Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/1557
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Autonomia municipal no Brasil e na Alemanha.

Uma visão comparativa

Autonomia municipal no Brasil e na Alemanha. Uma visão comparativa

Publicado em .

1. O tradicional dualismo entre estado e sociedade
na Alemanha e a posição dos municípios

A autonomia dos municípios da Alemanha foi consagrada juridicamente no início do século XIX Em 1808, foi promulgada a Lei Prussiana das Cidades e Comunas (Preußische Städte- und Gemeindeordnung). O criador desse diploma legal histórico, Freiherr vom Stein, ainda partiu da premissa da distinção estrita entre a administração do poder público, encarnado no Rei da Prússia e os órgãos de um estado de polícia (Polizeistaat), e, por outro lado, as atividades administrativas e iniciativas políticas dos próprios cidadãos nos seus respectivos municípios.

Na verdade, a chamada "auto-administração municipal" (Kommunale Selbstverwaltung) tinha a intenção de formar um contrapeso ao estado autoritário e despertar, como "ilha local de autodeterminação" (1) o espírito de civismo (Gemeinsinn) dos cidadãos através da sua participação na vida pública. Dessa maneira, pretendeu-se incentivar a formação de uma sociedade liberal e auto-responsável dentro do sistema governamental da monarquia. (2)

Na base deste raciocínio as Constituições Alemãs de 1849 (3), no seu Art. 184, e de 1919 (Constituição de Weimar), no seu Art. 127, colocaram os direitos dos municípios no mesmo capítulo dos direitos fundamentais dos indivíduos contra o estado. No período entre a metade do século passado até o início do século XX, a doutrina jurídica desenvolveu consideráveis esforços para redefinir a posição do município dentro do recém criado estado nacional, o Império Alemão (Deutsches Reich). (4)

A maioria dos autores dessa época concordava que os municípios não podiam ser totalmente equiparados aos níveis federativos superiores, visto que estes, embora sendo prestadores de serviços e detentores de poderes públicos, não possuíam competências consubstanciais aos da União (Reich) e dos estados (Länder). (5)

Apenas Hugo Preuß tentava dissolver o dualismo conceitual entre o Poder Estatal (Staat) e o município (Gemeinde), apontando à identidade de União, estados e municípios como entidades territoriais (Gebietskörperschaften) e agentes equivalentes da administração pública moderna que todos achavam a sua legitimidade na "vontade popular" (Volkswillen). (6)

          Kelsen constatou mais tarde, que, na Alemanha do século passado, os municípios só não eram considerados partes do Estado (7) porque não representavam o aparelho burocrático e autocrático com o qual esse poder geralmente era identificado na época. Se, contudo, o município - que depois existiu como "comunidade parcial" (Teilgemeinschaft) - tivesse precedido historicamente o estado que surgiu como "comunidade integral" (Gesamtgemeinschaft), então o poder estatal e o município, antigamente, teriam convergidos, em outras palavras: "o município teria sido o estado".(8)

Com o decorrer do tempo, foram especialmente as cidades alemães que se tornaram ponto de partida na auto-organização liberal-burguesa para o cumprimento dos serviços locais variados. A iniciativa própria dos habitantes e o seu espírito cívico pelo bem da comunidade se desenvolveram de uma maneira tão expressiva, que o modelo institucional da auto-administração municipal se tornou uma das idéias basilares da organização estatal na República de Weimar.(9)

A doutrina alemã dos anos 20 desse Século era pacífica sobre o fato de que uma elevação formal dos municípios para o terceiro fator básico da ordem política da nação ao lado do Reich e dos Länder teria levado à "dissolução pluralística" do estado como poder ordenador geral.(10)

Por conseqüência, em 1930 sofreu ampla rejeição a proposta formulada pela Associação das Cidades Alemãs (Deutscher Städtetag) para o estabelecimento de um "estado unitário descentralizado de auto-administração" (11) que incluía o reconhecimento dos municípios como terceiro nível das entidades territoriais da federação e a participação da esfera local na tomada de todas as decisões políticas importantes. A maioria dos juristas viam nesse modelo um "experimento policrático perigoso" dentro do qual os estados federados eram degradados para preencher apenas o lugar de uma instância intermediária entre o Reich e os municípios.(12)

Ao contrário, em seguida, as ciências jurídica e administrativa foram cada vez mais influenciadas pela teoria de Forsthoff, que alegou que a verdadeira função da esfera municipal dentro da estrutura estatal integral somente residia na diferenciação regional da execução das leis pelos órgãos da administração, possibilitando a consideração das peculiaridades locais.(13) Segundo essa teoria, a auto-administração municipal, em princípio, devia ser apolítica.

Nesse contexto, os intérpretes mais importantes do sistema de organização estatal da Alemanha atribuíram menos importância à realização de estruturas democráticas em nível local dando muito mais ênfase ao objetivo da garantia de um bom funcionamento da administração pública.(14)

No final da República de Weimar, com o surgimento da teoria da "garantia institucional" do município, a doutrina jurídica começou abandonar dogmaticamente a teoria do dualismo rígido entre a sociedade e os entes locais num lado, e o estado com os órgãos governamentais no outro. Essa idéia foi totalmente superada em 1949 pela Lei Fundamental (Grundgesetz) de Bonn que consagrou a auto-administração municipal como um dos princípios constitucionais básicos da estrutura organizacional do novo estado alemão.(15)

Na Alemanha moderna, a autonomia do município democrático tem o seu fundamento não mais no antagonismo e na oposição para o estado, mas, pelo contrário, na igualdade com ele, na medida que os entes locais representam formas primárias de comunidade política.(16) Segundo o entendimento que hoje prevalece entre os autores da área, os municípios são partes do estado, aliás, ao mesmo tempo, como agentes administrativos (Verwaltungsträger) integrantes do Poder Executivo no sentido do Art. 20, III, Lei Fundamental. (17)

Os municípios menores (Gemeinden), as cidades (Städte) e as circunscrições municipais (Kreise) cumprem as tarefas mais importantes e prestam a maior parte dos serviços aos cidadãos: por isso, também na Alemanha costuma-se assinalá-los de terceira esfera na hierarquia do estado e da administração pública.(18) Essa imagem, no entanto, é coerente somente pelo ponto de vista político-administrativo, não refletindo corretamente a situação jurídica alemã (19). Hoje em dia, o ponto crucial da questão é localizado na resposta da pergunta sobre o sentido da auto-administração municipal dentro de um estado de estrutura plenamente democrática.(20)


2. A posição forte do município brasileiro como parte do Poder Estatal

O desenvolvimento histórico e a posição das entidades territoriais locais na estrutura estatal do Brasil se apresenta numa maneira bastante diferente da situação alemã acima exposta. Foi o Portugal que criou os municípios no solo da sua colônia sul-americana como imitação dessa instituição já existente na Europa há séculos. Até a independência brasileira em 1821, o município funcionava como "ponta de lança" para penetração, sem nunca deixar de ser uma afirmação da soberania da coroa portuguesa.(21) Foram eles os verdadeiros detentores do poder de ordenação fática e decisão política. Na prática, os governos locais, as Câmaras, nessa época exerciam também funções que formalmente eram da competência dos entes estatais superiores, das doze Capitanias Hereditárias. Essas entidades, contudo, eram, na verdade, subdivisões artificiais e demasiadamente grandes do território colonial criadas por razões meramente políticas.(22)

Dentro do vasto território da colônia com a sua baixíssima densidade demográfica encontravam-se as fazendas de produção agropecuária e as plantações da cana-de-açúcar e de café; eram estes os verdadeiros centros da vida diária do povo simples cuja grande maioria não saía desses lugares durante a vida inteira. Nesse contexto, um município já representava a congregação de várias dessas micro-sociedades com o centro comercial da região como a sede do governo municipal, as Câmaras.(23) O poder das Câmaras passava a ser o poder dos proprietários: eram eles que fixavam salários e preços, regulavam o curso e valor das moedas, votavam a tributação, etc., chegando até mesmo a substituir governadores e capitães.(24)

A vastidão do país e as dificuldades para o transporte e a comunicação daí resultantes levaram necessariamente a uma concentração do poder político fático nos governos municipais. Eles constituíam verdadeiros centros de autoridade local, subordinados, em tese, ao governo-geral da capitania, mas, no decorrer do tempo, a maioria deles acabou se tornando praticamente autônomo, perfeitamente independente do poder central.(25) Foi por isso que o Imperador Dom Pedro I. fez questão que as Câmaras Municipais aprovassem solenemente a primeira Constituição do Brasil de 1824, para que a Magna Carta da Independência ganhasse mais legitimidade política.(26)

A base do município brasileiro, portanto, não é a cidade, como foi na Europa, mas a propriedade rural. Segundo Paupério faltou, no Brasil, "a escola de aprendizagem que foi a comuna rural na Europa, florescente por sua independência e autonomia na Suíça, na Alemanha, nos países eslavos e mediterrâneos".(27) Assim surgiu o "sistema social das fazendas" (28) com as suas estruturas autoritárias e feudais que quase nada tinha em comum com a vida política e social nos municípios europeus. Resumindo: a base e a origem do município brasileiro, portanto, não reside numa oposição contra o estado autoritário monárquico, como aconteceu no caso da Alemanha. As entidades locais no Brasil foram, contudo, durante muito tempo os únicos e naturais detentores da autoridade e do poder estatal.(29) Pontes de Miranda comenta a respeito: "Se a Capitania dividia, o Município organizava. Aquela era a simetria de centro, política e exteriormente imposta e portanto artificial, contra a qual trabalhava, organizando a realidade que e a vida económica e moral, a fazenda, célula do município brasileiro."

A Constituição da Independência Brasileira de 1824 mantinha, em princípio, a organização municipal que tinha se formado durante os séculos que o país era colônia do Portugal. Desde então, competia aos órgãos políticos e administrativos locais, às Câmaras, o governo econômico das cidades e vilas (Art. 167). (30) Todavia, já em 1828 as Câmaras eram subordinadas aos governos das províncias e declaradas como meras corporações administrativas. Nessa ocasião, foi prescrito, para todos os municípios do país, pela primeira vez na história, uma forma de organização idêntica sem levar em conta as suas diferenças. (31)

No final do século passado foi introduzido no Brasil praticamente "de cima para baixo" o sistema federativo para melhorar a organização administrativa do seu território gigante. Destarte, o surgimento da Federação Brasileira não se deve a um "pacto federativo" como foi o caso nos Estados Unidos e, depois, na Alemanha.(32)

O texto da Constituição de 1891, que foi a primeira a garantir a autonomia municipal no Brasil, determinou no seu Art. 68 que "os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse." Na opinião de muitos juristas e políticos da época, porém, o modelo da autonomia municipal da Carta Republicana representava "uma criação engenhosa dos juristas e dos militares, afastado da realidade política e social então existente".(33)

Devido à falta de clareza na definição da autonomia local pelo texto constitucional, os governos estaduais preferiram ver no município um elemento da própria autonomia estadual (34) e logo passaram a delimitar, na base do próprio entendimento, os moldes do peculiar interesse municipal.(35) Nem os tribunais brasileiros compeliam esse ato arbitrário por parte dos estados.(36) Ao contrário: enquanto a intenção da constituição era de atribuir aos municípios uma maior independência na gestão e regularização dos seus próprios assuntos, na prática os governos estaduais exerceram cada vez mais influência sobre os órgãos da esfera local.(37)

Nas primeiras décadas desse século, os governadores dos estados brasileiros economicamente mais fortes marcavam também a política em nível nacional.(38) Foi justamente nessa época que prosperou nas regiões rurais o fenômeno do coronelismo: as famílias locais mais poderosas exerciam, através do seu chefe investido de poderes militares, o poder absoluto sobre a população pobre.(39) Assim, a autonomia municipal garantida pela Constituição de 1891, veio a contribuir, sobretudo, para o fortalecimento desses grupos extremamente egoístas.(40)

Durante muito tempo, o conceito do "poder local" assinalou no Brasil o exercício de domínio fático por parte de elites regionais e locais tradicionais que não foi legitimado nem controlado pelos órgãos políticos existentes; o poder local agia dentro de um "vácuo" quase impenetrável para o poder estatal na base da vontade popular.(41) Até os anos 30 do século XX, o municipalismo brasileiro não era a expressão da crescente luta de uma burguesia próspera nas grandes e médias cidades por uma maior influência política - como acontecia na Europa -, mas representava, antes de mais nada, uma briga pelo poder entre as oligarquias do centro e das diferentes regiões do país.

As elites regionais e grupos políticos dos governadores, contudo, na sua grande maioria conseguiram se arranjar com os detentores do poder local para que ambas as partes tirassem o máximo proveito pessoal dos seus cargos políticos.(42) Os candidatos das eleições municipais que não eram bem vistos pelo governador ou pela família do coronel simplesmente foram afastados, muitas vezes com o uso de força física. Era comum também a falsificação direta dos resultados dos pleitos locais, sem que o governo central tivesse tomado qualquer medida para suprimir essas graves irregularidades.

Na elaboração da Constituição de 1934, quase não houve dúvidas sobre a inefetivação prática da autonomia municipal por parte dos estados.(43) Existiam, porém, muitas diferenças a respeito dos remédios jurídicos que se faziam necessários para fomentar a independência das entidades locais.

Para alguns, a autonomia absoluta dos municípios traçada na Carta Republicana tinha se mostrado uma posição utópica e representava apenas um velho tabu liberal baseado numa teoria de estado já ultrapassada. Para essa corrente, uma verdadeira autonomia das prefeituras municipais somente podia ser alcançada mediante o estabelecimento formal de direitos de intervenção dos estados federados.

Estes deviam incrementar o apoio aos municípios na solução dos seus problemas o que, para eles, incluía também a fiscalização dos mesmos para assegurar, ao mesmo tempo, a consideração de interesses supra-locais e regionais na prestação satisfatória dos serviços pelas prefeituras. (44) Os defensores dessa tese consideravam a maior ameaça para as liberdades e a cidadania dos munícipes a falta de controle dos próprios chefes políticos locais. Por isso, segundo eles, a constituição de cada estado federado devia ter o direito de delimitar a autonomia dos municípios.(45)

No entanto, a maioria dos constituintes de 1934 não aceitou um direito dos estados federados para definirem e controlarem as tarefas e responsabilidades municipais; prevaleceu o intuito de resguardar e proteger a esfera da liberdade local contra qualquer influência dos níveis estatais superiores e, em cima de tudo, contra a temida ingerência por parte dos governadores. Pelos mesmos motivos, começava-se também a propugnar a competência dos Estados para a edição de Leis Orgânicas Municipais e a delimitação do âmbito das funções e liberdades dos municípios; nessa época, esse poder de definição começou a ser atribuído exclusivamente à Constituição da União ou leis complementares federais.(46)

Resumindo, podemos constatar, no Brasil, a existência tradicional de fortes ressalvas à permissão de um controle ou uma fiscalização dos municípios por parte dos estados-membros da Federação que têm as suas bases no primeiro terço deste século. A conseqüências jurídicas dessa percepção perduram até os dias de hoje, não tendo os estados brasileiros o direito de criar mecanismos de controle dos municípios, além daqueles previstos na própria Constituição Federal.(47)

Na Alemanha, existe a instituição da "supervisão municipal" (Kommunalaufsicht), que é exercida por parte dos governos estaduais visando à garantir a legalidade dos atos administrativos dos órgãos municipais e, ao mesmo tempo, impedir a promulgação de normas locais que contrariam dispositivos constitucionais superiores. Este controle se efetua, acima de tudo, mediante contatos informais como informações, conselhos, consultorias e a elaboração de propostas de correção. A supervisão não se carateriza como intervenção, mas muito mais como processo para a estabelecimento de um consenso. Prevalece a função protetora do estado perante seus municípios, que assegura a fiel execução das leis federais e estaduais por parte dos entes locais.

No Brasil, até hoje inexistem tais mecanismos de supervisão municipal, sendo que as leis locais entram em vigor sem nenhum controle de órgãos superiores, podendo somente ser revisadas ou cassadas pelos tribunais, isto é, depois de processos muitas vezes bastante demorados. Segundo a nossa opinião, uma forma institucionalizada de supervisão dos municípios também lograria ter efeitos positivos na realidade administrativa do Brasil; devia ficar assegurado, no entanto, que um tal sistema não poder-se-ia transformar em uma forma de tutela política por parte das esferas governamentais superiores. Por isso, seria necessário um considerável aumento dos contatos institucionalizados entre os Ministérios Públicos dos estados e as prefeituras e câmaras locais.(48)


3. A elevação dos municípios Brasileiros para a
"terceira esfera estatal" da Federação pela Constituição Federal de 1988

Ao lado da União e dos estados, os municípios brasileiros, dentro dos seus territórios, são detentores de legítimo poder estatal. A sua autonomia é de natureza administrativa tão bem como política. O seu peculiar interesse local e a eletividade da administração local são os dois princípios que formam a base sobre a qual se ergue a estrutura municipal brasileira.(49)

Na Alemanha, a autonomia municipal, desde o seu surgimento, também acha o seu fundamento em dois componentes básicos: primeiro, ela constitui uma expressão da divisão da administração pública em unidades controláveis; segundo, o povo local, através dos seus órgãos políticos eleitos, exerce nos municípios o poder soberano espacialmente limitado. Assim, colocam-se um ao lado do outro, a função administrativa-organizatória e a função político-democrática.(50)

Prevalece, no entanto, até hoje, o caráter administrativo da instituição municipal alemã. Lá, a doutrina jurídica considera as comunas e cidades como subdivisões administrativas dos respectivos estados, quais, porém, são dotadas do direito de autonomia pela própria Constituição Federal e também possuem importantes funções políticas. As representações populares dos municípios alemães - os Conselhos (Räte) - não são chamadas de legislativo ou parlamentos locais como acontece no Brasil com as câmaras de vereadores. Elas também não editam verdadeiras leis, mas estatutos (Satzungen), para auto-regulamentarem os assuntos da entidade local. Essa diferenciação é conseqüente: a produção de leis sempre é reservada aos órgãos do poder estatal, de qual o município, segundo o entendimento alemão, não faz parte, ao contrário da situação brasileira.

Vale ressaltar, contudo, que é completamente estranho ao entendimento jurídico brasileiro a confrontação dos conceitos de poder estatal e poder municipal que prevaleceu entre os juristas alemães durante séculos e cujos efeitos perduram até hoje. No Brasil, os políticos locais, bem como estudiosos de assuntos municipais, normalmente encontram dificuldades de entender o significado do termo alemão da auto-administração municipal (kommunale Selbstverwaltung) que tem a sua origem na oposição dos cidadãos - especialmente a burguesia do século XVIII e XIX - contra o fato de serem "administrados" pelo estado monárquico autoritário. Por isso, os alemães costumam empregar o termo "auto-administração" como sinônimo do conceito da autonomia municipal.(51)

Pontes de Miranda, em relação ao Art. 137 da Constituição Alemã de Weimar (1919), aludiu à diferença entre o entendimento de "auto-administração" municipal vigente na Alemanha e o sistema brasileiro da descentralização igualmente política com todas as suas conseqüências, como a divisão de poderes em nível local, o reconhecimento das Câmaras como parlamentos municipais etc.(52)

Importantes autores brasileiros destacam que os titulares de mandatos políticos na esfera municipal têm o maior interesse na elaboração de produtos políticos, ficando prejudicados a intensidade e a qualidade do trabalho administrativo e criticam o fato de os municípios serem entidades principalmente políticas e menos administrativas.(53)

Depois do fim do governo militar em 1985, ganhou força a reclamação por um município mais potente e eficiente em função da consolidação do renascido regime democrático. A pretensa intenção dessas novas forças políticas foi de estabelecer, em todo o país, um procedimento político "de baixo para cima".

Como conseqüência, o Art. 18 da Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história constitucional brasileira, levantou os municípios oficialmente para serem entes da União, rezando que "a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição".

O Anteprojeto da Constituição Federal de 1967 continha a última tentativa de qualificar os municípios como meras subdivisões administrativas dos estados federados; essa opinião foi rejeitada até pelos representantes do regime autoritário por contrariar o desenvolvimento constitucional caraterístico da autonomia municipal no Brasil.

Já durante décadas, os autores mais expressivos do Direito Municipal Brasileiro vieram exigir a elevação dos municípios para serem autênticos membros da Federação, instituídos com direitos iguais em relação aos estados e à União. Para eles, o levantamento oficial dos entes locais significa apenas o reconhecimento jurídico-formal de uma situação fática existente há muito tempo.(54) Ressaltam que, na verdade, essa mudança constitucional, na prática jurídica, logrou quase nenhum efeito.(55)

No que diz respeito à distribuição de competências legislativas e administrativas, a Constituição de 1988 coloca os municípios também ao lado da União e dos estados. Essa "trilogia federativa" da existência de três entes políticos internos autônomos constitui uma peculiaridade do Brasil em comparação com todos outros países de organização federativa.(56)

Sob o aspecto formal, o município brasileiro certamente é a entidade territorial local investida da autonomia mais abrangente no mundo inteiro. No exercício das suas atribuições, ele atua em absoluta igualdade de condições com as outras esferas governamentais; os atos municipais independem da prévia autorização ou de posterior ratificação de qualquer outra entidade estatal.(57)

Não existe nenhuma hierarquia formal entre as leis da União, as dos estados e as dos municípios: cada um desses sistemas possui o seu próprio espaço de soberania enquanto se desenvolve nos limites da sua competência constitucional. Dentro dessa esfera de autonomia, a norma municipal possui um status de inviolabilidade, podendo derrogar também normas superiores que a contrariem, sendo inconstitucionais a lei estadual e a lei federal que, desbordando dos limites das respectivas competências, invadirem o campo da competência municipal.(58)

Sendo assim, podemos observar que, somente no Brasil, mediante a elevação dos municípios para o terceiro nível da federação, transformou-se em realidade com todas as conseqüências a antiga tese do mestre austríaco Hans Kelsen, que já declarou em 1925 que a administração pública não devia ser separada em duas áreas diferentes e independentes entre si - a administração estatal e a administração autônoma - em razão de que, nos dois casos, tratava-se igualmente da execução e implementação de normas jurídicas.(59) Todavia, a posição jurídica extraordinariamente forte do município brasileiro se contrapõe a sua capacidade bastante limitada de atuação prática.


4. As novas "Leis Orgânicas Municipais"

Art. 29, caput, da Carta Brasileira de 1988 determina que "o Município reger-se-á por lei orgânica, (...) aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (...)".

Alguns Anteprojetos da Constituinte ainda assinalaram essas leis orgânicas como "constituições municipais", insistindo muitos autores até o final que fosse empregado o conceito constituição, porque somente ele expressaria corretamente a valorização que a nova Carta Magna atribuiu à instituição do município.(60) Na redação final da Constituição desistiu-se de usar esse termo somente por razões de tradição e não pelo fato que ele tenha sido considerado "juridicamente forte demais".

No entanto, houve autores de peso que tomaram posição contra a promulgação de tais leis orgânicas quase constitucionais em cada município.(61) Sugeriu-se também que se concedesse essa competência apenas às cidades de população maior, visto que muitos municípios menores do interior não dispunham da cultura jurídica necessária e que em pequenas sociedades a elaboração de um tal diploma legal fundamental fossem demasiadamente influenciadas pelas estruturas locais de poder econômico.(62)

Em retrospectiva, eram justos os receios de que a maioria dos municípios não iria conseguir ajustar e compatibilizar os seus textos constitucionais com os do respectivo estado e da União e, assim, produzissem um grande número de dispositivos inconstitucionais.(63)

Hoje já podemos afirmar que muitas das Cartas Municipais promulgadas em 1990 contêm normas que evidentemente extrapolam as competências locais.(64) No entanto, temos de esperar qual destino será dado no futuro a tais dispositivos locais por parte dos tribunais brasileiros que, até agora, emitiram relativamente poucas decisões a respeito.

As leis locais contrárias à Lei Orgânica Municipal serão ilegítimas e inválidas, desde que assim seja declarado pelo Judiciário, por via indireta, não estando prevista a ação direta de inconstitucionalidade para tal fim.(65)

Na Alemanha, cada município edita o seu estatuto básico (Hauptsatzung)(66), que regulamenta as questões fundamentais do funcionamento da sua administração. Os estatutos básicos das cidades e comunas da Alemanha não possuem - ao contrário das novas Leis Orgânicas Municipais no Brasil - a qualidade de uma "constituição local" e estão fortemente influenciados pelas Leis de Organização Municipal de cada estado federado (Landeskommunalordnungen). Eles também não definem a abrangência da autonomia de cada município, mas servem como base jurídica do trabalho diário da administração local.

No entanto, essas leis estaduais sobre a gestão municipal, na Alemanha, são capazes de criar verdadeiras obrigações de empenho administrativo por parte das comunas, o que não aconteceu no Brasil no passado.

Vale enfatizar que as antigas Leis Orgânicas Municipais dos estados brasileiros (em vigor até 1990) continham inúmeros dispositivos que representavam meras sugestões às administrações municipais. Não podendo impor aos municípios certas exigências, a legislação estadual simplesmente sugeria a adoção de técnicas administrativas.(67)


5. A organização municipal uniforme da Constituição Brasileira

O Art. 29 da Constituição Brasileira contém um elenco de prescrições obrigatórias pelas quais todos os municípios tinham de se orientar para a elaboração das suas Leis Orgânicas. Os mais importantes são as regras da eleição dos representantes políticos (I-III) e a sua remuneração (V), o número de vereadores proporcional à população (IV), as incompatibilidades (VII), o julgamento e a perda de mandato do prefeito (VIII, XII) e a permissão da iniciativa popular para certos projetos de lei (X).

Podemos observar que a maior parte da organização política dos municípios está prescrita pela Carta Federal. Todos entes locais brasileiros estão sujeitos a uma organização uniforme sem que se considere o seu estado de desenvolvimento, o tamanho, a densidade demográfica ou as atividades econômicas prevalecentes.(68)

No Brasil, há muito tempo constitui também costume jurídico-constitucional a transferência de princípios fundamentais da esfera central (União) para o âmbito regional do estado e a área local do município, sem que esses princípios sofressem maiores modificações ou adaptações. O Supremo Tribunal Federal, durante as últimas décadas, veio a transferir princípios oriundos do processo legislativo federal - direitos de iniciativa e de veto - e do relacionamento entre o Presidente da República e a Câmara, quase sem alterações, para o relacionamento entre o Prefeito e a Câmara Municipal.

Dentro dessa prática, os municípios brasileiros, desde os anos 30 do século XX, foram obrigados a assumir também o sistema presidencialista e a divisão de poderes entre os seus órgãos políticos.(69) A Constituição Federal de 1967/69 prescreveu no seu Art. 15 a separação estrita do legislativo e do executivo dos entes locais. Com isso, um outro preceito constitucional, o de uma "organização municipal variável" (Art. 14, § único) não podia lograr quase nenhum efeito. Celso Bastos comenta à respeito: "Esta a razão pela qual, embora prenhe de significação lógica, a expressão ‘variável segundo as peculiaridades locais’ remanesce, na pratica, letra morta. E que ela não desfruta de campo material de atuação livre."(70)

Por sua vez, a Lei Fundamental Alemã, no seu Art. 28, inciso I, limita-se a determinar que os municípios devem ter "uma representação do povo resultante de eleições gerais diretas, livres, iguais e secretas". Embora na Alemanha a organização municipal também não é individualmente confeccionada para atender às necessidades particulares de cada cidade, a sua regulamentação, contudo, é da competência quase exclusiva dos estados federados (Länder). Na Alemanha, existem nada menos do que quatro tipos diferentes de organização política municipal, dos quais alguns foram reformados durante os últimos anos.(71)

Em alguns estados alemães, o prefeito (Bürgermeister) e os vereadores (Räte = conselheiros) são diretamente eleitos pelo povo; em outros, os cidadãos votam apenas nos vereadores, os quais, por sua vez, elegem um integrante do conselho para ser o prefeito. Além disso, há estados onde o prefeito possui os plenos direitos de chefe do executivo local; em outros, ele somente exerce funções representativas, enquanto a administração do município cabe a um diretor executivo (Stadtdirektor). No estado economicamente mais importante da Alemanha, na Renânia-Norte/Westfália, o governo das comunas e cidades é atribuído a uma comissão executiva (Magistrat) eleita pelo Conselho, e o prefeito é somente o diretor dessa comissão, um primus inter pares.

Como vimos, a Constituição Brasileira regulamenta a organização política dos municípios de uma maneira mais minuciosa do que qualquer texto constitucional anterior. Por isso, ficam bastante limitadas as possibilidades dos entes locais de chegar a uma organização institucional realmente variada; esse quadro também não muda em virtude da concessão da Constituição aos municípios de elaborarem as suas próprias Cartas Locais.

Como decorrência dessa minuciosa regulamentação, a estrutura organizacional de poder nos municípios continua a ser padronizada, inviabilizando-se qualquer tentativa de inovação quanto ao modelo governamental como, por exemplo, executivos colegiados para municípios de pequena dimensão territorial e densidade populacional, conselhos populares dotados de parcela decisória de poder político, a criação constitucional do cargo do "administrador municipal" (city manager), etc.(72)

O Estado do Rio Grande do Sul já concedeu em 1891 aos seus municípios o direito de elaborar as suas próprias Leis Orgânicas. Nesses textos locais, no entanto, geralmente não se tentou fixar qualquer exceções ao modelo tradicional vigente em todo o Brasil. Não houve uma organização da administração variável mais adequada às condições locais concretas ou uma reformulação das relações entre os órgãos políticos.(73) Vale ressaltar que, já antes de 1988, os municípios brasileiros foram juridicamente capacitados a introduzir, por exemplo, o cargo do "city-manager" como chefe da administração ou a instituição de conselhos populares como órgãos assessores do prefeito, mas eles simplesmente não fizeram uso desse direito.(74)

É importante frisar que os municípios do Brasil, há muito tempo, costumam imitar voluntariamente normas legais e modelos de organização administrativa do estado ou da União e transferi-los, sem maiores adaptações, para o seu âmbito. As cerca de 5.500 Leis Orgânicas promulgadas em 1990 ou depois contêm inúmeros expressões, dispositivos e instrumentos legais que evidentemente foram copiados dos textos constitucionais superiores.(75)

Esse fenômeno da simetria legal, criticado por muitos autores, deve-se, principalmente, à tendência exagerada dos políticos locais e assessores legislativos das Câmaras a chegar a numa unidade legal. Essa atitude pode ser explicada tanto pela insegurança de muitos vereadores e funcionários quanto também pelo simples comodismo daqueles que, antes de tudo, "não querem fazer nada errado". A uniformidade das instituições de governo local no Brasil tem resultado mais da tradição e da imitação do que de imposições legais.(76)


6. As funções diferenciadas dos municípios na Alemanha

O sistema vigente na República Federal da Alemanha diverge bastante do quadro brasileiro. A Lei Fundamental Alemã estabelece como princípios que "os Estados executarão as leis federais como matéria própria" (Art. 83). A aplicação das leis federais, através dos órgãos públicos, cabe preponderantemente aos estados. A União tem apenas competências muito limitadas no campo da execução administrativa. A vantagem desta administração descentralizada está em que as caraterísticas regionais e locais podem ser melhor consideradas e desta maneira haver um julgamento mais justo de cada caso no cumprimento das leis.

A aproximação ao cidadão, de parte da administração pública alemã, é fortalecida ainda pelo fato de que os estados, em muitos dos casos, utilizam-se das administrações municipais como instância de mais baixo nível hierárquico para a execução das leis. No mundo inteiro, as funções da administração municipal têm crescido muito no decorrer da história e têm em conta, sobretudo, o desenvolvimento econômico e tecnológico; são os governos locais que devem atender às chamadas "necessidades vitais".

De acordo com o princípio da "incumbência universal" ou "omnipotência" (Allzuständigkeit), os municípios alemães teoricamente cuidam de todos os assuntos da comunidade local, exceto quando uma lei superior disponha de maneira diferente. Na medida em que for viável, estados e União devem se valer dos órgãos executivos dos municípios quando precisam cumprir suas próprias funções ali no local, sem instalar repartições especiais suas.

Na verdade, esse sistema é resultado de economia administrativa. Vale o princípio da "singularidade da administração" pública em nível local: as instituições dos diversos níveis administrativos públicos, em certa medida, se engrenam umas nas outras, apesar de nem sempre deixarem de existir antagonismos entre esses níveis também.

Na Alemanha, tradicionalmente distinguimos duas grandes áreas funcionais da atuação administrativa municipal: o círculo próprio de atuação e as funções delegadas pelo estado. Dentro das tarefas próprias ainda distingue-se entre as facultativas e as obrigatórias. Dentre os assuntos facultativos do município alemão, temos os assuntos culturais, fomento de esportes, instalações de transporte, de centros para a juventude, lares de idosos, piscinas públicas, etc. Essas funções são da responsabilidade exclusiva do município, que não precisa executá-las se os órgãos políticos não o julgarem necessário.

Cada vez mais importância estão ganhando os "encargos obrigatórios" (Pflichtaufgaben). Os estados federados da Alemanha têm o direito de obrigar os seus municípios ou associações intermunicipais a cumprirem certas tarefas. Lá, existem inúmeras leis estaduais que obrigam diretamente os entes locais a exercerem determinados serviços públicos. Dentre essas tarefas constam questões referentes à ordem e segurança pública e ao atendimento das principais necessidades cotidianas: abastecimento de água tratada, coleta e tratamento de esgotos, ordenamento do uso do solo através de planos diretores de obras e construções, transportes coletivos urbanos, construção e conservação das vias públicas municipais, instalações de combate a incêndios, instalação e manutenção de prédios escolares e hospitais de tratamentos urgentes e instalações de assistência social.

Os assuntos delegados (Auftragsangelegenheiten), por sua vez, são repassados aos governos locais por força de leis estaduais ou, excepcionalmente, federais. Nesses casos, confia-se aos municípios apenas a execução da tarefa, e ele a exerce na qualidade de mandatário do estado.(77) São as mais importantes dessas funções a segurança pública, a manutenção da ordem geral, a proteção da natureza, o controle da caça e da pesca, o regulamento do trânsito local, a fiscalização de construções, o trato de assuntos relacionados à saúde pública e veterinária, as questões de registro civil e residência bem como as eleitorais e relativas a estrangeiros.

Nas tarefas que o município exerce por delegação superior, pode este fiscalizar se essa execução está sendo feita de forma adequada. Nesses casos, a fiscalização estatal abrange, além da legalidade, também a conveniência da execução. Aliás, é freqüente os municípios se queixarem que o reembolso estadual não costuma chegar a cobrir, de fato, as despesas que acarretam para os entes locais. O município alemão tem, pois, um "duplo caráter": é entidade da auto-administração e, ao mesmo tempo, órgão executor do seu respectivo estado federado.(78)

Na verdade, o volume das funções delegadas exercidas pelo município alemão, tornam-se cada vez maior, convertendo o município, cada vez mais, em instância local do estado. Por outro lado, os municípios preferem executar tarefas estaduais com seus próprios servidores a admitir a instituição de uma série de órgãos estaduais específicos no seu território que certamente iria destruir a unidade de administração pública.

Ao contrário da situação alemã, o município brasileiro, devido a sua posição jurídico-constitucional forte, não pode ser obrigado, mediante lei superior, a executar serviços e tarefas estaduais ou federais que têm a sua base na legislação desses outros níveis estatais. O direito constitucional-municipal do Brasil, por tradição, não prevê a delegação obrigatória ou "automática" de tarefas por parte das esferas estatais superiores para os entes locais. Para que a União e os estados possam delegar funções de seu âmbito para os municípios, é preciso a celebração individual de convênios administrativos, que, até hoje, representam o principal instrumento de colaboração entre a União, os estados e os municípios. Em 1998, a figura do convênio foi reintroduzida no texto constitucional (art. 241) pela Emenda n° 19. (79)

Até hoje é esclarecedora a lição de Castro Nunes (80), que apontou o duplo caráter das municipalidades americanas e européias (alemãs, francesas, italianas) como órgãos destinados ao governo da localidade e, ao mesmo tempo, como agências da administração geral dos estados, revelando os poderes paralelos de que está investido o município. Ressaltava o eminente autor que, no município brasileiro, quase não se acusa na órbita da sua atividade uma esfera delegada distinta da esfera propriamente municipal, esclarecendo que essa característica vinha do antigo regime, visto que as Câmaras municipais nunca eram agentes da Província.

A Constituição Brasileira de 1988, na base da ideologia de uma autonomia municipal formalmente fortíssima, não prevê a possibilidade da obrigação dos entes locais para o desempenho de determinadas tarefas e serviços públicos. A única verdadeira obrigação dos municípios brasileiros para cumprir uma determinado serviço público existe na área da educação. O Art. 212 da Constituição Federal os obriga a aplicar vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino.

As Constituições Estaduais e mesmo a legislação infraconstitucional não podem criar obrigações para os municípios.(81)


7. A garantia constitucional e a definição da autonomia municipal

A equiparação formal dos municípios brasileiros com os estados e a União mediante a sua elevação para a terceira esfera estatal da Federação foi ainda fortalecida pelos dispositivos dos Art. 29 e 30 da Constituição Federal. A Constituição Brasileira concede, no seu Art. 30, aos entes locais áreas específicas de competência.

O Art. 24 da Carta Brasileira, que trata das competências legislativas concorrentes, não inclui os municípios (82), aos quais, segundo o Art. 30, II, CF "compete suplementar a legislação federal e a estadual no que couber". O exercício desta competência exige a existência de uma norma superior e de uma lacuna da mesma, que deve ser preenchida, atendendo, assim, a um interesse local.(83) Muitas vezes, a União e os estados demoram de reconhecer problemas e não reagem dentro de prazos toleráveis. Enquanto não existem leis superiores, os municípios podem agir numa maneira mais livre e emitir, na base do Art. 30, inciso II, CF, normas em áreas que não fazem parte das suas competências expressas. Nesses casos, os entes locais são capazes de "antecipar" os dispositivos dos níveis estatais superiores.

Nessa altura, pode se tornar difícil a demarcação entre os incisos II e I do Art. 30 CF. Todavia, consideramos de importância reduzida a distinção exata entre essas duas normas, visto que elas se complementam, sendo sempre o ponto nodal da questão, nos dois casos, a presença de um interesse local. Ao mesmo tempo, é claro que não pode ser suplementada toda legislação estadual e federal, visto que há matérias cujo tratamento em nível municipal seria absolutamente desconcernante.(84) Atualmente o município pode, mesmo em assuntos sobre os quais ele possuía, antes de 1988, nenhuma competência, suprir omissões da legislação superior.(85)

Importância suprema possui o Art. 30, inciso I, da Constituição Federal; segundo este, "compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local". Essa norma concede aos entes locais uma competência legislativa exclusiva nas áreas onde predomine o interesse local. O conceito do "interesse local" ocupa uma posição central para a definição do conteúdo da autonomia municipal no Brasil. A predominância, e não a exclusividade, continua sendo a justa interpretação desse novo conceito.(86)

O conceito do "interesse local" é de fundamental importância, não somente para a limitação das competências legislativas, mas também na atribuição das responsabilidades pela prestação dos serviços estatais, onde desempenha papel decisivo. A Constituição brasileira prevê, como as Cartas anteriores, ao lado da competência municipal de legislar (Art. 30, I, II) a de prestar serviços públicos de interesse local (Art. 30, V).

Enquanto nas Leis Maiores do Brasil sempre houve essa distinção expressa entre as duas áreas da ação legislativa e administrativa da esfera local, a Lei Fundamental da Alemanha entende o poder do município para produzir normas legais (Satzungsgewalt) como "complementação instrumental do cumprimento auto-responsável das suas tarefas locais".(87) Na base dessa teoria, a competência normativa não foi especialmente mencionada pela Lei Fundamental Alemã.

Na verdade, a prestação dos serviços públicos municipais se realiza através da execução das leis locais a respeito, visto que, no Estado de Direito moderno, o poder público desenvolve quase todas as suas ações e atividades com base em leis.(88) Os serviços municipais constituem verdadeiras tarefas cujo cumprimento por parte das prefeituras garante a organização ordenada do dia-a-dia das populações nas cidades e vilas rurais.

A expressão "interesse local" do novo texto constitucional brasileiro (Art. 30, I) veio a substituir o conceito tradicional do "peculiar interesse", que foi introduzido pela Constituição republicana de 1891. Vale frisar, contudo, que, já antes de 1988, muitos autores costumavam usar a expressão conjunta do peculiar interesse local. Portanto, a doutrina é quase pacífica que o conteúdo material desse conceito não foi alterado e que "a mudança da letra não eqüivale a uma mudança do espírito da Constituição".(89)

O conceito do peculiar interesse local nunca foi definido de uma maneira satisfatória pela doutrina e jurisprudência brasileiras, continuando pouco esclarecido o seu significado dentro do sistema complexo das competências privativas e concorrentes da União e do estado erguido pela nova Carta Magna.

A maior parte da doutrina se limita, até hoje, a declarar que o interesse local deve ser entendido como predominante e não exclusivo, sem, no entanto, fornecer critérios válidos para definir o que seja um "interesse local predominante" no caso concreto.(90) Outros autores o consideram "critério vago que nada define de positivo e cujos limites ficaram nebulosos" e que o termo "quase não presta mais para uma aplicação num caso concreto".(91)

A expressão do interesse local é semelhante àquela usada pela Lei Fundamental Alemã, que - diferente da situação no Brasil - não atribui competências específicas aos entes locais, mas contém no seu Art. 28, II, uma atribuição global de competência, que garante aos municípios apenas genericamente o direito de "regularem todos os assuntos da comunidade local".

No entanto, ao contrário da situação alemã, no Brasil, durante as últimas décadas, chegaram pouquíssimas ações judiciais aos crivos dos tribunais. Ademais, a esmagadora maioria dos municípios brasileiros se encontra numa situação financeira precaríssima, fazendo com que as prefeituras e câmaras dificilmente recusem a intromissão das administrações estaduais ou órgãos federais nos seus assuntos locais, desde que esta seja acompanhada por medidas de ajuda técnica e financeira. Muitas vezes, os entes locais até agradecem tais "ingerências" para se livrar de tarefas caras e politicamente pouco interessantes como o saneamento básico.

Com toda razão perguntou Álvaro Pessoa: "Qual prefeito está disposto a bancar uma briga com o Governador de Estado para definir em matéria de peculiar interesse até onde vai o peculiar interesse do seu município?".(92)

No Brasil, seria necessário também uma atuação mais expressiva das Associações Municipais regionais e nacionais (Kommunale Spitzenverbände), que na Alemanha tradicionalmente possuem uma força política bastante elevada para representar com êxito os interesses municipais junto aos órgãos estaduais e federais. Essas associações dispõem de uma boa estrutura administrativa capaz de prestar uma assistência jurídica eficiente aos seus membros e também encorajam as cidades e comunas rurais a reivindicarem o pleno respeito da sua autonomia ajudando-os até, se for imprescindível, nos litígios contra o estado ou a União em defesa da sua autonomia.

Vale enfatizar, no entanto, que, ao contrário do ordenamento jurídico brasileiro, a delimitação da autonomia local na Alemanha, segundo o Art. 28, inciso II, da Lei Fundamental, deve ser efetuada expressamente "nos moldes das leis" (im Rahmen der Gesetze), ou seja, através da legislação superior, preponderantemente a estadual. Na base dessa ampla "liberdade de formação legislatória"(93), os estados federados alemães, ao editar as suas Leis de Organização Municipal (Kommunalordnungen), vieram a delimitar de maneira nítida o âmbito dos serviços a serem cumpridos pelas suas prefeituras locais.

Vale lembrar que, no Brasil, este "primeiro passo" de delimitação das competências e da definição da autonomia municipal não cabe aos estados, mas aos próprios municípios nas suas Leis Orgânicas.

Porém, o estado alemão, em todas suas regulamentações legais, é obrigado a seguir os princípios constitucionais oriundos do Art. 28, II, da Lei Fundamental no sentido de que deve deixar para os municípios uma área para o cumprimento auto-responsável dos assuntos que dizem respeito à comunidade local. Uma intervenção no conteúdo essencial desse direito seria inconstitucional e poderia ser levada pelo ente local afetado à apreciação judiciária.(94)

A liberdade dos municípios alemães, garantida pela Constituição Federal, desde os anos 50 veio a ser fortalecida pelo Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht), que desenvolveu a sua teoria da seara substancial (95) ou do mínimo intangível (96) que proíbe a supressão da autonomia municipal como instituição por parte do estado ou da União bem como qualquer restrição que atinja o seu "conteúdo essencial" (Wesensgehalt).

Segundo o entendimento alemão, a garantia do direito de auto-administração dos municípios, na sua essência, significa que transferências ou "deslocamentos" de funções e responsabilidades para outros níveis da administração pública - uma medida lícita no sistema alemão mediante lei estadual - não devem reduzir substancialmente as formas de atuação e influência das prefeituras e não sejam de tal monta "que, em decorrência, o município veja alterados a sua imagem, a sua estrutura e o seu tipo tradicionalmente caraterísticos".(97)

Vale ressaltar que, na Alemanha de hoje, há muitos municipalistas que alegam um sufocamento da autonomia local através de uma rede cada vez mais densa de prescrições da legislação estadual, formada por regulamentações demasiadamente pormenorizadas e perfeccionistas. O município alemão, durante as últimas décadas, perdeu bastante da sua espontaneidade e liberdade de ação, e o controle por parte do estado se tornou cada vez maior.(98)


8. Perspectivas para uma melhor distribuição de competências entre as esferas estatais; o papel dos estados brasileiros na definição do "interesse local"

Por último, resta traçar o caminho para uma melhor definição dos direitos e responsabilidades dos municípios no futuro. Na última Assembléia Nacional Constituinte Brasileira, o Anteprojeto da Subcomissão dos Municípios e Regiões previa a seguinte regulamentação:

          Art. 9º - Compete privativamente aos municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse municipal predominante;

III - organizar e prestar os serviços públicos locais;

§ 1º - as atribuições dos municípios poderão variar segundo as particularidades locais, sendo, entretanto, de sua competência exclusiva os serviços e atividades que digam respeito ao seu peculiar interesse, tais como: (...)(99)

§ 3º - Os municípios poderão prestar outros serviços e desempenhar outras atividades, mediante delegação do Estado e da União, sempre que lhes forem atribuídos os recursos necessários.

§ 4º - As particularidades locais, para efeito da variação a que se refere o § 1º deste artigo, serão definidos em lei complementar estadual.

Os autores do anteprojeto visaram a "vencer a fórmula tradicional e indefinida na enunciação do papel, das atribuições, competências e encargos municipais, e buscar meios para melhor precisar esses elementos para especificar, de modo proporcional e adequado, os recursos necessários à manutenção dos municípios".(100)

Esse tipo de catálogo dos serviços locais para todo o território nacional sempre sofreu críticas por parte da doutrina. Alegou-se que a noção de peculiaridade local no que se refere à prestação de serviços públicos não seja passível de um entendimento padronizado, mas variável em função da localização geográfica, dimensão, população, tradição, aspectos históricos e culturais, potencialidades, níveis de urbanização, caraterísticas do solo, aspirações do povo, proximidade ou afastamento de centros polarizadores, etc.(101) Diante da mutação por que passam certas atividades e serviços, a variação de predominância do interesse municipal, no tempo e no espaço, é um fato, particularmente no que diz respeito à educação primária, trânsito urbano, telecomunicações, etc.(102) Por conseqüência, a solução das atribuições explícitas foi rejeitada pelo Relator da Constituinte.

Compartilhamos, em parte, as críticas em relação de uma enumeração dos serviços genuinamente municipais em nível nacional pela própria Carta Federal. A inconveniência desse procedimento, porém, não nos leva necessariamente a considerar indispensável a utilização do vago conceito do "(peculiar) interesse local" com todas as dificuldades de sua definição acima expostas. Como certamente não convém atribuir funções e tarefas iguais para municípios paulistas, gaúchos, nordestinos ou amazonenses, das metrópoles até as aldeias rurais, uma tal exemplificação do interesse municipal nos parece ter uma viabilidade bem maior se fosse efetuada no nível de cada estado da Federação Brasileira. O § 4º do Art. 9º do anteprojeto abria justamente esse caminho para incluir os estados na definição da autonomia dos seus municípios.

Podemos constatar que, hoje, cabe também às Leis Orgânicas Municipais o importante papel de definir as matérias de competência municipal no seu caso concreto, explicitando a expressão vaga que é o termo interesse local do Art. 30, I, Constituição Federal.(103) O conteúdo das Leis Orgânicas serve como indicação pela distribuição das responsabilidades no caso concreto.

No entanto, não é possível parar por aí, não podendo caber somente aos entes locais o traçado das linhas divisórias entre as suas atribuições e as tarefas do estado e da União. O município, sozinho, não é capaz de delimitar as responsabilidades pela execução dos serviços públicos e de definir o conteúdo do seu interesse local.(104)

A maioria das Leis Orgânicas locais declararam ser o município competente em quase todas as áreas da administração pública: saúde, educação, licenciamento de atividades, transporte, fomento econômico, produção de alimentos, proteção do meio ambiente, etc., estabelecendo, muitas vezes, competências concorrentes.

Porém, o sistema jurídico-administrativo brasileiro já sofreu bastante com a tradicional prática dessas competências concorrentes, onde as três esferas se atrapalham, se atropelam ou se omitem na prestação dos serviços, sendo um dos efeitos mais danosos dessa concorrência de atribuições o impedimento da cobrança da prestação efetiva dos serviços pela sociedade.(105) Cabendo indiferentemente a qualquer nível de governo a prestação de um serviço, fácil se torna a omissão de qualquer deles, na esperança de que os demais decidam assumir o encargo.(106)

Álvaro Pessoa comentou a respeito: "Virtualmente o município brasileiro possui, hoje, um potencial de competências, que, além de misterioso, e mais um obstáculo do que um auxílio. São inumeráveis as áreas de competência que se poderiam chamar superpostas ou complementares, onde algumas vezes a União, outras o estado-membro deseja e praticamente não pode legislar. Não há sistema de exclusão ou ordenação de competência que possa ajudar no desate de tão complexo nó constitucional".(107)

Essa indefinição de competências foi transferida para o regime da Constituição de 1988. Até hoje continua válida a observação de Lordello de Mello: "O que devia ser a responsabilidade de cada uma esfera estatal resulta, não raro, na irresponsabilidade de todas". Para ele, o sistema de competências concorrentes exige, para sua eficiência, um alto grau de coordenação, difícil de ser atingido em face de certos aspectos da autonomia dos estados-membros e do município. "Não prevalecendo, entre nos, o regime da subordinação administrativa das coletividades territoriais inferiores às superiores, torna-se difícil a coordenação da ação das primeiras pelas segundas, o que somente poderá ser conseguido através de um sistema de auxílios condicionados e de mecanismos adequados de fiscalização dos recursos concedidos (...)."(108)

Prescrições isoladas sobre o "pretenso" interesse local de um município certamente não levarão os órgãos da respectiva administração estadual a alterar e adaptar o seu desempenho em relação à cidade. Uma combinação integrada das funções entre as diferentes esferas estatais exige a participação do estado e do Município ao mesmo tempo. Por isso, parece errônea a afirmação que, depois de 1988, caberia somente às Leis Orgânicas Municipais definir a abrangência e conteúdo do seu "interesse local".

Na verdade, também ficou difícil, no sistema da Carta de 1988, entender o papel das Constituições Estaduais em relação aos municípios, "visto que os entes locais acham os parâmetros e limites definidores da sua autonomia diretamente na Carta Federal, sobrando, portanto, pouco espaço para o estado cuidar do município".(109)

Mesmo assim, poderíamos atribuir aos textos estaduais, que tratam das competências municipais, o seguinte significado: onde a Carta Estadual declara os municípios a serem competentes para determinadas tarefas (110), o próprio estado reconhece, de maneira indireta, que tais funções - salvo raras exceções - não são de interesse predominantemente regional (= estadual) e que, portanto, estão os municípios facultados e "exortados" a editar suas próprias legislações nessas áreas, podendo incluí-los, desde o início, nas suas Leis Orgânicas Municipais.

Essa interpretação "indireta" não seria necessária se a Constituição Federal tivesse atribuído - como previa o Anteprojeto - aos estados a competência expressa de definirem mediante lei complementar as "particularidades locais, para efeito de variação" (Art. 9, § 4º). Tal procedimento também teria a grande vantagem de poder traçar linhas de responsabilidade entre os governos estaduais e as prefeituras, onde hoje existem inúmeras dúvidas, omissões e superposições dos planos, programas e atividades.

Na base do acima exposto, surge a pergunta: quais sejam os critérios adequados para uma definição realística da autonomia municipal no Brasil?

          José Maria Dias observa que "a velha surrada questão de analisar-se o municipalismo brasileiro tentando posicioná-lo, justificá-lo e engrandecê-lo, apenas com argumentos de índole federativa, com base exclusivamente no peculiar interesse local, está ficando superada e com as suas energias esgotadas".(111)

Por isso, se faz mister compreender o problema sob os enfoques histórico-econômico e administrativo e para chegar a uma atitude conciliadora entre o jurídico-constitucional e o administrativo-econômico. Para tal fim, poderá servir a já antiga teoria das escalas (112), que busca orientar a repartição das competências, encargos e serviços entre os diferentes níveis estatais segundo critérios geográficos, econômicos, técnicos, financeiros bem como de poder político e de força administrativa.

São justamente esses aspectos variados, que deveriam entrar na definição do interesse local, seja na fase de auto-identificação dos municípios na sua Lei Orgânica, seja na concretização legislativa mais genérica por parte dos estados federados ou, por final, na decisão do juiz sobre o caso concreto.


9. Conclusão

Em virtude da sua independência fática desde os tempos coloniais, o município brasileiro sempre foi considerado parte do poder estatal. Ao contrário, o município alemão tem a sua base histórica na oposição dos cidadãos contra o estado absolutista. Como conseqüência dessa evolução, o município brasileiro sempre gozou de uma autonomia jurídico-formal extremamente forte, coroada em 1988, pela elevação constitucional, para constituir a terceira esfera da Federação Brasileira.

Na Alemanha, os municípios são considerados subdivisões administrativas dos estados, porém, dotadas de autonomia pela Constituição Federal. Portanto, o conceito alemão da auto-administração local não corresponde exatamente ao termo brasileiro da autonomia municipal, que possui um significado muito mais político.

O conceito da autonomia municipal depende, nos dois países, da interpretação do conceito constitucional "assuntos de interesse (na Alemanha: da comunidade) local". A partir dos anos 50, a jurisprudência constitucional alemã desenvolveu um sistema complexo de proteção ao direito de auto-administração nas cidades e comunas. Os tribunais brasileiros, ainda não elaboraram critérios e parâmetros sólidos para a definição da autonomia municipal, prevalecendo o casuísmo.

Os direitos e deveres do município brasileiro emanam diretamente do texto da Carta Federal; há dúvidas a respeito da funções das Constituições Estaduais e leis orgânicas municipais na concretização da autonomia local. A abrangência da autonomia do município alemão é fortemente influenciada pela legislação estatal (União e estados).

Na Alemanha, as entidades municipais implementam uma grande parte das normas federais e estaduais por obrigação legal. Lá, muitas funções e serviços locais são fixadas e reguladas pela legislação superior, restando ao município pouco espaço de decisão na sua execução.

No Brasil, os municípios devem obedecer à legislação federal e estadual, mas não são obrigados de executar ativamente as leis superiores; para fim de delegação, se faz necessário a celebração de convênios administrativos com natureza voluntária. O sistema brasileiro quase não trabalha com tarefas obrigatórias para os municípios. Os estados federados pouco podem interferir na prestação dos serviços locais pelas prefeituras, prescrevendo-as os seus procedimentos administrativos ou certo padrão de qualidade.

Para superar a superposição das funções nas diferentes esferas estatais, oriundas do sistema da atribuição de numerosas competências concorrentes, seria necessário uma subdivisão mais nítida das tarefas de cada nível. Para isso, é imprescindível chegar a uma definição clara dos direitos e responsabilidades dos municípios em relação ao seu estado e a União.

Essa concretização só pode atender às peculiaridades regionais e locais se for efetuada por parte dos estados federados, sendo insuficiente a auto-definição isolada de autonomia nas leis orgânicas locais. Como os direitos e deveres do município brasileiro emanam diretamente da Constituição Federal, esta teria de estabelecer, expressamente, o direito dos estados a definirem o conceito do "interesse local" dos seus municípios. Os critérios dessa definição podem ser fornecidos pela "teoria de escalas".

Recomendamos que esse caminho apontado pelo respectivo Anteprojeto da última Constituinte futuramente fosse retomado mediante o projeto de uma emenda constitucional.


Notas

1 Hans Herbert von Armin, "Gemeindliche Selbstverwaltung und Demokratie", in: Archiv des Öffentlichen Rechts, n° 113, 1988, p. 15.

2 Georg Christoph von Unruh, "Ursprung und Entwicklung der kommunalen Selbstverwaltung im frühkonstitutionellen Zeitalter", in: Günter Püttner, Handbuch der kommunalen Wissenschaft und Praxis, Band 1, 1981, p. 57.

3 A chamada Paulskirchenverfassung, discutida é aprovada na Igreja de São Paulo em Frankfurt. Essa Constituição, no entanto, nunca entrou em vigor, porque o Rei da Prússia, Frederico Guilherme IV., se recusou a aceitar a coroa do Império Alemão, que somente veio a ser constituído em 1971 em virtude da iniciativa pessoal do famoso chanceler (primeiro ministro) da Prússia, Otto von Bismarck.

4 Os autores mais expressivos nesse contexto eram von Gneist, von Gierke, Laband, Jellinek, Rosin e Lorenz von Stein.

5 Eberhard Laux, "Kommunale Selbstverwaltung als politisches Prinzip - Wege der Diskussion", in: Festgabe für Georg C. von Unruh, 1983, p. 51ss.

6 Hugo Preuß, Gemeinde, Staat, Reich als Gebietskörperschaften, Berlin, 1889, Ausgabe Aalen, 1964, p. 406.

7 "Estado" (Staat) aqui entendido como "poder estatal" e não "estado-membro".

8 "Die Gemeinde wäre der Staat gewesen", cf. Hans Kelsen, Staatslehre, 1925, Ausgabe Bad Homburg 1966, p. 184s.

9 Staat und Gemeinden - Stellungnahme des Sachverständigenrates zur Neubestimmung der kommunalen Selbstverwaltung, Köln, 1980, p. 8.

10 Hans Herzfeld, Demokratie und Selbstverwaltung in der Weimarer Epoche, Stuttgart, 1957, p. 34.

11 "Dezentralisierter Einheits- und Selbstverwaltungsstaat", cf. Heinrich Heffter, Die Deutsche Selbstverwaltung im 19. Jahrhundert, Stuttgart, 1950, p. 785.

12 Hans Herzfeld, ob. cit. (10), p. 26, 29, 35ss.

13 Ernst Forsthoff, Die öffentliche Körperschaft im Bundesstaat, Tübingen, 1931, p. 174.

14 Eberhard Laux, ob. cit. (5), p. 56ss.

15 Bernhard Haaß, Handlungsspielräume gemeindlicher Umweltpolitik am Beipiel des Abfallrechts, Berlin, 1992, p. 60; Franz-Ludwig Knemeyer, "Kommunale Selbstverwaltung in Deutschland", in: Joseph Kaiser, Verwaltung und Verwaltungswissenschaften in der Bundesrepublik Deutschland, Baden-Baden, 1983, p. 74.

16 Peter Schöber, Kommunale Selbstverwaltung - Die Idee der modernen Gemeinde, Stuttgart, 1991, p. 245.

17 Cf. Ingo von Münch/ Eberhard Schmidt-Aßmann, Besonderes Verwaltungsrecht, 1992, p. 13.

18 W. Vogelsang/ G. Lübking/ H. Jahn, Kommunale Selbstverwaltung, 1991, p. 34, v. 86.

19 Werner Thieme, "Die Gliederung der deutschen Verwaltung", in: Günter Püttner, Handbuch der kommunalen Wissenschaft und Praxis, Band 1, 1981, p. 143.

20 Hans Herbert von Armin, ob. cit. (1), p. 15.

21 Dante Martorano, Direito Municipal, Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 17

22 Cf. Celso Ribeiro Bastos, "A Federação no Brasil", in: Rev. de Direito Constitucional e Ciência Política, 1987, p. 218; Ada Pelegrini Grinover/ Fernando Pimentel, Regiões administrativas intra-estaduais, Boletim do Interior, nº 49, 1977, p. 65.

23 Sobre a evolução histórica do Município no Brasil e no mundo, veja Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira, 2. vol., Arts. 29 a 31, Saraiva, 1990, pp. 196ss.

24 Dante Martorano, ob. cit. (21), p. 33.

25 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 1990, Edit. RT, p. 64.

26 Celso R. Bastos/ Ives Gandra da Silva Martins, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1, p. 231.

27 Cf. O Município e seu Regime Jurídico, 1973, p. 32, 55; também: Orlando M. Carvalho, Problemas Fundamentaes do Município, São Paulo, 1937, p. 17-20.

28 Dieter Brühl, "Die brasilianische Verfassung von 1988 und die Munizipien", in: Archiv für Kommunalwissenschaften, I-1992, p. 44s.

29 Dieter Pfirter, Bundesstaat Brasilien: historische, juristische und territoriale Entwicklung, Baden-Baden: Nomos Verlag, 1990, p. 243.

30 E o Art. 169 rezava: "O exercício de suas funcções municipaes, formação das suas Posturas policiaes, applicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e úteis attribuições, serão decre-tadas por uma lei regulamentar."

31 Nove membros do Conselho nas cidades e sete nas vilas, cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 7. ed., São Paulo, 1985, p. 5s.

32 Cf. Christian Roschmann, Vergleich des föderativen Aufbaus: Deutschland - Brasilien, Frankfurt/Main, 1991, p. 28s.

33 Eugênio Franco Montoro, O Município na Constituição Brasileira, São Paulo, 1975, p. 41

34 Celso R. Bastos/ Ives Gandra da S. Martins, ob. cit. (26), p. 218.

35 Cf. Themistocles Brandão Cavalcanti, Instituições de Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, 1936, p. 37; José Nilo de Castro, Morte ou ressurreição dos Municípios?, São Paulo, 1985, p. 33.

36 Veja a decisão do Supremo Tribunal Federal nº 1.118 de 13.1.1909, apud José de Castro Nunes, Do Estado Federado e sua Organização Municipal, Rio de Janeiro, 1920, p. 91, 146s.

37 Cf. Divaldo Suruagy, Municipalismo, Senado Federal, Brasília, 1989, p. 16ss.

38 Essa "política dos governadores" dos Estados São Paulo e Minas Gerais ("café e leite") foi a razão principal pelas Revoluções dos anos 30, cujas protagonistas - preponderantemente militares - alegavam de ter a obrigação de combater os egoismos regionais em prol do bem nacional; cf. Felizardo, História nova da República Velha, 1980, p. 63s., 85s.; A. Gomes, Regionalismo e Centralização Política, 1980, p. 31s.

39 Cf. Victor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Voto, 1975, p. 20s.; Edgar Carone, A República Velha, 1975, p. 252s.

40 Hely Lopes Meirelles comenta a respeito: "(...) Todo esse aparato de autonomia ficou nos textos legais. Durante os 40 anos em que vigorou a Constituição de 1891, não houve autonomia municipal no Brasil. O hábito do centralismo, a opressão do coronelismo e a incultura do povo transformaram os municípios em feudos de políticos truculentos, que mandavam e desmandavam nos ´seus´ distritos de influência, como se o município fosse propriedade particular e o eleitorado um rebanho dócil ao seu poder", ob. cit. (31), p. 7.

41 Cf. Dieter Brühl, ob. cit. (28), p. 42s.

42 Boris Fausto, Society and Politics in the First Republic, 1989, p. 267ss.

43 Helena M. Bousquet Bomeny, "A estratégia da conciliação: Minas Gerais e a abertura política dos anos 30", in: A. Gomes, ob. cit. (38), 1980, p. 215.

44 Cf. Gabriel de Rezende Passos, membro da Constituinte de 1933/34, apud Bomeny, ob. cit. (43), p. 216ss.

45 Assim os Deputados Federais Serapião de Carvalho e Bias Fortes, apud Bomeny, ob. cit. (43).

46 Assim, pela primeira vez, expressamente Sampaio Dória, "Autonomia dos municípios", in: Rev. da Faculdade de Direito de São Paulo, vol. XXIV, 1928, pp. 425ss.

47 Supremo Tribunal Federal, Rev. dos Tribunais nº 599, 1985, p. 223.

48 Antônio Carlos Otoni Soares, A Instituição Municipal no Brasil, Edit. RT, 1986, p. 115s.; Dante Martorano, ob. cit. (21), p. 91.

49 Eugênio Franco Montoro, ob. cit. (33), p. 36.

50 Albert von Mutius, "Örtliche Aufgabenerfüllung", in: Selbstverwaltung im Staat der Industriegesellschaft (Festgabe für Georg Christoph von Unruh), Heidelberg, 1983, p. 244.

51 Chegamos a essa conclusão devido às experiências do contato com os participantes de cerca 15 seminários promovidos pelo Departamento de Administração Pública (ZÖV) da Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional (DSE) em convênio com a Associação Brasileira de Municípios (ABM) entre 1985 e 1993 em Berlim. Os prefeitos, vereadores e secretários municipais do Brasil sempre consideraram o conceito de "auto-administração" menos forte do que a plena "autonomia" municipal administrativa e política. O sentido do termo alemão também difere do seu modelo histórico, o selfgovernment inglês, o que significa "auto-governo".

52 Pontes de Miranda, Comentários a Constituição de 1967, tomo II, p. 332.

53 José Alfredo de Oliveira Baracho, Teoria Geral do Federalismo, Forense, 1986, p. 96s.; Vítor Nunes Leal, Problemas de Direito Público, 1960, p. 317s.; Ana Maria Brasileiro, O Município como Sistema Político, 1973, p. 19s.; Machado Paupério, ob. cit. (27), p. 20s., 47s.

54 Cf. Eugênio F. Montoro, ob. cit. (33), p. 69s.

55 Esse fato levou José Afonso da Silva a seguinte observação: "Em que muda a federação brasileira com o incluir os municípios como um dos seus componentes? Não muda nada!", cf. Curso de Direito Constitucional Positivo, 1990, p. 408, 537. Um dos poucos declarados adversários desse levantamento formal dos entes locais é Ives Gandra da S. Martins; ele alega que os municípios nunca passaram de ser partes integrantes dos seus estados que exclusivamente sejam capazes de formar a federação, cf. O Plano Brasil Novo e a Constituição, 1990, p. 22.

56 Cf. Victor Nunes Leal, Problemas do Direito Público, 1960, p. 323; Machado Paupério, ob. cit. (27), pp. 74, 82; Flávio R. Collaço, O Município na Federação Brasileira, Florianópolis, 1983, p. 52.

57 Hely Lopes Meirelles, ob. cit. (31), p. 97.

58 Fernanda D. Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, São Paulo Edit. Atlas, 1991, p. 128; Adilson A. Dallari, "Atribuições do legislativo municipal", in: Boletim do Interior, nº 55, 1978, p. 25; Tóshio Mukai, "Legislações prevalentes em matéria concorrente", in: Boletim de Direito Municipal (BDM), out. 1986, p. 765.

59 Veja Hans Kelsen, Allgemeine Staatslehre, 1925, p. 184ss.

60 Assim os Constituintes José Dutra e Chagas Rodrigues, ANC-Suplemento nº 86, p. 30; cf. também Giannini, "Federação: a unidade na diversidade", in: Rev. Cepam, mar. 1990, p. 12s.; Barreto/Correia, ob. cit. (60), p. 231; Celina de Souza, "Gestão urbana na Constituição de 1988", in: Rev. de Administração Municipal (RAM) nº 192, 1989, p. 13; Diógenes Gasparini, Plano Diretor, Boletim de Direito Municipal, mar. 1991, p. 171.

61 Hely L. Meirelles disse: "A multiplicidade de leis é sempre um mal", ob. cit. (31), p. 52s.

62 Vivaldo Barbosa, Assembleia Nacional Constituinte (ANC), Emenda nº 1.059; ele propôs a concessão do direito à própria lei orgânica somente aos municípios acima de 300.000 habitantes.

63 Pompeio de Toledo, ANC, Emenda nº 7.670-6, apud Wolgran J. Ferreira, Comentários a Constituição Federal de 1988, vol. 1, p. 419, 429. Todavia, nos parece demasiadamente dura a crítica de Reginaldo Fanckin, que os assinala de "leis quilométricas, confusas e mal dirigidas" e considera a sua instituição pelo Art. 29 CF como resultado do "populismo" dos membros da última Constituinte; cf. "O malogro das cartas próprias municipais", in: Rev. de Direito Público, nº 99, 1991, p. 236ss.

64 Cf. Gonçalves, "Lei Orgânica Municipal - sua revisão, RAM nº 199, 1991, p. 23.

65 José Afonso da Silva, O Município na Constituição de 1988, p. 14.

66 Vale repetir que esses "estatutos municipais" - segundo o entendimento alemão - não são leis, mas normas meramente administrativas.

67 Eugênio F. Montoro, ob. cit. (33), p. 152, 162.

68 Cf. Raul Machado Horta, "A posição do município no direito constitucional", in: Rev. de Informação Legislativa, nº 75, 1982, p. 116s.

69 Cf. Sampaio Dória, ob. cit. (46), p. 429s.

70 Celso Ribeiro Bastos, ob. cit. (22), p. 223.

71 Süddeutsche Bürgermeisterverfassung, norddeutsche Ratsverfassung, Magistratsverfassung.

72 Anna Cândida da Cunha Ferraz, "União, Estado e Município na nova Constituição", in: Perspectivas, Cepam/ Fundap, São Paulo, 1989, p. 60.

73 O eminente Min. Paulo Brossard, então Senador Gaúcho, comentou a respeito: "A experiência no plano municipal rio-grandense não terá sido brilhante, mas terá sido brilhante a experiência constitucional dos estados, reduzidos quase que a transcrever em suas Constituições preceitos federais, mercê de uma concepção pouco federalista e muito esterilizadora?"; cf. Senado Federal, Leis Orgânicas dos Municípios, vol. 3, 1988, p. 49.

74 Élcio Reis, "Organização municipal variável", in: Rev. de Direito Públic, nº 79, 1985, p. 222.

75 Cf. José Nilo de Castro, ob. cit. (35), p. 65s.; Yara Police Monteiro, Leis Orgânicas Municipais, São Paulo: Cepam, 1991, p. 81.

76 Cf. Diogo Lordello de Mello, A Moderna Administração Municipal, Rio de Janeiro, 1960, p. 141.

77 Cf. Paulo Bonavides, cit. Carré de Malberg, Curso de Direito Constitucional, 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 315.

78 Há estimativas de que os municípios da Alemanha, hoje em dia, gastam menos de 10% dos seus recursos em tarefas da sua própria decisão, sendo mais de 90% gastos em funções obrigatórias ou delegadas. Portanto, sobra pouco espaço para as funções realmente a critério da auto-administração municipal. Criticando essa situação, municipalistas alemães até alegam que a auto-administração seja também o "direito de cometer erros por conta própria".

79 Os convênios eram expressamente previstos no Art. 13, § 3, da CF de 1967/69. O texto da nova Carta, entre de 1988 e 1998, não os mencionou. A respeito dos convênios administrativos, cf. Andreas Krell, "A Posição dos Municípios Brasileiros no Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA)", in: Rev. dos Tribunais, n° 709, São Paulo, nov. 1994, p. 9s.

80 José de Castro Nunes, Do Estado Federado e a sua Organização Municipal, Rio, 1920, p. 148s., 208s.

81 Cf. Adilson Abreu Dallari, "Cartas Próprias Municipais", in: Rev. Cepam, nº 1, jan./mar. 1990, p. 9; Fernanda D. Menezes de Almeida, ob. cit. (58), p. 170. Veja a respeito também a decisão do STF, que declarou inconstitucional dispositivos da Constituição Cearense por criar obrigações aos seus municípios; cf. Rev. dos Tribunais, nº 662, 1990, p. 203.

82 O Anteprojeto Constitucional dos "Notáveis" (Coord.: Afonso Arinos) de 1986 ainda incluía os municípios no elenco das competências legislativas concorrentes.

83 Barreto/Corrêa, "O município e a questão ambiental", in: Rev. dos Tribunais, nº 670, 1991, p. 234.

84 Celso R. Bastos, "O município: sua evolução histórica e suas atuais competências", in: Rev. dos Tribunais: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, nº 1, 1994, p. 62.

85 Depois da edição de leis estaduais e federais nos campos já regulamentados pelos municípios, as normas locais continuam em vigor na medida que eles não se contrapõem às leis das searas superiores e são considerados "suplementos locais" das mesmas; cf. Celso R. Bastos, Curso de Direito Constitucional, 1989, p. 102s.

86 Diogo de F. Moreira Neto, "Competências concorrentes limitadas - o problema da con-ceituação das normas gerais", in: Rev. de Informação Legislativa, nº 100, 1988, p. 140.

87 Cf. Albert von Mutius, ob. cit. (50), p. 247.

88 Cf. Andreas Krell, ob. cit. (79), p. 8ss.

89 Cf. Fernanda D. Menezes de Almeida, ob. cit. (58), p. 124; Diógenes Gasparini, "Guarda municipal ecológica", in: Informativo Jurídico do Cepam, out. 1991, p. 84; Michel Temer, Elementos do Direito Constitucional, 1989, p. 105; Adilson A. Dallari, "Autonomia municipal na Constituição de 1988", in: Rev. de Direito Público, nº 97, 1991, p. 236; Corrêa, "Competências para legislar dos estados e dos municípios", in: Boletim de Direito Municipal, set. 1990, p. 527. Todavia, alguns autores têm criticado a substituição, visto que eles consideram o conceito local mais restrito do que peculiar, cf. Celso R. Bastos, "Os Estados e a nova Constituição", in: Processo Constituinte Paulista, São Paulo, 1989, p. 58; Selme Athayde, "Diretrizes para as Cartas Municipais", in: Rev. de Informação Legislativa nº 103, 1989, p. 251; Aires Barreto, "Os municípios na nova Constituição", in: A Constituição Brasileira de 1988, 1988, p. 84.

90 Veja, por ex., Hely L. Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 7.ed., Malheiros, 1993, p. 122s.; José Cretella JÚnior., Direito Administrativo Municipal, 1981, p. 58ss.; Wolgran J. Ferreira, O Município à Luz da Constituição Federal de 1988, Ed. Edipro, 1993, p. 156s.; Regina M. Nery Ferrari, Elementos de Direito Municipal, Edit. RT, 1993, p. 79s.; Jair Eduardo Santana, Competências Legislativas Municipais, Del Rey, 1993, p. 100s.

91 Celso R. Bastos, in: Anais do Simpósio "Minas Gerais e a Constituinte, 1986, p. 474; Sader, Democracia, Direito de Voto, Autonomia Municipal, 1981, pp. 59, 78, 88.

92 Cf. "Desenvolvimento Urbano no Brasil", in: Rev. de Direito Administrativo (RDA), nº 137, 1979, p. 390.

93 Gesetzliche Ausgestaltungsfreiheit, veja a Coletânea das Decisões do Tribunal Constitucional Alemão (BVerfGE), nº 79, p. 127.

94 Klaus Fiedler, "A auto-administração municipal como princípio estrutural de um estado democrático", in: Administração Autónoma Municipal - Tarefas e Organização, Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional (DSE), Berlin, 1988, p. 6s.

95 A chamada Kernbereichslehre (= teoria do núcleo), BVerfGE, nº 8, pp. 122, 134.

96 Assim Paulo Bonavides com referência ao ilustre constitucionalista "weimariano" Carl Schmitt, ob. cit. (77), p. 320ss.

97 Assim decidiu o Tribunal Constitucional do Estado de Baden-Württemberg.

98 Exemplarmente: Hans-Uwe Erichsen, "Kommunalverfassungsrecht", in: Willi Blümel/ Hrmann Hill, Die Zukunft der kommunalen Selbstverwaltung, Berlin, 1991, p. 89, 96ss.

99 Nesse rol consta a prestação de serviços públicos como o abastecimento com água potável, o esgotamento sanitário, o transporte coletivo, a limpeza pública, a atenção primária de saúde, a construção e conservação de estradas vicinais, a gestão dos mercados e cemitérios, a iluminação, a prevenção de acidentes bem como a distribuição de gás. Nos §§ 1º, incisos II-XII, e 2º do art. 9 do Anteprojeto constavam funções como a realização de obras de urbanização, concessão de licenças para todos tipos de estabelecimentos, fomento à produção agropecuária, manutenção do ensino do primeiro grau, entre outros.

100 Aloysio Chaves (Relator), O Município e a Constituinte, Relatório - Parecer e Anteprojetos da Subcomissão dos Municípios e Regiões, Câmara dos Deputados, 1987, p. 21.

101 João Luis Teixeira Neto, "O Peculiar Interesse Municipal", in: Rev. de Direito Público, nº 64, 1982, p. 209.

102 Celso R. Bastos, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 12. ed., p. 277.

103 Celso R. Bastos, ob. cit. (84), p. 59.

104 Por isso, não podemos concordar com Roque A. Carrazza, que entende que o próprio município, por meio de lei, deva definir o seu peculiar interesse e que "seria absurdo se o município tivesse que auscultar órgãos ou autoridades a ele estranhos, para saber o que são e o que não são assuntos de interesse local", cf. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2. ed., Edit. RT, 1991, p. 96.

105 Celina Maria de Souza, ob. cit. (60), p. 16.

106 Fernando A. Rezende da Silva, "Repartição de encargos públicos na Federação Brasileira", in: Perspectivas, São Paulo: Cepam/Fundap, 1989, p. 19ss.

107 Cf. "Desenvolvimento Urbano no Brasil", in: Rev. de Direito Administrativo (RDA), nº 137, 1979, p. 358.

108 Cf. Organização do Município, Rio de Janeiro: IBAM, 1965, p. 21ss.

109 Assim Adilson A. Dallari, "Cartas Próprias Municipais", ob. cit. (81), p. 9.

110 Por ex.: Art. 12 da Constituição de Alagoas, Art. 13 da Carta do Rio Grande do Sul.

111 Em notável artigo sobre a "Desestabilização institucional no municipalismo brasileiro", in: Rev. de Administração Municipal, nº 163, 1982, p. 57s., 68.

112 Essa teoria foi apresentado nos anos 70 pela cientista política Ana Maria Brasileiro, do IBAM, e depois retomada por Fernando Antônio Rezende da Silva, ob. cit. (104).


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRELL, Andreas Joachim. Autonomia municipal no Brasil e na Alemanha. Uma visão comparativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1557. Acesso em: 19 abr. 2024.