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Contestação em Ação Declaratória em Matéria Tributária Creditamento de ICM / ICMS e Questões Conexas

Contestação em Ação Declaratória em Matéria Tributária Creditamento de ICM / ICMS e Questões Conexas

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Contestação da Fazenda Pública em ação declaratória em matéria tributária, a qual pretendia declarar a inconstitucionalidade da Resolução 7/80 do Senado Federal, que fixou os tetos para as alíquota de ICMS

Carlos Alberto Bittar Filho (procurador do estado de São Paulo / doutor em direito pela USP)

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA (...) VARA (...) DA COMARCA DE SÃO PAULO

PROCESSO Nº (...)

A FAZENDA DO ESTADO, por seu Procurador, vem à presença de V. Exa., respeitosamente, nos autos da ação declaratória que lhe move (...), com fundamento nos artigos 300 e seguintes do Código de Processo Civil, apresentar sua CONTESTAÇÃO, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.


I. DOS FATOS

1. A autora pretende, por meio da presente ação, obter o reconhecimento da inconstitucionalidade da Resolução 7/80 do Senado Federal, o direito de creditamento das diferenças decorrentes da discriminação de alíquotas em razão da natureza do destinatário, o direito de aproveitamento dos créditos de ICM/ICMS decorrentes da entrada de produtos intermediários e da utilização de serviços de telecomunicações, bem como o direito de uso dos aludidos créditos – corrigidos monetariamente – nas apurações futuras do ICMS, trazendo à colação variegados argumentos. Não lhe assiste, no entanto, razão alguma, o que ficará demonstrado a seguir.


II. DO DIREITO

2. A autora funda uma de suas pretensões, basicamente, na alegação de inconstitucionalidade da Resolução 7/80 do Senado Federal. Em outras palavras, tal alegação é pedido principal, do qual decorre o pretenso direito de creditamento das diferenças resultantes da discriminação de alíquotas em razão da natureza do destinatário.

3. Ora, o controle da constitucionalidade – que consiste, no dizer do insigne FERREIRA FILHO, na "verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente da lei) à Constituição" – é realizado, no sistema brasileiro, de apenas duas maneiras: a) por via incidental; b) por via principal.

4. Descabe, aqui, qualquer observação a respeito do controle realizado por via principal, que só pode entrar em cena quando da propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103). O que interessa ao caso sub judice é, portanto, apenas e tão-somente o controle efetivado por via incidental. A seu respeito, cumpre que se tragam as lições sempre precisas de nossos grandes doutrinadores:

"A declaração incidental (da inconstitucionalidade) se dá no curso de um processo como prejudicial do julgamento da lide. Em primeiro grau não há sequer declaração formal pelo juiz, o qual apenas afasta ou deixa de aplicar a lei que considera inconstitucional." (VICENTE GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1989, v. II, p. 333; grifos nossos)

"No direito brasileiro vigente coexistem, por conseguinte, o controle incidental e o controle direto da constitucionalidade. O primeiro é exercitável por qualquer órgão judicial (sistema difuso), no julgamento de causa que lhe incumba, desde que a decisão do litígio reclame, como premissa lógica, o exame da questão da constitucionalidade, assim configurada como prejudicial." (JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio, Forense, 1985, v. V, p. 37; grifos constantes do original)

"(Em sendo difuso o sistema de controle de constitucionalidade, há a necessidade de) que a ação não tenha por objeto diretamente o ato inconstitucional do poder legislativo, ou do executivo, mas se refira à inconstitucionalidade dele apenas como fundamento, e não alvo, do libelo." (RUI BARBOSA, Os Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo perante a Justiça Federal, in Obras Completas, v. XIX, t. V, Rio, 1958, p. 118; grifado no original)

5. Como se percebe, a autora está-se servindo de uma ação declaratória proposta perante juízo monocrático de primeiro grau para obter a inconstitucionalidade de ato normativo, o que é simplesmente um absurdo em nosso sistema jurídico, conforme as preleções dos valorosos mestres citados. Está-se, portanto, diante de um pedido juridicamente impossível; tal asserção mostra-se ainda mais forte quando se buscam os comentários da seleta doutrina a respeito da possibilidade e da impossibilidade jurídica do pedido:

"Às vezes, determinado pedido não tem a menor condição de ser apreciado pelo Poder Judiciário, porque já excluído a priori pelo ordenamento jurídico sem qualquer consideração das peculiaridades do caso concreto." (CINTRA-GRINOVER-DINAMARCO, Teoria Geral do Processo, São Paulo, RT, 1987, p. 222)

"O direito de ação pressupõe que o seu exercício visa à obtenção de uma providência jurisdicional sobre uma pretensão tutelada pelo direito objetivo. Está visto, pois, que para o exercício do direito de ação a pretensão formulada pelo autor deverá ser de natureza a poder ser reconhecida em juízo. Ou, mais precisamente, o pedido deverá consistir numa pretensão que, em abstrato, seja tutelada pelo direito objetivo, isto é, admitida a providência jurisdicional solicitada pelo autor.

Possibilidade jurídica do pedido é condição que diz respeito à pretensão. Há possibilidade jurídica do pedido quando a pretensão, em abstrato, se inclui entre aquelas que são reguladas pelo direito objetivo." (MOACYR AMARAL SANTOS, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 1978, v. I, p. 143)

6. Em síntese: o pedido de inconstitucionalidade da Resolução 7/80 do Senado Federal perante o MM. Juízo é juridicamente impossível, pois é excluído a priori pelo nosso ordenamento jurídico. Destarte, sequer precisa ser apreciado por V. Exa., que deverá dignar-se de pronunciar, relativamente a ele, a inépcia, o que está em perfeita consonância com o ensinamento do insuperável PONTES DE MIRANDA:

"Tem de ser indeferida a petição inicial quando: ... b) os fundamentos jurídicos, de que se valeu a parte ou o procurador judicial, são tão evidentemente inadmissíveis, ou ininteligíveis, que nenhuma sentença poderia ser dada com base neles... A letra b) compreende: ... a impossibilidade jurídica, pela falta de qualquer admissibilidade conceptual ou proporcional no direito ..." (in Comentários ao Código de Processo Civil, Rio, Forense, 1974, t. IV, p. 85)

7. Quanto ao pedido de creditamento das diferenças decorrentes da discriminação de alíquotas em razão da natureza do destinatário, resta ele prejudicado, em virtude do fato de estar estreitamente ligado ao pedido de declaração de inconstitucionalidade. Efetivamente, trata-se, in casu, de cumulação sucessiva, ou seja, de modalidade de cumulação caracterizada pelo fato de um pedido ser prejudicial do outro, o que acarreta a seguinte conseqüência: "o segundo pedido somente será apreciado quando procedente o primeiro" (J. J. CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio, Forense, 1989, v. III, p. 244).

A.2) DA FRAGILIDADE DA PROVA DOCUMENTAL

8. "O momento para a produção da prova documental, pelo autor, é o do ajuizamento da petição inicial (art. 396). Se não produzido o documento nessa oportunidade, precluso estará o seu direito de trazê-lo aos autos com fins probatórios" (J. J. CALMON DE PASSOS, op. cit., p. 207). Como se vê, a petição inicial é decisiva no que tange à prova documental, que deve ser sólida e robusta. Não é isso o que se observa, no entanto, no conjunto probatório carreado aos autos pela autora. Ela, efetivamente, consegue apenas comprovar a regularidade de representação (CPC, arts. 12, VI, 38 e 39), malogrando na tarefa de sustentar, em bases rijas, as colunas erigidas com a petição inicial.

9. Corolário disso é, indubitavelmente, a necessidade de extinção do processo sem julgamento do mérito, o que fica cristalino com a leitura das melhores lições doutrinárias:

"O artigo 284 (do CPC) acrescenta às previsões dos arts. 282 e 283, como causa de indeferimento da inicial, a existência, nela, de defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito. A ausência de um documento probatório, mencionado, mas não produzido, pode constituir irregularidade dessa natureza, conseqüentemente, autorizar a rejeição da inicial, se acaso não suprida a falta." (J. J. CALMON DE PASSOS, op. cit., p. 209; grifos nossos)

10. Pouco importa o fato de o MM. Juízo não ter reconhecido o defeito em tela antes de determinar a citação da Fazenda. Ou, no dizer do preclaro J. J. CALMON DE PASSOS:

"O fato de o juiz haver recebido petição inicial viciada por qualquer dos defeitos enumerados no art. 282 não significa preclusão, em relação ao réu, do poder de argüi-los, para futura extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 301). Conseqüentemente, preclusão não ocorre em relação ao juiz, que os apreciará tanto de ofício, como por provocação do réu, ao proferir o julgamento conforme o estado do processo. O recebimento da inicial não traz em si, implícita, a afirmação, por parte do juiz, da regularidade e aptidão da inicial." (op. cit., p. 284; grifos nossos)

11. Corroboram a esses ensinamentos as observações lúcidas do saudoso mestre MOACYR AMARAL SANTOS:

"A enumeração das matérias que ao réu compete alegar como preliminar na contestação, contida no art. 301 do Código de Proc. Civil, não é exaustiva.

(...)

Outrossim, qualquer matéria compreendida no art. 267 do referido Código, que regula os casos de extinção do proc., sem julgamento do mérito, e que se não contenha na relação do art. 301, também é alegável, por ser de natureza processual, como preliminar na contestação.

Também é argüível na contestação, como preliminar, qualquer matéria que autorizaria o juiz a indeferir a petição inicial (Cód. cit., art. 295)." (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, São Paulo, 1990, v. 2, pp. 211 e 212)

12. Em suma: em virtude da superficialidade da prova documental, o julgamento de mérito resta dificultado, o que conduz à fatal extinção do processo sem julgamento do mérito.

B) QUANTO AO MÉRITO

13. Mesmo que V. Exa. se convença de que se não trata de inépcia, nem de fragilidade da prova documental, havendo por bem perscrutar o mérito da ação, ainda assim falece à autora qualquer razão.

14. Ora, em primeiro lugar, a Resolução 7/80 do Senado Federal foi editada em perfeita consonância com o sistema jurídico então vigente.

15. Efetivamente, o que fez tal ato normativo foi simplesmente fixar novos tetos para as alíquotas de ICM (alíquotas máximas para operações internas, interestaduais e de exportação); não houve, assim – diferentemente do que alega a autora --, redução de alíquotas, o que afasta, automaticamente, a ventilada violação do princípio federativo (invasão da competência dos Estados).

16. Está igualmente fora de cogitação o atentado contra o artigo 23, § 6º, da Constituição Federal anterior, ex vi do qual as isenções de ICM deveriam ser concedidas ou revogadas nos termos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar. Ora, redução de alíquota não houve, e, mesmo que tivesse havido, não se subsumiria no dispositivo constitucional em apreço. Afinal, a redução da alíquota de um dado tributo não equivale a isenção parcial, consoante a melhor jurisprudência:

"Interessa, sobretudo, que, embora os efeitos práticos possam ser os mesmos, isenção e redução não se confundem juridicamente, dispensando anotações doutrinárias..." (acórdão proferido na apelação cível nº 144.576-2, da Comarca de São Paulo; relator: Des. Laerte Nordi)

"... a redução do imposto não pode ser confundida com a isenção. A isenção é uma das forma de exclusão do crédito tributário; por isso mesmo, pressupõe a existência deste. A redução, no entanto, opera antes da formação do crédito, via redução de alíquota..." (acórdão proferido na apelação cível nº 124.665-2, da Comarca de São Paulo; relator: Des. Isidoro Carmona)

17. Como se vê, a autora simplesmente lançou mão de um jogo de palavras para daí tirar conclusões totalmente absurdas e improcedentes.

18. Outrossim, a Autora se equivocou ao cogitar da violação do princípio da uniformidade e da isonomia pela Resolução 7/80 do Senado Federal. De fato, a diferença de alíquotas interestaduais não é inconstitucional, pois os contribuintes de fato dos vários Estados acabam não arcando com cargas tributárias diversas, no fim de contas. Ademais, não deve o princípio da uniformidade ser entendido de forma absoluta, rígida, inflexível, consoante o ensinamento do eterno ALIOMAR BALEEIRO:

"Mas, cremos, o Senado pode estabelecer uma alíquota, para as operações intra-estaduais; outra, para as interestaduais; e ainda outra para o mercado externo." (Direito Tributário Brasileiro, Rio, Forense, 1977, p. 229)

19. Já bem demonstrada a constitucionalidade da Resolução 7/80, deve-se agora passar ao pedido de creditamento das diferenças. Se não julgado prejudicado por V. Exa., deverá ser considerado improcedente, conclusão a que se chega com supedâneo em importantíssimas manifestações do Pretório Excelso:

"Trata-se de ação declaratória proposta contra o Estado de São Paulo, pretendendo o reconhecimento do crédito do ICM correspondente à diferença entre a alíquota reduzida incidente nas operações de compra de mercadorias de outro Estado da Federação e a fixada para a saída do produto industrializado dentro do Estado em que é sediada a empresa.

A ação foi julgada improcedente em todas as instâncias percorridas. Em grau de embargos infringentes, o Tribunal de Justiça salientou (fls. 41):

"Em realidade, o direito do contribuinte se resume naquilo que foi efetivamente recolhido, inadmissível a argumentação baseada na diferença de alíquotas, não sendo caso de isenção parcial, na qual há dispensa de parte do tributo devido. Houve mera previsão de alíquotas diversas em operações internas e interestaduais, sem que tal medida importasse em isenção do tributo.

De outra parte, cabe a cada unidade da Federação cobrar a alíquota estabelecida, havendo que deduzir somente o imposto que concretamente incidiu na operação."

Assim sendo, a prática de alíquotas diferenciadas não confere ao contribuinte o benefício do crédito da diferença..." (agravo de instrumento nº 01392029/040, do STF; relator: Min. Ilmar Galvão; DJ 30.9.91)

"ICM. Cumulatividade vedada. Alíquotas diferenciadas. Abatimentos.

A prática de alíquotas distintas não sugere a existência de isenção. Dá-se a incidência considerados os percentuais praticados pelos Estados, face até mesmo ao sistema federativo. A hipótese comporta mero abatimento, considerado o valor realmente cobrado e não o relativo ao resultado de alíquota mais alta – art. 23, inciso II e § 5º da Constituição Federal de 1967, com a redação imprimida pela Emenda Constitucional nº 23 de 1983." (agravo 135.046-6; relator: Min. Marco Aurélio; DJ 9.11.90)

"Pan Plastic Ltda. Ajuizou ação declaratória contra o Estado de São Paulo, pretendendo o reconhecimento do direito ao crédito do ICM correspondente à diferença de alíquotas nas operações interestaduais. A pretensão não foi acolhida nas instâncias ordinárias.

(...)

... o certo é que, tratando-se de caso de alíquota reduzida, e não de isenção, comporta mero abatimento, considerado o valor efetivamente cobrado, e não aquele resultante de alíquota máxima.

Ainda recentemente, em sessão da Eg. Primeira Turma, julguei caso de idêntica natureza (RE 135.189-6), onde me manifestei no sentido de que o princípio da não-cumulatividade do ICM, ao que se depreende da letra do art. 23, II, da CF/69, e ainda do art. 155, § 2º, I, da CF/88, se expressa pela necessidade de compensar-se, em cada operação relativa à circulação da mercadoria, o montante do tributo que foi cobrado nas operações anteriores, seja pelo próprio Estado, seja por outro, de molde a permitir que o imposto incidente sobre a mercadoria, ao final do ciclo produção-distribuição-consumo não ultrapasse, em sua soma, percentual superior ao correspondente à alíquota máxima prevista em lei para o tributo. Assim, improcede a alegação de violação à norma constitucional invocada, mostrando-se descabida a pretensão creditícia deduzida pelo recorrente." (agr. de instrumento nº 01405210/40; relator: Min. Ilmar Galvão; DJ 5.12.91)

20. Também não merece prosperar a tese segundo a qual a Emenda 23/83 não modificou a Constituição por estar em desacordo com o sistema jurídico. Afinal, a emenda em questão respeitou as normas que permitiam a sua entrada no mundo jurídico – os artigos 47 e seguintes da anterior Carta Magna. Destarte, a emenda entrou no sistema, sem ferir nenhuma disposição constitucional – tornou-se válida e vigente, produzindo todos os efeitos de direito (v. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação, São Paulo, Atlas, 1988, pp. 179 a 181, e CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, Da Existência, Validade, Vigência e Eficácia da Lei no Sistema Brasileiro Atual, in Revista dos Tribunais, São Paulo, RT, 1992, v. 683, pp. 29 e seguintes). Ademais, de maneira alguma se pode contestar, em nosso direito, a juridicidade de uma norma com lastro em súmulas, mesmo que editadas pelo Supremo Tribunal Federal, de acordo com a melhor doutrina:

"No direito brasileiro, a jurisprudência, que é a reiteração de julgados interpretando o direito em certo sentido, mesmo quando consagrada em súmula, não tem força normativa." (VICENTE GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1989, 2º vol., p. 325; grifos nossos)

"... as proposições constantes da súmula não têm obrigatoriedade assimilável à da lei, não vinculam os outros tribunais do país, nem os juízos de primeiro grau..." (JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, Rio, Forense, 1985, p. 30)

" O fato de ser incluída na ‘súmula’ do tribunal não confere à tese jurídica a eficácia vinculativa própria das normas legais." (idem, O Novo Processo Civil Brasileiro, Rio, Forense, 1986, p. 246)

21. No que concerne aos materiais intermediários e aos alimentos para consumo interno, a autora serve-se de argumentos absolutamente insustentáveis, além de uma interpretação que afronta a claríssima norma do artigo 40, II, da Lei 6.374/89. Somente essa norma bastaria para afastar a pretensão da autora; traga-se, contudo, a título de reforço, a lição do ilustre DÁVIO A. PRADO ZARZANA:

"... há possibilidade de aproveitamento do crédito do imposto pago e destacado em documento fiscal, referente à mercadoria entrada no estabelecimento de contribuinte, desde que essa mercadoria vá ser novamente objeto, ela própria ou como componente transformada, saída posterior tributada.

(...)

a) Não se admite o crédito fiscal em relação a mercadorias entradas ou adquiridas:

(...)

b) para uso ou consumo do próprio estabelecimento;

(...)" (Imposto sobre Circulação de Mercadorias-II, São Paulo, Saraiva, 1977, v. 42, p. 441; grifos nossos)

22. No tocante às telecomunicações, existe, em nosso Estado, a decisão normativa CAT-1, de 31.7.91, cujos fundamentos estão assim vazados:

"4. ... é de se entender que as despesas com comunicações (telefonia, telex, fax e On-Line), quando relacionados diretamente com o processo de industrialização, de comercialização e de produto agropecuário geram, por conseqüência, direito ao crédito do ICMS...

5. Assim, o crédito poderá ser efetuado, nos termos do artigo 56 e seguintes do RICMS, desde que o imposto anteriormente cobrado tenha sido destacado em Nota Fiscal de Serviço de Telecomunicações, modelo 22, RICMS – art. 111, XIX, e que a prestação tenha vinculação direta com os processos de produção ou comercialização e se, evidentemente, as operações posteriores realizadas com as mercadorias produzidas ou comercializadas forem também tributadas pelo ICMS, ou, não o sendo, haja expressa autorização para o crédito ser mantido.

(...)

7. ... Em face do exposto, não propiciam crédito, por exemplo, os serviços de comunicações atinentes a departamentos, setores ou seções do estabelecimento onde não se realizem os processos de industrialização ou de comercialização. Igualmente, não geram crédito do ICMS os serviços de comunicação utilizados com finalidade estranha aos aludidos (industrialização ou comercialização)."

23. Ora, a autora pretende obter o reconhecimento de créditos de ICMS pelos serviços de telecomunicações, sem, no entanto, dar nenhum lastro documental às suas alegações. Enfim, não comprova o preenchimento das condições exigidas pela decisão normativa parcialmente transcrita. Tendo em vista que o ônus da prova de tais alegações competia à própria autora (CPC, art. 333, I) e que o momento da sua produção já se esvaiu com a propositura da ação, conclui-se que o pedido de creditamento dos serviços de telecomunicação deve ser julgado improcedente.

24. No que diz respeito à correção monetária, também é manifesto o descabimento das alegações da autora.

25. Com efeito, de acordo com o ensinamento do festejado ALCIDES JORGE COSTA:

"... a correção monetária teria algum cabimento se o crédito não tivesse sido lançado em virtude de medida do Fisco. Medida individualizada e coercitiva, bem entendido. A mera inexistência de lei impeditiva, embora inconstitucional, não teria o condão de impedir o contribuinte de efetuar os lançamentos de crédito em tempo oportuno e de resguardar seus direitos. A inércia do contribuinte não caracteriza impossibilidade de exercício de direito.

(...)

Note-se que o Regulamento do ICM de São Paulo prevê, e muito justamente, o lançamento atrasado de créditos (RICM – Dec. 17.727, de 25.09.81, art. 47). Não existe, todavia, previsão legal que permita a correção monetária de créditos lançados com atraso. Desta maneira, seja qual for a época em que se faça o lançamento, este deve fazer-se pelo valor nominal do crédito." (ICM – Créditos – Natureza Jurídica – Correção Monetária, in Revista de Direito Tributário 45/37)

26. Esse entendimento também é perfilhado pela melhor jurisprudência, da qual podem ser destacados os seguintes julgados: a) Pretório Excelso: RE 109.452-SP, rel. Min. Célio Borja, 2ª Turma (RTJ 121/1.187); RE 113.899-SP, rel. Min. Francisco Rezek, 2ª Turma (RTJ 123/1.212); RE 113.769-SP, rel. Min. Célio Borja, 2ª Turma (RTJ 123/815); RE 109.204-SP, rel. Min. Djaci Falcão, 2ª Turma; RE 106.629-SP, rel. Min. Djaci Falcão; RE 107.110-SP, rel. Min. Carlos Madeira, 2ª Turma; RE 104.963-SP, rel. Min. Cordeiro Guerra, pleno; RE 110.009-SP, rel. Min. Rafael Mayer, 1ª Turma; b) Superior Tribunal de Justiça: Agravo de Instrumento 10.190-SP, rel. Min. Garcia Vieira, DJU 29.4.91; c) Tribunal de Justiça de São Paulo: Apelação Cível 198.914-2/0, rel. Des. Roberto Stucchi, julgamento de 27.10.92.

27. Toda essa construção doutrinária e jurisprudencial alicerça-se numa profunda reflexão sobre o problema dos "créditos" do ICM, que não admite a argumentação que tenta justificar sua atualização monetária sob o pretexto de "isonomia" entre o Fisco e o contribuinte, ou de utilização "analógica" de outros preceitos do ordenamento positivo.

28. Frise-se, em primeiro lugar, que, embora corriqueira, é imprópria a utilização da palavra "créditos" para designar os abatimentos em conta fiscal determinados pelo princípio da não-cumulatividade.

29. Sendo o ICMS um imposto sucessivo e plurifásico, houve a necessidade, para se evitar a incidência "em cascata", de se consagrar o poder-dever de abatimento, do imposto resultante de cada operação, do montante já cobrado nas anteriores.

30. Em face, contudo, da dificuldade prática, ou, mesmo, da virtual impossibilidade de se proceder a abatimentos específicos para cada operação individualmente considerada, previu-se uma sistemática de apuração do imposto por períodos.

31. Está-se, pois, diante de uma sistemática de apuração do imposto devido, para cujo funcionamento existe o mecanismo contábil de dedução do imposto anteriormente pago; tudo isso, como se vê, existe para que se respeite o princípio da não-cumulatividade.

32. É inadequado, portanto, falar em "crédito" do particular. Com efeito, o particular não é credor do Estado; seu único direito consiste na possibilidade de deduzir, pura e simplesmente, o valor do ICMS anteriormente pago. A verdade de tudo isso transparece quando da hipótese -–aliás, bastante rara – de apurar-se, em determinado período, saldo favorável ao contribuinte: prevê-se, aqui, a transferência do saldo para o período subseqüente, e não a restituição, nem a inversão da relação jurídico-tributária.

33. De todo o exposto no parágrafo anterior se extrai que não só inexiste autorização legal para a correção monetária dos "créditos", mas também sequer se pode cogitar de norma desse jaez.

34. Ademais, não se pode tentar justificar a correção com supedâneo na analogia, pois não há qualquer semelhança entre as deduções contábeis e o crédito do ente tributante.

35. De fato, o crédito tributário, exigível pela pessoa jurídica de direito público, atende à finalidade basilar do sistema tributário – o fluxo de parte do patrimônio dos administrados para os cofres públicos. É impossível que se pretenda inverter esse direcionamento.

36. Não se pode perder de vista, outrossim, que tanto débitos quanto "créditos" são registrados pelo seu valor nominal. O correspondente dos "créditos" contábeis em discussão são os valores lançados na coluna dos débitos, os quais também não sofrem nenhuma correção. Somente após o cotejo das duas colunas é que se quantifica o crédito tributário, o que bem demonstra a completa distinção entre este e aqueles valores dedutíveis.

37. Absurdo, assim, falar em isonomia, pois nem as situações nem as partes podem ser equiparadas.

38. Por fim, o artigo 38, § 2º, da Lei Estadual 6.374/89 impõe que o crédito seja escriturado pelo seu valor nominal, proibindo, destarte, através de comando implícito, a atualização monetária do "crédito" do contribuinte.


III. DOS PEDIDOS

39.Diante de todo o exposto, pede a Fazenda a V. Exa. que se digne de extinguir o processo sem julgamento do mérito (CPC, arts. 267, I, 295, I e § único, III, 283, 284, § único, e 301, III).

40. Se V. Exa. houver por bem realizar a análise do mérito, requer a Fazenda sejam todos os pedidos formulados pela autora julgados IMPROCEDENTES, de tal sorte que ela arque com as despesas processuais e com os honorários advocatícios.

41. Protestando pelo acompanhamento de todas as provas deferidas à autora, de quem, aliás, é o ônus probatório (CPC, art. 333, I), e contestando o al por negativa geral,

P. e E. deferimento.

São Paulo, 28 de abril de 1993.

CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO
PROCURADOR DO ESTADO


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Contestação em Ação Declaratória em Matéria Tributária Creditamento de ICM / ICMS e Questões Conexas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16395. Acesso em: 28 mar. 2024.