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Ação civil pública do MPF/SP contra a cobrança da CPMF

Ação civil pública do MPF/SP contra a cobrança da CPMF

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Leia a seguir o texto integral da petição inicial da ação civil pública impetrada pela Procuradoria da República em São Paulo, para que as operações financeiras realizadas naquele Estado sejam isentas da cobrança da CPMF. A liminar, deferida pela juíza Marta Isabel Prado, pode ser vista aqui

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DESTA VARA CÍVEL FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO (SP).

Ação Civil Pública

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Ré: UNIÃO FEDERAL


O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no exercício de suas funções constitucionais e legais, propõe a presente ação civil pública em face da UNIÃO FEDERAL, com o objetivo de impedir a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (CPMF), prevista na Emenda Constitucional 21/99, em razão da inconstitucionalidade formal de que esta padece, com fundamento nos termos a seguir aduzidos.


A Emenda Constitucional 21/99

A Emenda Constitucional 21, de 18 de março de 1999, foi promulgada e publicada com a seguinte redação dada ao art. 75 da Constituição da República:

Art. 75. É prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira de que trata o art. 74, instituída pela Lei n.º 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei n.º 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência é também prorrogada por idêntico prazo.

§ 1º Observado o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal, a alíquota da contribuição será de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e de trinta centésimos, nos meses subseqüentes, facultado ao Poder Executivo reduzi-la total ou parcialmente, nos limites aqui definidos.

§ 2º O resultado do aumento da arrecadação, decorrente da alteração da alíquota, nos exercícios financeiros de 1999, 2000 e 2001, será destinado ao custeio da previdência social.

§ 3º É a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999.

Ocorre que essa emenda nasceu da Proposta de Emenda à Constituição N.º 34, de 1998, oriunda do Senado Federal, onde fora aprovada em segundo turno de votação com a seguinte redação:

Art. 75. É prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira de que trata o art. 74, instituída pela Lei n.º 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei n.º 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência é também prorrogada por idêntico prazo.

§ 1º Observado o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal, a alíquota da contribuição será de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e de trinta centésimos, nos meses subseqüentes, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nos limites aqui definidos.

§ 2º O resultado do aumento da arrecadação, decorrente da alteração da alíquota, nos exercícios financeiros de 1999, 2000 e 2001, será destinado ao custeio da previdência social.

§ 3º É a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999, hipótese em que o resultado da arrecadação verificada no exercício financeiro de 2002 será integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal.

Verifica-se que o texto aprovado pelo Senado Federal veio a ser modificado na Câmara dos Deputados, onde sofreu supressões de monta. E, ao invés de voltar à Casa de origem (Senado), para que esta apreciasse as alterações, o texto modificado pelos deputados federais foi diretamente encaminhado à promulgação, em afronta ao processo legislativo.

Acompanhe-se a cronologia das votações (cópias em anexo): o Diário do Senado Federal de quarta-feira, 20 de janeiro de 1999, registra, nas páginas 1.761 a 1.771, a aprovação e a redação final da Proposta de Emenda à Constituição n.º 34, de 1998, do Senado Federal, nos termos supra transcritos, e o encaminhamento à Câmara dos Deputados; o Diário da Câmara dos Deputados de sexta-feira, 19 de março de 1999, registra, nas páginas 10.542 a 10.582, a aprovação, em segundo turno, da Proposta de Emenda à Constituição n.º 637/99, da Câmara dos Deputados, com as supressões supra indicadas e ressalvados os destaques de votação em separado, que viriam ser rejeitados; esse é o texto que viria a ser encaminhado ao Presidente do Congresso Nacional (Presidente do Senado Federal), para promulgação e publicação como Emenda Constitucional 21.


Inobservância do processo legislativo

O processo legislativo está, em linhas gerais e inclusive em diversas minúcias, previsto na própria Constituição da República.

O bicameralismo adotado no âmbito do Poder Legislativo federal implica a apreciação das propostas e projetos de normas legislativas por ambas as Casas congressuais. Por isso que, aprovada uma proposta ou projeto por uma das Casas, é ela ou ele submetido à outra e, em caso de alteração (subentenda-se: aprovação com alteração), volta à Casa de origem tão-somente para que se apreciem as alterações. Essa a lição da doutrina, conforme ensinam Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO (Do processo legislativo. 3. ed. São Paulo : Saraiva, 1995, p. 208) e Pinto FERREIRA (Comentários a Constituição brasileira. v. 3. São Paulo : Saraiva, 1992, p. 307), que pontua:

Pode também acontecer que o projeto seja emendado, quando voltará necessariamente à Casa Iniciadora.

No nosso sistema bicameral, o projeto de lei resulta sempre da vontade conjugada das duas Casas legislativas. É um ato complexo.

Esse respeitado constitucionalista diz ainda, em momento anterior de sua obra citada (p. 158): "A emenda é também no fundo a proposta de um direito novo que muda o texto antigo, determinando outro, e se torna equivalente a uma iniciativa, embora acessória ou secundária.".

Remetendo corretamente a questão ao princípio constitucional do bicameralismo – manifestação do princípio federativo -, anota Alexandre de MORAES (Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo : Atlas, 1999, p. 498):

Importante ressaltar que em face do princípio do bicameralismo, qualquer emenda ao projeto aprovado por uma das Casas, haverá, obrigatoriamente, que retornar à outra, para que se pronuncie somente sobre esse ponto, para aprová-lo ou rejeitá-lo, de forma definitiva. Dessa forma, o posicionamento da Casa que iniciar o processo legislativo (Deliberação Principal) prevalecerá nesta hipótese.

Do contrário, teríamos a prevalência desequilibrada da Casa revisora e a desconsideração da Casa iniciadora. De fato, no caso em exame, a manifestação legislativa do Senado Federal foi simplesmente ignorada pela Câmara dos Deputados, que, sozinha, deu à emenda constitucional a conformação que bem entendeu.

A regra que traduz esse princípio está estampada no parágrafo único do art. 65 da Constituição: "Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.". Esse dispositivo, embora topograficamente situado na subseção do processo legislativo dedicada às leis e textualmente referido a projetos de lei (complementar e ordinária), traduz norma geral de processo legislativo, aplicando-se, no que couber, a todas as espécies legislativas. Uma interpretação sistemática aponta sem esforços para tal conclusão.

O sistema constitucionalmente previsto é explicitado (reproduzido e não criado) pelos regimentos internos das Casas do Congresso Nacional. Com efeito, dispõe o Regimento Interno do Senado Federal, no Capítulo I ("Da Proposta de Emenda à Constituição) do Título IX: "Art. 367 – Considera-se proposta nova o substitutivo da Câmara a proposta de iniciativa do Senado.".

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por seu turno, dispõe no art. 202, § 8º, constante do Capítulo I ("Da Proposta de Emenda à Constituição") do Título VI, que se aplicam à proposta de emenda à Constituição as disposições regimentais relativas ao trâmite e apreciação dos projetos de lei. O art. 200 estipula: "A proposição aprovada em definitivo pela Câmara, ou por suas Comissões, será encaminhada em autógrafos à sanção, à promulgação ou ao Senado, conforme o caso, até a segunda sessão seguinte." (grifamos). Além disso, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê a hipótese inversa, de uma proposta de emenda oriunda da Câmara vir a ser emendada pelo Senado Federal (art. 203).


Controle judicial de constitucionalidade

Na Ação Civil Pública 1999.61.00.010607-8 (15ª Vara Cível Federal de São Paulo), que visa desconstituir a reeleição sucessiva de diversos parlamentares aos mesmos cargos anteriormente ocupados nas Mesas das Casas do Congresso Nacional, em contradição com o art. 57, § 4º, da Constituição da República, tivemos ocasião de dissertar acerca da sindicabilidade judicial dos atos interna corporis, em termos que a seguir adaptamos.

A teoria da restrição do objeto do controle judicial respeita, em linhas gerais, as opções políticas, no que diz sobretudo com os juízos de conveniência e oportunidade. Isso não exclui a possibilidade de aferição judicial dos parâmetros constitucionais e legais dos atos do Poder Público, sem ignorar que uma apreciação judicial da envergadura do controle de constitucionalidade – como qualquer avaliação judicial em alguma medida – possui uma inafastável dimensão política. São Palavras de Marcelo NEVES (Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo : Saraiva, 1988, p. 106-107):

Por outro lado, não foi bem formulado o problema da inconstitucionalidade das questões políticas, visto que a interpretação de qualquer norma constitucional, em face dos condicionamentos semântico-programáticos, importa sempre, em maior ou menor grau, um quantum de politicidade. Mais convincente é afirmar não caracterizar-se o controle da constitucionalidade pelo questionamento específico da justiça, conveniência ou oportunidade da lei, pois a inconstitucionalidade não é um problema que surge a partir de critérios extra-sistemáticos (não é um problema de justiça ou legitimidade política da lei), mas sim uma questão avaliada por critérios intra-sistemáticos... No entanto, deve-se salientar que a aplicação destes critérios é fortemente condicionada por fatores extra-sistemáticos, em face das propriedades semântico-pragmáticas da linguagem constitucional, que exigem um modo de pensar situacional...; isto é, os critérios técnico-jurídicos de aferição da constitucionalidade das leis são sempre intensamente "contaminados" pelo contexto fático-ideológico da sua interpretação-aplicação concreta.

De modo geral, a lesão a direitos desborda desse espaço supostamente infenso à apreciação judicial. Com ainda mais rigor, mesmo os atos próprios da esfera de autonomia da autoridade pública situam-se dentro de determinados parâmetros, sendo que a desobediência a estes ultrapassa a divisa de sua legalidade (conformidade ao ordenamento jurídico).

A Constituição brasileira de 1988 é bastante generosa com a garantia de justiciabilidade, tendo enunciado de modo irrestrito: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, XXXV). Desrespeito às balizas jurídicas claramente definidas (em nível constitucional e regimental) é passível de controle judicial.

Gilmar Ferreira MENDES, atual Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, anota a propósito da inconstitucionalidade formal e a questão interna corporis:

Afirma-se, tradicionalmente, a impossibilidade de se apreciar, no juízo de constitucionalidade, as questões interna corporis das Casas Legislativas. A matéria aparece revestida, não raras vezes, de um conteúdo místico, de uma pretensa indenidade dos atos internos do Congresso à investigação judicial. A consolidação do sistema de controle, com amplo poder para julgar as questões constitucionais, coloca em dúvida a exatidão desse entendimento. (Controle de Constitucionalidade. Aspectos Jurídicos e Políticos. São Paulo : Saraiva, 1990, p. 34)

Também Clèmerson Merlin CLÈVE, professor titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná, é bastante incisivo a respeito de determinadas possibilidades: "O fato de constituírem atos interna corporis não é suficiente, neste caso, para torná-los insindicáveis pelo Poder Judiciário." (A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995, p. 141.).

O Judiciário, com alguma freqüência, tem enfrentado o exame de atos "internos" do Congresso Nacional. Apesar da clássica resistência, vem-se verificando uma sensível evolução.

No Agravo Regimental em Mandado de Segurança 21.754-5 - RJ, onde o Supremo Tribunal Federal discutia mandado de segurança contra decisão do Congresso Nacional com base em interpretação do regimento interno, prevaleceu o reconhecimento de matéria interna corporis e, portanto, infensa à apreciação judicial. Todavia, a decisão baseou-se no fundamento exclusivamente regimental da decisão congressual atacada, conforme revela o item II da ementa: "A natureza interna corporis da deliberação congressional - interpretação de normas do Regimento Interno do Congresso - desautoriza a via utilizada. Cuida-se de tema imune à análise judiciária. Precedentes do STF. Inocorrência de afronta a direito subjetivo.". Deixa-o claro, ainda, o então Ministro Francisco Rezek, aludindo a voto seu proferido em outro feito:

Aqui, tal como no MS nº 20.464 ___ julgado por este Plenário em 31 de outubro último, sob a relatoria do Ministro Soares Muñoz ___, não há uma questão constitucional. O Impetrante menciona, de passagem, o artigo 48 da Carta, sem afirmar que tenha sido afrontado ___ e é certo que não o foi. Tudo mais se exaure no domínio da interpretação de normas de regimento legislativo, constituindo interna corporis, matéria insuscetível de crítica judiciária... (LEX 223/146)

Segue-se logicamente que, em sendo constitucional o fundamento do ato questionado, cabível o controle judicial. Veja-se passagem do voto do Ministro Celso de Mello:

Desse modo, eventuais decisões proferidas por esta Corte, no específico desempenho de sua magna função institucional de fazer prevalecer, sempre, ainda que contra a vontade dos demais detentores do Poder, a superioridade irrecusável de nossa Constituição, não podem ser qualificadas como gesto de interferência indevida do Supremo Tribunal Federal na esfera de atuação do Congresso Nacional. (LEX 223/152)

Completa o ilustrado Ministro, trazendo à colação o magistério de Pontes de Miranda:

Atenta a esse princípio básico, a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal jamais tolerou que a invocação da natureza interna corporis do ato emanado das Casas Legislativas pudesse constituir um ilegítimo manto protetor de comportamentos abusivos, iníquos e arbitrários do Poder Legislativo. Pois, consoante observa PONTES DE MIRANDA ("Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969", tomo III/644, 3ª ed., 1987, Forense) ___ embora acentuando a incognoscibilidade judicial das questões políticas atinentes à oportunidade, conveniência, utilidade ou acerto do ato emanado do órgão estatal ___, "sempre que se discute se é constitucional ou não, o ato do poder executivo, ou do poder judiciário, ou do poder legislativo, a questão judicial está formulada, o elemento político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica" (grifei). (LEX 223/154)

Em relação às emendas constitucionais, parece não pairar qualquer dúvida no Supremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de seu controle, seja sob o prisma formal, seja sob o material. Ao julgar o Mandado de Segurança 20.257 (Rel. Min. Moreira Alves), ressaltou-se:

Mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente à abolição da república.

Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (...) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer – em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas – que sequer se chegue à deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a Constituição.

...

Mais recentemente, ao julgar o Mandado de Segurança 22.494-1 - DF, contra ato do Plenário do Senado Federal contrário à instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito, o Supremo Tribunal Federal deixou assente:

2º) Pedido não conhecido quanto ao fundamento regimental de ofensa ao § 1º do art. 145 do RI-SF (indicação, no requerimento de limite das despesas a serem realizadas pela CPI), por se tratar de matéria interna corporis do Poder Legislativo, não sujeita à apreciação pelo Poder Judiciário... Pedido que poderia ser conhecido, em parte, nos limites do fundamento constitucional de ofensa ao art. 58, § 3º, da Constituição (indicação, no requerimento, do fato determinado a ser apurado pela CPI).

A propósito, foi enfático o Ministro Celso de Mello:

Não posso, Senhor Presidente, exatamente por que existe, no caso, um claro fundamento constitucional sobre o qual se apóia a pretensão dos impetrantes, conferir inaceitável precedência a um argumento menor, de caráter meramente regimental, para, a partir dele ___ e como incompreensível sobre a grave afirmação de desrespeito ao texto da Constituição da República ___, frustrar o controle jurisdicional sobre deliberação parlamentar alegadamente violadora de uma prerrogativa constitucional, assegurada, em tema de fiscalização legislativa, às minorias existentes no âmbito das Casas do Congresso Nacional.

A existência de fundamento constitucional invocado pelos impetrantes do presente mandado de segurança ___ fundamento este reconhecido pelo próprio Ministro Relator ___ não pode degradar o exame da controvérsia jurídica a um plano, que, por revestir-se de alegado caráter regimental, revelar-se-ia imune ao poder de revisão judicial dos Tribunais, notadamente ao exame desta Suprema Corte. (LEX 228/161)

...

Tenho para mim que a exegese abusiva da Constituição e do Regimento Interno ___ este, naqueles pontos que não permitem qualquer margem de discricionariedade aos corpos legislativos ___, não pode ser tolerada, sob pena de converter-se em inaceitável instrumento opressivo de dominação política e de gerar, pelo desrespeito aos direitos públicos subjetivos titularizados pelos congressistas, uma inadmissível subversão da ordem jurídica cujos fundamentos assentam-se na própria noção de Estado Democrático de Direito. (LEX 228/163)

...

Vê-se, daí, que a questão ora submetida à apreciação jurisdicional desta Suprema Corte não se reveste de caráter meramente regimental e nem ostenta natureza interna corporis. Muito mais do que isso, defronta-se o Tribunal, neste caso, com um tema de extração iniludivelmente constitucional.

Demais disso, Senhor Presidente, práticas políticas que dão expressão concreta a determinadas condutas no âmbito das instituições parlamentares, não e (sic) subtraem, só por isso, ao conhecimento do Poder Judiciário, notadamente quando se lhes imputa, como neste caso, o vício supremo da inconstitucionalidade.

Daí a advertência do em. Senador e jurisconsulto JOSAPHAT MARINHO que enfatizou esse específico aspecto da questão ressaltando a existência de jurisdição dos Tribunais sobre matéria dessa índole:

"11. De deliberação interna corporis não se há de cogitar, na tentativa de impedir o exame judicial da matéria. Não se admite competência excludente da apreciação judicial quando em causa a Constituição: seu valor e sua aplicação. O princípio da prevalência da Constituição, por sua superioridade, afasta a possibilidade de opor-se-lhe argumento peculiar à atribuição interna de qualquer órgão. É o que se firmou e se ampliou desde a famosa decisão de Marshall, de 1803, no caso Marbury x Madison." (grifei). (LEX 228/164)

O Supremo Tribunal Federal, não faz muito tempo, abordou questão bastante semelhante, aceitando apreciar a constitucionalidade de (proposta de) emenda constitucional que teria desrespeitado o trâmite legislativo (Mandado de Segurança 22.503-3/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 06.06.1997, p. 24.872):

Mandado de Segurança impetrado contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados, relativo à tramitação de emenda constitucional. Alegação de violação de diversas normas do regimento interno e do art. 60, § 5º da Constituição Federal.

Preliminar: Impetração não conhecida quanto aos fundamentos regimentais, por se tratar de matéria interna corporis que só pode encontrar solução no âmbito do poder legislativo, não sujeita à apreciação do Poder judiciário; conhecimento quanto ao fundamento constitucional.

...

Mesmo a tese de um controle mais amplo sobre os atos "internos" do Parlamento tem seus defensores. Extrai-se do voto do relator do ARMS 21.754-5 - RJ, Ministro Marco Aurélio:

... a própria Constituição Federal revela a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar mandado de segurança impetrado contra ato das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e estes são praticados, iniludivelmente, presume-se, a partir dos respectivos Regimentos Internos (inciso I, alínea "d" do artigo 102 da Constituição Federal).

Como, então, dizer-se que matéria relativa à interpretação de normas do Regimento Legislativo está imune ao crivo do Judiciário? O enfoque acaba por esvaziar a previsão constitucional referente à competência deste Tribunal... Lembre-se que no processo de impeachment do Presidente da República ___ Fernando Collor, o Supremo Tribunal Federal glosou ato da Presidência da Câmara dos Deputados, exercida à época pelo proficiente Deputado Federal Ibsen Pinheiro, praticado à luz do Regimento Interno. Reconheceu que este último assegurava, para a defesa, um número maior de sessões do que aquele fixado pela citada Autoridade. (LEX 223/134-5)

Trilha essa senda também o Ministro Sepúlveda Pertence, em voto exarado no julgamento do precitado Mandado de Segurança 22.494-1 - DF:

Minha ótica, no ponto, é um pouco diversa. Não me sinto, neste momento, autorizado a afirmação apodítica de que, da violação da norma regimental, jamais possa surgir uma questão suscetível de solução jurisdicional.

O que me parece essencial é saber, seja qual for a norma jurídica invocada, se há, em tese, direito subjetivo a proteger. Se existe, pode a norma de referência ser regimental, assim como pode a violação da norma constitucional não trazer viabilidade ao mandado de segurança, se não há um direito subjetivo em jogo. Aí, no caso da violação da norma constitucional, em que não há direito subjetivo em jogo, a ofensa à Constituição poderá gerar, sim, a inconstitucionalidade formal da norma dela decorrente, a ser declarada, porém, em outras vias. (LEX 228/177)

A doutrina das restrições à fiscalização judicial perde terreno a cada dia. Os atos dos Poderes Públicos vão perdendo o passaporte de indenidade de que outrora gozavam, toda vez que o ordenamento jurídico oferece pautas seguras que balizam a atuação conforme à ordem democrática dos Poderes. No caso presente, o parâmetro é ainda mais evidente e merece uma observância redobrada, haja vista que erigido a padrão constitucional pela vontade soberana do constituinte.

Ademais, a referência a essa douta discussão, além de instruir a questão, permite enfocar o aspecto concreto da ilicitude (qualificada: inconstitucionalidade), para o que a presente medida judicial tem cabimento.


Ofensa a direito: o caráter concreto da violação

O desrespeito ora ventilado ao procedimento de emenda à Constituição tem uma inafastável dimensão concreta, pois ofende direito público subjetivo titularizado difusamente pela coletividade, a par da titularidade específica que caiba aos demais sujeitos determinados.

Com efeito, quando os representantes eleitos, ao fixarem as normas que regem a sociedade, ignoram as diretrizes do próprio exercício do poder normativo, violam o princípio democrático sobre o qual se assenta o Estado de direito (art. 1º, caput, da Constituição da República), com evidente prejuízo ao princípio republicano (relativo ao correto desempenho do poder de legislação sobre o domínio público), ao princípio da soberania popular (que requer seja a representação popular exercida conforme as diretrizes constitucionais) e mesmo ao direito de cidadania (à medida que violado o direito que cada cidadão e todo o povo têm de ver respeitada essa regra do jogo democrático).

O asseguramento constitucional do trâmite legislativo a ser seguido para a modificação formal da Constituição apresenta-se, pois, sob o ângulo objetivo, como garantia institucional, protetora do direito de cidadania, derivação do Estado de direito democrático, conferindo ainda, sob viés subjetivo, direito público subjetivo de dimensão transindividual (difusa). A propósito, a pertinente anotação de Ingo Wolfgang SARLET (A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1998, p. 164): "... é de questionar-se seriamente a respeito da existência de alguma garantia institucional que não possa, em hipótese alguma, gerar direito subjetivo individual ou mesmo de titularidade coletiva".

Sendo assim, ficam os cidadãos e os entes investidos de representatividade pública autorizados a defender o direito público subjetivo que têm de verem respeitadas as já referidas regras do jogo democrático. Dissertando sobre o princípio da garantia de via judiciária, pontua J. J. Gomes CANOTILHO (Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra : Almedina, 1993, p. 387-388):

O sentido global resultante da combinação das dimensões objectiva e subjectiva dos direitos fundamentais é o de que o cidadão, em princípio, tem assegurada uma posição jurídica subjectiva, cuja violação lhe permite exigir a protecção jurídica. Isto pressupõe que, ao lado da criação de processos legais aptos para garantir essa defesa, se abandone a clássica ligação da justiciabilidade ao direito subjectivo e se passe a incluir no espaço subjectivo do cidadão todo o círculo de situações juridicamente protegidas. O princípio da protecção jurídica fundamenta, assim, um alargamento da dimensão subjectiva, e alicerça, ao mesmo tempo, um verdadeiro direito ou pretensão de defesa das posições jurídicas ilegalmente lesadas...

A infração ao processo legislativo constitucional autoriza o cidadão à propositura de ação popular (Constituição, art. 5º, LXXIII; Lei 4.717/65) e o Ministério Público (além dos legitimados concorrentes previstos na Lei 7.347/85), à da presente ação civil pública.


O ângulo da titularidade difusa e a legitimidade do Ministério Público Federal

O bem jurídico afrontado em concreto, com a violação do processo legislativo constitucional (art. 65, parágrafo único, da Constituição da República), pertence a cada um e a todos os cidadãos brasileiros, caracterizando-se pela nota da transindividualidade e configurando-se, assim, na precisa definição legal do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90, art. 81, parágrafo único, I), como autêntico interesse difuso.

Existe, com amparo no direito positivo, uma pretensão dedutível em juízo com vistas à desconstituição de ato estatal. Essa pretensão pode ser articulada individualmente (na qualidade de direito subjetivo individual), pode ser articulada por cidadão em nome da coletividade e pode ainda ser articulada por entidades representativas (na qualidade de interesse difuso), dentre as quais avulta o Ministério Público como defensor da sociedade. A mesma situação, portanto, configurando direito subjetivo de variada titularidade, inclusive coletiva ou difusa (metaindividual).

Cabe ao Ministério Público, por expressa imposição constitucional, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático (art. 127, caput). Não se limita, a Instituição, à defesa de posições subjetivas estritamente individuais. Uma das dimensões da função institucional do Ministério Público é, justamente, o patrocínio dos interesses difusos da coletividade.

O meio processual de que pode valer-se o Ministério Público para articular em juízo os interesses discutidos é a ação civil pública, sendo o que deflui do art. 129, III, da Constituição da República; do art. 1º, IV, da Lei 7.347/85; do art. 6º, VII, "a" e "d", da Lei Complementar 75/93, e está amplamente reconhecido em sede doutrinária - veja-se a afirmação peremptória de Hugo Nigro MAZZILLI (A defesa dos interesses difusos em juízo. 8. ed. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 92): "... permitindo-se a defesa por meio da ação coletiva de qualquer interesse difuso ou coletivo" ___ e jurisprudencial:

PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. AÇÃO COLETIVA. TAXA DE ILUMINAÇÃO.

1. - Conforme disposto na Constituição de 1988, a atuação do Ministério Público foi ampliada para abranger a sua legitimidade no sentido de promover ação civil pública para proteger interesses coletivos. Não há mais ambiente jurídico para se aplicar, em tal campo, a restrição imposta pelo artigo 1º, da Lei num. 7357/1985.

2. – Em se tratando de pretensão de uma coletividade que se insurge para não pagar taxa de iluminação pública, por entendê-la indevida, não há que se negar a legitimidade do Ministério Público para, por via de ação civil pública, atuar como sujeito ativo da demanda. Há situações em que, muito embora os interesses sejam pertinentes a pessoas identificadas, eles, contudo, pelas características de universidade que possuem, atingindo a vários estamentos sociais, transcendem a esfera individual e passam a ser interesse da coletividade.

3. – O direito processual civil moderno, ao agasalhar a ação civil pública, visou contribuir para o aceleramento da entrega da prestação jurisdicional, permitindo que, por via de uma só ação, muitos interesses de igual categoria sejam solucionados, pela atuação do Ministério Público.

4. – Agravo Regimental improvido.

(Superior Tribunal de Justiça – 1ª T, AgRegREsp 98286-SP, Rel. Min. José Delgado, j. em 15.12.1997, p. no DJU de 23.03.1998, p. 17)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE / PATRIMÔNIO PÚBLICO PROCESSUAL CIVIL - Ação Civil Pública - Defesa do Patrimônio Público - Ministério Público - Legitimidade Ativa - Inteligência do art. 129, III da CF/88, c/c o art. 1º da Lei nº 7.347/85 - Precedente - Recurso Especial não conhecido.

I - "O campo de atuação do MP foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta pelo art. 1º da Lei 7.347/85." (REsp. n. 31.547 -9/SP).

II - Recurso especial não conhecido.

(STJ – 6ª T - REsp nº 67.148 –SP – Rel. Min. Adhemar Maciel – j. 25.09.95 - DJU 04.12.95).

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - Legitimidade de parte ativa - Ação Civil Pública - Inclusão de percentual da arrecadação de impostos na verba destinada à educação - Defesa da ordem jurídica, sobretudo no que diz respeito aos direitos básicos do cidadão, como o ensino - Recurso provido.

EMENTA OFICIAL: Não se deve negar ao Ministério Público a legitimidade ativa ad causam, na defesa do cumprimento das normas constitucionais, sob o argumento da independência entre os Poderes. São independentes, enquanto praticam os atos administrativos de competência interna corporis. Não são independentes para, a seu talante, desobedecerem à Carta Política, às Leis e, sob tal pálio, permanecerem, cada um a seu lado, imunes à reparação das ilegalidades.

(TJSP - 8ª CC de Férias "G" – Ap. Cív. nº 201.109 -1 - Ribeirão Bonito - v. u – Rel. Villa da Costa – j. 04.02.94 - in JTJ 155/98)

 

Ministério Público. Patrimônio público. Legitimidade. Ação civil pública. Sistema Único de Saúde – SUS.

O campo de atuação do Ministério Público foi ampliado pela CF/88, conferindo-lhe legitimidade para propor ação civil pública, visando a proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.

(STJ – REsp 178.430 – MA – Rel.: Min. Garcia Vieira – j. em 01/09/98 – DJ de 13/10/98)

Os órgãos do Poder Judiciário vêm admitindo inclusive a tutela de interesses individuais homogêneos disponíveis, por parte do Ministério Público, conforme ilustra esta interessante decisão:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEFESA DE INTERESSES E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE.

A Lei n. 7.345, de 1985, é de natureza essencialmente processual, limitando-se a disciplinar o procedimento da ação coletiva e não se entremostra incompatível com qualquer nora inserida no Título III do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90).

É princípio de hermenêutica que, quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei de mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante do seu contexto.

O artigo 21 da Lei n. 7.345, de 1985 (inserido pelo artigo 117 da Lei n. 8.078/90) estendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil pública à defesa dos interesses e "direitos individuais homogêneos", legitimando o Ministério Público, extraordinariamente e como substituto processual, para exercitá-la (artigo 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078/90).

Os interesses individuais, "in casu" (suspensão do indevido pagamento de taxa de iluminação pública), embora pertinentes a pessoas naturais, se visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, transcendem a esfera de interesses puramente individuais e passam a constituir interesses da coletividade como um todo, impondo-se a proteção por via de um instrumento processual único e de eficácia imediata – "a ação coletiva".

O incabimento da ação direta de declaração de inconstitucionalidade, eis que, as Leis Municipais... são anteriores à Constituição do Estado, justifica, também, o uso da ação civil pública, para evitar as inumeráveis demandas judiciais (economia processual) e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas.

Recurso conhecido e provido para afastar a inadequação, no caso, da ação civil pública e determinar a baixa dos autos ao tribunal de origem para o julgamento do mérito da causa. Decisão unânime.

(Superior Tribunal de Justiça – 1ª T, Resp 49272-RS, rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. em 21.09.1994, p. no DJU de 17.10.1994, p. 27.868)

No REsp 109013-MG (1ª T, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 17.06.1997, p. DJU de 25.08.1997, p. 57) ficou assentado que "É viável, em processo de ação civil pública, a declaração incidente de inconstitucionalidade.".

A mais um e relevante título justifica-se a atuação do Ministério Público. Estão sendo propostas diversas ações coletivas, por determinadas categorias, com freqüente êxito quanto ao pedido de tutela antecipada em primeiro grau de jurisdição. Convém que se conceda a todo o universo de contribuintes da CPMF a proteção judicial, e não apenas às felizes categorias beneficiadas por alguma ação específica. O moderno arsenal processual permite hoje essa articulação universal, nos termos do art. 16 da Lei 7.347/85.

Tendo em vista tratar-se de tributo federal, arrecadado pela União, é evidente a competência da Justiça Federal para apreciar o feito (art. 109, I, da Constituição) e a capacidade processual ativa do Ministério Público Federal - conforme já pacificamente reconhecido pela jurisprudência:

PROCESSUAL - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PARTE - COMPETÊNCIA - JUSTIÇA FEDERAL

Se o Ministério Público Federal é parte, a Justiça Federal é competente para conhecer do processo.

(STJ, 1ª Seção, por unanimidade, Conflito de Competência nº 4.927-0 - DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 14.09.1993)

Quando do julgamento em referência, adotou-se o entendimento do então Subprocurador-Geral da República, Dr. José Arnaldo da Fonseca, que aduziu:

Assim, proposta a ação pela Procuradoria da República, no foro que lhe é próprio, o federal, caso o I. Magistrado entenda que não lhe reserva, a Constituição, atribuição para titularidade do feito, há que declarar a falta de interesse jurídico na lide, não a incompetência do Juízo.

No delicado terreno das questões de ampla repercussão política, a atuação do Ministério Público deve ser comedida e objetiva, restrita ao âmbito das funções institucionais. Nesse sentido, convém mencionar a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1371-8 DF, proposta pelo Procurador-Geral da República, em que:

O Tribunal, por votação majoritária, julgou parcialmente procedente a ação direta, para, sem redução de texto, (a) dar, ao art. 237, inciso V, da Lei Complementar Federal nº 75, de 20/05/93, interpretação conforme à Constituição, no sentido de que a filiação partidária de membro do Ministério Público da União somente pode efetivar-se nas hipóteses de afastamento de suas funções institucionais, mediante licença, nos termos da lei, e (b) dar, ao art. 80 da Lei Complementar Federal nº 75/93, interpretação conforme à Constituição, para fixar como única exegese constitucionalmente possível aquela que apenas admite a filiação partidária, se o membro do Ministério Público estiver afastado de suas funções institucionais, devendo cancelar sua filiação partidária antes de reassumir suas funções, quaisquer que sejam, não podendo, ainda, desempenhar funções pertinentes ao Ministério Público Eleitoral senão dois anos após o cancelamento dessa mesma filiação político-partidária...

(Rel. Min. Néri da Silveira, j. em 03.06.1998)

Perceba-se, na presente propositura, todo o cuidado do Autor em cingir-se aos contornos jurídicos (constitucionais) da controvérsia. A advertência é cabida para que não frutifiquem levianas insinuações de que o Ministério Público tenha sucumbido a tendências político-partidárias ou exclusivamente ideológicas.


Diversas medidas judiciais já propostas

Até o presente instante, tem-se notícia de diversas medidas judiciais coletivas (e individuais) propostas contra a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (CPMF), pelo fundamento aqui declinado e ainda outros. Registre-se, ilustrativamente:

  1. o Mandado de Segurança Coletivo 1999.61.00.032631-5 (12ª Vara Cível Federal em São Paulo), proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo, pelo Instituto dos Advogados de São Paulo e pela Associação dos Advogados de São Paulo, com liminar concedida em 13 de julho último;
  2. o Mandado de Segurança Coletivo 1999.61.00.029901-4 (23ª Vara Cível Federal em São Paulo), ajuizado pela Associação Paulista do Ministério Público, com liminar concedida em 30 de junho último;
  3. a Ação Civil Pública 1999.71.00.016035-0 (3ª Vara Cível Federal de Porto Alegre), ajuizada pelo Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul, com liminar concedida em 7 de julho último;
  4. o Mandado de Segurança Coletivo 1999.61.00.023144-4 (24ª Vara Cível federal em São Paulo), proposto pela Associação dos Funcionários do Conglomerado Banespa e pela CABESP, com liminar concedida.

Pedido

Pede-se a condenação da União na obrigação de não-fazer (Lei 7.347/85, art. 3º), consistente em abster-se da cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos de natureza financeira – CPMF, de que trata a Emenda Constitucional 21/99, em relação às operações bancárias realizadas no Estado de São Paulo (Lei 7.347/85, art. 16).

Requer-se o estabelecimento de multa diária à Demandada em caso de descumprimento, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a ser recolhido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 11 e 13 da Lei 7.347/85 e do Decreto 1.306/94.

A fim de viabilizar o cumprimento, solicita-se a este douto Juízo a pronta notificação da Secretaria da Receita Federal (Superintendência da Receita Federal em São Paulo, Av. Prestes Maia, 733, Ed. Ministério da Fazenda, 12º andar, sala 1.201, nesta Capital, CEP 01071-900), do Ministério da Fazenda, bem como do Banco Central do Brasil em São Paulo (Av. Paulista, 1.804, Bela Vista, nesta Capital, CEP 01310-922), para que determinem aos agentes do sistema bancário no Estado que não desconte das contas correntes e demais operações a respectiva contribuição.

Protesta-se, por fim, pela citação da Ré (art. 282, VII, do Código de Processo Civil), por intermédio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Lei Complementar 73/93, art. 12, V), no mesmo endereço da Secretaria da Receita Federal, bem como, se necessário revelar-se no curso desta relação processual, a produção de provas.

Solicita-se a antecipação imediata da tutela pretendida (a teor do art. 12 da Lei 7.347/85 e do art. 273 do Código de Processo Civil), independentemente de manifestação da parte contrária, em face dos ponderados argumentos esgrimidos nesta peça, da gravidade da desconformidade jurídica (de ordem constitucional), da evidência da inconstitucionalidade, da atualidade do dano (vez que a cada instante são realizadas inúmeras operações bancárias sujeitas à contribuição) e de sua difícil reparação (demandando o complexo e incerto mecanismo de indenização pelo Poder Público). Considere-se que antecipações semelhantes vêm sendo concedidas pelo Poder Judiciário e que não há o menor perigo de irreversibilidade, visto que os registros informatizados do sistema bancário permitem eventual dedução futura da contribuição devida.

Convém ressaltar que Vossa Excelência poderá ainda, a vosso prudente juízo, modular a extensão e a intensidade do pedido formulado.

Dá-se a causa o valor estipulado de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

WALTER CLAUDIUS ROTHENBURG
DUCIRAN VAN MARSEN FARENA

Procuradores da República em São Paulo

Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROTHENBURG, Walter Claudius; FARENA, Duciran Van Marsen. Ação civil pública do MPF/SP contra a cobrança da CPMF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16196. Acesso em: 29 mar. 2024.