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Desenvolver com sustentabilidade.

Os desafios da preservação ambiental

Desenvolver com sustentabilidade. Os desafios da preservação ambiental

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Resumo

O artigo em questão faz uma análise sobre os desafios de preservar o meio ambiente principalmente frente à globalização econômica e o capitalismo, mostrando o direito ao meio ambiente saudável como um direito do ser humano e enfatizando a importância da observação do princípio do desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: meio ambiente – desenvolvimento sustentável – globalização econômica


Introdução

O objetivo do presente texto é tecer algumas considerações sobre desenvolvimento sustentável e preservação ambiental no processo de globalização que estamos vivenciando de maneira mais efetiva atualmente.

Para tanto, primeiramente busca-se analisar a proteção ao meio ambiente trazida pela Constituição Federal de 1988. Esta apresenta um capítulo destinado especificamente ao meio ambiente e, em seu artigo 225, além de outros, traz a previsão expressa de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Em seguida, aborda o princípio do desenvolvimento sustentável, uma das principais metas a serem atingidas para aliar o progresso tecnológico com a preservação ambiental. O que muitas vezes pode ser contraditório, principalmente frente à globalização que impõe uma produção desmedida.

Após, verifica-se a noção de direitos humanos e o direito a um meio ambiente saudável, eis que este direito está entre os direitos humanos considerados de terceira geração. Uma vez considerado como um direito do ser humano, o meio ambiente saudável deve ser respeitado, protegido e garantido como tal.

Finalmente, observam-se os desafios existentes na era globalizada no que diz respeito à preservação ambiental. A globalização e o modelo econômico do capitalismo trouxeram consequências terríveis para a preservação ambiental, aumentando cada vez mais a crise existente.

Dessa forma, pela dimensão do assunto tratado, esse texto não tem a pretensão de esgotá-lo, mas tão-somente levantar o debate sobre tema de tamanha relevância, mas que não tem conseguido grande atenção do grande público, nem da mídia que poderia levar o assunto ao conhecimento da população, tratando-o com a seriedade necessária, ao invés da leviandade com que sempre é apresentado.


1. Proteção ao meio ambiente na Constituição de 1988

A Constituição Federal de 1988, no que diz respeito à proteção ao meio ambiente, traz importante contribuição, contendo várias referências expressas ao meio ambiente ou a recursos ambientais. Porém, dar-se-á ênfase ao art. 225, que vem inserto no capítulo destinado especificamente ao meio ambiente. Esse artigo traz o seguinte texto:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Silva (2002, p. 20) entende que meio ambiente é "a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas". Continua dizendo que "a integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais" (SILVA, 2002, p. 20).

Ainda, Silva (2002, p. 21) justifica que "por isso é que a preservação, a recuperação e a revitalização do meio ambiente há de constituir uma preocupação do Poder Público e, conseqüentemente, do Direito, porque ele forma a ambiência na qual se move, desenvolve, atua e se expande a vida humana".

Voltando à Carta Magna, Losso (2004, p. 60) explica que "a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a contemplar a importância da preservação ambiental". Diz ela que:

o artigo 225 caput merece especial destaque, já que inovou ao inserir em um só texto um direito fundamental – ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pertencente a todos, inclusive às futuras gerações – e a imposição de um dever ao Estado e à coletividade, quer seja, defendê-lo e preservá-lo.

Outros autores que fazem menção à proteção dada pela nossa Carta Magna ao meio ambiente são Araújo e Nunes Júnior (1998, p. 355). Eles afirmam que:

Para cada tipo de meio ambiente a Constituição Federal atribuiu uma proteção distinta. Assim, o meio ambiente natural encontra proteção não só nas garantias constitucionais, prevendo a ação popular ambiental (art. 5º, LXXIII) ou mesmo os mecanismos de proteção, tais como as tarefas específicas constantes do §1º do art. 225:

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Além do artigo citado anteriormente, é possível perceber no art. 170 do mesmo diploma legal outra ênfase à proteção ao meio ambiente. Para melhor compreendê-lo, é necessária uma leitura do referido artigo:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

VI – defesa do meio ambiente;

Conforme observa Losso (2004, p. 66): "No art. 170, inserto no capítulo que trata da ordem econômica e financeira, encontra-se o baluarte do desenvolvimento sustentável, haja vista ajustar o meio ambiente a uma política econômica que vise sobremaneira à conservação dos recursos naturais".

Para o presente artigo, interessa em especial o princípio referido acima, do desenvolvimento sustentável, por ser ele uma das grandes metas para as políticas ambientais frente à globalização. É este princípio que será visto e analisado no item a seguir.


2. O princípio do desenvolvimento sustentável

A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), criada pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1983, publicou, em 1987, o relatório Nosso Futuro Comum, mais conhecido como Relatório Brundtland. Esse documento teve grande importância, uma vez que buscou o equilíbrio entre desenvolvimento e proteção do meio ambiente, trazendo o conceito de desenvolvimento sustentável, que é definido como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às próprias necessidades (CMMAD, 1987, 46).

Losso (2004, p. 65) observa que, conforme o princípio do desenvolvimento sustentável, "O uso dos recursos naturais deve ser racional, de forma a garanti-los às presentes e futuras gerações". Segundo essa autora (LOSSO, 2004, p. 65), o princípio em questão pode ser resumido em duas palavras: desenvolver e conservar.

O fundamento do princípio do desenvolvimento sustentável está basicamente em buscar uma gestão lógica dos recursos naturais, que devem ser utilizados de forma racional, não impedindo o progresso, mas facilitando o desenvolvimento econômico aliado à preservação ambiental.

Ainda, trazendo outro conceito de desenvolvimento sustentável, Losso (2004, p. 66) continua dizendo que para o CNPT (Centro Nacional para Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais) do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), esse princípio pode ser entendido como o

Processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam, reforçando o potencial presente e futuro do meio ambiente, suporte das atividades econômicas das populações, a fim de melhor atender a suas necessidades e aspirações, respeitando a livre determinação sobre a evolução de seus perfis culturais.

O art. 225, ao utilizar a expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado, não pretende, com isso, impedir que sejam utilizados os recursos naturais disponíveis. Ao contrário, tem a intenção de que esse aproveitamento seja feito de forma a manter esses recursos para o proveito da própria humanidade, para a preservação da vida na Terra.

Ressalta-se que nem sempre o ser humano entende que, para prolongar o uso da natureza, a mesma deve ser utilizada de forma racional sem qualquer forma de exploração predatória. Porém essa consciência, nos tempos atuais, ainda é pouco percebida pela sociedade em geral, que pouco se mobiliza para buscar soluções para esse tipo de problema. Embora as mobilizações nesse sentido sejam mais significativas do que em outros tempos, ainda representam um número aquém do que seria necessário para coibir as práticas predatórias.

A respeito desse assunto, Singer (2002, p. 281) observa que na Bíblia já existia a previsão de exploração da natureza pelo homem. Ele cita um relato bíblico da criação, no livro do Gênesis, que deixaria bem clara a "concepção hebraica do lugar especial ocupado pelos seres humanos no plano divino":

E Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, para que tenha domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra".

Portanto, Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; criou-os homem e mulher.

Abençoando-os, disse-lhes Deus: "Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai os peixes do mar, as aves dos céus e todas as coisas vivas que se movem na terra".

A partir dessa passagem é possível entender, mas não justificar, os séculos e séculos de degradação da natureza através da exploração do homem sobre ela, como se este fosse um ser acima dela, como pensa ser. Não percebe, porém, que essa exploração pode acabar com sua própria existência. É triste pensar desse modo, mas é a mais pura realidade. O ser humano tem utilizado os recursos naturais como se eles fossem infinitos. Embora essa mentalidade tenha mudado muito nos últimos tempos, ainda assim a natureza continua sendo utilizada de forma irrestrita e irresponsável.

Infelizmente, a constatação de que o ser humano tem se desenvolvido sem observar o devido respeito à natureza é corroborada por Singer (2002, p. 283):

De acordo com a tradição ocidental dominante, o mundo natural existe para o benefício do seres humanos. [...] Em si, a natureza não tem valor nenhum intrínseco, e a destruição de plantas e animais não pode configurar um pecado, a menos que, através dessa destruição, façamos mal aos seres humanos.

Isso explica a necessidade do desenvolvimento sustentável. Procurar aliar o progresso com a preservação ambiental, tudo em prol da saúde do ser humano e de sua continuidade como espécie.

Muitas vezes, colocamos o que entendemos como progresso acima da preservação ambiental. No entanto, com a velocidade das descobertas e informações atuais, o que hoje é tecnologia de ponta, amanhã pode tornar-se algo totalmente obsoleto. A esse respeito, Singer (2002, p. 285-286) observa o seguinte:

Existem certas coisas que, depois de perdidas, não podem ser recuperadas por dinheiro algum. Portanto, justificar a destruição de uma antiga floresta mediante a alegação de que o resultado será um aumento substancial das exportações é algo que não tem o menor sentido, ainda que pudéssemos investir esses rendimentos e aumentar o seu valor ano após anos.

É possível concordarmos totalmente com a opinião desse autor. Parece-nos algo incompatível com o atual nível de consciência humana pensarmos em um desenvolvimento sem freios que, ao mesmo tempo, não leve em consideração a qualidade de vida das gerações presentes e futuras e sua relação com a natureza. No entanto, Singer (2002, p. 286) questiona-se com extremo realismo o seguinte:

Poderemos ter a certeza de que as futuras gerações vão apreciar a natureza? Não serão mais felizes quando sentados em shopping centers com ar condicionado, ou diante de jogos de computador mais sofisticados do que jamais imaginamos? É possível que sim; mas existem várias razões para não atribuirmos grande importância a essa possibilidade.

É certo que a preocupação com a natureza nunca foi tão grande como nos tempos atuais, e esse é um dos motivos pelos quais podemos acreditar que as futuras gerações também terão a preocupação ambiental. Talvez até uma preocupação maior, pois, se pegarmos o exemplo de países desenvolvidos, que não têm tantos problemas com fome ou pobreza e a já tiveram seu auge de exploração ambiental, a população desses países tem um nível de conscientização ecológica muito maior que nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Por isso é que devemos sim lutar pela preservação ambiental através de um desenvolvimento que envolva sustentabilidade, mesmo que às vezes pareça que as novas gerações pouco se importam com isso. Mas no futuro, certamente elas darão o devido valor para essa preservação.

Além disso, como abordado acima, os países que no passado poluíram demasiadamente, em nome de um aumento crescente na produção, hoje percebem os perigos que existem em uma atividade de exploração predatória da natureza.

Outro importante mecanismo em prol da sustentabilidade é o Estatuto da Cidade. Conforme Losso (2004, p. 67): "Manter as cidades sustentáveis é um dos principais objetivos do Estatuto da Cidade, isto se verifica logo no caput do art. 2º e nos incisos I, IV, VI e VIII".

A Lei nº 10.257/2001, conhecida como o Estatuto das Cidades, que regulamenta os arts.182 e 183 da Constituição Federal, em seus artigos 39, 40, 41 especificam que o plano diretor "é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana". Nesse plano "devem estar contidas as exigências fundamentais de ordenação e expansão territorial, a fim de assegurar o atendimento das necessidades do cidadão quanto à qualidade de vida, à justiça social e desenvolvimento das atividades econômicas" (LOSSO, 2004, p. 69).

Assim, concluindo, Losso (2004, p. 69) observa que "a cidade auto-sustentável é aquela que coloca à disposição dos seus cidadãos condições para que estes sobrevivam com dignidade, e onde, principalmente, o município se desenvolva sem ultrapassar os limites da tolerância ecológica".

Desse modo, é possível perceber que o desenvolvimento sustentável é uma meta a ser buscada por todos os governantes a fim de proporcionar uma maior qualidade de vida à população de seus países, estados ou municípios.

De igual forma, todas as pessoas têm, ou deveriam ter, direito a conviver em um ambiente sadio com os recursos naturais preservados. O direito a uma ambiente saudável constitui também um direito do ser humano, como passará a ser estudado no item a seguir.


3. Os direitos humanos e o direito a um meio ambiente saudável

Os direitos humanos constituem aqueles direitos inerentes à condição humana, buscando a proteção desta, reconhecidos de forma universal ou histórica. São direitos universais quando acredita-se que os direitos humanos devem ser garantidos por toda sociedade mundial, ou históricos quando acredita-se que são uma conquista dos povos mais avançados.

Bobbio (1992, p.2) se posiciona, em relação aos direitos do homem, a favor das seguintes teses:

1.os direitos naturais são direitos históricos;

2.nascem no início da era moderna, juntamente com a concepção individualista da sociedade;

3.tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico.

É difícil conceituar os direitos do homem e, quando se acrescenta alguma referência ao conteúdo, não se pode deixar de introduzir termos avaliativos: "Direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc" (BOBBIO, 1992, p. 17).

Os direitos do homem modificaram-se ao longo dos anos. A própria história verifica essa modificação e demonstra que eles foram adaptando-se ao mundo conforme este foi se apresentando. Da maneira como as dificuldades se apresentavam, os direitos humanos foram surgindo ou modificando-se.

Conforme Bobbio (1992, p. 24), "o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas políticos". Podemos facilmente concordar com ele, pois atualmente conceitos existem aos montes, mas como fazer para por em prática esses conceitos, como fazer para efetivamente proteger esses direitos é onde está o problema.

A doutrina costuma dividir os direitos humanos em fases ou gerações. Bobbio (1992) faz referência a essas fases, ou gerações, pelas quais os direitos humanos passaram, e observa ainda que essas fases, no entanto, não podem ser divididas em compartimentos totalmente separados, pois em dado momento histórico elas podem coexistir em locais diferentes. Em suas palavras:

Como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmam-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concedendo a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores –, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado. (BOBBIO, 1992, p. 32-33)

Sobre essa divisão, é necessário também observarmos a visão de Silva e Accioly (2002), que analisam as três categorias de direitos. Conforme esses autores, a doutrina tende a abordar essas três categorias através da sua evolução histórica, falando, em direitos de primeira, segunda e terceira geração, mas alguns condenam essa divisão, pois ela teria um caráter temporal, que muitas vezes não é identificado na prática. Eles evidenciam que quanto às duas primeiras, a sua existência não é contestada, o que não ocorre com os direitos de terceira geração (SILVA e ACCIOLY, 2002, p. 366).

As gerações dos direitos humanos poderiam assim ser identificadas:

Os direitos de primeira geração são a reafirmação do direito à liberdade, em oposição à ação do Estado, que tem a obrigação de se abster de atos que possam representar a violação de tais direitos. São os direitos civis e políticos que abrangem o direito à vida e a uma nacionalidade, a liberdade de movimento e o direito de asilo, a proibição da tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, a proibição da escravidão, a liberdade de opinião e as atividades políticas e trabalhistas, etc.

Nos direitos de segunda geração a ênfase está nos direitos econômicos, sociais e culturais, nos quais existe como que uma dívida da sociedade para com o indivíduo. Estas direitos, que só podem ser desfrutados com o auxílio do Estado, são o direito ao trabalho em condições justas favoráveis, o direito de pertencer a sindicatos, o direito à educação e cultura, o direito a um nível adequado de vida, o direito à seguridade e seguro social.

Os autores que defendem a existência de uma terceira geração de direitos humanos mencionam, além do direito a um ambiente sadio, o direito à paz, o direito ao desenvolvimento e o direito aos bens que constituem o patrimônio comum da humanidade. O que caracteriza esses direitos de terceira geração, também denominados direitos sociais, é que são desfrutados de maneira coletiva, ou seja, pelo indivíduo, pelo Estado e por outras entidades públicas e privadas. Mencionados com certa hesitação, verificamos que, com o passar dos anos, a noção vai-se consolidando, dando a alguns dos direitos já aludidos no passado, como o direito à paz, um novo enfoque. (SILVA e ACCIOLY, 2002, p. 367)

É importante observar que os direitos humanos de primeira geração, civis e políticos, surgiram no século XVIII, e, através deles, foram preservadas as garantias individuais do ser humano. Já os de segunda geração, os direitos políticos, surgiram em meados do séc. XIX, e marcaram o papel do Estado como mediador de conflitos coletivos, tendo sua atuação na economia, na proteção dos trabalhadores e na implementação de políticas visando o desenvolvimento social.

Em relação aos direitos humanos de terceira geração, estes são mais recentes, e tratam especificamente dos direitos difusos. Sua primeira manifestação ocorreu durante e após a Segunda Guerra Mundial e estão consubstanciados na Carta das Nações Unidas e outras tantas convenções internacionais. Foi o início da internacionalização dos direitos humanos. Os doutrinadores costumam apresentar esses direitos como direitos humanos de Terceira Geração, compreendendo os direitos de solidariedade, a proteção do patrimônio histórico, cultural e ambiental, com a intenção de repreender os danos ambientais, e assegurar uma vida digna, para as gerações presentes e futuras.

A partir do momento em que se passou a considerar o direito ao meio ambiente saudável como um direito de toda a humanidade, sua violação, consequentemente, passou a representar uma violação dos direitos humanos.

Sobre os direitos humanos, é importante salientar a internacionalização de tais direitos. Como foi dito anteriormente, a importância dada a esses direitos na esfera internacional foi intensificada principalmente a partir da Segunda Guerra.

No que diz respeito a esse assunto, Piovesan observa (1997, p. 303):

...o Direito Internacional dos Direitos Humanos, constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do Pós-Guerra, como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo. É neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea.

Ainda com relação a esse tema, Piovesan (1997, p. 304) faz importante comentário:

Neste sentido, uma das principais preocupações deste movimento foi converter os direitos humanos em tema de legítimo interesse da comunidade internacional, o que implicou nos processos de universalização e internacionalização desses mesmos direitos. Esses processos levaram, por sua vez, à formação de um sistema normativo internacional de proteção de direitos humanos, de âmbito geral e específico.

Essa opinião é compartilhada por Bobbio (1993, p.49) que observa que "somente depois da Segunda Guerra mundial é que" o problema dos direitos humanos "passou da esfera nacional para a internacional, envolvendo – pela primeira vez na história – todos os povos".

No entanto, no momento em que o Estado passa a aceitar que os direitos humanos devem ser protegidos de forma internacional, também acaba abrindo mão de sua soberania interna em favor desse "aparato internacional de proteção". O Estado passa, então, a submeter-se às normas e institutos internacionais, que irão controlar e fiscalizar os acontecimentos desse Estado e intervir caso exista alguma violação. "Enfatiza-se, contudo, que a ação internacional é sempre uma ação suplementar, constituindo uma garantia adicional de proteção dos direitos humanos" (PIOVESAN, 1997, p. 304-305).

Assim, em relação aos direitos humanos de terceira geração, referentes ao meio ambiente, os países também sofrem pressões externas para a assinatura de tratados que, muitas vezes, não tem um interesse puramente relacionado à proteção ambiental, mas sim, interesses políticos.

Sobre o marco inicial dos direitos humanos em esfera mundial, Silva e Accioly (2002, p.351) também contribuem:

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, é o marco mais importante no estudo dos direitos do homem, muito embora se possam citar algumas manifestações importante no passado, como a Magna Carta de 1215 e as posições tomadas pela Escola Espanhola em defesa das populações indígenas nas terras recentemente descobertas.

Bobbio (1992, p. 85), de igual forma, corrobora essa afirmação:

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi aprovada pela Assembléia Nacional, em 26 de agosto de 1789.

Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que esse ato representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos simbolicamente, que assinalaram o fim de um época e o início de outra, e, portanto, indicam uma virada na histórica do gênero humano.

Sobre esse mesmo assunto, Bedin (2000, p. 19) nos orienta:

(...) a idéia de que os homens possuem direitos é, ao contrário do que normalmente se pensa, uma invenção moderna, tendo surgido e se institucionalizado no decorrer do século XVIII. Além disso, é imprescindível que realcemos, imediatamente, o fato de que o seu surgimento constitui-se, no que se refere à história, em verdadeira ruptura com o passado.

Conforme Silva e Accioly (2002, p. 368), os direitos humanos seriam indivisíveis, porém nem sempre essa afirmação foi aceita no mundo, principalmente na época da Guerra Fria. Em suas palavras:

A afirmação da indivisibilidade dos direitos humanos retorna o ideal da Declaração Universal dos Direitos humanos, que englobou os chamados direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, sem que houvesse distinção significativa entre eles. Esse ideal havia sido abandonado com a Guerra Fria, uma vez que a divisão do mundo em dois blocos econômicos e ideológicos (capitalismo e comunismo) fez com que fossem adotados dois Pactos Internacionais de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o que atendia aos anseios de cada um de seus blocos, que procuravam, à época, privilegiar o que seriam seus direitos humanos prioritários: no caso capitalista, os direitos civis e políticos; no caso comunista, os direitos sociais em sentido amplo.

Sobre esse mesmo assunto, os autores afirmam que "após o final da Guerra Fria, é consenso entre os Estados a aceitação da indivisibilidade dos direitos humanos. Observou-se, também, a ausência de claras distinções entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais" (SILVA e ACCIOLY, 2002, p. 368).

Ainda sobre a indivisibilidade dos direitos humanos observam que "não há diferença ontológica entre os direitos de primeira e de segunda geração, por exemplo", dizendo ainda que, "hodiernamente, reconhece-se que mesmo os direitos de abstenção, como o direito à vida e à liberdade, exigem prestações positivas do Estado" (SILVA e ACCIOLY, 2002, p. 368).

A questão da existência de direitos humanos de caráter positivo ou negativo, Galdino (2002), em seu livro "O custo dos direitos", faz importante análise concluindo que "todos os direitos subjetivos públicos são positivos. As prestações necessárias à efetivação de tais direitos têm custos, e, como tal, são sempre positivas" (GALDINO, 2002, p. 215).

Portanto, conforme Galdino (2002, p. 215), "não há que se falar" "em direitos fundamentais negativos, ou, o que é pior, em direitos fundamentais ‘gratuitos’, até porque, como já se pode perceber, direitos não nascem em árvores".

A partir do exposto, pode-se concluir que os direitos humanos devem ser garantidos e protegidos pelo Estado. Por ser o direito a um ambiente saudável também um direito humano, de igual forma ele deve ser garantido e protegido pelo Estado, principalmente frente à globalização econômica que força os atores internacionais a produzirem em escala cada vez maior, e de forma, na grande maioria das vezes, predatória. Esse assunto é que será abordado no tópico a seguir.


4. Os desafios da preservação ambiental frente à globalização

É notório o fato de que a globalização é irremediável. As decorrências de seus processos trouxeram consequências nas mais diversas áreas, mas principalmente mudaram a postura da comunidade mundial diante da produção e, em consequência, da preservação ambiental.

Sobre esse assunto, Bauman (1999, p. 7) afirma que: "Para todos, porém, ‘globalização’ é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira".

O mundo tem produzido cada vez mais e de forma predatória, sem o devido respeito à natureza. Por outro lado, a globalização trouxe como uma de suas consequências funestas a dificuldade cada vez maior de se atribuir culpa a quem comete um crime ambiental.

Essa falta de uma localização restrita de certos acontecimentos pode ter consequências bastante terríveis. Conforme Faria (2002, p. 62), com essa economia globalizada,

os diferentes danos morais e materiais causados pelos riscos daquela dificilmente podem ser formalmente atribuídos a alguém em particular, o que impõe às instituições jurídicas tradicionais, com jurisdição territorialmente circunscrita, uma nova forma de ter que lidar com essas dificuldades.

Bauman (1999), de igual forma, salienta que, com a globalização, há uma dificuldade cada vez maior em se conseguir definir os responsáveis pelas transgressões quando elas decorrem de investimentos que, na maioria das vezes, não se sabe ao certo de que parte do mundo vieram. Em suas palavras (BAUMAN, 1999, p. 16):

A mobilidade adquirida por "pessoas que investem" – aquelas com capital, com o dinheiro necessário para investir – significa uma nova desconexão do poder face a obrigações, com efeito uma desconexão sem precedentes na sua radical incondicionalidade: obrigações com os empregados, mas também com os jovens e fracos, com as gerações futuras e com a auto-reprodução das condições gerais de vida; em suma, liberdade face ao dever de contribuir para a vida cotidiana e a perpetuação da comunidade.

Bauman (1999, p. 19) inclusive fala que "[...] pode-se cada vez com mais confiança falar atualmente do ‘fim da geografia’. As distâncias já não importam, ao passo que a idéia de uma fronteira geográfica é cada vez mais difícil de sustentar no ‘mundo real’ ".

E em se tratando da questão ambiental é que esses desafios trazidos pela globalização parecem mais evidentes. Os crimes ambientais estão cada vez mais latentes e os países pouco ou nada fazem para coibi-los. Por vezes, é cobrada apenas uma multa que, de certa forma, chega a ser uma autorização para que os países possam poluir.

Nesse sentido, o capitalismo, sistema econômico imposto pela globalização, se mostra como um dos grandes vilões dessa exploração predatória da natureza em prol do aumento da produção. Conforme Hawken (1999, p. 2):

A revolução industrial que deu origem ao capitalismo moderno expandiu extraordinariamente as possibilidades de desenvolvimento material da humanidade. E continua expandindo-se até hoje, se bem que a um custo elevadíssimo. A partir de meados do século XVIII, destruiu-se mais a natureza que em toda a história anterior".

Hawken (1999, p. 2) traz o conceito de capitalismo natural, que compreenderia "todos os conhecidos recursos usados pela humanidade: a água, os minérios, o petróleo, as árvores, os peixes, o solo, o ar etc". Além disso, também abrangeria "sistemas vivos, os quais incluem os pastos, as savanas, os mangues, os estuários, os oceanos, os recifes de coral, as áreas ribeirinhas, as tundras e as florestas tropicais". (HAWKEN, p. 2)

O capitalismo natural seria a alternativa ecologicamente correta do capitalismo como estamos vivenciando. Pois sem o capital natural, o capitalismo não existiria, pois este sobrevive da exploração daquele.

O que se verifica atualmente é que, quanto mais são utilizados os sistemas vivos de forma irrestrita, mais os limites do dito progresso são determinados pelo capital natural, e não mais pela capacidade de produção das grandes empresas. Nesse sentido, Hawken (1999, p. 3) observa muito bem:

Hoje em dia, não é o número de pesqueiros que restringe o nosso progresso contínuo, e sim a diminuição do número de peixes; não é a força das bombas hidráulicas, e sim a escassez de mananciais; não é o número de motosserras, mas o desaparecimento das florestas.

Outro autor que manifesta opinião acerca da crise ecológica que vem se acentuando é Foladori (2001). Conforme seus estudos:

A partir da década de 60 do século XX, o ser humano constatou estar atravessando uma crise ambiental. E mais, nas últimas duas décadas reconheceu uma mudança significativa no nível em que essa crise se manifesta. De problemas em escala local ou regional (poluição do ar das cidades, rios contaminados, detritos sólidos amontoados etc.), passou-se a problemas em escala planetária (aquecimento global, redução da camada de ozônio, perda da biodiversidade, entre outros). É claro que essa crise ambiental foi um resultado não buscado pelo ser humano, ainda que, em alguns casos ou em alguma medida, seja responsabilidade de sua atuação econômica. (FOLADORI, 2001, p. 15)

Foladori (2001, p. 16) observa que "toda a corrente da economia ecológica manifesta que existe uma contradição entre um mundo finito em materiais e uma sociedade consumista e de crescimento ilimitado". Diz ainda (FOLADORI, 2001, p. 16) que "outros estudiosos apontam o sistema capitalista como o responsável pela atual crise ambiental".

Hawken (1999, p. 4) é enfático ao afirmar que "o capitalismo, tal qual vem sendo praticado, é uma aberração lucrativa e insustentável do desenvolvimento humano". Ainda, o mesmo autor (HAWKEN, 1999, p. 5) é enfático ao afirmar que o capitalismo "descuida de atribuir qualquer valor ao mais importante capital que emprega: os recursos naturais e os sistemas vivos, assim como aos sistemas sociais e culturais que são a base do capital humano".

Assim é que, o capitalismo, da forma como vem sendo utilizado em escala planetária, acabou por acentuar a atual crise ambiental. Nesse sentido, primeiramente deve-se compreender os pensamentos que constituem a base da economia vigente, para a seguir podermos compreender, de igual forma, o atual estágio de desenvolvimento e propor uma nova modalidade mais condizente com os princípios de preservação ambiental.

Por isso, para propor um novo modelo econômico que se adapte a um mundo de recursos naturais finitos, os estudiosos devem se livrar do pensamento capitalista. Pois, conforme Hawken, (1999, p. 7):

Os últimos dois séculos de crescimento maciço em prosperidade e capital industrial fizeram-se acompanhar de um prodigioso corpo de teorias econômicas que os analisavam, todas baseadas na falácia segundo a qual o capital natural e o humano tinham pouco valor em comparação com o produto final.

Em consonância com o disposto acima está o pensamento de Sachs (1993). Em suas palavras (SACHS, 1993, p. 22):

Dado o caráter finito da Espaçonave Terra e a fragilidade da biosfera, exposta à emissão dos gases estufa, o crescimento quantitativo ilimitado da produção material não pode, é óbvio, se sustentar eternamente. Se quisermos deter a exaustão irreversível do "capital natureza", tanto como fonte de matérias-primas quanto como depósito para os resíduos, o fluxo de energia e de materiais deve ser contido.

Voltando aos estudos de Hawken, este (1999, p. 18) observa que a globalização pode ter consequências ainda piores, levando a conflitos por causa da finitude dos recursos. Em suas palavras:

À medida que avançam a globalização e a balcanização e à medida que continua declinando a disponibilidade per capita de água, terra arável e peixe (como vem acontecendo desde 1980), o mundo enfrenta o perigo de se dilacerar em conflitos regionais instigados, pelo menos em parte, por esse déficit ou desequilíbrio de recursos e pelas polarizações de renda a ele associados.

Segundo Capra (1996, p. 23), os problemas de nossa época não podem ser vistos de forma isolada, mas sim de forma sistêmica, por inteiro. Desse modo, é necessária uma profunda mudança de percepção e de pensamento para garantir a nossa sobrevivência. O grande desafio do nosso tempo é criar comunidades sustentáveis, isto é, ambientes sociais e culturais onde podemos satisfazer as nossas necessidades e aspirações sem diminuir as chances das gerações futuras.

O mesmo autor (CAPRA, 1996, p. 25) afirma que o paradigma que dominou nossa cultura por várias centenas de anos, paradigma este que considera o corpo humano como uma máquina, a sociedade como uma luta competitiva pela existência, a crença no progresso material ilimitado e a crença em que uma sociedade na qual a mulher é classificada em posição inferior à do homem, passou por uma revisão radical.

A questão principal trazida por Capra (1996) é que a sociedade, os fenômenos estão interligados, como se fossem verdadeiras teias. Tudo se relaciona, nenhum acontecimento pode ser visto como algo isolado, pois tudo o que ocorre no mundo está inter-relacionado, e isso faz com que cada organismo seja dependente dos demais.

E no mundo globalizado é exatamente isso que se verifica. Os fenômenos que ocorrem em um ponto isolado do mundo refletem em todo o restante, principalmente no que diz respeito a questões ambientais.

Outro autor que critica severamente o atual sistema de globalização capitalista é Zaoual (2003). Na apresentação de seu livro, Globalização e diversidade cultural, já somos colocados diante da opinião do autor, que elabora uma crítica radical ao modelo de desenvolvimento capitalista imposto ao conjunto dos países ditos em desenvolvimento, ou países do Sul (África, Ásia e América Latina), em nome da globalização, cujos resultados têm sido desastrosos em toda a parte. Rompendo com a delimitação estritamente econômica do problema, o autor mostra que se trata de consequências da ocidentalização do mundo, determinada pelos países do Norte aos países do Sul, com desrespeito à diversidade de suas culturas, civilizações ou religiões. (ZAOUAL, 2003, p. 7)

A esse respeito, Foladori (2001, p. 45) acredita que a crise ambiental que se apresenta atualmente decorre da própria existência humana, traduzindo-se da seguinte forma:

[...] a análise da crise ambiental contemporânea não pode derivar do instrumental da ecologia, apesar de esta pretender se converter numa supraciência que englobe todas as formas de vida. A análise da crise ambiental contemporânea deve partir das próprias contradições no interior da sociedade humana, contradições que não são biológicas, mas sociais, que não se baseiam na evolução genética, mas na história econômica, que não têm raízes nas contradições ecológicas em geral, mas naquelas que se estabelecem entre classes e setores sociais em particular.

Outra importante colaboração, sobre esse tema, vem de Sachs (1993, p. 19). Diz ele que:

Para escapar do circulo vicioso da pobreza e da destruição ambiental e realizar a transição para o desenvolvimento sustentável é preciso promover, por um período bastante longo, o crescimento econômico, pelo menos no Sul e no Leste. "Em vez de escolher entre diminuir a pobreza e reverter o declínio ambiental, os líderes mundiais agora se deparam com a impossibilidade de se alcançar um desses objetivos sem que o outro seja logrado".

É possível perceber que, para as grandes potenciais mundiais, existe uma tendência em aceitar o crescimento das desigualdades, aumentando o grande abismo existente entre o Norte e o Sul, alicerçado no mercado financeiro mundial que, por sua vez, tem sua base no capitalismo sem controle financiado pelas empresas transnacionais. Nesse sentido, a tendência é em criar-se um círculo vicioso em torno da pobreza e da degradação e exploração ambientais.

No entanto, Sachs (1993, p. 21) observa que:

De Founex a Estocolmo e ao Relatório Brundtland tem-se a necessidade de maior crescimento econômico com formas, conteúdos e usos sociais completamente transformados, atendendo às necessidades das pessoas buscando uma distribuição mais justa da renda, a conservação dos recursos e enfatizando técnicas limpas de produção.

A esse respeito, importante salientar alguns princípios elencados na Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente e desenvolvimento (1992), conhecida como ECO-92, ou RIO-92, e que tratam da importância do desenvolvimento com sustentabilidade, contrariando a tendência mundial para o aumento da produção e em consequência da poluição:

PRINCÍPIO 1 – Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.

PRINCÍPIO 3 – O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras.

PRINCÍPIO 4 – Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente deste.

PRINCÍPIO 8 – Para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualidade de vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo e promover políticas demográficas adequadas. (SILVA, G., s.d., p. 168-170)

Estes são apenas quatro dos princípios trazidos. A partir dessa leitura, podemos perceber a existência de uma intenção no sentido de promover o desenvolvimento sustentável. No entanto, pouco se viu na prática essa intenção. Mesmo com a elaboração de instrumentos como a Agenda XXI, que segundo Viola (1996, p. 35), "foi um grande esforço de negociação internacional para a produção de um consenso normativo e um programa de certa operacionalidade para a humanidade com relação ao desenvolvimento sustentável", e mesmo que depois da RIO-92 alguns países tenham elaborado Agendas XXI nacionais, mecanismos como este não conduziram os países a uma política de efetivar um desenvolvimento sustentável.

Viola (1996, p. 35) afirma que, apesar dos impactos positivos da Agenda,

A diminuição da importância da questão ambiental nas opiniões públicas nacionais e o bloqueio na construção de governabilidade global, no pós-RIO, fizeram com que o documento não ganhasse toda a importância necessária para desempenhar o papel mobilizatório internacional visualizado por seus idealizadores (particularmente Maurice Strong).

Assim, percebe-se que a globalização e o sistema econômico imposto por ela, o capitalismo, modificaram sobremaneira as políticas ambientais, para que estas se adaptassem àquelas e não o contrário. O que demonstra que além das conferências internacionais e dos mecanismos internacionais de controle da política ambiental estão as intenções políticas dos Estados e grandes empresas multinacionais/transnacionais, voltadas apenas para o aumento da produção e consumo e não para a preservação ambiental e a conservação da vida no planeta.


Considerações finais

Pelo exposto, é possível perceber que o tema do desenvolvimento sustentável e da preservação ambiental diante da globalização é bastante complexo e pode render discussões calorosas. No entanto, objetivo em questão foi apenas levar o tema à discussão e demonstrar sua importância.

A Constituição Federal de 1988 trouxe a preocupação ambiental em seu texto, no entanto, na prática pouco é feito para concretizar o que ela diz. Existem vários crimes ambientais não só no Brasil, mas no mundo todo e pouco se vê a respeito da punição dos culpados.

Nesse sentido, os encontros internacionais como o que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992, RIO-92, levantaram os problemas ambientais para o mundo, mas, passada a "febre" ambiental, o mundo se acomoda e volta para seu ciclo de explorações e degradações.

A globalização e seu modelo econômico, o capitalismo, parecem ser os responsáveis pelo atual nível de produção mundial, o que consequentemente acabou por desencadear a atual crise ambiental. A exploração da natureza chegou a um nível tal que ou se procura outro modelo de desenvolvimento, ou a humanidade se afunda com seus próprios passos.

Assim, um desenvolvimento com sustentabilidade deve ser buscado urgentemente para que se possa garantir um meio ambiente saudável para as futuras gerações. Sem ter isso em mente, o ser humano pode acabar como qualquer outro animal em extinção.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUNARDI, Luthianne Perin Ferreira. Desenvolver com sustentabilidade. Os desafios da preservação ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2474, 10 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14667. Acesso em: 28 mar. 2024.