casal que assumirá a paternidade e a maternidade da criança. Será heteróloga, quando o espermatozoide ou o óvulo utilizado na fecundação, ou até mesmo ambos, são provenientes de terceiros que não aqueles que serão os pais socioafetivos da criança gerada. Geralmente utiliza-se a inseminação heteróloga quando o marido é absolutamente estéril, ou fica patente a dificuldade de inseminação com seu sêmen, recorrendo-se ao material genético de terceiro. Nesta hipótese, o consentimento informado é fundamental para inseminação de mulheres casadas ou vivendo em União Estável, conforme estabelece a Resolução nº 1.358/92 do CFM: "Em caso de mulheres casadas ou vivendo em União Estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou companheiro, após processo semelhante de consentimento informado" (CONSELHO..., 1992).

A reprodução humana assistida homóloga - em que se utiliza o material genético do casal na fecundação – não gera problemas maiores no choque da filiação, visto que à socioafetividade se junta o biologismo da origem genética. Talvez os maiores problemas estejam relacionados com a questão sucessória no caso de fecundação post mortem do marido, uma vez que a criança terá sido concebida após a morte de seu genitor.

A problemática em questão está na capacidade para suceder informada pelo atual Código Civil. Nosso diploma afirma, no art. 1.577, que "a capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que se regulará conforme a lei então em vigor". À primeira vista, parece não se conhecer os direitos sucessórios da criança envolvida nesta situação. Entretanto, a doutrina entende que a criança gerada terá sim direito à sucessão, desde que seu genitor a tenha contemplado em instrumento testamentário, solução dada pelo próprio Código Civil no art. 1.799, quando traz a seguinte norma: "Na sucessão testamentária, podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão".

Não havendo discussões maiores quanto a hipótese de reprodução homóloga, sem dúvida alguma a reprodução humana assistida heteróloga é a que mais apresenta problemas a serem dirimidos pelo Direito. E não poderia ser de outra forma, pois nesta hipótese a filiação não será biológica em relação a um dos cônjuges, ou a ambos, regendo-se a relação de parentesco pelo critério socioafetivo, previsto no art. 1.593 do Código Civil atual, quando prevê que o parentesco pode decorrer de outra origem.

Por sua natureza controvertida, somente a reprodução assistida heteróloga será abordada com maior ênfase, visto compor um dos objetivos gerais do presente trabalho acadêmico. Este procedimento apresenta complicações éticas, jurídicas e sociais, as quais merecem o devido tratamento pela ciência do Direito.

4.1 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA HETERÓLOGA

A inseminação artificial heteróloga é a técnica de reprodução humana assistida que envolve a doação de material genético de terceiro anônimo estranho ao casal, seja por impossibilidade biológica do homem ou da mulher. É prevista no inciso V do art. 1.597 do Código Civil vigente e regulamentada pela Resolução nº. 1.358 do Conselho Federal de Medicina (CÂNDIDO, 2007, p. 1).

Esta forma de reprodução humana, por utilizar célula reprodutiva de terceiro estranho ao casal, é a que apresenta maiores discussões jurídicas em torno de suas consequências dentro do arranjo familiar. E não poderia ser diferente, haja vista que nesta hipótese a filiação não será regida pelo dogma do biologismo, mas sim por um aspecto superior, fundado em laços de afetividade, criando o liame familiar entre a criança gerada por estas técnicas e o pai que não tem no filho seu material genético.

A norma inscrita no art. 1.597, V, do Código Civil trouxe significativa contribuição ao direito pátrio no que concerne a esta forma de reprodução assistida, visto que após o consentimento informado do marido o impede de posterior impugnação de paternidade.

A Resolução CFM nº 1.358/92 dispõe sobre a forma como esse consentimento informado se exterioriza:

O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.

Muito embora o trecho acima declinado seja norma de caráter ético, e, portanto, sem força cogente, não podemos duvidar que hipóteses há que mulheres casadas utilizem desta técnica sem o consentimento informado do marido. E neste caso, teria o marido obrigação em assumir a criança? Poderia ele dissolver a sociedade conjugal por grave injúria?

Segundo a doutrina, ao marido não poderia ser imputada a paternidade da qual não demonstrou interesse, constituindo até mesmo causa de dissolução do vínculo matrimonial e de ação negatória de paternidade cumulada com anulação do registro de nascimento, se houver sido feita enganadamente.

As formas de determinação de paternidade e maternidade, derivadas das técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga, ocorre de dois modos.

A primeira é a forma presumida para os filhos nascidos na constância do casamento por força do inciso V do art. 1.597 do Código Civil. Andou bem o legislador quando normatizou a presunção de paternidade em casos de reprodução humana assistida heteróloga, desde que haja o consentimento direto e sem vícios do marido. A vontade, acoplada à existência do vínculo conjugal e ao êxito da técnica de procriação assistida heteróloga, se mostra o elemento fundamental para o estabelecimento da paternidade que, desse modo, se torna certa, insuscetível de impugnação pelo marido.

A segunda forma é aquela percebida no seio de casais que não se uniram em matrimônio, hipótese em que os filhos não terão o enquadramento legal nas situações de presunção de paternidade. Entretanto, não pode a criança ser criada em uma total incerteza quanto à sua filiação, de modo que o aspecto socioafetivo é o que melhor se adéqua a tais casos. Não se podem alijar os pais do direito de terem para si os filhos almejados e conseguidos à custa de muito sacrifício, dor, gastos médicos e riscos à saúde da mulher quando da utilização das técnicas de reprodução humana assistida. Ressalte-se que nesta situação, a paternidade socioafetiva, uma vez consentida, não se permite seu retrocesso, de forma que não há que se falar em impugnação posterior da paternidade.

Quanto aos possíveis desentendimentos que filhos socioafetivos possam vir a ter com seus pais, não podem ser aceitos como motivo para desconstituição da filiação socioafetiva, pois é natural que discussões e problemas surjam na convivência familiar, já que ninguém é tão parecido com outro que não tenha ideias diferentes que possam gerar conflitos. Mesmo que estes conflitos sejam tão absurdos ao ponto de descaracterizar o estado de filho, eles não irão se resolver através da atribuição da paternidade ou da maternidade ao doador.

Ao assumir a filiação socioafetiva, os pais não podem posteriormente dispor de seus deveres legais, sociais e morais de educação, amor, zelo, e de oferecimento de um ambiente adequado ao pleno desenvolvimento da criança. Não há outro modo de se pensar, visto que nesta hipótese, muito embora os laços não se perdurem por questões biológicas, a socioafetividade assumida faz as vezes, de modo que atualmente o afeto se mostra muito mais adaptado à presente conjuntura social.

Após esta breve passagem do principal aspecto controvertido, necessário entrar no ponto específico deste trabalho, apresentando a superação do dogma do biologismo, a ascensão da socioafetividade, e por último a impossibilidade de desconstituição do estado de filiação a partir de resultados de DNA, nos moldes da Súmula 301 do STJ.


5 A DESBIOLOGIZAÇÃO DO CONCEITO DE FILIAÇÃO

Para definirmos o direito à filiação ou o dever da filiação, devemos ter em mente que hoje a doutrina e a jurisprudência consagram, além da filiação biológica, a filiação afetiva, também chamada de socioafetiva, muito embora em passado recente não tenha sido assim.

A filiação socioafetiva tem como principal estandarte a adoção, aqui incluindo a adoção à brasileira, prática recorrente nas cidades interioranas. Entretanto, diante dos recentes avanços da biotecnologia, a popularização das técnicas de reprodução assistida heteróloga, o critério socioafetivo destacou-se muito no seio jurídico e familiar, se mostrando o mais coerente com os interesses da sociedade, da criança e dos pais que intentaram o projeto parental.

Após o surgimento do liame de afeto criado entre a criança gerada com material genético de outrem e os pais que a quiseram, não pode o doador reivindicar a paternidade, e nem pode o filho, após longos anos de dedicação de seus pais, intentar conhecer seus pais biológicos com o fito de alterar sua filiação, exceto para fins terapêuticos, devendo a identidade daquele que doou o sêmen ser preservada, abrindo-se conhecimento apenas ao estritamente necessário.

A família brasileira sofreu profundo abalo em sua estrutura em um curto espaço de tempo. Foram mudanças bruscas, antes nunca sentidas em qualquer sociedade, não em tempo recorde. Pode-se dizer que o século passado foi o nascedouro destas mudanças, mormente após a segunda guerra mundial, momento em que o mundo passou a dar mais atenção ao homem considerado globalmente.

O Código Civil de 1916, arraigado em uma sociedade patriarcalista e carente de recursos científicos, regulamentava o estado de filiação em meras presunções legais tendentes a facilitar a sua identificação prática, adotadas em razão das limitações tecnológicas que impediam, antes do advento dos testes de DNA, a certeza a respeito da origem genética (ALBUQUERQUE, 2007).

Em que pese a vinculação jurídica às origens genéticas, esta não deve ser vista como algo rígido, estático no tempo, imune a toda e qualquer evolução social. Deve ele, na verdade, servir como um dos critérios, mas não o preponderante.

Lôbo Netto (2004), em interessante passagem, afirma:

Na tradição do direito de família brasileiro, o conflito entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva sempre se resolveu em benefício da primeira. Em verdade, apenas recentemente a segunda passou a ser cogitada seriamente pelos juristas, como categoria própria, merecedora de construção adequada. Em outras áreas do conhecimento, que têm a família como objeto de investigação, a exemplo da sociologia, da psicanálise, da antropologia, a relação entre pais e filhos fundada na afetividade sempre foi determinante para sua identificação.

Diz-se que na antiguidade, remontando à família romana, base de nosso arranjo familiar, os laços familiares se faziam em torno da religião cultuada pelo pater, de modo que faziam parte de uma mesma família tanto os filhos gerados na constância do matrimônio, quanto escravos, clientes e tantos outros que cultuavam os mesmos antepassados que o pater. Assim, dois homens seriam parentes quando partilhassem o culto aos mesmos antepassados, sendo importante observar que inexistia parentesco por ascendência exclusivamente feminina, ou seja, o compartilhamento de uma mesma antepassada mulher não ligava dois homens por parentesco, posto que cada um estaria vinculado ao culto doméstico de seus antepassados masculinos (ALBUQUERQUE, 2007). Naquela época, o parentesco, mais precisamente a filiação, não se sustentava em laços sanguíneos (agnatio). Somente com o advento da República, e no princípio do Império, ganhou destaque uma relação de filiação sustentada em laços de sangue, a cognatio, independente da agnatio.

Como se depreende do acima afirmado, no Direito Romano pós-clássico coexistiram duas formas de se reconhecer a filiação: uma fundada em laços de consanguinidade, adotando o critério biológico, e outra desvinculada da origem biológica.

Já na Idade Média, sob forte influência da Igreja, adotou-se o critério da legitimidade, ou seja, somente eram legítimos os filhos havidos na constância do casamento, enquanto que os outros eram considerados bastardos, sofrendo uma série de limitações jurídicas.

Em verdade, o direito abraçou a verdade biológica, convertendo-a em verdade real da filiação, decorrência de fatores religiosos, históricos e ideológicos, que serviram de mote à hegemonia do modelo familiar patriarcal e matrimonializada.

Observando a evolução do direito, Lôbo Netto (2004, p. 1) informa:

Ao longo do século XX, a legislação brasileira, acompanhando uma linha de tendência ocidental, operou a ampliação dos círculos de inclusão dos filhos ilegítimos, com redução de seu intrínseco quantum despótico, comprimindo o discrime até ao seu desaparecimento, com a Constituição de 1988. Com efeito, se todos os filhos são dotados de iguais direitos e deveres, não mais importando sua origem, perdeu qualquer sentido o conceito de legitimidade nas relações de família, que consistiu no requisito fundamental da maioria dos institutos do direito de família. Por conseqüência, relativizou-se o papel fundador da origem biológica.

No que tange aos aspectos de filiação, o direito sempre se sustentou em meras presunções legais, seja pela natural dificuldade em se determinar a paternidade, seja por óbices histórico-sóciais, notadamente o patriarcalismo que preponderou desde as primeiras formas de arranjo familiar adotadas pelos antigos povos.

Como dito alhures, o conceito de filiação sofreu ao longo dos anos uma profunda reformulação, onde as novas técnicas artificiais de reprodução provocaram um desmoronamento completo nas bases, antes arraigadas, da filiação.

O direito de família sofreu direta repercussão dos avanços tecnológicos na área de reprodução humana, mormente envolvendo as fontes da paternidade, maternidade e filiação, e todas essas transformações permitiram a ocorrência de um importante fenômeno, denominado desbiologização, ou seja, a substituição do elemento carnal pelo elemento biológico ou psicológico.

Em um primeiro, e superficial contato, o termo desbiologização provoca dúvidas, questionamentos e mesmo desconhecimento. Podem alguns considerar até mesmo inauditismo, entretanto, não o é. O termo começou a se destacar muito provavelmente com a publicação da obra "A desbiologização da paternidade", nos idos de 1979, pelo autor João Baptista Villela (PAULILLO, 2003).

Utilizando termos de outras ciências, notadamente a biologia, passou-se a jurisdicionar o termo devido à profunda mudança de paradigma da filiação sentida pelo nosso ordenamento jurídico. Neste sentido, Paulillo (2003):

Nasceu no esteio de um caudal de teses multifocadas na paternidade real não-natural e nas diversas micro-áreas espraiadas do Direito Familiarista, incluindo campos diversos, mas complementares, como a antropologia, a biologia, a psicologia e a sociologia. Um tema profícuo, dada sua relevância metajurídica.

Pelo atual posicionamento doutrinário, hoje em dia não é pai ou mãe simplesmente aquela pessoa que gera uma criança, mas sim quem cria, que ampara, que dá amor, carinho, educação, dignidade, ou seja, a pessoa que realmente exerce as funções de pai ou de mãe em atendimento ao melhor interesse da criança. Isso reafirma premissa indiscutível: para ser pai não basta ser a fonte do espermatozoide fecundante, para ser mãe não basta gerar o feto. É preciso exercer o poder familiar de forma permanente e efetiva.

O determinismo do biologismo passou a ser contestado a partir do momento em que a doutrina volveu os olhos para a existência de um outro fundamento para a filiação, verdadeiramente de ordem cultural e desde sempre radicalmente presente na adoção: a socioafetividade. O direito torna-se capaz de perceber, através da construção doutrinária então emergente, que paternidade e maternidade não são geração, mas sim afetividade. Neste sentido, Albuquerque Júnior (2007):

O desempenho perene da função de pai ou de mãe, com a criação de laços afetivos recíprocos com a criança e o desempenho das atividades de educação e cuidado passa a ser visto como suporte fático da filiação, concepção esta que ganharia força após a Constituição de 1988 e sua regulamentação das relações familiares com especial atenção aos princípios da liberdade, da igualdade e da afetividade.

A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou uma mãe e seus filhos. A afetividade, cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as relações familiares contemporâneas.

A desbiologização deve ter como foco o efetivo amparo moral, psicológico e educacional, o respeito e a socialização entre pais e filhos no recíproco afeto, mesmo que não-biológicos. Princípios que, quando presentes, minimizam as ameaças à ruptura familiar através do diálogo construtivo na manutenção do alicerce familiar em suas variadas e mutáveis estruturas através dos tempos.

Homenageando a afetividade, o Colendo Tribunal de Justiça do Paraná julgou da seguinte forma no Acórdão nº 108.417-9, exarado pela 2ª Câmara Civil, Relator Des. Accácio Cambi, publicado no DJ do dia 12.12.2001:

A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade.

No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada ''''adoção à brasileira'''' (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana.

A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ''''adoção à brasileira'''', não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado.

Do julgado acima retiramos a premissa da sociafetividade, que sem problema algum se aplica perfeitamente à hipótese da reprodução humana assistida heteróloga. A doutrina tem entendido que, nos casos de inseminação heteróloga, para se definir o parentesco, deverão ser considerados somente o pai ou a mãe socioafetiva, desconsiderando-se a paternidade ou maternidade biológica, à semelhança do que ocorre na adoção.

Ainda retirando-se conclusões do julgado acima, observa-se o respeito ao macroprincípio da dignidade da pessoa humana, o qual funciona como parâmetro para muitos outros princípios, inclusive o aqui estudado: a sociafetividade.

O direito de família sofreu direta repercussão dos avanços tecnológicos na área de reprodução humana, mormente envolvendo as fontes da paternidade, maternidade e filiação, e todas essas transformações contribuíram para a ocorrência do importante fenômeno denominado "desbiologização", ou seja, a substituição do elemento carnal pelo elemento biológico ou psicológico.

É na intensa discussão entre a verdade biológica e a socioafetiva é que surge o instituto da posse de estado de filho, valorizando-se a afectio, o caráter sociológico da filiação. É na posse de estado de filho que se vê caracterizada a paternidade de afeto.

Aldrovandi; França (2002) nos mostra a importância da posse do estado de filiação, o qual tem por base as relações socioafetivas:

A importância de tal instituto se revela quando da existência de conflitos de paternidade, especialmente quando da filiação extramatrimonial, como por exemplo, nos casos em que as relações de afeto entre pai e filho não condizem com a paternidade jurídica, ou ainda quando comprovada a paternidade biológica, mas a existência de posse de estado de filho se dá com um terceiro, que não o pai genético. Em todos esses casos, assume importância primordial a posse de estado de filho, valorizando-se a afectio, a verdade sociológica. É a verdade sócio-afetiva ganhando o abrigo do Direito.

Segundo Lôbo Netto (2006), o importante é ver que a relação de paternidade já não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não-biológica; em outras palavras, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a paternidade não-biológica. Durante muito tempo prevaleceu a presunção de que somente eram filhos as crianças geradas biologicamente na constância do casamento de seus pais, que neste caso haveria uma identidade entre a filiação biológica e a sociaofetiva. Mas há outras hipóteses de paternidade que não derivam do fato biológico, quando este é sobrepujado por outros valores que o direito considera predominantes.

Neste sentido, continua o autor lembrando-se de trecho de um artigo de sua autoria, intitulado O exame de DNA e o princípio da dignidade da pessoa humana, publicado na 1ª edição da Revista Brasileira de Direito de Família:

Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Afinal, qual a diferença razoável que deva haver, para fins de atribuição de paternidade, entre o homem dador de esperma, para inseminação heteróloga, e o homem que mantém uma relação sexual ocasional e voluntária com uma mulher, da qual resulta concepção? Tanto em uma como em outra situação, não houve intenção de constituir família. Ao genitor devem ser atribuídas responsabilidades de caráter econômico, para que o ônus de assistência material ao menor seja compartilhado com a genitora, segundo o princípio constitucional da isonomia entre sexos, mas que não envolvam direitos e deveres próprios de paternidade.

De fácil dedução, a paternidade não é apenas o dever de prover alimentos, ou consentâneo de partilha de bens no direito sucessório. É muito mais que isso. É a constituição de valores, desenvolvimento interpessoal no interesse da criança, construído ao longo da convivência familiar. É atualmente um múnus, direito-dever erguido na relação afetiva, com respaldo constitucional em busca da concretização dos direitos fundamentais da pessoa em formação, como o direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar, todos protegidos pela Constituição da República no art. 227. Enfim, pai é todo aquele que assumiu todos estes deveres, ainda que não seja o genitor.

Pela desbiologização do conceito de filiação surge uma nova categoria, o estado de filiação, compreendido como o que se estabelece entre o filho e aquele que assume os deveres de paternidade, que correspondem aos direitos mencionados no art. 227 da Constituição. Trata-se de qualificação jurídica dessa relação de parentesco, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. O filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai é titular do estado de paternidade em relação a ele. Assim, onde houver paternidade juridicamente considerada haverá estado de filiação. O estado de filiação é presumido em relação ao pai constante do registro de nascimento (LÔBO NETTO, 2006, p. 797).

O estado de filiação encontra suporte direto na afetividade, outra categoria que ganhou destaque paulatino, principalmente diante das recentes técnicas de reprodução humana assistida. É entendida como o liame que une duas pessoas em razão do parentesco ou de outra fonte constitutiva da relação de família. A afetividade familiar é, pois, distinta do vínculo de natureza obrigacional, ou patrimonial, ou societário.

O afeto foi elevado à categoria de princípio jurídico, tendo força normativa, impondo deveres e obrigações aos membros da família, ainda que na realidade existencial entre eles tenha desaparecido o afeto. Desta forma, pode haver desafeto entre pai e filho, mas o direito impõe o dever de afetividade. Além dos fundamentos contidos nos artigos 226 e seguintes da Constituição, ressalta o dever de solidariedade entre os membros da família (art. 3º, I, da Constituição), reciprocamente entre pais e filho (art. 229) e todos em relação aos idosos (art. 230). A afetividade é o princípio jurídico que peculiariza, no âmbito da família, o princípio da solidariedade (LÔBO NETTO, 2006).

5.1 JURISDICIONALIZAÇÃO DA SOCIOAFETIVIDADE

Ao longo de todo este trabalho acadêmico restou evidenciado que o atual ordenamento jurídico adota o modelo inclusivo da paternidade, não havendo qualquer norma constitucional que obrigue a identidade entre genitor e pai para a configuração do aspecto filiativo, ou mesmo a preponderância do critério biológico. A Constituição Federal de 1988 tomou partido neste sentido, apesar dos espantosos e recorrentes desvios doutrinários e jurisprudenciais, seduzidos pela impressão de certeza de exames genéticos, particularmente do DNA.

Nossa Lei Maior é rica em vários dispositivos que mostram esta tendência em destacar a filiação socioafetiva como melhor critério que respeite os interesses do menor. Dentre as várias normas, pode-se elencar as seguintes: a) Art. 227, § 6º, o qual preconiza serem todos os filhos iguais, independentemente de sua origem; b) Art. 227, §§ 5º e 6º, adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos; c) Art. 226, § 4º, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida; d) Art. 227, caput, que defende o direito à convivência familiar, e não à origem genética, constitui prioridade absoluta da criança e o do adolescente.

A filiação socioafetiva, uma vez estabelecida na convivência familiar, impede a contradição da paternidade, ou mesmo impugnada. A investigação de paternidade somente é cabível quando não há pai, o que não é o caso.

Durante alguns anos, foi frequente o número de julgados dos tribunais sustentados erroneamente no art. 27 do Estatuto da Criança e Adolescente. Para este dispositivo infraconstitucional, o direito ao estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível. Antes do advento do Código Civil de 2002, a norma do ECA fora muito utilizada pelos tribunais em seus julgados para justificar a impugnação à paternidade já existente. O erro reside justamente em ser o estado de filiação algo construído e incorporado com a convivência familiar duradoura. O artigo somente deve ser aplicado quando não houver paternidade, nunca para contraditá-la ou impugná-la.

O Código Civil de 2002, influenciado pelos novos ares do direito de família trazidos pela Constituição da República de 1988, suplantou de vez o paradigma do Código Civil anterior, que estabelecia a relação entre filiação legítima e filiação biológica; todos os filhos legítimos eram biológicos, ainda que nem todos os filhos biológicos fossem legítimos, traçando as linhas fundamentais em prol da paternidade de qualquer origem, e não apenas a biológica.

Neste sentido, Lôbo Netto (2006, p. 799):

Com o desaparecimento da legitimidade e a expansão do conceito de estado de filiação para abrigar os filhos de qualquer origem, em igualdade de direitos (adoção, inseminação artificial heteróloga, posse de estado de filiação), o novo paradigma é incompatível com o predomínio da realidade biológica. Insista-se, o paradigma atual distingue paternidade e genética.

O atual Código Civil traz diversas normas albergando a clara e límpida opção da paternidade socioafetiva pelo legislador pátrio.

O art. 1.593 caminha neste sentido quando afirma ser o parentesco derivado da consanguinidade ou de outra origem. Nesta última parte percebe-se a previsão da determinação da filiação por outros aspectos que não unicamente o biológico. É neste trecho que reside o persistente equívoco de boa parte da jurisprudência pátria. A paternidade por outra origem, qual seja, a socioafetiva, goza de igual dignidade e merece o mesmo tratamento.

Da mesma forma segue o art. 1.596, o qual reproduz a regra constitucional da igualdade dos filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, com os mesmos direitos e qualificações. O § 6º do art. 227 da Constituição da República de 1988 revolucionou o conceito de filiação e inaugurou o paradigma aberto e inclusivo, soterrando a antiga discriminação que era deferida aos filhos originados fora do casamento.

Por sua vez, o art. 1.597, V, prevê a filiação mediante inseminação artificial heteróloga, ou seja, utiliza-se o material genético-reprodutivo de outro homem, desde que tenha havido prévia autorização do marido da mãe. Nesta hipótese a origem do filho, em relação aos pais, é parcialmente biológica, pois o pai é exclusivamente socioafetivo, jamais podendo ser contraditada por investigação de paternidade ulterior.

Já o art. 1.605 mostra-se como o dispositivo consagrador da posse do estado de filiação. Tal norma preceitua que, na falta ou defeito no termo de registro de nascimento, a filiação poderá ser provada por qualquer meio admitido em direito, mormente quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente, ou ainda quando existirem veementes presunções resultante de fatos já certos. Esta última parte protege as relações familiares que na experiência brasileira incluem-se a posse de estado de filiação do filho de criação e a adoção de fato, também chamada "adoção à brasileira", que é feita sem observância do processo judicial, mediante declaração falsa ao registro público. O CC/2002 em nenhum momento elenca, nem mesmo exemplificativamente, quais seriam estes meios de prova, mostrando-se amplas as possibilidades, de certo que a socioafetividade pode aí ser incluída sem problema algum, sendo mesmo que a solução mais correta nestes casos.

Por último o Art. 1.614 contém duas normas em seu bojo. Na primeira parte temos que a pessoa maior somente pode ser reconhecida como filho com o seu consentimento. Na segunda parte, o menor pode impugnar seu reconhecimento ate é quatro anos após atingir a maioridade ou a emancipação. Este artigo em verdade mostra que o reconhecimento do estado de filiação não é imposição da natureza ou de exame de laboratório, pois admitem a liberdade de rejeitá-lo. Claro está que o artigo não se aplica contra o pai registral, se o filho foi concebido na constância do casamento ou da união estável, pois a declaração ao registro público do nascimento não se enquadra no conceito estrito de reconhecimento da paternidade.

Os dispositivos acima apresentados servem de mote à contestação da primazia ou exclusividade da origem genética como determinante da filiação, visto que a paternidade é mais que um dado da natureza, é um plexo de direitos e deveres que se atribui a uma pessoa em razão da posse do estado de filiação, podendo ser ele consanguíneo ou não.

5.2 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Como já dito por vezes no presente trabalho, a família foi, durante muito tempo, eminentemente patriarcalista, matrimonializada e hierarquizada. Estruturalmente girava em torno do patrimônio familiar, tendo como função precípua servir de meio à transmissão da herança de pai para filho. Em razão do advento de alguns movimentos sociais como a revolução industrial, a urbanização e a revolução feminista, esse modelo de família foi aos poucos se desfazendo.

Segundo Lobo Netto (2000):

O modelo tradicional e o modelo científico partem de um equívoco de base: a família atual não é mais, exclusivamente, a biológica. A origem biológica era indispensável à família patriarcal, para cumprir suas funções tradicionais. Contudo, o modelo patriarcal desapareceu nas relações sociais brasileiras, após a urbanização crescente e a emancipação feminina, na segunda metade deste século. No âmbito jurídico, encerrou definitivamente seu ciclo após o advento da Constituição de 1988.

A crescente urbanização, aliada à revolução industrial, fez com que o número de membros da família diminuísse. A mulher lançou-se no mercado de trabalho, passando a auxiliar o marido no sustento da casa. Alcançando maior autonomia e independência financeira, a união entre homem e mulher justificava-se, neste momento, em laços afetivos, principalmente com o advento da lei do divórcio, nos idos da década de 1970.

Ao participar do mercado de trabalho, a mulher deixava seu lar por algumas horas do dia, passando o homem a auxiliá-la nos afazeres domésticos e, com isso, ele começou a conviver mais com seus filhos, surgindo um ambiente mais propício ao estreitamento de laços afetivos entre o pai e seus filhos, antes uma relação hierarquizada.

Este ambiente mostrou-se propício ao desenvolvimento do afeto no meio familiar, elevando-o ao patamar de princípio jurídico norteador do novo arranjo familiar brasileiro, passando a ser um dos mais relevantes imperativos axiológicos do Direito de Família. Isso porque a atual família só faz sentido se for alicerçada no afeto, razão pela qual perdeu suas antigas características: matrimonializada e hierarquizada.

A despatrimonialização do direito civil contribuiu em muito para a elevação da afetividade ao status de princípio jurídico, tendo no macroprincípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a premissa para promover a pessoa ao centro do ordenamento jurídico nacional. O princípio da afetividade pode, sem dúvida alguma, ser reconhecido como um dos vários desdobramentos do princípio da dignidade humana, notadamente no direito de família.

Sendo assim, para que haja respeito à dignidade de cada membro da família, é necessário que o seio familiar seja um ambiente mergulhado no profundo respeito, compreensão, amor, atenção e proteção entre todos, sentimentos que podem ser reconhecidos no princípio da afetividade.

A família atual adotou perfeitamente a nova roupagem da afetividade, visto que aquela já não é mais vista como mera instituição, mas sim como instrumento de desenvolvimento e efetividade prática a dignidade e satisfação de seus membros.

O princípio da afetividade é tão importante que seus efeitos permanecem até mesmo após o divórcio, já que quando o casamento termina o que cessa é apenas a relação de conjugalidade, mantendo-se a relação parental, que será compartilhada para sempre entre pais e filhos. Outro exemplo claro é no reconhecimento das uniões estáveis, na paternidade socioafetiva e no instituto da adoção prevista no Código Civil.

O ordenamento jurídico converteu a afetividade em princípio jurídico, possuindo força normativa, impondo dever e obrigação aos membros da família, ainda que na realidade existencial entre eles tenha desaparecido o afeto. Assim, pode haver desafeto entre pai e filho, mas o direito impõe o dever de afetividade. Além dos fundamentos contidos nos artigos 226 e seguintes da Constituição, ressalta o dever de solidariedade entre os membros da família (art. 3º, I, da Constituição), reciprocamente entre pais e filho (art. 229) e todos em relação aos idosos (art. 230). A afetividade é o princípio jurídico que peculiariza, no âmbito da família, o princípio da solidariedade (LÔBO NETTO, 2006).

Maria Berenice Dias (2005, p. 66-67), neste sentido, informa:

Ao serem reconhecidas as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do casamento, como entidade familiar merecedora da tutela jurídica, tal significa que o afeto, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico. O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar e não do sangue. Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade como um direito a ser alcançado.

Alcançando o patamar de princípio jurídico, a afetividade deve ser vista por todos os membros, o que não quer dizer que seja obrigatória, seria teratológico impor que todos se amem. O que o princípio quer reforçar é o dever de mútua cooperação ao pleno desenvolvimento dos membros, função assumida pela nova família brasileira após sua despatrimonialização.


6 SÚMULA 301 DO STJ: A VERDADE DO DNA E RETROCESSO

O advento dos exames de DNA causou furor entre os familiaristas de todo o mundo. A certeza quase que absoluta que os resultados do exame de DNA gerava deslumbrou o mundo científico e jurídico, sendo espantosos e recorrentes os desvios doutrinários e jurisprudenciais.

Antes do advento do atual Código Civil de 2002 era hábito dos tribunais julgarem erroneamente com base art. 27 do ECA. Este dispositivo afirmava ser direito personalíssimo, indisponível e imprescritível o direito ao reconhecimento do estado de filiação, podendo-se o menor questionar e impugnar a paternidade já existente. No caso das técnicas de reprodução humana assistida chegar-se-ia ao absurdo do indivíduo gerado por estas técnicas intentar conhecer seus pais biológicos com fins patrimonialistas, suplantando toda a convivência familiar formada ao longo de anos.

Entretanto, verifica-se que o atual CC/02 suplantou tal tese. O estado de filiação é algo construído no decorrer da convivência familiar sustentada em laços de afeto, independente de origem biológica. O dispositivo citado anteriormente somente é aplicável no caso de inexistência de paternidade conhecida.

Com base em sete precedentes, o STJ publicou a Súmula 301, onde traz o seguinte enunciado: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade".

A citada súmula peca por não restringir seu campo de atuação, fazendo parecer que seja aplicável em toda e qualquer situação em que se queira impugnar a paternidade e atribuí-la a alguém. Os sete precedentes tinham como ponto comum o fato da criança ter sido registrada apenas com a maternidade conhecida, onde as partes envolvidas buscavam o reconhecimento da paternidade pelos pais biológicos.

Visto superficialmente, o enunciado procura ater-se ao campo processual de produção de provas. Entretanto, seus efeitos vão muito além, atingindo o direito material, desconsiderando toda uma construção jurídica. Erra ao considerar a supremacia da paternidade biológica em detrimento do novo paradigma da filiação, a socioafetividade. Confunde investigação da paternidade com o direito da personalidade de conhecimento da origem genética. Cria desnecessariamente mais uma presunção no direito de família: a da confissão ficta ou da paternidade não provada (LÔBO NETTO, 2006).

A Súmula 301 do STJ vai de encontro ao preconizado pelo STF, no sentido de que ninguém pode ser obrigado a submeter-se a exame de DNA, pois tal ato violaria garantias constitucionais explícitas e implícitas, a saber, preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta da obrigação de fazer. Impor a paternidade pelo só fato da pessoa se recusar a realizar o exame é violar todas as garantias constitucionais preservadas pelo STF. Para não lhe ser imputada a paternidade ficta a pessoa tem que se submeter ao exame.

A prova de filiação se faz pelo termo de nascimento estabelecido no registro civil, conforme determina o art. 1.603 do CC/02. O registro pode conter a filiação biológica ou a filiação não biológica. É cediço que não se exige do declarante qualquer prova biológica, bastando sua declaração. A declaração como qualquer outra, poderá estar viciada por erro ou por falsidade. Mas não haverá erro ou falsidade da declaração para registro de filiação oriundo de posse de estado, consolidado na convivência familiar.

Sabe-se que enquanto essa súmula viger, dois grandes limites implícitos devem ser observados para sua adequada aplicação e interpretação em conformidade com a Constituição e o CC/02. O primeiro limite não permite a negação de paternidade derivada de estado de filiação comprovadamente constituído. O segundo óbice é quanto à presunção de paternidade, em ação investigatória quando haja apenas mãe registral, haja vista depender da existência de provas indiciárias consistentes, não podendo ser aplicada isoladamente.

Ainda em relação ao primeiro limite, cabe frisar que o CC/02 apenas admite duas hipóteses de impugnação da paternidade: uma, pelo marido, conforme o art. 1.601, e outra pelo filho contra o reconhecimento da filiação, os moldes do art. 1.614. Não há, pois, fundamento legal para a espantosa disseminação de ações negatórias de paternidade, com intuito de substituí-la por suposta paternidade genética (LÔBO NETTO, 2006).

Em relação ao segundo limite, temos que a presunção não pode ser tomada isoladamente, mas sim acompanhada de um forte material indiciário de possível paternidade. A presunção apenas é um dos elementos de convencimento à disposição do juiz. E não poderia ser diferente. Aceitar a livre movimentação da máquina judiciária apenas com suporte na presunção estabelecida na Súmula 301 do STJ, seria permitir que qualquer pessoa quisesse ser filho de artista, de milionários e tantas outras pessoas, as quais, por simples negatória em realizar o exame de DNA, seriam considerados pais presumidos. Um total absurdo.

O campo de atuação da Súmula 301 do STJ é a investigação da paternidade, sendo incabível como fundamento de ação negatória ou de impugnação de paternidade. A investigação ou reconhecimento judicial da paternidade busca garantir o reconhecimento de pai a quem não o tem, ou seja, na hipótese de genitor biológico que se negou a assumir a paternidade. Portanto, é incabível nas hipóteses de existência de estados de filiação não biológica protegidos pelo direito: adoção, inseminação artificial heteróloga e posse de estado de filiação. É totalmente incabível para constituir paternidade desconstituindo a existente fundada principalmente em laços socioafetivos (LÔBO NETTO, 2006).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem dúvida alguma a constitucionalização das relações familiares, aliada à repersonalização do Direito Civil, principalmente no campo familiarista, contribui em muito para uma total reformulação do conceito de família que antes se conhecia.

A nova ordem constitucional passou a ver a família sob outros olhos, não sendo mais identificada apenas pelo casamento. O elemento caracterizador da família é o vínculo afetivo existente entre os membros, unindo pessoas rumo a um objetivo comum, fazendo gerar entre os componentes do núcleo familiar os sentimentos de comprometimento, cooperação, amor, ajuda.

A superação de valores individualista e egoístas se não suplantou os critérios biológico e legal de filiação, ao menos os colocou em segundo plano, reconhecendo-se a afetividade como determinante mais eficaz e sintonizado com as recentes mudanças sociais, convertendo-o em princípio norteador das relações familiares, efetivando, neste plano, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

A biotecnologia também contribuiu fortemente para a superação do biologismo no que concerne aos aspectos filiativos. As novas técnicas artificiais de reprodução humana provocaram um desmoronamento completo nas bases, antes arraigadas, da filiação.

O Direito de Família sofreu ao longo dos anos profundas mudanças, principalmente em razão dos grandes avanços da biotecnologia, que devemos repensar e vivenciar as relações entre pais e filhos. A família atual não mais se identifica com os tradicionais modelos familiares antes predominantes. A relação entre pais e filhos não é mais de completa subordinação e hierarquia. Todos devem contribuir para o desenvolvimento pleno dos membros da família.

O poder familiar ganhou novos contornos. Se antes era representado por um conjunto de direitos dos pais sobre os filhos, agora significa um conjunto de deveres dos pais não só de ordem material, mas principalmente de ordem moral. Isto quer dizer que o ordenamento pátrio impõe aos pais deveres de ordem moral, acima, portanto, dos deveres de ordem patrimonial, devendo educá-los, dar atenção, carinho, afeto, enfim, amor pleno.

A superação da visão patriarcalista, hierarquizada e matrimonializada da família somente foi possível quando o meio social percebeu que a família não devia servir aos caprichos do pai. Os avanços sociais após a segunda grande guerra mundial, aliada à evolução biotecnológica, contribuíram para a desbiologização do conceito de filiação.

O direito, então, teve que jurisdicionalizar esses novos valores e situações surgidas. As técnicas de reprodução humana assistida colocaram em xeque o antigo determinismo biológico da filiação, haja vista que em pelo menos um dos pólos a filiação será necessariamente socioafetiva.

Desta forma, o conceito de filiação não mais se sustenta no dogma do biologismo ou em meras presunções legais. Há algo superior, mais harmonizado com o atual estágio de evolução social. A socioafetividade se mostra como o critério que melhor atende aos princípios da dignidade humana e do melhor interesse do menor. É fato que liga pessoas pelo que há de mais sublime, o afeto, amor, carinho. Gera responsabilidades, mesmo que findo o contato direto entre pais e filhos.

Portanto, é necessária a conscientização dos juristas, tribunais, magistrados e sociedade para essa nova postura de ver a família. Sustentar a filiação em aspectos biológicos e legais em detrimento de sentimentos superiores é retroceder na história evolutiva do homem. Fechar os olhos a essa nova realidade é ser negligente com todas as conquistas neste campo de fundamental importância a todos os indivíduos, a família. O direito não pode manter-se inerte e nem coagido ou deslumbrado com uma ou outra corrente tradicional. Deve-se atender àquilo que melhor se coaduna com o desenvolvimento dos membros da família. E o critério socioafetivo é, sem dúvida nenhuma, o que cumpre tal munus com maior eficácia.


REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. A filiação socioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1547, 26 set. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10456>. Acesso em: 18 out. 2007.

ALDROVANDI, Andrea; FRANÇA, Danielle Galvão de. A reprodução assistida e as relações de parentesco. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3127>. Acesso em: 18 out. 2007.

AMORIM, José Airton de. Breves anotações sobre as formas de constituição da família segundo a Constituição atual. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 53, jan. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2497>. Acesso em: 14 abr. 2008.

BARROS, Sérgio Resende. A Tutela Constitucional do Afeto. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 5., 2006, São Paulo. Anais. São Paulo: IOB Thonson, 2006.

CÂNDIDO, Nathalie Carvalho. Reprodução medicamente assistida heteróloga: distinção entre filiação e origem genética. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1480, 21 jul. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10171>. Acesso em 14 set. 2007.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n.º 1.358, de 19 de novembro de 1992. Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1992/1358_1992.htm> . Acesso em: 06 jul. 2007.

DIAS, Maria Berenice. A ética do afeto. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 668, 4 maio 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6668>. Acesso em: 14 abr. 2008.

_____. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

_____. Direito Civil Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

DUARTE, Rodrigo Collares. Desbiologização da paternidade e a falta de afeto. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 481, 31 out. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5845>. Acesso em: 14 abr. 2008.

FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 11. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

GRUNWALD, Astried Brettas. Laços de família: critérios identificadores da filiação. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 112, 24 out. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4362>. Acesso em: 14 abr. 2008.

LÔBO NETTO, Paulo Luiz. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/527>. Acesso em: 18 out. 2007.

_____. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 194, 16 jan. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4752>. Acesso em: 22 abr. 2008.

_____. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da súmula 301 do STJ. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 5., 2006, São Paulo. Anais...São Paulo: IOB Thonson, 2006. p. 795-810.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito de Família. 38 ed. rev. e atualizada por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2007.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2744>. Acesso em: 05 maio 2008.

PAULILLO, Sérgio Luiz. A desbiologização das relações familiares. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 78, 19 set. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4228>. Acesso em: 18 out. 2007.

RIBEIRO, Simone Clós Cesar. As inovações constitucionais no Direito de Família. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3192>. Acesso em: 24 abr. 2008.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. . v. 6

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, Guarda e Autoridade Parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. v. 6. São Paulo: Atlas, 2005. 5. ed.


Notas

  1. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6668>.
  2. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6668>.
  3. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4752>.
  4. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4752>.
  5. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3127>.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARRAIS SOBRINHO, Aurimar de Andrade. Relação socioafetiva: desbiologização do conceito de filiação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2495, 1 maio 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14662. Acesso em: 28 mar. 2024.