Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/14708
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Prescrição e decadência no Código Civil e CDC

Prescrição e decadência no Código Civil e CDC

Publicado em . Elaborado em .

INTRODUÇÃO

Já está consagrada entre nós a idéia de que o tempo repercute direta ou indiretamente nas relações jurídicas, seja para criar ou extinguir direitos. Isto porque, conforme elucida Silvio de Salvo Venosa "o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Deve ser exercido pelo titular dentro de determinado prazo. Isto não ocorrendo, perderá o titular a prerrogativa de fazer valer seu direito." [01]

Desta forma, "por efeito do decurso do tempo, perdem-se ou adquirem-se direitos, como no caso do (ou da) usucapião ou prescrição aquisitiva, da prescrição, da decadência, da perempção e da preclusão." [02]

Como se verá adiante a doutrina pátria, seguindo tradição germânica, distingue não só a prescrição aquisitiva da extintiva, como também diferencia a idéia de prescrição da de decadência.

Contudo, imperioso dizer que ambos os institutos, prescrição e decadência, têm por escopo garantir a estabilidade e consolidação das relações jurídicas. Neste sentido leciona Héctor Valverde Santana: "não há distinção quanto ao fundamento da prescrição e decadência. Ambos são prazos extintivos de direito material vinculados ao elemento tempo e inércia do respectivo titular." [03]

Neste diapasão, arrebata Humberto Teodoro Júnior que "a obra da prescrição consistirá, basicamente, em consolidar situações de fato que tenham perdurado por longo tempo e que, em nome da segurança e paz social, devem se tornar definitivas. Nesta perspectiva entende Santoro- Passarelli que a prescrição, mais do que a certeza das relações jurídicas, tende a realizar a adequação da situação de direito à situação de fato." [04]


1. DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL

Uma crítica constante da doutrina nacional tangenciava no fato de que o Código Civil de 1916 não fazia qualquer alusão à distinção entre prescrição e decadência, reunindo num mesmo bloco os fatos extintivos de direito em razão do decurso do tempo. Logo, incumbia aos estudiosos do direito a árdua missão de apontar quais prazos eram prescricionais e quais seriam decadenciais.

A dificuldade mostrava-se patente diante da ausência de critério estabelecido legalmente, bem como da própria divergência histórica de conceituação e estruturação desses institutos.

Para se ter idéia dos percalços apresentados, traz-se à colação a problematização da polêmica dicotomia ilustrada por Agnelo Amorim Filho: "a questão referente à distinção entre prescrição e decadência – tão velha quanto os dois velhos institutos de profundas raízes romanas – continua a desafiar a argúcia dos juristas. As dúvidas são tantas, e vêm se acumulando de tal forma através dos séculos, que, ao lado dos autores que acentuam a complexidade da matéria, outros, mais pessimistas, chegam até a negar – é certo que com indiscutível exagero – a existência de qualquer diferença entres as duas primeiras espécies de prazos extintivos." [05]

No entanto, pondo fim ao caloroso debate, o novo Código Civil acolheu expressamente a noção de prescrição como perda da pretensão, conforme se extraí do art. 189, in verbis:

"Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."

Em contrapartida, o próprio diploma civil regrou, em capítulo diverso, o instituto da decadência (arts. 207 a 211), fato este que sedimentou o fim dos eternos debates em torno destes dois institutos.

Neste sentido é a conclusão de Humberto Teodoro Júnior ao afirmar que "o ponto de partida da tomada de posição do Código de 2002 está na idéia de pretensão, sobre a qual se constrói a teoria da prescrição. Não se tratando de pretensão – exigência de uma prestação omitida pelo obrigado – não há que se pensar em prescrição. Os prazos extintivos de direitos desprovidos de pretensão é que constituem o objeto da decadência." [06]


2. DA PRESCRIÇÃO

Leciona Carlos Roberto Gonçalves que "o decurso do tempo tem grande influência na aquisição e na extinção de direitos. Distingue-se, pois, duas espécies de prescrição: a extintiva e a aquisitiva, também denominada usucapião. Alguns países tratam conjuntamente dessas duas espécies em um único capítulo. O Código Civil brasileiro regulamentou a extintiva na parte geral, dando ênfase à força extintora do direto. No direito das coisas, na parte referente aos modos de aquisição do domínio, tratou da prescrição aquisitiva, em que predomina a força geradora." [07]

Observa-se que ambas tem em comum o decurso do tempo aliado a inércia do titular. Contudo, o âmbito de aplicação da usucapião é restrito ao direito das coisas, ao passo que a prescrição extintiva tem alcance amplo, irradiando efeitos em todos os ramos do direito [08].

No entanto, tendo em vista o objeto do presente estudo, iremos nos ater a análise da prescrição propriamente dita, ou seja, a prescrição extintiva.

Conforme aduz VENOSA, a prescrição extintiva "conduz a perda do direito de ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo, e pode ser encarada como força destrutiva." [09]

Noutra quadra, Silvio Rodrigues, citando Beviláqua, define a prescrição como "sendo a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo." [10]

Entretanto, a nosso ver, com maior precisão e coerência com o novo diploma civil, Caio Mário da Silva Pereira, alerta que "para conceituar prescrição, o código partiu da idéia de pretensão. Foi a dogmática alemã que lhe deu origem. O titular de um direito subjetivo recebe da ordem jurídica o poder de exercê-lo, e normalmente o exerce, sem obstáculo ou oposição de quem quer. Se, entretanto, num dado momento, ocorre a violação por outrem nasce para o titular uma pretensão exigível judicialmente – Anspruch. O sujeito não conserva indefinidamente a faculdade de intentar um procedimento judicial defensivo a seu direito. A lei, ao mesmo tempo em que o reconhece, estabelece que a pretensão deve ser exigida em determinado prazo, sob pena de perecer" [11]. Daí que, conforme aduz o art. 189 do CC, pela prescrição extingue-se a pretensão.

Este ensinamento, levado a cabo por Caio Mário, está sedimento nas lições do Professor Agnelo Amorim Filho [12], o qual utilizou como ponto de partida de sua tese conceitos jurídicos basilares desenvolvidos por CHIOVENDA, especialmente no que tange às categorias de direitos subjetivos e à classificação das ações.

Conforme elucida Agnelo Amorim Filho "os direitos subjetivos se dividem em duas grandes categorias: a primeira compreende aqueles direitos que têm por finalidade um bem da vida a conseguir-se mediante uma prestação, positiva ou negativa, de outrem, isto é, do sujeito passivo. Recebem eles, de Chiovenda, a denominação de direitos a uma prestação, e como exemplo poderíamos citar todos aqueles que compõem as duas numerosas classes dos direitos reais e pessoais. Nessas duas classes há sempre um sujeito passivo obrigado a uma prestação, seja positiva (dar ou fazer), como nos direitos de crédito, seja negativa (abster-se), como nos direitos de propriedade. A segunda grande categoria é a dos denominados direitos potestativos, e compreendem aqueles poderes que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o concurso da vontade destas." [13]

Enquanto a pretensão está ligada a idéia de subordinação, i.e., diz respeito ao direito de se exigir, judicialmente, uma prestação (direitos a uma prestação), a decadência, como se verá a seguir, liga-se a idéia de estado de sujeição (direitos potestativos), ou seja, a faculdade de uma pessoa influir diretamente na esfera de direito outrem.

De acordo com Héctor Valverde Santana, "a diferença fundamental entre ambas as categorias de direitos subjetivos reside no fato de que nos direitos potestativos não há uma obrigação de efetivar-se uma prestação pessoal positiva ou negativa. Trata-se de um poder ideal conferido por lei de interferir, mediante simples declaração de vontade, na esfera jurídica alheia para o fim de criar, modificar ou extinguir um direito." [14]

Nesta esteira de raciocínio e para melhor compreensão do tema, também ganha relevância a moderna classificação das ações. A doutrina pátria costuma identificar três espécies de ações conforme a tutela pleiteada no processo de conhecimento: ações declaratórias, ações condenatórias e ações constitutivas.

"As ações (e as sentenças) declaratórias, ou meramente declaratórias, já que todas têm certa dose de declaratividade, são aquelas em que o interesse do autor se limita à obtenção de uma declaração judicial acerca da existência ou inexistência de determinada relação jurídica ou a respeito da autenticidade ou da falsidade de um documento (art. 4.º, do CPC)." [15]

Noutra quadra, "nas ações de natureza condenatória, o autor pretende obter do juiz uma sentença de condenação do réu. O autor visa, além da declaração judicial sobre determinada relação jurídica controvertida, à condenação do réu ao cumprimento de uma prestação...". [16]

Finalmente, nas ações constitutivas deseja-se que o juiz crie, modifique ou extinga determinada relação jurídica, v.g., ação de divórcio na qual se pleiteia ao Judiciário a extinção da sociedade e vínculo conjugal.

Tais elucidações se mostram importantes na medida em que, conforme brilhante e consagrada conclusão de Agnelo Amorim Filho (RT 744/725-750), somente as ações condenatórias (de prestação) estão sujeitas a prazos prescricionais ao passo que as ações constitutivas estão sujeitas, exclusivamente, a prazos decadenciais.

Sendo assim, valendo-nos dos conceitos e conclusões acima apresentadas, podemos definir prescrição, de forma simples e didática, como a perda de uma pretensão em virtude da inércia do seu titular dentro do prazo legal, isto é, o titular de um direito subjetivo lesado deixa transcorrer in albis o prazo a que teria direito para exigir, judicialmente, uma prestação.

Por fim, uma vez compreendida a idéia de prescrição, urge verificar os seus requisitos ou elementos. De acordo com Antônio Luís Câmara Leal [17], para a configuração da prescrição são necessários quatro elementos: existência de uma pretensão exercitável através de uma ação (actio nata); inércia do titular da ação pelo seu não exercício; continuidade dessa inércia por um determinado lapso de tempo e, por fim, ausência de fato ou ato impeditivo, suspensivo ou interruptivo do curso prescricional.

Carlos Roberto Gonçalves alerta que o primeiro requisito deve ser "atualizado tendo em vista que a moderna doutrina e o novo Código Civil exigem não uma ação exercitável, mas uma pretensão. E o ultimo não constitui propriamente elemento conceitual da prescrição, implicando apenas na não tipificação ou em mera forma alternativa de contagem do prazo." [18]

2.1. DISPOSIÇÕES LEGAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO NO NCC

De acordo com o art. 190 do CC, a exceção prescreverá no mesmo prazo da pretensão, ou seja, "não se permite ao réu deduzir defesa – sob a forma de contestação, embargos do devedor, pedido contraposto, reconvenção, incidente de falsidade, declaratória incidental etc. -, quando o direito ou pretensão já tiver sido atingido pela prescrição. Caso o direito ou pretensão já esteja prescrito, vedado ao réu opor exceções (defesas) de direito material, tais como a exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), a exceção do contrato cumprido de forma defeituosa (exceptio non rite adimpleti contractus) etc.." [19]

Por sua vez, dispõe o art. 191 do CC somente ser possível a renúncia da prescrição após sua consumação e desde que tal ato não gere prejuízo a terceiros. Aludido dispositivo tem por finalidade garantir a eficácia prática da prescrição, "caso contrário todos os credores poderiam impô-la aos devedores." [20] Noutra quadra, entende Carlos Roberto Gonçalves que a mencionada norma tem por escopo a da ordem pública na medida em que a renuncia prévia a prescrição tornaria a ação imprescritível por vontade da parte [21], o que obviamente jamais deve ser admitido.

Pelo mesmo fundamento de garantia e respeito a ordem pública o art. 192 do Código Civil veda a alteração dos prazos prescricionais pelas partes, até porque os prazos prescricionais estão diretamente ligados com preceitos de segurança e estabilidade das relações jurídicas na vida em sociedade.

Já o art. 193 do estatuto civilista aduz ser a prescrição alegável em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita. Contudo, vale ressaltar que o artigo em comento diz respeito às instancias ordinárias, pois em grau de recurso especial e extraordinário somente será passível a argüição de prescrição caso a questão já tenha sido objeto de prequestionamento nos recursos ordinários.

O art. 194 do Código Civil foi revogado pela lei n.º 11.280/06. Contudo, vale a menção de sua antiga redação em razão da relevância do tema: "o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz". No mesmo sentido foi a alteração perpetrada pela referida lei no CPC ao dispor no art. 219, §5º, que o juiz deve conhecer de ofício a prescrição.

Em que pese a revogação do art. 194 do CC, permitindo-se, assim, o reconhecimento ex officio da prescrição pelo magistrado, parte da doutrina entende que "no caso de cobrança de dívida prescrita, o juiz deve, antes de decretá-la de ofício, dar chance para o réu se manifestar quanto à renúncia à prescrição, pois caso contrário a inovação seria inconstitucional, por afastar o direito pessoal do devedor de pagar a dívida, renunciando judicialmente à prescrição." [22]

Por sua vez, prevê o artigo 195 que "os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes e representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente".

Tal norma tem nítido caráter protetivo daqueles que estão privados de gerenciar e administrar os próprios bens. Como observa Nelson Godoy Bassil Dower "a ação regressiva prevista no art. 195 representa uma garantia de indenização por perdas e danos às pessoas jurídicas e aos relativamente incapazes, em conseqüência da consumação da prescrição por dolo (intenção) ou culpa, por omissão de seus representantes. Mesmo que não existisse o disposto em questão, essas pessoas teriam direito à indenização com fundamento no art. 186 do CC." [23]

Como se verá adiante, não corre prescrição contra os absolutamente incapazes, razão pela qual se torna desnecessária qualquer alusão ao direito de regresso em favor dos menores impúberes.

Ainda com relação as regras gerais de prescrição, dispõe o art. 196 que a "prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor." Note-se que o artigo emprega corretamente o termo sucessor e não herdeiro, mostrando-se clara a opção ampliativa do legislador. Desta forma, ocorrendo "a transferência do direito, a pretensão real ou pessoal chega ao sucessor com a mesma carga prescricional que pesava sobre o transmitente. O sucessor recebe o tempus que já correra para o sucedido, não devendo fazer distinção entre sucessor a título universal e sucessão singular." [24]

2.2. DAS CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO

Causas impeditivas e suspensivas da prescrição são fatos e situações que paralisam, temporariamente, o decurso de seu lapso temporal. Sendo o fato ou a situação obstativa do prazo anterior ao momento em que este (prazo) deveria começar a fluir, tem-se uma causa impeditiva; no entanto se a causa obstativa apresenta-se no decurso do prazo prescricional, vislumbra-se uma causa suspensiva. Neste caso, superado o obstáculo impeditivo do decurso temporal, o prazo prescricional volta a correr pelo período restante.

O novo Código Civil agrupou as causas impeditivas ou suspensivas da prescrição em três dispositivos: a) art. 197 – causas subjetivas bilaterais; b) art. 198 – causas subjetivas unilaterais; c) art. 199 – causas objetivas ou materiais.

O art. 197 do Código Civil (causas subjetivas bilaterais) prevê três hipóteses em que não corre a prescrição por motivos de ordem moral:

I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

II – entre os ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;

III – entre os tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.

Já o artigo 198 do Código Civil (causas subjetivas unilaterais) prevê outros três casos em que não corre a prescrição levando em conta uma situação peculiar da parte na relação jurídica:

I – contra os incapazes de que trata o art. 3º;

II – contra os ausentes do país em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;

III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

Noutra quadra, o art. 199 (causas objetivas ou materiais) do diploma civilista adota como critério situações jurídicas não consolidadas ou em formação:

I – pendendo condição suspensiva;

II – não estando vencido o prazo;

III – pendendo ação de evicção.

Também não correrá prescrição quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal antes da respectiva sentença definitiva (art. 200, CC). Como esclarece Caio Mario da Silva Pereira, "embora a responsabilidade civil seja independente da criminal (v. art. 935), a pendência de processo criminal suspende o curso da ação fundada em fato que deva ser apurado no juízo criminal, porque seria ela dependente de seu desfecho". [25]

2.3 DAS CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

"Bem diferente dos impedimentos (causas suspensivas) são os fatos que a lei prevê como os motivos de interrupção da prescrição (causas interruptivas). Enquanto as causas suspensivas apenas embaraçam a continuidade do prazo, sem entretanto anular o tempo eventualmente transcorrido, as causas interruptivas eliminam totalmente o lapso de tempo já vencido." [26]

De acordo com o art. 202 do Código Civil a interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

I – por despacho do juiz, mesmo que incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

II – por protesto, nas condições do inciso antecedente;

III – por protesto cambial;

IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;

V – por qualquer ato judicial que constitua o devedor em mora;

VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do direito pelo devedor.

A legitimidade para promover a interrupção da prescrição se estende a qualquer interessado (art. 203, CC).

Questão mais complexa é a respeito dos efeitos e limites da interrupção da prescrição em relação aos credores e devedores solidários.

Conforme assevera Silvio Rodrigues, "em regra, os efeitos da prescrição são pessoais, de modo que a interrupção da prescrição efetuada por um credor não aproveita aos outros, da mesma maneira que, promovida contra um devedor, não prejudica os demais." [27] Neste sentido é o teor do art. 204, caput, do Código Civil ao dispor que "a interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados."

Contudo, nos parágrafos seguintes do art. 204, o legislador fez alusão a situações peculiares em que o efeito interruptivo poderá beneficiar ou prejudicar terceiros.

Nesta esteira de raciocínio, reza o parágrafo primeiro que "a interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros."

A regra em comento leva em consideração as disposições gerais dos direitos obrigacionais e nem poderia ser diferente. Logo, por ser a unicidade da prestação a principal característica da solidariedade, nada mais lógico do que a interrupção da prescrição de tal prestação aproveitar ou prejudicar todos os interessados.

Noutra quadra é a redação do parágrafo segundo ao dispor que "a interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis."

Tal dispositivo encontra substrato no art. 265 do Código Civil que aduz ser a solidariedade oriunda exclusivamente da lei ou da vontade das partes. Sendo assim, não se podem presumir solidários os herdeiros do devedor solidário, razão pela qual a interrupção operada contra um deles, não prejudica os demais. "A ressalva final é devida ao fato de que, se a obrigação for indivisível, ela, por sua natureza, pode ser exigida por inteiro de cada um dos devedores; portanto, interrompendo-se o lapso prescricional contra uma, é lógico que afete todos." [28]

Por fim, aduz o parágrafo terceiro do artigo 204 que "a interrupção produzida contra o devedor principal prejudica o fiador". Tal norma ampara-se em regra já consagrada no direito civil de que o acessório segue o principal (princípio da gravitação jurídica). Portanto, sendo a fiança um contrato acessório da obrigação principal, obviamente terá o mesmo destino desta, ou seja, interrompida a prescrição da obrigação principal, considera-se, também, interrompida a da obrigação acessória. Contudo, nunca é demais dizer, o raciocínio inverso não será válido, isto é, a interrupção da prescrição para o fiador não implica na interrupção para o devedor principal.


3. DA DECADÊNCIA

Como já visto anteriormente, o decurso do tempo tem papel primordial no âmbito das relações jurídicas, sendo fator de extinção ou aquisição de direitos.

Superado o velho regime do Código Civil de 1916, juntamente com seus calorosos e eternos debates, o novo Código Civil, espelhado nos diplomas italiano e português, regrou autonomamente o instituto da decadência e prescrição.

A viga mestra desta constatação assenta-se na adoção expressa, pelo novo Código Civil, da noção de prescrição como perda da pretensão (art. 189, CC), ou seja, extinção do direito de se exigir, judicialmente, uma prestação.

Noutra quadra, "a decadência ocorre quando não existe dever jurídico do sujeito passivo que não tenha sido cumprido, ocasionando uma lesão do direito, mas tão somente faculdade que pode ou não ser exercida, durante um certo prazo fixado pela lei." [29] Relega-se ao instituto da decadência a idéia de estado de sujeição (direito potestativo).

Neste sentido leciona Maria Helena Diniz ao afirmar que a "decadência dá-se quando um direito potestativo não é exercido extrajudicial ou judicialmente dentro do prazo. Atinge um direito sem pretensão, porque tende à modificação do estado jurídico existente, p. ex., como o herdeiro necessário que tem 4 anos para provar a veracidade da deserdação alegada pelo testador contra herdeiro necessário (CC, art. 1.965, parágrafo único) e com isso ser beneficiado na sucessão com exclusão do deserdado. Supõe, a decadência, direito sem pretensão, pois a ele não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma sujeição de alguém." [30]

Valendo-se do mesmo raciocínio, Caio Mario da Silva Pereira define decadência como o "perecimento do direito potestativo, em [31] razão do seu não exercício em um prazo predeterminado."

Arrebatando o tema, conclui Humberto Teodoro Júnior: "se a prescrição é a perda da pretensão (força de reagir contra a violação do direito subjetivo), não se pode, realmente, cogitar de prescrição dos direitos potestativos. Estes nada mais são do que poderes ou faculdades do sujeito de direito de provocar a alteração de alguma situação jurídica. Neles não se verifica a contraposição de uma obrigação do sujeito passivo a realizar certa prestação em favor do titular do direito. A contraparte simplesmente está sujeita a sofrer as conseqüências da inovação jurídica. Por isso não cabe aplicar aos direitos potestativos a prescrição: não há pretensão a ser extinta, separadamente do direito subjetivo; é o próprio direito potestativo que desaparece, por completo, ao término do prazo marcado para seu exercício." [32]

3.1. DISPOSIÇÕES LEGAIS DA DECADÊNCIA

Em relação à decadência o novo Código Civil, em capítulo autônomo ao da prescrição, dispôs no art. 207 que "salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem ou interrompem à prescrição".

Desta forma, o fluxo do prazo decadencial flui contra qualquer pessoa, sendo inaplicáveis as causas obstativas ou interruptivas previstas para a prescrição, salvo quando se tratar de pessoa absolutamente incapaz, conforme disposição expressa do art. 208 do Código Civil.

"Convém notar que, na realidade, não se pode pensar em interromper o prazo decadencial nos mesmos termos em que se concebe a interrupção da prescrição. Com efeito, quando o direito potestativo somente pode ser exercido por meio de ação (anulação do negócio jurídico, ação pauliana, anulação de casamento, etc.), a citação do demandado não interrompe o prazo decadencial. Com a propositura da ação o titular do direito potestativo o exercita e, com isso, impede que a decadência ocorra." [33]

Assim como ocorre com a prescrição, é vedada a renúncia à decadência fixada em lei (art. 209), pois sendo tais prazos fixados em normas cogentes e de ordem pública, jamais poderão ser alteradas pela vontade das partes.

No entanto, tratando-se de decadência convencional, absolutamente viável a sua renúncia em face da autonomia da vontade das partes interessadas.

Outra questão interessante reside no fato da impossibilidade do magistrado reconhecer a decadência convencional de ofício (art. 211).

Como se percebe, os prazos decadenciais podem ser legais (estipulados no interesse da coletividade) ou convencionais (fixados no interesse privado dos interessados).

Esclarece Humberto Theodoro Junior que "quando se trata de fruto da autonomia negocial, não cabe o juiz conhecer da decadência, senão quando arguida pela parte, porquanto tem esta disponibilidade a respeito do direito que nela se funda. Não cabe ao juiz sobrepor-se à vontade dos interessados em terreno dominado pela disponibilidade dos direitos." [34]


4. DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC

Como visto anteriormente, o novo Código Civil trouxe uma disciplina geral a respeito da prescrição e da decadência. Contudo, tais institutos comportam regramentos específicos a depender do ramo do Direito em que terão aplicação, v.g., no estatuto consumerista.

Neste sentido leciona Claudia Lima Marques [35] ao afirmar que o CDC constitui lei especial para as relações de consumo ao passo que o novo Código Civil é norma geral e de aplicação subsidiaria, utilizado para complementar no que couber o CDC. Obviamente o estatuto civilista jamais poderá integrar o CDC de forma a prejudicar ou suprimir direitos do consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor tratou especificamente do tema na Seção IV – arts. 26 e 27, os quais estabelecem:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.

§ 2° Obstam a decadência:

I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;

II - (Vetado).

III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Parágrafo único. (Vetado).

Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto do CDC, aduz que os prazos previstos no artigo 26 são decadenciais na medida em que extinguem direitos subjetivos em via de constituição. No entanto, afirma que o art. 27 também prevê um prazo decadencial, pois "continua em causa extinção de direitos subjetivos em via de constituição". [36]

Por sua vez, Claudia Lima Marques aduz que "a norma do art. 26 não é de todo translúcida. O caput menciona a decadência do direito de reclamar, evitando falar da decadência do direito subjetivo, ou de prescrição da ação que protege tal direito de receber um produto adequado (...). Ora, se a decadência fosse efetivamente do direito de reclamar, este já teria sido usado, exercitado como direito; logo, não poderia morrer, decair, caducar, como se queira." [37]

Continua a autora: "Parece-nos que a regra do art. 26 refere-se à decadência do direito de reclamar judicialmente, isto é, decadência do direito à satisfação contratual perfeita, obstada por um vício de inadequação do produto ou serviço."

Em sentido semelhante é o posicionamento de Héctor Valverde Santana [38], José Carlos Maldonado de Carvalho [39] e Leonardo de Medeiros Garcia na medida em que vislumbram no art. 26 o instituto da decadência ao passo que no art. 27 detectam a prescrição.

De acordo com GARCIA "o prazo do art. 26 é de decadência, pois se trata de decurso de prazo para que o consumidor exerça um direito potestativo (direito de reclamar), impondo uma sujeição ao fornecedor, para que este possa sanar os vícios do produto ou serviço em razão da responsabilidade por vício de inadequação estampada nos arts. 18 a 25 do CDC. Já o prazo do art. 27 é de prescrição, pois se trata de exercer uma pretensão nascida em decorrência de uma lesão sofrida pelo consumidor (responsabilidade pelo fato do produto e do serviço)." [40]

Nesta esteira de raciocínio é a posição firmada pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar ao afirmar, em um de seus votos, que a diferença entre prescrição e decadência "deve ser feita a partir da distinção entre Direito subjetivo propriamente dito (Direto formado, fundamental ou bastante em si), que contém poderes sobre bens da vida, permite ao seu titular dispor sobre eles, de acordo com a sua vontade e nos limites da lei, e esta armado de pretensão dirigida contra quem se encontra no pólo passivo da relação (ex: direito de propriedade, direito de crédito), e direito formativo (dito de configuração ou potestativo), que atribui ao seu titular, por ato unilateral, formar relação jurídica concreta, a cuja atividade a outra parte simplesmente se sujeita".

"Esse direito formativo é desarmado de pretensão, pois o seu titular não exige da contraparte que venha efetuar alguma prestação decorrente exclusivamente do direito formativo; apenas exerce diante dela o seu direito de configurar uma ralação".

"O efeito do tempo sobre os direitos armados de pretensão atinge a pretensão, encobrindo-a, e a isso se chama de prescrição. Os direitos formativos, porque não têm pretensão, são afetados diretamente pelo tempo e extingue-se: é a decadência". [41]

Aliás, este vem sendo o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual sedimentou que os prazos previstos no art. 26 do CDC são decadenciais ao passo que o prazo previsto no art. 27 do mesmo diploma é prescricional. [42]

4.1. DA DECADÊNCIA NO CDC

De acordo com o art. 26 do CDC, o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

Ab initio, cumpre observar que "ao contrário do critério adotado pelo código civil (mobilidade dos bens), o CDC segue o critério da durabilidade ou não dos produtos ou serviços". [43]

De acordo com Rizzatto Nunes produto durável "é aquele que, como o próprio nome diz, não se extingue com o uso. Ele dura, leva tempo para se desgastar. Pode – e deve – se utilizado muitas vezes (...) O produto durável, por sua vez, é aquele que se acaba com o uso. Como o próprio nome diz, não tem qualquer durabilidade. Usado ele se extingue ou, pelo menos, vai-se extinguindo. Estão nessa condição os alimentos, os remédios, os cosméticos etc.". [44]

"Já em relação aos serviços, a durabilidade está ligada ao resultado pretendido com a execução do serviço e não ao tempo de duração da atividade desenvolvida pelo fornecedor. Como exemplos, são considerados duráveis os serviços de seguro de automóvel; de assistência técnica; de reforma de imóveis etc. São considerados não duráveis, por sua vez, os serviços de transporte; de lavagem de automóvel; de cabeleireiro, de pacote turístico etc." [45]

Também vale ressaltar que o vício compreendido no caput do art. 26 refere-se aquele aparente ou de fácil constatação, perceptível a olho nu, ou, nos dizeres de Héctor Vaverde Santana "aquele em que a identificação não exige um conhecimento especializado por parte do consumidor, cuja percepção seja possivel num exame superficial do produto ou serviço". [46]

Já, com relação aos vícios ocultos, dispõe o art. 26, §3º do CDC que o prazo decadencial terá inicio no momento em que ficar evidenciado o vício. "Tem-se por oculto o vício que não se visualiza de imediato, sendo, portanto, de difícil constatação." [47]

4.1.1 DAS CAUSAS OBSTATIVAS

De acordo com o parágrafo segundo do art. 26 do CDC:

§ 2° Obstam a decadência:

I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;

II - (Vetado).

III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

Como visto no estudo das disposições gerais referentes à decadência, vislumbra-se que a regra em nosso ordenamento é pela impossibilidade de interrupção e suspensão de do prazo decadencial.

No entanto, o CDC, de forma inovadora (pois rompeu com a clássica idéia de que o prazo decadencial não está sujeito a interrupções ou suspensões) apresentou duas causa obstativas do prazo decadencial. De pronto urge indagar o sentido e alcance da expressão "obstar" prevista no CDC.

Rizzato Nunes, com perspicácia, aduziu que "para fugir da discussão – especialmente doutrinaria – a respeito da possibilidade ou não de que um prazo decadencial pudesse suspender-se ou não, interromper-se ou não, o legislador, inteligentemente, lançou mão do verbo "obstar"". [48]

A partir de então, iniciou-se calorosos debates a respeito dos efeitos desta "obstaculização": se suspenderiam ou interromperiam os prazo decadenciais previstos no dispositivo em questão.

Para Zelmo Denari, tal expressão refere-se a suspensão do prazo. Se "a reclamação ou inquérito civil paralisam o curso decadencial durante um lapso de tempo (até a resposta negativa ou encerramento do inquérito), parece intuitivo que o propósito do legislador não foi o de interromper, mas suspender o curso decadencial. Do contrário, não teria estabelecido um hiato, com previsão de um termo final (dies a quo), mas simplesmente, um ato interruptivo." [49]

Héctor Valverde Santana entende que deve prevalecer a tese da interrupção, pois "o parágrafo único do art. 27 do CDC foi vetado pelo Presidente da República por reconhecer nele grave defeito de formulação. O dispositivo censurado dizia que interrompia-se a prescrição nas hipóteses do §1.º do art. 26 do CDC. É certo que houve um erro de remissão, pois induvidosamente pretendia referir-se às causas obstativas do § 2.º do art. 26 do CDC." [50]

Do mesmo entendimento comungam Claudia Lima Marques [51] e Luiz Edson Fachim [52].

Apresentando um terceiro posicionamento Rizzato Nunes, citando a Professora Mirella D’Angelo Caldeira, afirma que "o efeito da reclamação é constitutivo do direito do consumidor." [53]

Para a Professora Mirella a expressão obstar não foi adotada em nenhum desses dois sentidos (interruptivo ou suspensivo), "mas sim no sentido de exercício do direito, por dois motivos. Primeiro porque em se tratando de prazo decadencial, o mesmo é insuscetível à interrupção, suspensão ou extinção, devendo ocorrer de forma contígua e ininterrupta. Segundo porque o prazo decadencial refere-se ao exercício de um direito potestativo, isto é, no prazo previsto em lei, o consumidor tem que constituir seu direito de reclamar por um vício existente no produto ou serviço, sob pena de perdê-lo." [54]

4.2. DA PRESCRIÇÃO NO CDC

De acordo com o art. 27 do CDC: Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Da própria redação legal se vislumbra que o dispositivo trata da prescrição do direito à reparação dos danos causados por fato do produto ou serviço, ou seja, "prescrição do direito de pleitear judicialmente a reparação pelos danos causados por um acidente de consumo." [55], indenizações oriundas de defeito.

Nunca é demais lembrar que o "defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior do que simplesmente o mau funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago – já que o produto ou o serviço não cumpriram com o fim ao qual se destinavam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou moral e/ou estético e/ou à imagem do consumidor." [56]

Noutra quadra, no que tange ao alcance da regra estabelecida no art. 27, isto é, se o dispositivo se resume aos acidentes de consumo, em que pese divergências doutrinarias a respeito do alcance da norma, vem prevalecendo o entendimento de que a interpretação do art. 27 deve ser ampla, "aplicando o prazo de cinco anos sempre que houver ação condenatória em relação de consumo. A única hipótese que o STJ não aplica, de modo pacifico, o prazo do art. 27, é no caso das ações entre segurador e segurados, aplicando a prescrição ânua." [57]

Por fim, imperioso mencionar que o CDC, diferentemente do Código Civil, adotou como marco inicial da contagem do lapso prescricional o do conhecimento do dano e de sua autoria, ou seja, o inicio do prazo se dará somente com a presença cumulativa dos dois eventos mencionados: conhecimento do dano e conhecimento de sua autoria.

Zelmo Denari explica a inclusão do requisito da autoria além do conhecimento do dano: "pode ocorrer que o consumidor – ou qualquer vítima do evento – tenha perfeito conhecimento do dano, mas ignore a quem deva atribuir a respectiva autoria, ou seja, a responsabilidade pelo evento". [58]

4.2.1 – CAUSAS OBSTATIVAS, SUSPENSIVAS OU INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO NO CDC

O parágrafo único do artigo 27 do diploma consumerista, vetado pelo Presidente da República, dispunha a respeito da interrupção da prescrição da seguinte forma: "Interrompe-se o prazo de prescrição do direito de indenização pelo fato do produto ou serviço nas hipóteses previstas no §1º do artigo anterior, sem prejuízo de outras disposições legais."

No entendimento do Presidente da República "essa disposição padece de grave defeito de formulação, que impossibilita o seu entendimento, uma vez que o § 1º do artigo 26 refere-se ao termo inicial dos prazos de decadência, nada dispondo sobre interrupção da prescrição."

De acordo com Héctor Valverde Santana "certamente houve um erro remissivo no parágrafo único do art. 27 do CDC. Com efeito, o dispositivo vetado cuidava de causas interruptivas da prescrição, mas a remissão foi feita ao art. 26, §1º do CDC, que por sua conta ocupa-se da disciplina do termo inicial da decadência." [59]

Obviamente que o legislador queria fazer referência ao §2º do art. 26 da lei, que aborda as hipóteses de obstaculização da decadência. Desta forma, mostra-se clara a intenção do legislador de permitir a interrupção ou suspensão, também, dos prazos prescricionais.

Solucionando a questão, Rizzatto Nunes [60], com supedâneo no art. 7º do CDC ("a incidência da lei consumerista não exclui as demais normas que não sejam com ela incompatíveis, assim como aquelas que as complementam") afirma que se aplicam ao CDC as causas suspensivas e interruptivas previstas no Código Civil.

O mesmo entendimento é externado por José Carlos Maldonado de Carvalho: "em razão do veto ao parágrafo único do arttigo 27, aplicam-se à prescrição as hipóteses de suspensão e interrupção enunciadas nos arts. 168 a 170 e 172 a 175 do Código Civil." [61]


BIBLIOGRAFIA

NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

GRINOVER, Ada Pellegrinni... [el al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado e jurisprudência. 4. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2008.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2005. – (coleção direito civil; v.1)

ALVIM, Arruda; CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira; ROSAS, Roberto. Aspectos controvertidos do novo código civil: escritos em homenagem ao ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 34. ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: parte geral: v.1. – São Paulo: Saraiva, 2003.

MONTEIRO, Washington de Barros; PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de Direito Civil: parte geral: v.1. 42. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: introdução ao direito civil; teoria geral de direito civil: v.1. 20 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2005.

LEAL, Antônio Luís Câmara. Da prescrição e decadência. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1978.

AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais – São Paulo, vol. 744, p. 725-750, outubro de 1997.

JUNIOR, Humberto Teodoro. Prescrição e decadência no novo código civil: alguns aspectos relevantes. Revista Síntese de direito civil e processual civil – n.º 23 – Maio/Jun/2003, p. 128-147.

_______. Comentários ao novo Código Civil, vol.3, tomo 2: dos defeitos do negócio jurídico ao final do livro III. – Rio de Janeiro: Forense, 2003.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de Processo Civil: vol.1. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: vol. 1, teoria geral do direito civil. 18. ed. – São Paulo: Saravaiva, 2002.

JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MACHADO, Antonio Claudio da Costa. Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. – Barueri/SP: Manole, 2008.

DOWER, Nelson Godoy Bassil. Curso moderno de Direito Civil, vol. 1. 4. ed. – São Paulo: Nelpa, 2004.

WALD, Arnoldo. Direito Civil: introdução e parte geral. – 10. ed. – São Paulo: Saraiva, 2003.

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIM, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SANTANA, Hector Valverde. Prescrição e Decadência nas relações de consumo. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Direto do Consumidor: fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 2. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007.


Notas

  1. Direito Civil, v. 1, 5ª ed., Ed. Atlas, p. 593.
  2. Carlos Fernando Mathias de Souza, Aspectos controvertidos do novo código civil: tempo e direito, Ed. Revista dos Tribunais, p. 105.
  3. Prescrição e Decadência nas relações de consumo. Revista dos Tribunais, p. 21.
  4. Aspectos controvertidos do novo código civil: da prescrição e decadência no novo Código Civil brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, p. 323.
  5. Critério cientifico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ação imprescritíveis. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 744, p. 725.
  6. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil – N.º 23 – Maio/Jun/2003. Prescrição e Decadência no novo código civil: alguns aspectos relevantes, p. 141.
  7. Direito Civil Brasileiro, vol. I, Ed. Saraiva, p. 463 e 464.
  8. Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil: parte geral, v.1, 42ª ed., Ed. Saraiva, p. 354.
  9. Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, v. 1, 5ª ed., Ed. Atlas, p. 595.
  10. Direito Civil: parte geral, 34ª ed., Ed. Saraiva, p. 324.
  11. Instituições de Direito Civil: introdução ao direito civil. Teoria geral do direito civil, v.1. 20ª ed. Ed. Forense, p. 682.
  12. Critério cientifico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ação imprescritíveis. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 744, p. 725-750.
  13. Critério cientifico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ação imprescritíveis. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 744, p. 728.
  14. Prescrição e Decadência nas relações de consumo. Revista dos Tribunais, p. 31.
  15. Luiz Rodrigues Wambier, Curso Avançado de Processo Civil, 6ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, p. 154.
  16. Nelson Godoy Bassil Dower, Curso Básico de Direito Processual Civil, 4ª ed., Ed. Nelpa, p. 94.
  17. Da prescrição e decadência, 3ª ed., Ed. Forense, p. 11 e 12.
  18. Direito Civil Brasileiro, vol. I, Ed. Saraiva, p. 466.
  19. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil Comentado, 3ªed., Ed. Revista dos Tribunais, p. 288.
  20. Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1, 18ªed., Ed. Saraiva, p. 341.
  21. Direito Civil Brasileiro, vol. I, Ed. Saraiva, p. 470.
  22. Código Civil Interpretado, Antonio Claudio da Costa Machado, Ed. Manole, p. 159.
  23. Curso Moderno de Direito Civil, vol. 1, 4ªed., Ed. Nelpa, p. 477.
  24. Comentários ao novo Código Civil, v. 3, tomo 2. Ed. Forense, p. 220.
  25. Instituições de Direito Civil: introdução ao direito civil. Teoria geral do direito civil, v.1. 20ª ed. Ed. Forense, p. 698.
  26. Humberto Theodoro Júnior, Comentários ao novo Código Civil, v. 3, tomo 2. Ed. Forense, p. 222.
  27. Direito Civil: parte geral, 34ª ed., Ed. Saraiva, p. 344.
  28. Silvio Rodrigues. Direito Civil: parte geral, 34ª ed., Ed. Saraiva, p. 344-345.
  29. Arnoldo Wald. Direito Civil: Introdução e Parte Geral. 10ªed. Ed. Saraiva, p. 231.
  30. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1, 22ªed., Ed. Saraiva, p.395.
  31. Instituições de Direito Civil: introdução ao direito civil. Teoria geral do direito civil, v.1. 20ª ed. Ed. Forense, p. 689.
  32. Comentários ao novo Código Civil, v. 3, tomo 2. Ed. Forense, p. 344.
  33. Humberto Theodoro Júnior. Comentários ao novo Código Civil, v. 3, tomo 2. Ed. Forense, p. 358.
  34. Humberto Theodoro Júnior. Comentários ao novo Código Civil, v. 3, tomo 2. Ed. Forense, p. 370-371.
  35. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2ª ed. Ed. Revista dos Tribunais, p. 438.
  36. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Ed. Forense Universitária, p. 236.
  37. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2ª ed. Ed. Revista dos Tribunais, p. 418.
  38. Prescrição e Decadência nas relações de consumo. Revista dos Tribunais, p. 72.
  39. Decadência e Prescrição no CDC: vício e fato do produto e serviço. Texto disponibilizado no banco do conhecimento em 24 de julho de 2008.
  40. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. 4ª ed. Ed. Impetus, p. 160.
  41. REsp. 100710/SP, 4ª Turma, STJ. Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ 03/02/1997.
  42. Ver REsp 967623/RJ, 3ª Turma, STJ, Ministra Nancy Andrighi, DJe: 29/06/2009; REsp 810353/ES, 4ª Turma, STJ, Ministro Aldir Passarinho Junior, DJe: 11/05/2009; AgRg no REsp 1064246/PR, 3ª Turma, STJ, Ministro Sidnei Benneti, DJe: 23/03/2009.
  43. José Carlos Maldonado de Carvalho, Direito do Consumidor: fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 2ª ed. Ed. Lumen Juris, p. 88.
  44. Curso de Direito do Consumidor, 4ª ed., Ed. Saraiva, p. 92.
  45. Leonardo de Medeiros Garcia. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. 4ª ed. Ed. Impetus, p. 164-165.
  46. Prescrição e Decadência nas relações de consumo. Revista dos Tribunais, p. 118.
  47. José Carlos Maldonado de Carvalho, Direito do Consumidor: fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 2ª ed. Ed. Lumen Juris, p. 88.
  48. Curso de Direito do Consumidor, 4ª ed., Ed. Saraiva, p. 390
  49. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Ed. Forense Universitária, p. 239-240.
  50. Prescrição e Decadência nas relações de consumo. Revista dos Tribunais, p. 126.
  51. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Ed. Revista dos Tribunais, p. 371.
  52. Da prescrição e da decadência no Código do Consumidor, Revista da Procuradoria Geral do Estado – RPGE, Fortaleza, p. 29-40.
  53. Curso de Direito do Consumidor, 4ª ed., Ed. Saraiva, p. 395.
  54. Aspectos da Prescrição e Decadência no Código de Defesa do Consumidor. Artigo publicado no endereço eletrônico: http://www.unifieo.br/edifieo/index.php/rmd/article/viewFile/11/47
  55. Leonardo de Medeiros Garcia. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. 4ª ed. Ed. Impetus, p. 171.
  56. Rizzato Nunes. Curso de Direito do Consumidor, 4ª ed., Ed. Saraiva, p. 181.
  57. Leonardo de Medeiros Garcia. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. 4ª ed. Ed. Impetus, p. 174.
  58. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Ed. Forense Universitária, p. 242.
  59. Prescrição e Decadência nas relações de consumo. Revista dos Tribunais, p. 94.
  60. Curso de Direito do Consumidor, 4ª ed., Ed. Saraiva, p. 409-410.
  61. Direito do Consumidor: fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 2ª ed. Ed. Lumen Juris, p. 90

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Volney Santos. Prescrição e decadência no Código Civil e CDC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2481, 17 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14708. Acesso em: 28 mar. 2024.