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Despesas com pessoal e os royalties do petróleo.

A legislação e o efeito no caixa dos municípios do Estado do Rio de Janeiro

Despesas com pessoal e os royalties do petróleo. A legislação e o efeito no caixa dos municípios do Estado do Rio de Janeiro

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1 - Introdução

Quinta-feira, dia 10.06.2010: um dia muito triste para o Estado do Rio de Janeiro. O Senado aprovou a emenda Ibsen, que redistribui os royalties do petróleo de forma igualitária entre todos os estados e municípios da federação. O Estado do Rio de Janeiro e seus municípios dependem agora de um veto presidencial ou de vencer uma ação na justiça para terem o direito de continuar recebendo as "doses" mensais do que acabou se transformando num "entorpecente"

A metáfora sobre o "vício" é pertinente e é a mais pura expressão da verdade, isto porque, para alguns municípios do Rio, os royalties representam 70% dos ingressos de Caixa para a prefeitura fazer frente a seus custeios e seus investimentos. Até a emenda Ibsen, a discussão não recaía sobre o recebimento dos recursos, a discussão principal era sobre o destino a ser dado para os recursos, pois o recebimento dos recursos nunca se questionou.

O caso da maioria dos municípios do Estado do Rio de Janeiro é bastante complexo, não bastasse a volatilidade do "quanto será recebido?" há também a discussão do "onde posso aplicar?". Estas são (ou eram) as questões que mais preocupavam todos os prefeitos.

Creio, sinceramente, que a dependência é realmente tão grande que não há mais hipótese possível do Rio e seus municípios ficarem sem os recursos dos royalties. Não há mais como voltar atrás. "Como aplicar", então, é que será o foco.

O artigo 8º da Lei 7.990/89 veda claramente que os recursos oriundos de tais compensações financeiras não sejam direcionados para pagamento de dívidas, tampouco para pagamento do quadro permanente de pessoal. Registre-se que mencionada lei trata apenas da parcela dos 5% dos royalties. Contudo, há outras formas de compensação financeira, em tese, não alcançadas pela lei 7990/89 – por exemplo, podemos citar a compensação que representa a parcela dos royalties excedentes àqueles 5% (condição tratada na lei 9478/97).

O quadro 1 abaixo ilustra todas as possibilidades de recebimentos de royalties. Vejamos:

Quadro 1

 

Conta

Origem

Lei

Royalties – 5%

Pagamento pela União

7990/89

Royalties – Excedente

Pagamento pela União

9478/97

Royalties – Participação

Pagamento pela União

9478/97

Royalties – Transferências

Pagamento pelo Estado

7990/89

Sobre os 5%, é pacífico o entendimento sobre o art. 8º da lei 7990/89, no que tange à proibição para pagamento de pessoal permanente com recursos dos royalties. Todavia, a participação, as transferências e o excedente aos 5%, não é matéria consolidada – daí surgem as inúmeras consultas, os inúmeros debates, as inúmeras teses...

Grande parte das respostas para o não pagamento de pessoal, seja permanente ou não, enquadrável ou não nos termos das Leis 7990/89 e 9478/97 é que os recursos dos royalties são FINITOS e não devem ser utilizados para pagamento de pessoal, qualquer que seja a origem do pagamento.

É fundamental entendermos: além de finitos, os recursos oriundos dos royalties são, em essência, voláteis, oscilando ao sabor de três variáveis principais: o câmbio, o preço do barril tipo brent, e a produção.

Vimos em 2008 um exemplo clássico de problemas cuja origem foi apenas no mercado financeiro, e lá ficou durante um tempo até atingir a economia real. No "mundo real", por conta basicamente das expectativas desanimadoras dos agentes econômicos, "sumiu" o crédito surgiram as desconfianças e, como bola de neve, aos poucos, a economia real foi sendo atingida. Vejam o caso da empresa brasileira Vale S/A: demitiu 4.000 funcionários quando a receita diminuiu porque a China deixou de comprar em função da crise. E, tal qual a Petrobras, a empresa Vale vende uma "commodity". Sabemos todos que as commodities, principalmente aquelas denominadas "hard commodity", são finitas e bastante voláteis. O petróleo é uma commodity e, como tal, possui preços globais e... voláteis. Aliás, o mercado de "instrumentos financeiros derivativos" surgiu e cresceu exatamente para propiciar proteção devido à alta volatilidade dos mercados com soft e hard commodities.

No mundo privado é inimaginável pensar numa Lei que proíba pagar pessoal com receitas oriundas de produtos de extrema volatilidade, no poder público. Pelo contrário, lá está uma Lei que proíbe pagar pessoal com recursos voláteis e finitos. Nossa tese aqui defendida é que "pagar pessoal" não precisa de proibições, mas sim de limites.

No mundo dos investimentos em produtos voláteis, os retornos também o são e essa singular condição provoca picos e vales nos retornos. Maior risco, maior retorno, é simples assim. O risco pode ser medido, mas a incerteza não. E, se há incerteza quanto ao valor do recebimento no futuro, como incluir desembolsos perenes no poder público? Resposta: investimentos sustentáveis. educação (professor, merendeiras, auxiliares etc), saúde (médicos, enfermeiros etc.), infraestrutura (vários profissionais). Concluindo: não há investimentos, principalmente os ditos "sustentáveis", que não gerem custeios com pessoas no médio, no longo e até mesmo no curto prazo.

Em 1986, a lei federal nº 7525, no que tange à aplicação dos recursos oriundos dos royalties, determinou: "exclusivamente em energia, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e saneamento básico". Ora, qualquer inversão financeira (capital de giro para capital fixo), qualquer investimento, como os acima preconizados, em algum momento, gerarão gastos com custeio. Agora imagine um ciclo na economia de prosperidade, onde preço, câmbio e produção sejam tão favoráveis que "entulhem" os municípios de recursos e que tais recursos sejam aplicados exatamente como manda o legislador. As regras atuais sequer mencionam os tipos de investimentos, "falam" apenas das proibições para o destino dos recursos, mas vamos imaginar um quadro como o descrito, onde ocorra o tal ciclo e, por isso, ocorram vultosos ingressos nos cofres das prefeituras, oriundos dos royalties e assim vários investimentos em educação, saúde, saneamento básico e infra-estrutura sejam efetuados. A questão: Quanto cada Real de investimentos gerará de custeio? Em que tempo?

Não há dúvida alguma de que os custeios, gerados por tais investimentos, aumentariam e outra questão surgiria para o administrador municipal: A razão de crescimento do custeio sobre os investimentos seria igual à razão de crescimento das receitas próprias sobre os mesmos investimentos? A resposta, sabemos, é um rotundo não. Evidente que seria necessário primeiro contratar pessoal e depois esperar que a Economia fizesse sua parte, fazendo com que as receitas próprias (sustentáveis por essência) gradativamente promovessem a tal sustentabilidade.

Assim, o pagamento de pessoal com recursos dos royalties não precisa de proibição e sim de limites, devidamente calibrados com a evolução de indicadores sócio-econômicos do município e do Estado. Proibir pagamento de pessoal com recursos dos royalties é, até mesmo, um contrassenso, posto que, sem dúvida, haverá necessariamente gastos com pessoal no médio e no longo prazos e até no curto prazo, corroborando então a idéia de limites e não de proibições.

Proibir pagamento de dívidas, com recursos dos royalties é também uma maneira de engessar o gestor público, por um simples motivo: em Contabilidade Pública, as despesas são reconhecidas, não por Caixa, como as receitas, mas por Competência. O empenho considera o fato gerador da dívida e não o efetivo pagamento, daí a possibilidade de surgir pagamentos de dívidas que estão corretos na essência, mas tratados como dívidas comuns estariam impedidos de se pagar segundo as normas atuais.

A Lei do Petróleo estabelece a forma de distribuição dos royalties entre seus beneficiários, mas não especifica em quais setores esses recursos devem ser aplicados, surge assim, a necessidade de uma efetiva fiscalização tributária para que esses recursos sejam bem alocados. Via de regra, investimentos "bem alocados" são os Investimentos efetuados em Educação, Saúde, Saneamento Básico, Infra-Estrutura, enfim investimentos que poderiam estar numa Lei e que sabidamente são investimentos indutores e multiplicadores de DESENVOLVIMENTO, mas mesmo que os recursos sejam gastos com tais investimentos, multiplicadores e indutores de desenvolvimento, ainda assim, haverá PESSOAL para contratar e terceirizar, no curto e no médio prazo, quando ainda estará ocorrendo a maturação dos gastos geradores de desenvolvimento. Resumo: Pessoal e Dívida são integrantes do processo para desenvolver economicamente uma região, um estado ou um país. Não são excludentes no crescimento e desenvolvimento, são interdependentes e interagentes destes.

Há um conceito em economia chamado trade-off. O trade-off é uma escolha conflitiva. É o que parece estar ocorrendo no caso dos royalties. Não se pode gastar com investimentos sem que não haja geração de gastos com custeios (pessoal inclusive) e assunção de dívidas. Precisamos de um debate mais amplo sobre estes assuntos para que as leis possam ser flexibilizadas e adequadas à essa realidade. Precisamos de limites bem definidos e acompanhados os resultados e os efeitos, ou teremos que pedir aos administradores públicos apenas para aplicar os recursos dos royalties no mercado financeiro e "viver" de receitas financeiras, na verdade, criar uma fonte de recursos, em alguns momentos, tão volátil quanto os royalties.


2 – Municípios com mais de 50% de Royalties como fonte de recursos

No período de 2005 a 2008, escolhemos uma amostra de 06 municípios, devido à particular condição de que, dos 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro, os seis escolhidos recebem, em média, mais de 50% do total de suas receitas em royalties. Todas as receitas analíticas dos municípios da amostra foram comparadas com a receita total e seus respectivos percentuais médios. Os seis municípios foram os escolhidos para este estudo empírico, pois são absolutamente dependentes dos royalties, e expõem de forma cabal a necessidade de estabelecimento: (a) de regras para direcionamento dos recursos e (b) Limites para pagamentos de pessoal.

O quadro 2 abaixo revela um pouco da gravidade do problema:

Quadro 2

Tipo de Receita

Buzios

Campos

R.Ostras

Quissamã

Macaé

C.Frio

Média

Transf. ERJ

16,7%

14,5%

8,9%

22,3%

18,5%

21,3%

17,1%

Transf. União

9,1%

3,3%

3,3%

4,9%

4,1%

8,8%

5,6%

Outras Rec Corr.

5,3%

2,1%

2,1%

2,4%

4,6%

4,8%

3,6%

Rec. Serv e Contr.

0,7%

1,1%

1,3%

0,1%

2,0%

1,9%

1,2%

Rec. Tributárias

16,7%

5,4%

7,8%

3,2%

20,3%

11,2%

10,8%

Rec. Patrimoniais

1,0%

3,3%

6,3%

1,0%

2,0%

1,5%

2,5%

Royalties

50,4%

69,9%

70,1%

66,1%

48,5%

50,5%

59,2

Receitas de Capital

0,1%

0,4%

0,2%

0,0%

0,0%

0,0%

0,1

Total de Receitas

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

100,0%

Fonte: Estudos sócio-econômicos – TCE-RJ

Os percentuais apresentados no quadro 2, para cada município, são percentuais médios, obtidos no período de 2005 a 2008, reparem, os royalties representaram quase 60% (em destaque no quadro 2) das fontes de recursos dos municípios analisados. Se, nos quatros anos da análise, ocorressem investimentos somente em Educação, Saúde, Saneamento Básico, Infra-Estrutura etc. Seria razoável supor um aumento no nível de pessoal, tanto terceirizado, quanto permanente e também nas obrigações para sustentarem tais projetos. Segundo as regras atuais, para sustentar tais investimentos, as receitas próprias deveriam ultrapassar os quase 18,1% médios do período, para um patamar bem superior, permitindo que o aumento em dívidas e pessoal fosse "sustentado" pelas fontes próprias. Infelizmente, a Economia não "casa" com a precisão matemática mencionada. Um lapso temporal ocorreria e durante essa "lapso" haveria certamente vários pagamentos contrários às regras atuais.

Observando mais atentamente o quadro 2, se segregarmos as receitas em apenas três fontes: (1) Receitas Próprias, (2) Transferências dos governos e (3) Compensações Financeiras, teremos uma "visão" mais ampla da necessidade de um lapso temporal para a maturação dos investimentos e estes permitirem crescimento e desenvolvimento econômico suficientes para proporcionarem, de forma sustentável, o aumento das receitas próprias. Infelizmente, ainda assim não há garantia alguma que um nível mínimo de sustentabilidade seja atingido. Vejamos:

Quadro 3

Fontes

Buzios

Campos

R.Ostras

Quissamã

Macaé

C.Frio

Média

Fontes Próprias (A)

23,8

12,3

17,7

6,7

22,6

19,4

17,1

Transferências (B)

25,8

17,8

12,2

27,2

28,9

30,1

23,7

Comp.Financeiras (C)

50,4

69,9

70,1

66,1

48,5

50,5

59,2

(B) + (C)

76,2

87,7

82,3

93,3

77,4

80,6

82,9

GIFM = (A)/[(B)+(C)]

0,31

0,14

0,22

0,07

0,29

0,24

0,21

Fonte: TCE-Estudos Sócio-Econômicos

Sabemos que fontes próprias são os recursos arrecadados diretamente pelos municípios e que não dependem de fatores de repartição ou índices a serem aplicados sobre uma base geral para posterior distribuição por algum ente público. As receitas próprias, são os tributos do município, já as transferências e as compensações financeiras derivam dos Estados e da União e pouco ou quase nada dependem da ação do município para aumentar ou diminuir os valores recebidos. Nos seis municípios da amostra, em média, no período de 2005 a 2008, 83% das receitas independem da ação governamental municipal, sendo que 60% daquelas receitas são royalties e podem, nos quatro anos seguintes, aumentar ou diminuir sem que haja nada que o Município ou o Estado ou a União possam fazer.

Há um indicador financeiro municipal chamado "Grau de Independência Financeira Municipal", cuja fórmula apresenta no numerador a Receita Própria e no denominador a soma das Transferências mais as compensações financeiras: GIFM = RP/(TC + CF). Nos municípios analisados, no período de 2005 a 2008, tal indicador apresentou um quociente médio de apenas 0,21, Indicando uma absoluta dependência financeira das transferências correntes (TC) e das compensações financeiras (CF) arrecadadas, na verdade, destinadas ao município.


3 – Destinação das Receitas originadas

O quadro 4 abaixo nos aponta que, nos seis municípios da amostra, para cada R$ 1,00 de receita corrente obtida (Própria+Transferências+Royalties), R$ 0,35 gastou-se com Pessoal, R$ 0,46 com os demais custeios da máquina, R$ 0,17 com Investimentos e R$ 0,02 com outras destinações.

Nos seis municípios analisados, em média, caso a administração municipal decidisse por alterar a composição dos gastos, somente poderia fazê-lo sobre 65% dos recursos, posto que 35% já estão comprometidos com pessoal. Se a decisão fosse aumentar, por exemplo, os investimentos, evidente que algum outro gasto deverá ser extinguido ou reduzido.

Quadro 4

CONTAS

Búzios

Campos

R.Ostras

Quissamã

Macaé

C.Frio

Média

Custeio com Pessoal (1)

36,3

31,6

40,9

35,1

33,1

33,2

35,0

Outros Custeios (2)

54,3

47,0

24,5

52,6

45,0

49,7

45,6

Investimentos (3)

6,9

16,3

35,2

11,5

17,5

14,6

17,0

Outras destinações (4)

2,3

5,1

1,7

0,8

4,4

2,5

2,8

Total

100,0

100,0

102,3(*)

100,0

100,0

100,0

100,4

Investimentos/Royalties(5)

0,14

0,23

0,50

0,17

0,36

0,29

0,28

Custeio/investimentos (6)

13,2

4,3

1,8

7,6

4,7

5,6

6,2

Fonte: Relatórios LRF e "Estudos Sócio-Econômicos TCE-RJ

(*) Despesa maior que Receita

No período da análise, a relação entre custeio e investimentos é de, para cada R$ 1,00 gasto em investimentos públicos, gastou-se R$ 6,02 no custeio da máquina, ou, de outra forma, os gastos com custeio foram, 6,2 vezes maiores que os gastos com investimentos. No município de Búzios, por exemplo, a relação entre custeio e investimentos é de R$ 13,20 de custeios para R$ 1,00 de investimentos, já no município de Rio das Ostras a relação é de R$ 1,85 de custeio para cada R$ 1,00 de investimentos. Ainda no município de Rios das Ostras em 2006 arrecadou-se R$ 320,5 milhões com royalties e aplicou-se em investimentos públicos R$ 251,6 milhões, entretanto em R$ 2008, se arrecada R$ 344,7 milhões com royalties e os investimentos foram de pífios R$ 85,8 milhões, ou seja, mais de 75% dos royalties daquele ano foram para o custeio da máquina.

Ainda no quadro 4, nota (5), podemos constatar que 72% dos valores arrecadados com royalties NÃO foram aplicados em Investimentos e sim em sua maioria no custeio. O que isso está a nos dizer? A situação já é crítica e não será a proibição de pagamento de pessoal que irá aumentar ou diminuir a gravidade do problema, pois o "problema" é uma fonte de recursos volátil e finita que desde 1997 foi incorporada, sem direcionamentos e limites e, desse jeito, o que deveria ser uma exceção acabou se transformando em regra.

Voláteis e/ou finitos, os recursos dos royalties são receitas públicas, enquadráveis como receitas orçamentárias, as quais, portanto integram o orçamento do ente público. Por isso podem ser considerados PROPRIEDADE do Estado.

A rigor, qualquer arrecadação, seja ela tributária, serviços, patrimoniais etc, estão sujeitas a uma certa volatilidade, mas com um desvio padrão (variabilidade) muito, muito menor que aquele obtido a partir de uma série histórica das receitas com royalties. O ICMS quando diminui é fruto de um principal fator, que é atividade econômica, mas os royalties não, e pior: a queda ou a subida das receitas de royalties é normalmente abrupta, porém, nos tributos é em degraus (na maioria das vezes, não muito altos). E isso faz toda a diferença para comprometimento, por exemplo, com folha de pessoal qualquer que seja a condição dessa folha se permanente ou temporária. Daí a necessidade de limites. Além do que a condição de folha de pessoal permanente ou temporária é outra falácia, isto porque se analisarmos as contas públicas nos últimos 10 anos constata-se sempre a existência de rubricas contábeis equivalentes a pessoal temporário. Ora, se em 10 anos, há uma média com pessoal temporário, cabe o seguinte questionamento: Que "temporário" é esse, que em média, durante 10 anos, 20 anos, existe? Oscila no valor, mas que produz um valor médio e portanto "fixo". Há um valor "fixo" ou constante o qual, na essência, é tratado como temporário, temos assim outra tese para discutirmos quanto à fonte de pagamentos dos royalties.

A discussão aqui levantada sobre pagamentos de pessoal temporário, não considera efeitos jurídicos e desembolsos futuros com aposentadorias, limites etc, considera apenas o desembolso efetuado e seu impacto no Caixa da prefeitura. No que tange ao Caixa há saídas constantes, tratadas como temporárias, na verdade, as pessoas é que são temporárias, os gastos são fixos e constantes independentemente das vinculações jurídicas de seus contratos de trabalho.

Um fato é cristalino: não há critérios para se destinar a aplicação das participações governamentais oriundas dos royalties pelos Estados e assim deu-se oportunidade para o uso discricionário por parte dos gestores públicos, o que propiciou gastos, em sua maioria, que apenas transferiram renda, mas não geraram (ainda) a tal sustentabilidade.

Os que defendem a impossibilidade de pagamento de pessoal com recursos dos royalties tratam aquelas receitas como receitas vinculadas a projetos, programas e inexiste a possibilidade de discricionariedade da administração pública. Contudo, há aqueles que defendem exatamente o contrário, tratam os royalties como receitas não vinculadas, podendo assim, ser utilizadas pelos critérios que orientam a discricionariedade da Administração Pública. Os royalties são transferências correntes e, por óbvio, destinam-se a aplicações correntes e independem da contraprestação direta em bens e serviços e se transformaram, por força das circunstâncias, oriundas mais de fatos econômicos do que políticos, na principal fonte de recursos de vários municípios e alguns Estados da federação.

Sobre essa questão de vínculo e não-vínculo, sobre discricionariedade ou não, vamos nos ater somente ao artigo 53, inciso I, anexo III da Lei de Responsabilidade Fiscal. Imaginemos um município na seguinte situação:

Quadro 5

Ano 1

A

Royalties

600

B

Outras

420

C

(-)FUNDEB

-20

D

RCL

1000

E

(-) DP

400

F=E/D

LIMITE CR

40,00%

G=E/B-C

LIMITE SR

100,00%

Ano 2

A

Royalties

500

B

Outras

420

C

(-)FUNDEB

-20

D

RCL

900

E

(-) DP

400

F=E/D

LIMITE CR

44,44%

G=E/B-C

LIMITE SR

100,00%

Ano 3

A

Royalties

400

B

Outras

420

C

(-)FUNDEB

-20

D

RCL

800

E

(-) DP

400

F=E/D

LIMITE CR

50,00%

G=E/B-C

LIMITE SR

100,00%

CR – LIMITE COM ROYALTY E SR – LIMITE SEM ROYALTY

Pelas regras atuais, no ano 1, 60% (600/1000) da base NÃO PODE ser utilizado para pagamento de pessoal. Para a sociedade, tem-se que somente 40% das receitas estão comprometidas com pessoal (400 de 1000, letra E). O que a sociedade não sabe é que dos 1.020 arrecadados, somente 400 (1020-600-20) podem ser utilizados para pagamento de pessoal. Se 600 (royalties) estivessem fora da base para o cálculo da RCL, então o limite de pessoal iria para 100% (400/(420-20)

Vamos supor que no ano 2 as receitas com royalties diminuam de 600 para 500, são voláteis, era de se esperar. As demais Receitas e as Despesas com Pessoal não se alteram. Os limites oficiais apontam agora que o comprometimento das receitas é de 44,4%, (400/900), mas o limite da receita utilizável, se fora da base, continuaria em 100% (400/(420-20).

No ano 3, os royalties diminuem mais ainda. As demais receitas e as despesas com pessoal não se alteram. O limite oficial sobe para 50% e o "limite" não oficial continua nos mesmos 100%.

Se a "emenda Ibsen" não for vetada, todos os Estados e municípios que dependem dos royalties não cumprirão a Lei de Responsabilidade Fiscal, abrindo assim um precedente enorme na legislação brasileira.

No quadro 5, observa-se que no ano 1, os royalties representavam 60% das receitas do município, 50% no ano 2 e 40% no ano 3. Se os royalties não estivessem na base, para cálculo da RCL, como seria de se esperar, já que tais recursos não podem ser direcionados para Despesas com Pessoal), o limite da LRF já estaria ultrapassado desde o ano 1 e assim permaneceria até o ano 3.

Estamos diante de um evidente paradoxo , pois a receita com royalties é "livre" para compor a base da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não o é para se proceder a pagamentos como, por exemplo, pessoal.


IV – Considerações Finais

Ao analisar a estrutura de financiamento dos municípios brasileiros é fácil constatar a dependência destes pelas transferências intra e inter-governamentais, além das compensações financeiras, no caso de municípios e estados enquadráveis na Lei do Petróleo. Tais condições imediatamente nos induzem a pensar que os prefeitos daqueles municípios, fartos em transferências e royalties, não se interessam por aprimorar os mecanismos para arrecadar mais e melhor com "suas" receitas tributárias. Eles, os prefeitos, devem se questionar: Para quê cobrar mais de minha população, com todo o risco político envolvido, se "tenho" recursos fartos à mão, sem algum esforço maior? Mais IPTU, mais ISSQN para quê? Para gerar desafetos políticos?

Este é apenas um dos problemas causados pela entrada de recursos sem que haja muito esforço, digamos, produtivo, por parte da administração municipal e cada prefeito que assume, o faz com a certeza de que não há base tributária suficiente para garantir a sobrevivência do município.

Além do Caixa direto obtido, há ainda as industrias e as para-industrias ligadas ao petróleo que trazem outros setores da economia à região e acabam por elevar o PIB de cada município envolvido. No caso dos royalties a situação é mais complexa ainda, por isso há que se desenvolver mecanismos que permitam "carimbar" a entrada e a saída dos recursos. Um fato é cristalino: A situação como está não tem mais volta, todos os "danos" que poderiam ocorrer já ocorreram e os royalties não são mais (nunca o foram) complemento de arrecadações municipais, são a forma mais significativa de recursos e é esta realidade que precisa ser encarada. Limites de gastos, reserva de valor, poupança para o futuro, aplicar somente em programas enfim, plantar agora para que as futuras gerações desses municípios possam usufruir dos recursos que em 1997 eram de apenas R$ 80,6 milhões e hoje montam em mais de R$ 8,0 bilhões.

Não há dúvida, a sustentabilidade é a única solução para a "carta de alforria" que livrará, num futuro não muito distante, os municípios dessa dependência que poderá se tornar nefasta se não for dado tratamento adequado à situação atual.


Autor

  • Raimundo Aben Athar

    Raimundo Aben Athar

    Contador pela Universidade Gama Filho- UGF-RJ, MBA em finanças pelo COPPEAD da Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, pós graduado em administração financeira - Fundação Getúlio Vargas- FGV-RJ, pos graudado em didática do ensino pela Universidade Gama Filho UGF-RJ, assessor financeiro do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ATHAR, Raimundo Aben. Despesas com pessoal e os royalties do petróleo. A legislação e o efeito no caixa dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2539, 14 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15019. Acesso em: 28 mar. 2024.