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Cobrança de "taxa de contrato" para reserva de aluguel de imóvel

Cobrança de "taxa de contrato" para reserva de aluguel de imóvel

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O Ministério Público do Mato Grosso do Sul moveu ação civil pública contra imobiliárias que cobravam uma "taxa de contrato" para assegurar ao consumidor a reserva do imóvel pretendido para aluguel. A seguir, veja a sentença proferida pelo juiz Luiz Gonzaga Mendes Marques, favorável ao MP. Houve recurso, cujas contra-razões oferecidas pelo Ministério Público estão também nesta página. Ambas as peças foram enviadas pelo promotor de Justiça do Consumidor de Campo Grande (MS), Amilton Plácido da Rosa (e-mail: [email protected]; home-page: http://pjccg.vila.bol.com.br).

AUTOS Nº 94.16316-9

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COMARCA DE CAMPO GRANDE MS

4ª VARA CÍVEL

VISTOS.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, por sua Promotoria de Justiça de Defesa de Interesses Difusos e Coletivos, ajuizou em face de CARTEIRA PREDIAL - ADMINISTRAÇÃO E VENDA DE IMÓVEIS LTDA e IRINEU FARINA IMÓVEIS LTDA, a presente ação civil pública com preceito cominatório de obrigação de não fazer, com apoio nos artigos 1º, II e IV, 2º, 3º, 5º caput, e 11 da Lei 7.347/85; 6º, VI, 81 parágrafo único, I, 82, I, 84, caput e seu parágrafo 4º e 90 da Lei 8.078/90, bem como artigos 22, VII, e 43 da Lei 8.245/91.

Em apertada síntese, relata o promovente que mediante inquérito administrativo instaurado por aquela Promotoria, restou apurado que as empresas suplicadas, que atuam no ramo de locação, intermediação e venda de imóveis, estavam cobrando, ao arrepio do artigo 22, VII, da Lei de Locações (8.245/91), as chamadas "taxas de contrato" que consistem, segundo a inicial, na cobrança ilegal do valor de um aluguel para que o pretenso inquilino possa assegurar a celebração do contrato locatício, despesa esta que vez ou outra assume o rótulo de "taxa de expediente", "taxas de cadastro", "honorários advocatícios", mas que, em verdade - prossegue o exórdio -, nada mais são que formas de "mascarar" a ilegalidade da exação de um encargo que, nos termos da lei, deveria ser suportado pelo locador.

Assim é que no dia 14.01.94 - diz o promovente -, a primeira requerida teria cobrado do Sr. Flodoaldo Alves de Alencar a quantia de CR$ 50.000,00 pela reserva de um imóvel residencial que o mesmo pretendia locar, fornecendo-lhe um recibo titulado de "honorários advocatícios", valor este que veio a ser-lhe devolvido pela referida imobiliária, em face de reclamação deste inquilino junto a Promotoria requerente.

Instada a prestar esclarecimentos na fase inquisitorial, o representante legal daquela administradora justificou a cobrança em questão alegando que o funcionário da entidade a exigiu sem a sua expressa autorização, acostando ao procedimento uma declaração da vítima Flodoaldo atestando a devolução da quantia supra.

Quanto a segunda requerida, Irineu Farina Imóveis Ltda, diz que aos 07.04.94 teria cobrado do Sr. Denir de Souza Nantes a quantia de CR$ 40.000,00, correspondente ao valor de um aluguel para fins de preparação do contrato de locação a ser assinado ulteriormente, como também para fazer frente às despesas com advogado para aferição da idoneidade do locatário e de seu fiador, valor este que não lhe foi devolvido até a presente data.

Após dissertar sobre a abusividade e ilegalidade da cobrança de quaisquer valores do inquilino que não aqueles expressamente listados no artigo 23 da Lei 8.245/91, argumenta o "parquet" que em ação civil pública movida pelo M.P.F. contra a COFECI (Conselho Federal de Corretores de Imóveis) foi reconhecida por sentença a nulidade da resolução nº 334 de 10.08.92, editada por aquele conselho, que autorizava a cobrança do inquilino da taxa de preparação de contrato de locação, pelo que se mostra, ao ver do requerente, a flagrante ilegalidade da exação em testilha.

Citando numerosas lições doutrinárias, pediu a procedência da ação a fim de condenar os requeridos a se absterem de efetuar a cobrança da malsinada taxa ou de quaisquer outros valores que não aqueles previstos na legislação de regência, sob cominação de multa de até doze vezes o valor do aluguel mensal, sem prejuízo da responsabilização penal eventualmente cabível.

Pediu, também, seja reconhecido por sentença o direito a repetição em dobro dos valores indevidamente exigidos, a fim de que cada lesado, individualmente, intente, querendo, a competente execução do julgado.

Com a inicial vieram os documentos inclusos no procedimento administrativo, encartados às f. 14-110.

Instada, a suplicada Carteira Predial Adm. e Venda de Imóveis Ltda acudiu a citação oferecendo a contestação de f. 115-119.

Sustenta que não tem por habito cobrar a "taxa de contrato" aludida na inicial; que esta taxa não se confunde com as taxas de intermediação e administração que são cobradas do locador, vez que vocacionadas a cobrir despesas de contrato não vedadas pela lei, sendo, ademais, fruto da livre convenção das partes. Aduz que a se impedir a cobrança em questão estar-se-ia impedindo o sócio - proprietário José Garcez da Costa de exercer livremente o "munus" da advocacia, vez que nada obsta o seu exercício paralelo à atividade de locação de imóveis, consoante preceitos constitucionais e legais que cita. Protesta, alfim, pela improcedência do pleito inicial.

A segunda suplicada, em extenso arrazoado, também contestou às f. 123-143.

Em resumida síntese, diz que a remuneração dos serviços prestados pela administradora encontra sustento nos artigos 1.216 do C.C. e 5º, XIII, da C.F., alegando, ainda, que a prestação de serviços é contrato livre apoiado na permissão do artigo 444 da C.L.T.; articula que o Estatuto da Advocacia contempla o trabalho do advogado com o direito à remuneração dos honorários livremente avençados. Alinhou doutrina dos Professores Sylvio Capanema de Souza e Orlando Gomes, preconizando a legalidade da cobrança da taxa de elaboração do contrato, pois que, na visão destes doutrinadores, a intermediação não se confunde com a fase posterior de feitura do instrumento contratual.

Suscitou a segunda requerida, preliminar de inépcia da inicial, visto que a mesma estaria a descrever pedido contrário ao ordenamento jurídico e à Constituição, ao buscar condenação que obste os profissionais da advocacia de exercerem a sua profissão junto às administradoras de imóveis. Pede a solução de improcedência, acaso não acolhida a preliminar.

A contestação veio instruída com cópias reprográficas de pareceres firmados pelos professores Geraldo Beire Simões e Sylvio Capanema de Souza, em casos análogos ao dos autos (f. 163-211).

Às f. 215-220, o M.P. rebateu a preliminar, perseverando em suas razões de mérito.

Tentada a conciliação em audiência (f. 230), rejeitada esta, foi designada data para audiência de instrução e julgamento para o dia 28.09.95, a qual, após sucessivas redesignações, foi realizada somente em 09.09.96, ocasião em que foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas arroladas pelo M.P., sendo designado o dia 19.11.96 para a oitiva de uma testemunha faltante, cujo depoimento encontra-se acostado à f. 278.

Apresentados os memoriais (f. 280-294), nos quais as partes ratificam suas anteriores manifestações, a requerida Irineu Farina, já no apagar das luzes processuais, levantou preliminar de ilegitimidade "ad causam" do M.P. para a propositura da ação, posto tratar-se de interesses individuais disponíveis, fora da esfera da autorização do artigo 81 do C.D.C. Ressalta, ainda, que atuou apenas como mandatária da locadora, sendo certo que o contrato de locação é firmado por esta última e o inquilino, pelo que não há de incidir as disposições do Código de Defesa do Consumidor. No mérito, assim como os demais litigantes, confirmou os seus arrazoados anteriores.

Os autos, então, volveram-me conclusos para sentença.

É o que interessa à guisa de relatório.

Decido.

Impõe-se, antes de mais nada, enfrentar as preliminares argüidas pela suplicada Irineu Farina em sua contestação e nos memoriais que apresentou às f. 283-294.

De inépcia da inicial, destarte, não se há de falar.

A inaugural descreve pedido certo, qual seja, a abstenção das rés em cobrar encargos dos locatários pretensamente ilegais, em procedimento apropriado, vale dizer: em sede de ação civil pública, que é o mecanismo processual idôneo para a proteção dos direitos e interesses do consumidor, tal como se dessume da conjugação dos artigos 81 e 90 da Lei 8.078/90, que rezam:

"Art. 81- A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas, poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

Parágrafo único. ´omissis´

I- ´omissis´

II- ´omissis´

III- interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de origem comum."

E o artigo 90, de seu lado, prescreve:

"Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da lei 7.347, de 24 de julho de 1.985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições."

(grifei)

Verifica-se, pois, que a ação civil pública é o "remedium juris" adequado para a tutela jurisdicional colimada, sendo, portanto, de se conhecer da inicial.

Arreda-se, na trilha deste raciocínio, a preliminar de falta de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo suscitada em face da alegada inaplicabilidade do C.D.C. à espécie relatada na inicial. Articula-se, como acentuei no relatório, que a administradora atuara na condição de mandatária da locadora, sendo que a relação locatícia se adstringiria entre esta e o locatário, não havendo, de conseguinte, campo propício para incidência da Lei 8.078/90.

A preliminar, como disse, é inconsistente a mais não poder.

A qualidade de mandatária é negada por vozes de nomeada, senão vejamos:

Carvalho de Mendonça de há muito nos admoestava. Para o mestre "... Mas mandato não é, pois, o corretor não representa o interessado no negócio, mas apenas aproxima um contratante do outro, levando-os a contratar. Pode o corretor até aproximar, por sua iniciativa, dois interessados levando-os a realizar o negócio, atuando pelos dois interesses, o que não poderia ocorrer se fosse mandatário. O corretor não figura no contrato, não é contratante; faz apenas contratar. " (Carvalho de Mendonça, Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, Borsoi, vol 13, pág. 153.).

No mesmo rumo é o autorizado magistério de José da Silva Pacheco: "parece-nos, igualmente, razoabilíssimo considerar a corretagem como um contrato à parte, de vez que a função do corretor parece, realmente, ser diversa de todas as outras por nós examinadas. A nosso ver, o corretor se distingue - como na prática é comum distinguir-se - do mandatário, do comissário, do locador de serviços e do empreiteiro. Sua função é aproximar dois contratantes ganhando como prêmio do êxito do negócio uma quantia determinada ou proporcional ao preço do negócio." (José da Silva Pacheco, Repertório Enciclopédico Brasileiro, Borsoi, vol. 13, pág. 158).

E assim é. As administradoras de imóveis, com efeito, se profissionalizaram, adquiriram personalidade jurídica de ente hoje classificado pela doutrina como comerciante (Rubens Requião "in" Curso de Direito Comercial, 1º volume, 15ª ed., Saraiva, 1.985, p. 143), vez que atuam com o requisito da habitualidade na intermediação de negócios mediante remuneração. As imobiliárias foram a tanto, que a profissão de corretor acabou por receber o beneplácito do legislador que reconheceu o ofício pela lei 6.530/78 que hoje regula o exercício da atividade, encontrando-se, como nos dá notícia os autos, organizada em conselho de classe (COFECI). Como se vê, as administradoras não atuam somente como simples mandatárias dos locadores. Antes disso, prestam-lhes serviços profissionais especializados na compra, venda, locação e administração dos imóveis que lhe são confiados.

Foi nesse estado de coisas que a Lei 8.078/90 foi editada, visando promover o equilíbrio nas relações de consumo onde o fornecedor de serviços - como é o caso das imobiliárias -, organizado e munido de aparato de profissionais do ramo, se defronta com o consumidor, muitas vezes incauto, que, como parte mais fraca, acabava contratando ao paladar das exigências da administradora.

Portanto, é inquestionável que entre o locatário e a administradora de imóveis estabelece-se uma relação de consumo de serviços, mormente quando se sabe que esta busca atrair o inquilino, oferecendo-lhe um serviço aparentemente confiável de intermediação de imóveis para locação.

Na mesma linha é de se rechaçar a preliminar de ilegitimidade ativa do M.P. para a defesa dos direitos postos na lide.

Para tanto, cabe a indagação: estaria o M.P. promovente buscando a tutela de interesses ou direitos disponíveis e individuais ?

Entendo que a resposta é negativa.

O contestante teria razão acaso se tratasse de ação intentada tão - somente com fulcro na lei 7.347/85, sem o concurso do C.D.C. A Lei da Ação Civil Pública, em seu artigo 1º consigna:

Art.1º. Regem-se pela disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, a ação de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio ambiente;

II - ao consumidor;

III- a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV- a qualquer outro interesse difuso e coletivo.

Portanto, não se cuidando de proteção das relações de consumo, defeso seria ao M.P. intentar a ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, posto que não contemplados expressamente no inciso IV acima citado, que limitou - lamentavelmente, registre-se - a atuação do M.P. à defesa dos interesses difusos e coletivos, que são distintos dos interesses ou direitos individuais homogêneos.

Todavia, no caso dos autos trata-se de relação de consumo, incidindo a permissão do artigos 81, III, e 90 da Lei 8.078/90, que franquearam a via da ação popular, instrumento processual de estatura constitucional, para a defesa dos interesse e direitos individuais homogêneos do consumidor, assim entendidos aqueles decorrentes de origem comum.

Não queira o contestante argumentar que o suposto lesado poderia ter individualmente buscado a tutela de seu direito. Ora, semelhante raciocínio está em rota de colisão com o disposto no artigo 81, "caput", da Lei 8.078/90 que plurificou a legitimação ativa da ação para a defesa dos direitos ali elencados.

A par disso, o que busca o promovente, é bem de ver, não é apenas restaurar os direitos pretensamente violentados das duas vítimas arroladas na inicial, mas sim impor o dever de abstenção dos suplicados em continuarem encetando a cobrança das malsinadas "taxas de contrato" de um grupo homogêneo de consumidores - locatários, ao arrepio da lei.

Em suma, a requerida está a confundir interesses ou direitos meramente individuais, com interesses e direitos individuais homogêneos: estes autorizam o uso da ação civil pública, aqueles não.

A suplicada Irineu Farina, em sua longa contestação, queixou-se de cerceamento de defesa na esfera administrativa, vez que não lhe foi oportunizado amplo contraditório no curso da sindicância presidida pelo "parquet".

No entanto, de cerceamento de defesa não se há de falar.

É que, no caso, não foi aplicada qualquer sanção administrativa à suplicada que importasse em cerceio de defesa. Ademais, como é cediço, nos procedimentos inquisitoriais extrajurisdicionais, a exemplo do inquérito policial, não se desenvolve contraditório, servindo tão - somente para a colheita de informações e elementos para formar o convencimento da autoridade representante do M.P. sobre a necessidade ou não de se instaurar a lide. Anote-se, por derradeiro, que a suplicada, em juízo, se defendeu amplamente das imputações contidas na inicial, confessando, inclusive, a cobrança da malsinada taxa.

Com estas considerações, afasto as preliminares de ilegitimidade "ad causam" ativa do M.P. e de cerceamento de defesa.

No mérito, tenho que procede o reclamo ministerial.

Insta esclarecer, de início, que ambas as requeridas não negam tenham procedido a cobrança das "taxas" postas em destaque. Tanto isso é certo que a Carteira Predial Ltda, ciente de que houvera reclamação de um locatário junto à Promotoria, apressou-se em devolver os valores cobrados, defendendo em juízo a legalidade da exação, embore negando a cobrança habitual de referido encargo. Quanto a essa questão, a segunda requerida - Irineu Farina - sequer negou procedesse a cobrança em tela, limitando-se a defender a legitimidade de sua atitude.

A questão, portanto, é de direito, e como tal será enfrentada neste decisório.

O artigo 22, VII, da Lei 8.245/91, guarda a seguinte redação:

"Art. 22. O locador é obrigado a:

VII - pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente e de seu fiador."

E em seu artigo 45 dispõe:

"Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente Lei, notadamente as que..."

Importa destacar, por necessário, que o legislador de 1.991 foi mais rigoroso que o legislador da revogada Lei 6.649/79, que no artigo 18, VI, dispunha, "et verbis":

"Art. 18 : O locador é obrigado:

VI - a pagar as taxas e quaisquer despesas de intermediação ou administração imobiliária, bem como as despesas extraordinárias de condomínio."

O Profº Gilberto Caldas, em sua obra LEI DO INQUILINATO COMENTADA, Ediprax Jurídica, 6ª ed., 1.997, em comentários ao dispositivo em exame, com pena de ouro, escreveu:

"Também a taxa de administração que é cobrada pelas administradoras de bens, que, na vigência da lei anterior era desavergonhadamente paga pelo inquilino, agora, com inteira justiça, embora tardia, foi atribuída ao locador.

A taxa cobrada a título de colher informações sobre a idoneidade do pretendente à locação, com uma providencial emenda de última hora (pois tanto o anteprojeto, quanto na tramitação continuavam a atribuir o pagamento da taxa ao locatário), por fim foi transferida para o deu real responsável, o proprietário.

Se o locador duvida da idoneidade do pretendente à locação, que pague o preço de sua incredulidade no ser humano. O seu direito de nutrir ceticismo não pode chegar ao ponto de criar ônus ao candidato à locação. Exigir que o locatário pague a despesa provocada por quem duvida de sua honestidade é, no mínimo, constrangedor" (obra citada,105-106).

O raciocínio do mestre é irreplicável e mostra, com exatidão, a "ratio essendi"da norma em foco. Basta ver que o legislador da atual lei das locações foi deveras mais explícito que o seu predecessor, uma vez que fez inserir a vedação de se exigir taxas do locatário para a aferição de sua idoneidade e de seu fiador, debelando de vez a cobrança aqui vergastada.

Poder-se-ia objetar, como fizeram os contestantes, que as taxas cuja exação busca-se vedar, referem-se aos honorários advocatícios tendentes a elaboração do contrato locatício, nada tendo, pois, de ilícito o regular exercício da advocacia assegurado pela Carta e pela legislação infraconstitucional.

Situo a questão posta em mesa, em saber se o disposto no artigo 22, VII, da Lei 8.245/91, reclama interpretação estreita ou lata.

A exegese restritiva, "permissa venia" dos respeitáveis entendimentos esposados nos pareceres acostados aos autos, é, a meu aviso, inaceitável.

A uma porque em se tratando de relação de consumo, vale dizer, regida pela Lei 8.078/90, toda e qualquer interpretação, seja legal, seja convencional, há de ser procedida em favor do consumidor, posto que este é o espírito da Lei em comento. E a duas porque em hora alguma se está a cercear o direito constitucional do advogado associado à empresa administradora de imóveis. O exercício do "munus" da advocacia não pode se sobrepor aos limites da lei, tal como expressamente enuncia o artigo 133 da C.F.

Tenho presente, nessa linha, a cláusula constitucional que consagra o princípio da legalidade estrita inserta no artigo 5º, II, (de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei). Ora, não há lei que constranja o locatário a se submeter ao serviço profissional do advogado que milite nas empresas administradoras de imóveis. Ao contrário, o que há é expressa disposição de lei que atribui esse ônus ao locador, devendo ele ser responsabilizado pelos honorários advocatícios devidos àquele operário do direito.

Demais disso, atente-se que a o artigo 45 da presente lei do inquilinato (acima transcrito), fulmina de nulidade qualquer disposição contratual, ainda que verbal, que vise contornar os objetivos do legislador, nestes incluídos, à evidência, a liberação do locatário do pagamento de quaisquer encargos que não aqueles elencados no artigo 23 da Lei 8.245/91.

Nesse contexto, chega a ser falaciosa a argumentação de que houve um contrato de trabalho entre o locatário e o advogado da imobiliária, regido pelo artigo 444 da C.L.T. É que os requeridos olvidaram o princípio da especialidade, segundo o qual o inciso VII do artigo 22 da lei das Locações, vedou fosse cometido ao locatário os ônus de malsinado contrato de honorários, não vedando, como referi amiúde, seja ele celebrado com o proprietário do prédio locando.

Portanto estou convencido de que as chamadas "taxas de contrato", "taxas de cadastro", "honorários advocatícios" cobradas dos locatários ou candidatos à locação de imóveis realmente estão em descompasso com o artigo 22, VII, da lei 8.245/91, sendo, pois, caso de proclamar a procedência do pedido inicial.

Isto posto e considerando tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na inicial, a fim de:

a) determinar que as requeridas Carteira Predial Administração e Venda de Imóveis Ltda e Irineu Farina Ltda se abstenham de efetuar a cobrança em desfavor dos inquilinos ou candidatos à locação de quaisquer encargos ("taxa de contrato", "honorários advocatícios",...), seja ela a que título for, salvo, naturalmente dos encargos listados no artigo 23 da Lei 8.245/91, sob pena de multa correspondente 12 (doze) vezes o valor ilegalmente cobrado, quantia esta que será revertida ao fundo institucional regulado pelo Dec. 92.302/1.986;

b) considerando que nos termos do artigo 103, III, da Lei 8.078/90, a presente decisão possui eficácia "erga omnes" em benefício das vítimas de que trata o artigo 81, III, do mesmo diploma, reconheço, desde já, o direito de todos os lesados pela cobrança da aludida "taxa de contrato" efetuada pelas requeridas, de intentarem, querendo, a competente execução deste julgado para que, nos termos dos artigos 95, 97 e 98 do C.D.C., repitam em dobro (art 42, parágrafo único) os valores indebitamente cobrados, acrescidos de correção monetária a partir do desembolso e juros moratórios a contar do eventual ajuizamento da execução que se processará em liquidação por artigos.

c) fica incumbido o M.P. de dar publicidade, pelos meios que dispuser, do teor desta decisão para o fim de levá-lo ao conhecimento de eventuais lesados para que ingressem, querendo, com a execução de sentença.

As custas e despesas processuais serão suportadas pelas vencidas.

Sem honorários em face de ser a presente promovida pelo Ministério Público.

P.R.I.

Campo Grande MS, 26 de janeiro de 1.998.

Luiz Gonzaga Mendes Marques

Juiz de Direito da 4ª Vara Cível


PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO CONSUMIDOR

COMARCA DE CAMPO GRANDE

Exmo. Senhor Juiz de Direito da 4ª Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos

Processo no 94.0016316-9

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, representado pelo Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem, tempestivamente, à presença de Vossa Excelência apresentar suas CONTRARAZÕES ao recurso interposto por CARTEIRA PREDIAL ADMINISTRAÇÃO E VENDA DE IMÓVEIS LTDA.

Nestes Termos,

Pede Deferimento.

Campo Grande, 20 de julho de 1998.

Amilton Plácido da Rosa

Promotor de Justiça do Consumidor

Estagiário do Ministério Público

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO DO SUL,

PRECLAROS DESAMBARGADORES:

INTRÓITO


Inconformada com a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados pelo autor, a ré CARTEIRA PREDIAL ADMINISTRAÇÃO E VENDA DE IMÓVEIS LTDA interpôs a presente apelação, objetivando furtar-se às conseqüências de seus atos e, assim, frustrar os escopos instrumentais do processo.

Para tanto, a ré ataca o r. decisum de f. 297 a 314, sustentando algumas preliminares prejudiciais do mérito, a não incidência do Código de Defesa do Consumidor no caso em apreço, além de negar a prática dos fatos aduzidos na petição inicial.

Tais argumentos, entretanto, destoam dos elementos hauridos nos autos, e prestam-se apenas a protelar a execução da sentença proferida pelo MM. Juiz da 4a Vara Cível da Comarca de Campo Grande. Para o melhor esclarecimento da matéria, passa-se a discutir, articuladamente, as questões suscitadas na apelação.



INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - LEI 8.078/90


Em suas razões, a recorrente afirmou que as relações locatícias não eram abrangidas pelo Código de Defesa do Consumidor, alegando que "o bem entregue ao locatário para seu uso durante a vigência do pacto não é consumível". (f. 317)

Ao que tudo indica, o signatário daquela petição desconhece as disposições da Lei 8.078/90. Ora, a qualidade da coisa (consumível ou não) nada tem a ver com a caracterização da relação de consumo. Aliás, se não fosse assim, chegar-se-ia ao cúmulo de se afirmar que na compra de um eletrodoméstico não há relação de consumo, simplesmente porque o bem não é consumível. É absurdo, mas está escrito.

A Lei 8.078/90, em seus artigos 2o e 3o, delimita o seu espectro de abrangência, traçando o conceito jurídico de consumidor. Dispõem os citados dispositivos:

"Art. 2º - Consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

"Art. 3º - Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial".

Ora, a locação consiste no instituto através do qual alguém cede um bem de sua propriedade a outrem, para que este o use ou o utilize, mediante determinada contraprestação pecuniária (aluguel), porquanto, evidente é a incidência do Código do Consumidor.

Em veras, a locação não passa de pura relação de consumo que, por sua relevância, mereceu do legislador atenção especial, culminando na edificação de um sistema específico, sem contudo derrogar a aplicação da Lei 8.078/90. Ao contrário, ela têm emprego garantido, principalmente porque são comandos de ordem pública, cogentes e insuscetíveis de serem derrogados por mera convenção entre particulares.

Com efeito, a nova legislação considera consumidor não só a pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou serviço, mas também aquele que, malgrado não tenha adquirido o bem ou o serviço, dele se utiliza como destinatário final.

Ora, os imóveis administrados pela recorrente não constituem objeto de transformação industrial, tampouco serão repassados a terceiros. Os locatários deles fazem uso na condição de destinatários finais, utilizando-os como lar para suas famílias ou como sede de suas atividades profissionais.

In casu, salutar a decisão exarada nos autos da Apelação n.o 813.383-9, que tramitou perante o Egrégio Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, a saber:

"Locação é o contrato pelo qual alguém cede um bem de sua propriedade a outrem, para que este o use ou utilize, mediante o pagamento de uma quantia pecuniária, denominada aluguel.

Portanto, o locatário utiliza produto seja móvel (leasing) ou imóvel (locação predial) mediante o pagamento do aluguel. Assim, enquadra-se na definição do art. 2o do Código do Consumidor".

Outra não é a posição do Egrégio Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul. Na Apelação no 195.136.106 os Juízes da 5a Câmara acordaram à unanimidade pela aplicação da Lei 8.078/90, vejamos:

"Legitimidade do MP - Cláusulas contratuais abusivas - Intermediação de imóveis para locação - CDC

Ementa: O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação visando a nulidade de cláusula de contrato de adesão.

A relação de intermediação de imóveis para locação submete-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor."

Aliás, na Apelação no 195.049.630, a 8a Câmara Civil daquele Tribunal também apreciou o problema, manifestando-se nos seguintes dizeres:

Ação Civil Pública. Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação visando a proteção do consumidor. A relação de intermediação de imóveis para locação submete-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor. Cláusulas de contrato de adesão cuja nulidade se reconhece.

Nesse diapasão, vale transcrever, por sua inteira propriedade e precisão, o que sobre o assunto o MM. Juiz da 4ª Vara Cível, Dr. Luiz Gonzaga Mendes Marques, à f. 305:

"As administradoras de imóveis, com efeito, se profissionalizaram, adquiriram personalidade jurídica de ente hoje classificado pela doutrina como comerciante ( Rubens Requião in Curso de Direito Comercial, 1o volume, 15a ed., Saraiva, 1.985, p. 143), vez que atuam com o requisito da habitualidade na intermediação de negócios mediante remuneração. As imobiliárias foram a tanto, que a profissão de corretor acabou por receber o beneplácito do legislador que reconheceu o ofício pela lei 6.530/78 que hoje regula o exercício da atividade, encontrando-se, como nos dá notícia os autos, organizada em conselho de classe (COFECI). Como se vê, as administradoras não atuam somente como simples mandatárias dos locadores. Antes disso, prestam-lhes serviços profissionais especializados na compra, venda, locação e administração dos imóveis que lhe são confiados.

Foi nesse estado de coisas que a Lei 8.078/90 foi editada, visando promover o equilíbrio nas relações de consumo onde o fornecedor de serviços – como é o caso das imobiliárias – organizado e munido de aparato de profissionais do ramo, se defronta com o consumidor, muitas vezes incauto, que, como parte mais fraca, acabava contratando ao paladar das exigências da administradora.

Portanto, é inquestionável que entre o locatário e administradora de imóveis estabelece-se uma relação de consumo de serviços, mormente quando se sabe que esta busca atrair o inquilino, oferecendo-lhe um serviço aparentemente confiável de intermediação de imóveis para locação."

Some-se a isto o fato de as normas da Lei 8.078/90 serem comandos de ordem pública, instituídos em prol do interesse social e, de pronto, elidir-se-á qualquer cepticismo porventura existente com relação à aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Finalmente, deve-se destacar que a aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor em nada inviabiliza a atuação do Ministério Público, dado que o que se busca aqui é o cumprimento do artigo 22, inciso VII, da Lei n.o 8.245/91.

Assim, mesmo que não se considere o inquilino como consumidor, o Ministério Público tem legitimidade para agir, posto que a Lei n.o 7.347/85 prevê como função do órgão ministerial a defesa de todo interesse difuso, coletivo e individual homogêneo.

Apesar de o digno magistrado prolator da sentença objurgada tenha afirmado, à f. 10, que a Lei n.o 7.347/85 não se presta a defesa dos interesses individuais homogêneos, dado que seu artigo 1o, inciso IV, só trata de interesses difusos e coletivos, deve-se atentar, nesse particular, também para o disposto no Artigo 21 deste diploma legal que dispõe:

Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

Para não deixar dúvida sobre a questão, mister se faz deixar claro que o Título III do Código de Defesa do Consumidor trata exatamente dos interesses individuais homogêneos. Nesse sentido o STJ já manifestou ao julgar o Recurso Especial nº 49.272-6/RS, onde foi Relator o Ministro Demócrito Reinaldo, recorrente Ministério Público do RGS e recorrido Município de Alvorada, no seguinte sentido:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEFESA DE INTERESSES E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE.

A lei nº 7347, de 1985, é de natureza essencialmente processual, limitando-se a disciplinar o procedimento da ação coletiva e não se entremostra incompatível com qualquer norma inserida no Título III do Código de Defesa do Consumidor ( Lei nº 8078/90).

É princípio de hermenêutica que, quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei de mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante do seu contexto.

O artigo 21 da Lei nº 7.347, de 1985 (inserido pelo artigo 117 da Lei nº 8078/90) estendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil pública à defesa dos interesses e "direitos individuais homogêneos", legitimando o Ministério Público, extraordinariamente e como substituto processual, para exercitá-la (artigo 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078/90).

...Recurso conhecido e provido para afastar a inadequação, no caso, da ação civil pública e determinar a baixa dos autos ao Tribunal de origem para o julgamento do mérito da causa. Decisão unânime." (STJ já julgou a matéria em questão, no Recurso Especial nº 49.272-6/RS, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, recorrente Ministério Público do RGS e recorrido Município de Alvorada)

Em relação à multa, carece esclarecer que neste particular a Lei n.o 8.078/90 é mais benigna do que a Lei de Inquilinato, dado que enquanto aquela prevê a devolução em dobro esta estipula uma multa, em favor do locatário, de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado (Artigo 43).



AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR:


Com relação a preliminar argüida pela ré, insta frisar que o interesse de agir consiste na necessidade e na utilidade de se obter uma providência jurisdicional. Daí concluir que o interesse de agir é avaliado pelo binômio necessidade-adequação (cf. CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, in "Teoria Geral do Processo", Ed. RT, 1.985, 5ª ed., pg. 222/223 ).

Não há dúvidas de que, neste feito, está presente a necessidade da tutela jurisdicional, já que a ré não cessará as ilegalidades que vem praticando contra o consumidor a menos que o Judiciário ajuste o seu comportamento ao mandamento legal. Também se faz presente a adequação (relação existente entre a situação lamentada pelo autor e o provimento jurisdicional concretamente solicitado).

Ademais, há que se levar em conta que

"Quando a lei confere legitimidade de agir ao Ministério Público, presume o interesse de agir: no caso, o interesse está na própria norma que chama o Ministério Público ao processo"


(Carnelutti, "Mettere il Pubblico Ministero ao suo posto", in "Rivista di Diritto Processuale", Pádua, Cedam, 1.953, pg. 258; Satta, "Direito Processual Civil", vol. I, nº 45; cf. RT 671/249).

Por outro lado, cumpre esclarecer que o Ministério Público pretende obter uma sentença genérica que condene a requerida a reparar os danos causados aos consumidores, restituindo-lhes, em dobro e devidamente corrigidos, os valores cobrados a título de "taxa de contrato", ex vi do que dispõe o art. 42 da Lei 8078/90.

Assim, torna-se imprescindível a condenação da requerida para que, em liquidação de sentença e posterior execução, os consumidores lesados possam ser ressarcidos de seus prejuízos. Daí ser indiscutível o interesse de agir, posto que sem esta condenação, os consumidores não terão como exigir o que lhes é devido.



ILEGITIMIDADE ATIVA:


A ré questiona a legitimidade ad causam do Ministério Público, alegando que o objeto desta lide não faria parte de suas atribuições institucionais, visto que a relação locatícia não está referida em qualquer dos incisos do art. 1o da Lei 7.347 de 24/07/85, que regula a ação civil pública.

Ao que tudo indica, a ré confunde o instituto da legitimidade com as hipóteses de cabimento da Ação Civil Pública . Ora, a legitimidade de agir é avaliada pela pertinência subjetiva da lide, e em nada se relaciona com a via eleita para exigir a prestação jurisdicional. A adequação da medida judicial adotada pelo autor tem sim a ver com o interesse de agir, cujas particularidades já foram discutidas no item anterior. Mesmo assim, convém consignar algumas observações com relação ao cabimento ou não da ação civil pública, bem como sobre a legitimidade deste órgão ministerial.

Consoante se depreende da simples leitura dos artigos 1o e 21 da Lei 7.347/85, regem-se pelas disposições deste Diploma as ações de responsabilidade por danos causados ao consumidor e a qualquer outro interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo.

Ora, no caso em tela, o Ministério Público busca justamente a tutela de interesses difusos, coletivos e homogêneos, bem assim assegurar a proteção dos consumidores que foram, estão sendo e virão a ser lesados em razão da ilegalidade praticada pela ré recorrente, consistente na cobrança de uma "taxa" para a elaboração do contrato de locação, com a conseqüente reparação de danos patrimoniais aos que já efetuaram o pagamento do valor ilegalmente exigido.

Atualmente, há uma gama enorme de inquilinos com contratos de locação que foram firmados sob a intermediação da empresa sub judice (a ré é responsável pela administração de um grande número de imóveis situados na capital, não se podendo precisar o número certo de locatários lesados). No futuro, a continuar como está, outros tantos consumidores serão burlados, sendo impossível, de antemão, determinar tal universo.

No tocante à enorme massa de locatários com contratos firmados sob a intermediação da recorrente, pode-se falar na defesa de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que é titular um grupo ou categoria de pessoas, que o Código de Defesa do Consumidor denomina de interesses ou direitos coletivos (artigo 81, parágrafo único, inciso II).

Por outro lado, no que tange ao universo de consumidores que possam vir a assinar algum contrato nos anos vindouros, sob a intermediação da empresa, pode-se falar na tutela de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que serão titulares pessoas indeterminadas e ligadas pela circunstância fática de consumo. O CDC os denomina de interesses ou direitos difusos (artigo 81, parágrafo único, inciso I). Aliás, foi pensando nestes futuros consumidores, que o autor pediu a condenação da ré na obrigação de não fazer, consistente em se abster de cobrar de possíveis e eventuais candidatos a locação de imóveis quaisquer outros encargos além daqueles expressamente previstos no art. 23 da Lei 8.245/91, sob pena de multa, fixada em quantia equivalente a 12 (doze) vezes o encargo ilegal cobrado.

Por fim, quanto à reparação dos danos causados àqueles que já efetuaram o pagamento da "taxa de contrato", o feito se dirige à tutela coletiva dos chamados interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum, nos termos do artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, é já um truísmo altercar sobre a legitimidade do autor, posto que o art. 82 do CDC lhe autoriza a ingressar em juízo em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos do consumidor.

Ainda no âmbito deste Diploma Legal, convém ressaltar que o art. 91 prescreve que "os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos (...)".

Neste sentido pontifica a insigne ADA PELIGRINI GRINOVER:

"Trata-se de ação específica em defesa de interesses individuais homogêneos, qual seja, a reparação dos danos individualmente sofridos pelas vítimas ou seus sucessores, uma das espécies a que se refere o artigo 81, III, do Código, sob a denominação de ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos".

À toda evidência o Ministério Público ostenta todas as condições para integrar o pólo ativo da ação, porquanto, cumpre-lhe, enquanto fiscal da lei e titular da ação civil pública, primar pelo equilíbrio nas relações de consumo, resguardando interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Cuida-se de uma atribuição fixada por normas cogentes, de ordem pública e instituídas em prol do interesse social, consoante se depreende do artigo 1o da Lei 8.078/90.

Uma coisa seria propugnar em defesa de meia dúzia de pessoas, cujos interesses disponíveis excedem a órbita de atuação do Ministério Público. Nesse caso, não haveria expressão social para justificar a iniciativa ministerial. Coisa diversa, porém, seria negar a priori a possibilidade do Parquet ingressar em juízo, com a competente ação civil pública, para expungir as máculas advindas da malsinação das relações de consumo. Trata-se, aliás, de se atender a um anseio popular, posto que, em tempos hodiernos, são várias as vítimas destas práticas abusivas.

A Constituição Federal exalça, em seu art. 129, inciso III, legitimidade ao Ministério Público para "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (grifei)

Corroborando a legitimidade deste órgão ministerial, a Lei 7.347/85 determina o ajuizamento de ação civil pública para a prevenção ou reparação dos danos causados ao consumidor, em decorrência de violação de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (v. Artigos 1o, II e IV, 5o, " caput", e 21, todos inclusos na Lei da Ação Civil Pública, aludida em epígrafe).

Convém ressaltar que o Estado preocupado com a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor, elevou sua defesa em nível constitucional, tentando minimizar a disparidade evidenciada no grosso das relações de consumo.

Outrossim, não destoam nossos pretórios quanto a solução dada à matéria em feitos deste gênero. Como se infere dos julgados abaixo colacionados, várias são as orientações jurisprudenciais no sentido de legitimar o Ministério Público para atuar como parte em casos análogos:

"Ministério Público. Recurso provido. Sentença anulada.

O Ministério Público está legitimado extraordinariamente para aforar ação civil pública, podendo exercitá-la em caso de defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos, decorrendo essa legitimidade da disposição da CF, da própria Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor."(AC, B-XXI, 39.316-8. Rio Verde de MT. Rel. Des. Joenildo de Souza Chaves. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 25-04-95. DJ-MS, 09-06-95, pág. 05).

"LEGITIMIDADE ATIVA DO MP - CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS - INTERMEDIAÇÃO DE IMÓVEIS PARA A LOCAÇÃO - CDC.

Ementa: O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação visando a nulidade de cláusula de contrato de adesão. (Ac. Da 5a Câm. Cív. Do TARS - ApCiv 195.136.106 - rel. Juiz Rui Portanova - 08.08.1996 - v.u.)"

"Apelação Cível. Ação Civil Pública. Autor Ministério Público. Preliminar de falta de legitimidade, rejeitada. Defesa de interesses coletivos.

O MP tem legitimidade processual para mover ação civil pública em defesa dos interesses coletivos". (AC, B-XXI, 38.474-1. Dourados. Rel. Des. Alécio Antônio Tamiozzo. 1a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 20-12-94. DJ-MS, 23-03-95, pág. 06).

"Agravo de instrumento. Ação Civil Pública. Legitimidade Ativa. Ministério Público. Defesa dos interesses coletivos. Liminar. Pressupostos presentes. Improvido.

O Ministério Público, a teor do disposto nos artigos 81, 82, 83 e 90, todos do Código de Defesa do Consumidor, tem legitimidade ativa para defender em juízo os interesses de um grupo de consumidores". (Ag. I, B-XXI, 36.014-7. Campo Grande. Rel. Des. Luiz Carlos Santini. 3a Turma Cível. Unânime. J. 09-02-94. DJ-MS, 15-04-94, pág. 05).

"Ação Civil Pública. Propositura pelo Ministério Público. Defesa dos direitos individuais homogêneos. Admissibilidade. Inteligência dos artigos 81, III e 82 do CDC". (TJGO - RT 707/125).

"Apelação Cível. Ação Civil Pública. Recursos não conhecidos. Intempestividade. Preliminares de Ilegitimidade ativa do Ministério Público, ilegitimidade passiva e incompetência absoluta. Rejeitadas. ICMS. Energia Elétrica. Incidência. Imposto que integra sua base de cálculo. Art. 18 da Lei 904/88 e 32 do Dec. 5.880/91. Inconstitucionalidade afastada. Pretensão inicial improcedente. Recursos providos.

O Ministério Público tem legitimidade para promover a defesa de valores da sociedade, entre eles os interesses dos consumidores, por meio de ação civil pública".

(AC, B-XXI, 39.715-1. Três Lagoas. Rel. Des. Joenildo de Sousa Chaves. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 05-03-96. DJ-MS, 11-04-96, pág. 07).

A propósito da legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação civil pública para obviar danos que possam ser causados aos consumidores, assim se pronunciou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

"(...) a defesa coletiva dos consumidores, permitida pelo artigo 81 da mesma Lei 8.078/90, pode ser promovida pelo Ministério Público (art. 82, I). A única condição é que os interesses a proteger sejam difusos, ou coletivos ou individuais homogêneos (...)"

Em relação, ainda, ao interesse individual homogêneo, há que se dizer que esse direito se fundamenta na Constituição Federal art. 129, IX, quando dispõe que o Ministério Público pode "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade". O interesse social exigido nesse caso se individualiza não só pelo grande número de consumidores que a ré lesionou com a cobrança de uma "taxa" ilegal, mas também por esse fato constituir crime previsto na nova Lei do Inquilinato.

Por outro lado, a condenação da empresa nesta ação prevenirá a ocorrência de danos em relação a um número bem maior de consumidores, já que a dispersão da lesão está bem arraigada na sociedade.

Isso sem dizer que o ingresso de ações individuais tornará ainda mais inviável o já sobrecarregado Poder Judiciário. Dessa forma, em uma só decisão o Judiciário resolve o conflito de inúmeras pessoas lesadas, que, sem essa iniciativa do Ministério Público, jamais saberiam sequer que tinham sido lesadas. A negativa da legitimidade do Ministério Público é ofensa ao direito de ação da sociedade. É uma tentativa de tirar à apreciação do Poder Judiciário a ofensa a direitos sociais legalmente protegidos.

Finalmente, há que se acrescentar que ações como esta servem de alerta a muitas outras administradoras de imóveis não só da capital, mas de todo o Estado e, quiçá, até do Brasil, uma vez que estas contrarazões estarão, muito em breve, disponibilizadas na Internet e a decisão desse Egrégio Tribunal será conhecida, tão logo seja publicada, por todos os operadores do direito de todo o país.



NO MÉRITO:


Malgrado defenda a legalidade de cobrar do inquilino a "taxa de contrato", por entender ser um serviço prestado em virtude da elaboração do instrumento de locação, a recorrente nega que tenha o hábito de proceder tal cobrança.

Ao que tudo indica, a recorrente dá provas de seu comportamento censurável. Primeiro, tenta justificar o injustificável. Se não der certo (como evidentemente não dará), cinge-se a mentir, negando os fatos aduzidos na petição inicial. Assim, incorre em contradições, próprias da fragilidade de seus argumentos.

Ora, é inconcebível que alguém julgue ser seu direito cobrar por serviços que entende estar prestando e, sem razão plausível, termine por não cobrar. Será que a recorrente está fazendo obras beneficentes, ou está alterando a verdade dos fatos? À toda evidência, a última opção é a que mais se ajusta aos elementos colhidos durante toda a instrução processual.

Com efeito, a recorrente, provavelmente apostando na impunidade, costuma sim exigir o pagamento da referida taxa como condição para a assinatura do contrato de locação. E, para não correr o risco de ficar sem o imóvel, os inquilinos curvam-se aos seus caprichos, efetuando o pagamento indevido. Num primeiro momento, para conseguir alugar o imóvel, e, depois, para não sofrer represálias por ocasião da renovação.

Frise-se, por oportuno, que o autor logrou êxito em provar os fatos constitutivos do direito da massa de locatários que contrataram e que contratarão com o apelante, ratificando-os mediante provas documentais e testemunhais. Quem não se desvencilhou do ônus da prova foi a recorrente, que tropeçou em seus próprios estratagemas.

À f. 270, a testemunha Flodoaldo Alves de Alencar disse que, por ocasião da locação de um imóvel, a recorrente lhe cobrou o valor correspondente a um aluguel a título de "honorários advocatícios", muito embora não tenha tido, no momento da contratação, nenhum contato com advogado.

A pedido da testemunha, a imobiliária entregou-lhe um recibo, comprovando a cobrança da importância acima mencionada, cuja fotocópia encontra-se anexada à f. 16 destes autos.

Por seu turno, a testemunha João Naves de Oliveira, que acompanhou o Sr. Flodoaldo até a sede da administradora Carteira Predial, afirmou, em seu depoimento à f. 271, que efetivamente foi exigido de Flodoaldo o pagamento de uma taxa para a confecção do contrato de locação.

Assim, não há dúvidas quanto a ocorrência dos fatos aduzidos na exordial. Como é cediço em Direito, a cobrança da "taxa de contrato" pelas administradoras tem sido objeto de infindáveis querelas com os inquilinos. Sabe-se que a maioria das imobiliárias exigem ilegalmente o pagamento desta despesa. Tal fato, mais que público e notório, é já um truísmo em nossa grei. Cumpre, agora, à Magistratura dar um basta a tais abusos, zelando pelos interesses dos locatários que, incautos e vulneráveis, são dia a dia esmagados pelos novos césares do mercado imobiliário.

O art. 22, inciso VII, da Lei no 8.245, de 18.10.91 (Lei do Inquilinato), é claro ao dispor que:

"Art. 22 - O locador é obrigado a:

VII – pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador."

Ora, os serviços prestados pelas imobiliárias, consistentes nos atos de intermediação e administração vão desde o serviço inicial de aproximação dos interessados até a final elaboração do contrato de locação e recebimento dos aluguéis. Destarte, não há como atribuir ao locatário o pagamento da referida "taxa de contrato", posto que o locador é quem deve arcar com tais encargos.

Neste diapasão, merece transcrição o magistério de ROGÉRIO LAURIA TUCCI e ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, in Tratado da Locação Predial Urbana, 2o vol., pág. 579, Ed. Saraiva, 1980, vejamos:

"Intermediação, ou, mais simplesmente, mediação correspondente ao serviço inicial de aproximação dos interessados – locador e locatário – mediante a publicação de anúncios, publicidade de outra espécie, contatos com o pretendente à locação, tomada de informações a respeito deste e do fiador ou fiadores, efetuação das respectivas fichas cadastrais, elaboração do contrato locatício, etc."

Há que se ressaltar que a preocupação em coibir estes abusos foi tão grande, que o legislador acabou tipificando como contravenção penal a cobrança de qualquer quantia além do aluguel e encargos permitidos, conforme preceitua o artigo 43, I, da Lei no 8.245/91, a saber:

"Art. 43 – Constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favos do locatário:

I – exigir, por motivo de locação ou sublocação, quantia ou valor além do aluguel e encargos permitidos"

A teor do art. 22 da nova Lei do Inquilinato, o tema é pacífico, sem maiores debates. As despesas com a elaboração do contrato de locação correm por conta do locador. Tal entendimento é também perfilhado pela jurisprudência dominante. O Egrégio Tribunal do Estado de São Paulo, em lapidar Acórdão da lavra do Juiz Canguçu de Almeida, assim se pronunciou sobre a matéria:

"A Lei do Inquilinato, não obstante contendo disposições que se subordinam à vontade das partes, admitindo, neste ponto, a livre convenção, por seu fim eminentemente social, ressaltado por uma preocupação de tutelar a economia da população num setor essencial concernente à moradia, traz, também, em seu contexto, disposições cogentes, de ordem pública, insuscetíveis de derrogação por simples avença, dentre as quais avulta aquela que impõe ao locador o ônus de responder por toda uma série de obrigações que elenca no artigo 18, a expressão despesas de intermediação contida no art. 18, VI, da Lei do Inquilinato, faz certo que a proibição legal abarca tanto os atos preparatórios, anteriores do contrato, como aqueles que lhe sejam posteriores, já firmado o vínculo, estes últimos mais precisamente objetos da palavra administração, também integrante do enunciado legal".


(JUTACRIM – 87/100)

Ao contrário do que dá a entender a recorrente, o Ministério Público não almeja impedir que ela ou seu advogado cobrem pelos serviços de elaboração de contratos de locação. Pretende-se tão somente que estes serviços sejam cobrados de quem realmente os deve, ou seja, do locador, que foi quem contratou o serviço.

Com efeito, é livre o exercício de qualquer profissão. Indubitavelmente, o trabalho do advogado deve ser remunerado. Se ele empregou seu engenho, seu talento e seu saber na confecção do contrato de locação, faz jus à percepção de honorários advocatícios. Todavia, não é lícito impingir ao locatário tais encargos, eis que não previstos em lei. Estas despesas devem ser suportadas pelo locador, já que se inserem em seu rol de obrigações, ex vi do que dispõe o art. 22, inciso VII, da Lei no 8.245/91.

Além do mais, há de se deixar claro que o valor cobrado pela elaboração de um contrato padrão, que depois será reproduzido em série, é por demais exorbitante. Mesmo porque, após sua elaboração, seu uso se limita a um simples preenchimento de dados, serviço esse que pode ser feito por qualquer funcionário da recorrente, sendo certo que esta é uma atividade de digitador e não de um advogado, posto que nenhum profissional do direito vai se prestar a fazer tal serviço.

Aliás, nem a própria elaboração demanda desse tipo de contrato exige um grande conhecimento jurídico, dado que contratos desse tipo são encontrados em qualquer livraria ou em qualquer livro jurídico do ramo, sendo até mesmo encontrados já prontos em CD-Room, sem necessidade sequer de digitá-los.

Será que a apelante, sabendo agora que não mais poderá cobrar do consumidor o valor correspondente a um mês de aluguel por cada contrato que firmar, continuará pagando os direitos autorais ao advogado que elaborou o contrato, cada vez que fizer uso dele ?

Lógico que a resposta é pela negativa. Então, qual a razão de se fazer uma cobrança dessas ao consumidor?

Insurge-se também a recorrente quanto à condenação de restituir aos consumidores, em dobro, o valor recebido a título de "taxa de contrato", por entender que não houve cobrança, mas sim o pagamento espontâneo desta quantia pelo locatário, que foi recebido por engano por um uncionário da empresa. Alega, ainda, que o único lesado já teria sido ressarcido de seus prejuízos.

Patética a asserção. Ora, é evidente que o locatário não iria se predispor a efetuar o pagamento, a menos que tal lhe fosse exigido como condição para a celebração do negócio jurídico. Ademais, o funcionário da imobiliária não seria tão ingênuo a ponto de receber uma quantia considerável, sem ao menos questionar o motivo do pagamento.

Também não merece crédito o argumento de que o único consumidor lesado já foi devidamente reembolsado. Por certo, várias outras pessoas, além daquelas que denunciaram o fato o Ministério Público, foram vítimas da cobrança da "taxa de contrato", o que, aliás, é de praxe dentro do mercado imobiliário, como bem disse a testemunha Denir de Souza Nantes, à f. 278.

Como já se expendeu à exaustão, a cobrança da taxa foi amplamente provada durante o trâmite da instrução processual, tanto por depoimentos testemunhais, quanto por elementos documentais. Assim, a recorrente acabou incidindo nas proibições do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 42 – Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único – O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Este artigo contempla uma sanção imposta àqueles que, ao agirem de má-fé, locupletaram-se em detrimento do consumidor. Aqui, o fulcro do conceito ressarcitório encontra-se deslocado para a convergência de três forças: o "caráter punitivo" , o "caráter preventivo" e o "caráter compensatório" da norma. Tem cunho punitivo, pois a condenação à repetição do indébito, em dobro, avulta-se como um castigo para aquele que infringiu a lei. É de inspiração preventiva, já que evitará que a lesão se perpetue a outros membros da sociedade. Por fim, tem natureza compensatória, pois ressarcirá o consumidor dos prejuízos experimentados.

E, é exatamente isto que o autor pretende obter, atendendo a um anseio eminentemente social.

Cabe salientar que neste particular, o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor é mais benigno do que a Lei do Inquilinato, que prevê, em seu artigo 43, na situação tratada nos autos, multa, em favor do consumidor, no valor de 3 a 12 vezes o valor do último aluguel atualizado.

Se a apelante não quer se submeter ao Código de Defesa do Consumidor, deve ela arcar com a multa prevista na Lei de Inquilinato. Ilesa é que ela não deve ficar, posto que não é possível que se admita que tão somente o consumidor seja, impunemente, lesado.



DOS PEDIDOS:


Ante o exposto, o Ministério Público requer a manutenção da r. sentença de f. 297 a 314, proferida pelo MM. Juiz da 4a Vara Cível desta comarca, Dr. Luiz Gonzaga Mendes Marques, por ser medida da mais lídima justiça.

Nestes Termos,

pede deferimento.

Campo Grande, 20 de julho de 1998.

Amilton Plácido da Rosa

Estagiário do Ministério Público



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido da; PUCCINELLI JÚNIOR, André. Cobrança de "taxa de contrato" para reserva de aluguel de imóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16040. Acesso em: 29 mar. 2024.