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Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20

Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20

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O parecer entende que a exclusão sumária do REFIS ofende aos princípios da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade e motivação, bem como ao contraditório, à ampla defesa e à boa-fé.

C O N S U L T A

            A empresa Consulente, honra-nos com consulta relacionada à sua exclusão do Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, nos seguintes termos:

            "1- A Consulente formalizou opção pelo REFIS – Programa de Recuperação Fiscal, lançado pelo Governo Federal através da Lei nº 9.964, de 10 de abril nº 2000, seguindo as diretrizes do Decreto nº 3.431, de 24 de abril de 2000, isto em 30 de março de 2000.

            2. Quando da opção, providenciou as obrigações acessórias, dentre elas, a de informar a desistência de Processos Administrativos na Declaração REFIS através do site da Receita Federal e por meio de simples petição nos respectivos Processos.

            3. Durante 03 (três) anos e ½ (meio) a empresa manteve-se totalmente adimplente com suas obrigações para com o REFIS, recolhendo o percentual equivalente a 1,2% (um vírgula dois por cento) do seu faturamento, assim como, pagando todos os tributos no âmbito federal, inclusive, aumentou substancialmente o seu faturamento, decorrência do fomento na produção agrícola e industrial, de conseqüência, tendo significativa elevação nos volumes monetários recolhidos para o REFIS.

            4. Todavia, para surpresa da empresa em comento, foi abrupta e ilegalmente surpreendida com a informação de exclusão do REFIS por meio de publicação de Portaria do CG/REFIS, apontando como causa, unicamente, o descumprimento do artigo 5º, inciso III da Lei nº 9.964/2.000, sem especificar qual ou quais Processos deram causa à tal inobservância. Isto, obtido em consulta aleatória e informal no site da Receita Federal, ou seja, sem qualquer comunicação verbal ou por escrito, bem como, sem qualquer motivação e conseqüente chance de defesa para a empresa.

            5. Estando a Receita Federal, à ocasião, fechada, em razão da greve dos seus servidores, e vendo seu direito líquido e certo de ser devidamente informada sobre as razões de sua exclusão do REFIS inobservadas, impetrou Mandado de Segurança, antes do Manifesto de Inconformidade Administrativo, em favor da empresa, junto à Seção Judiciária de seu Estado, tendo o Juiz Federal declinado da competência, determinando a remessa do feito à Seção Judiciária do Distrito Federal, onde teve indeferida a liminar pleiteada.

            6. Com as informações prestadas pela Autoridade Coatora (Presidente do Comitê Gestor do Refis), só então, a empresa veio a saber que se tratava da não formalização de desistência de um de seus Processos Administrativos, tendo, assim, peticionado no feito, informando e demonstrando que havia nos autos de referido Processo, antes da exclusão, uma petição ratificando a desistência desse, em virtude da opção pelo REFIS e que, de mais a mais, eventual defeito formal jamais poderia penalizar a empresa com a medida drástica e extrema da exclusão, com se deu."

            Diante disso, indaga especificamente o seguinte:

            1ª questão:

            Não seria inconstitucional a Portaria CG/REFIS que veiculou exclusão sumária da Consulente do REFIS, com efeitos a partir do dia seguinte ao de sua publicação, já que não cumpre os requisitos básicos do ato administrativo, como por exemplo, a motivação no real sentido da palavra, antes, apenas cita dispositivo legal, dentre outros?

            2ª questão:

            Não seria inconstitucional a exclusão da Consulente do REFIS, mesmo que admitida a ausência da desistência formal de Processo Administrativo, diante dos graves prejuízos à esta, para não mencionar o sério comprometimento de continuidade de suas atividades, geração e manutenção de empregos na ordem de 1.500 (hum mil e quinhentos) pessoas diretamente, aliado ao fato de que a empresa não apresentou nenhum problema de inadimplemento, seja do REFIS, seja dos tributos gerados em datas subseqüentes à formalização da opção pelo Programa de Recuperação Fiscal, ao contrário, vem aumentando paulatinamente os valores monetários recolhidos junto ao FISCO Federal?


RESPOSTA

            CONSIDERAÇÕES GERAIS

            Antes de passarmos a responder especificamente as questões apresentadas, mister se faz proceder a breve analise da razão pela qual o Programa de Recuperação Fiscal - REFIS foi criado e das normas por este veiculadas, nos seguintes termos:

            O Programa de Recuperação Fiscal – REFIS instituído pela Lei nº 9.964 de 10 de abril de 2000, tem como objetivo máximo à arrecadação de valores já considerados perdidos pelo Estado, tendo em vista a dimensão da crise econômica por que passa a maioria das empresas nacionais, que não tem recursos para cobrir a alta carga tributária imposta pelo Governo para manter a Federação de tamanho incompatível com o PIB nacional e, simultaneamente, manter suas atividades operacionais.

            Por outro lado, a opção pelo REFIS também permite àqueles contribuintes inadimplentes, bem como àqueles que possuem débitos com exigibilidade suspensa por força do art. 151 do CTN, que regularizem sua situação fiscal, sem nefastos prejuízos à sua produção.

            Para tanto, não há como negar que a adesão ao REFIS tornou-se muito vantajosa para as empresas com nítida intenção de permanência no mercado e cientes de suas obrigações fiscais, na medida em que o Programa de Recuperação conforma características de moratória e de anistia, previstas, respectivamente, nos artigos 151 e 175 do CTN, por reduzir a multa imposta pelo não pagamento efetuado tempestivamente e permitir, ainda, o parcelamento da dívida, então consolidada, com base em seu faturamento.

            Firmou-se, portanto, uma possibilidade de acerto entre fisco e contribuinte, no qual atribui-se a este, de forma impositiva, uma série de obrigações e deveres para fazer jus ao beneficio.

            Entretanto, por óbvio, não podem esses deveres e obrigações, repita-se, impostos aos optantes, excederem os limites traçados pela Constituição Federal, sob pena de manifesta insubsistência jurídica.

            Debruçando-se sobre este tema, ANDRÉ RAMOS TAVARES assevera:

            "O REFIS nada mais é do que um sistema complexo de concessão legal de anistia tributária, cumulada com um parcelamento de dívidas (este, com natureza jurídica de moratória). Como norma geral do sistema tributário, não há, como se sabe, a possibilidade de oferecer ou impor ao contribuinte qualquer situação que não esteja prevista em lei.

            A Administração, em particular no campo tributário, segue o princípio da estrita legalidade. Neste sentido, já se pronunciou Diva Malerbi, fundamentando-se em opiniões de renomados tributaristas: "O nosso conceito de tributo, diferentemente de outros países, vem pressuposto na própria Constituição. Ele gravita em torno dos dois grandes princípios: da legalidade e da igualdade (...) Todos eles (tributos) têm fonte imediata e exclusiva na lei".

            Não há, portanto, praticamente campo para discricionariedade, de forma que o agente tributário que realiza e implementa no mundo real a programação legal jamais poderia dela desviar-se para, v.g., impor condicionamentos não constantes da legislação, ou mesmo deixar de exigir aqueles ali indicados.

            A interpretação, quanto àquelas "garantias" exigidas pela Lei do REFIS, há de ser a mais restritiva possível, se é que aquelas condicionantes de ingresso ao sistema suportam uma análise mais acurado do ponto de vista de sua constitucionalidade.

            Nos dizeres de Ives Gandra da Silva Martins: "O que rege o direito de a fiscalização fiscalizar, respeitados todos os direitos e garantias fundamentais, não é a Constituição expressamente, mas a lei que não pode ferir qualquer dos demais comandos constitucionais."

            Aquele que ingressa no sistema proposto pelo REFIS o faz sem qualquer apuração de sua vontade no sentido tradicional, que implica em negociações e, assim, numa recíproca concordância. Não há liberdade ou autonomia de vontades, comumente invocada na apuração da validade de cláusulas pactuadas.

            A conclusão a ser extraída deste aspecto é a de que, em não havendo verdadeiramente liberdade contratual, não se poderia pretender fundamentar nesta qualquer eventual ato de disposição, por parte do contribuinte, de seus direitos individuais. A questão que se coloca para este é a seguinte: para inserir-se no contexto de uma lei de natureza fiscal, há de se submeter inteiramente aos seus condicionamentos. Se há previsão legal que oferece anistia ou parcelamento de débitos fiscais, ou qualquer outra medida beneficiadora, o máximo que se poderia exigir dos contribuintes seria o atendimento a requisitos objetivos (como a regularidade jurídica da empresa; a existência de patrimônio próprio; a não-agressão, pelo exercício de sua atividade, ao meio ambiente; etc). Jamais poder-se-ia exigir do contribuinte que abandonasse direitos fundamentais consagrados constitucionalmente. É evidente que todos os contribuintes se sentiriam constrangidos a fazê-lo, sob pena de não participar daquilo que a lei oferece. É o Estado utilizando-se de todo o seu poder para impor-se e impor suas conveniências arrecadatórias."

            Além do exposto, também cabe ressaltar o tema à luz do princípio da legalidade em face do poder regulamentador do Executivo.

            De rigor, o princípio da legalidade, esculpido no art. 5º, inc. II da C.F., é princípio pertinente a todo o ordenamento jurídico nacional. Não há ramo de direito que não seja informado pelo princípio da legalidade, sendo que a ordem jurídica só existe à luz desse, sob pena de não haver o Estado de Direito.

            Os mecanismos que garantem a lei e seu cumprimento nos Estados de Direito obrigam a todos os que a ela se submetem, ofertando a segurança de que, sem exceção, todos a devem obedecer, o que – diga-se - não ocorre nos Estados totalitários.

            E a lei, sendo o bem maior da ordem jurídica, serve ao mesmo tempo de escudo e de espada para o cidadão contra quaisquer abusos praticados pela sociedade ou pelo Estado contra seus alicerces.

            Nos sistemas jurídicos em que o Direito, que conforma a ordem legal, tem sua origem nos Poderes Constituídos por representantes da sociedade, a lei emana fundamentalmente do Poder Legislativo.

            Na célebre tripartição de poderes conformada, em sua dinâmica moderna, por Montesquieu, cabe ao Poder Legislativo legislar, ao Executivo executar as determinações legais e ao Poder Judiciário manter a ordem jurídica e solucionar seus conflitos, de forma que em um Estado de Direito, é inadmissível que um Poder invada a área de atuação de outro poder, sob o risco de se ter a quebra da harmonia e independência de seu exercício, que é a característica maior da teoria dos pesos e contra-pesos e do equilíbrio do poder.

            No Brasil, sua Constituição hospedou a tripartição dos poderes, permitindo, todavia, campos pré-determinados de atuação de um poder em área do outro.

            O artigo 49 inciso V da C.F. permite, por exemplo, que o Poder Legislativo controle e anule atos do Poder Executivo, estando assim redigido:

            "Art. 49 - É de competência exclusiva do Congresso Nacional:

            .......

            V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa".

            O processo legislativo a que faz menção a Constituição Federal, em seu artigo 59, está assim redigido:

            "Art. 59 - O processo legislativo compreende a elaboração de:

            I. emendas à Constituição;

            II. leis complementares;

            III. leis ordinárias;

            IV. leis delegadas;

            V. medidas provisórias;

            VI. decretos legislativos;

            VII. resoluções".

            Como se percebe, o poder de legislar ofertado pelo constituinte, isto é, de criar hipóteses de imposição legal, pode ocorrer através dos sete veículos mencionados, apenas dois deles delegados constitucionalmente ao Poder Executivo.

            Ao Poder Judiciário, por ser um poder técnico e não político, cabe a função de julgar os demais. Funciona como autêntico legislador negativo, o que vale dizer, não cria direito, mas nega seguimento ao "direito mal formado", que, ao violar o ordenamento legal do país, deve ter sua aplicação sustada pelo controle concentrado ou pelo controle difuso.

            O certo é que, fora das hipóteses constitucionais, não há possibilidade alguma de um Poder invadir o campo de atuação de outro, muito menos sendo permitido, ao Poder Executivo, legislar -principalmente por atos administrativos regulamentares, que apenas explicitam a lei, mas não a substituem - criando hipóteses novas, alterando as existentes ou puramente suprimindo-as.

            Os Decretos são autênticos regulamentos das leis. Explicitam o que está na lei, em sua versão de maior densidade. Prevalece sobre todos os outros atos regulamentadores de leis do Poder Executivo. Os Decretos são, pois, o exercício máximo do poder regulamentador, sem, todavia, possuir qualquer poder modificador do que disposto foi na lei. É singelo ato administrativo e só pode estender sua ação além do poder de explicitar quando a própria Constituição oferta-lhe poder legislativo, como ocorre com os decretos que alteram alíquotas do IPI, IOF, II e IE, conforme determinado pelo § 1º do artigo 153.

            Fora das expressas hipóteses constitucionais, apesar de ser o veículo de maior dignidade regulamentadora do Executivo, não tem forças modificativas da lei.

            Não se admite, portanto, que o tipo escolhido pelo legislador seja alterado, estendido, interpretado além das fronteiras, integrando analogicamente, sempre que tal procedimento represente imposição ao sujeito mais fraco da relação, que tem, na lei, sua única e expressa proteção.

            Nessa medida, os regulamentos e demais atos do Executivo que extravasem os balizamentos da lei devem ser considerados ilegais.

            Tampouco pode a lei delegar ao Executivo poderes para inovar no campo jurídico, salvo as exceções previstas no texto Constitucional. De outra forma, violado estaria o princípio da indelegabilidade de funções que, na Carta de 69, estava esculpido no art. 6º, § único, verbis:

            "Art. 6º - São Poderes da União independentes e harmônicos o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

            Parágrafo único: Salvo as exceções previstas nesta constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições, quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro".

            É certo que o princípio da indelegabilidade de funções não se reveste, nos dias que correm, do vigor inerente às teorias clássicas da reparação de poderes, tal como concebido por Locke e Montesquieu. Em matéria tributária – por exemplo, no campo da extra fiscalidade, em que o tributo assume contornos de importante intervenção na vida econômica social – é incompreensível que o Executivo assuma algumas funções legislativas, por reunir melhores condições de agir prontamente em setores como serviços públicos, economia e finanças.

            Na atualidade, o principio da indelegabilidade de funções assume nova formulação que, preservando seus postulados fundamentais, consiste em traçar limites à ação normativa desenvolvida pelo Executivo.

            Inegável, portanto, que à lei é facultado deferir ao Executivo certa margem dentro da qual pode atuar discricionariamente, editando regras e atos concretos adequados à situação de fato que necessita ser enfrentada.

            Porém, nesta situação, não é dado a esse Poder inovar campo jurídico, extravasando o contido tanto na lei, como na Constituição. Por outras palavras: a lei, ao delegar funções ao Executivo, há de preservar o princípio da legalidade, cercando o individuo de garantias efetivas contra possíveis arbitrariedade da Administração.

            Tal explicação é de relevância para que possamos responder às questões formuladas, não só à luz do principio da legalidade (C.F., art. 5º, inc. II), mas daqueles que devem reger a Administração Pública, previstos na Constituição Federal nos seguintes termos:

            "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"


I – DA ADESÃO INCONDICIONAL ÀS NORMAS DO REFIS E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS PELA PORTARIA CG/REFIS.

            Primeiramente, é preciso enfatizar que adesão ao programa, nos termos da Lei nº 9.964/00, não implica na abdicação de direitos fundamentais do cidadão, principalmente àqueles colacionados no art. 5º da Carta de 88 pelo legislador constituinte.

            Os direitos fundamentais são indisponíveis, de forma que a adesão ao REFIS, apesar de ser uma opção, não acarreta a perda desses direitos, até porque assim não poderia. Por exemplo, trata-se o direito à vida de direito fundamental protegido pelo Texto Maior, que não permite que o cidadão possa dela dispor, mesmo se assim o quiser.

            Assim, a Lei nº 9.964/00, e em particular seu art. 5º, que cuida do procedimento de exclusão da pessoa jurídica do REFIS, não coloca como condição de adesão a este, que o optante abra mão de seus direitos fundamentais relativos ao devido processo legal e à ampla defesa.

            Também não prevê que o poder conferido ao Comitê Gestor para implementar os procedimentos necessários à execução do programa seja arbitrário, a ponto de ultrapassar diversos princípios constitucionais, como os do art. 37 da C.F., até porque, se assim fosse, não haveriam adesões ao REFIS.

            O art. 37 da C.F. é claro:

            "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"

            Em artigo sobre a inconstitucionalidade do REFIS, André Ramos Tavares apresenta como conclusão, o seguinte entendimento:

            "(...)

            Não se pode admitir que o legislador afaste-se dos parâmetros constitucionais. A legislação, a pretexto de implementar um suposto "saneamento" nos débitos fiscais, promove o distanciamento quanto aos princípios constitucionalmente assegurados. Toda e qualquer lei, ainda que aparentemente benéfica, deve estar calcada nas normas de cunho constitucional. Falecendo-lhe esta peanha, impõe-se, incontinenti, a decretação da inconstitucionalidade. A ordem jurídica só adquire eficácia quando se respeitam suas regras estruturais. Neste sentido, a lei infringe e mutila diversas normas de ordem constitucional.

            Quanto à natureza jurídica da Lei instituidora do REFIS, constatou-se que, pelo fato de ter caráter tributário, não poderia tolerar-se qualquer liberdade contratual no âmbito de suas cláusulas. Desta forma, tanto o Fisco como os inadimplentes que viessem a ingressar no sistema estariam sujeitos ao princípio da estrita legalidade e, assim, não se pode falar em "negociação". A idéia de liberdade de aceitação das cláusulas assumidas pelo referido programa não pode vingar. Os contribuintes que aceitam o programa não o fazem consoante os termos tradicionais da "liberdade de contratar" e da conseqüente responsabilidade pelos atos assim praticados. Não já que se falar em livre disponibilidade."

            Desta forma, a exclusão da pessoa jurídica optante pode ocorrer, desde que respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e dos descritos no art. 37 da C.F., o que, por óbvio, não ocorreu, na medida em que a Consulente somente pode se manifestar acerca da sua exclusão, após a publicação da decisão administrativa.

            A Portaria CG/REFIS que a excluiu, expedida nos termos da Resolução CG/Refis nº 9, 12 de janeiro de 2001, cuja redação foi alterada pela Resolução CC/REFIS nº 20, de 27 de setembro de 2001, veiculou como causa da exclusão em apreço, somente o dispositivo legal violado, sem apontar expressamente quais os motivos determinantes da cassação do beneficio, o que violou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

            Ora, como se defender de uma acusação da qual não se sabe exatamente o motivo determinante de sua existência?

            Melhor explicando: o fato da Portaria CG/REFIS que veiculou a exclusão da Consulente, publicada no D.O.U., apenas informar o dispositivo legal violado, não lhe permitiu valer-se de seu direito constitucional à ampla defesa, que, inclusive, em virtude da greve dos funcionários da Receita Federal, teve que se socorrer do poder judiciário para ter acesso aos motivos determinantes de sua exclusão.

            Resta absurdo o fato da Consulente, somente por intermédio do Mandado de Segurança, ter tomado conhecimento de que sua exclusão devia-se ao fato de não ter protocolado tempestivamente uma petição de desistência nos autos de certo Processo Administrativo, cujo débito havia sido formalizado no termo de adesão ao REFIS.

            Nesse sentido, já decidiu diversas vezes a E. 4º Turma do TRF da 1º Região:

            "TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. REFIS. LEI 9.964/2000. EXCLUSÃO DO PROGRAMA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.

            1. O impetrado atribui à impetrante débitos concernentes ao REFIS, PIS e COFINS, sem indicar as respectivas competências.

2. A impetrante, por sua vez, fez prova, não impugnada, de pagamentos concernentes aos débitos tributários.

            3. O cerceamento de defesa de que se queixa a impetrante se encontra configurado, à medida que foi excluída do REFIS sem prévia ciência dos motivos determinantes de tal providência.

            4. Assegurada à impetrante sua permanência no REFIS. Eventual processo de exclusão deverá respeitar o princípio do contraditório.

            5. Apelo provido. (4ª T do TRF da 1ª Região, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 34000069250, Processo: 200234000069250/DF Relator Des. Fed. HILTON QUEIROZ, VU, DJ 23/05/2003, p. 161)." (grifo nosso)

            "TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. REFIS. LEI 9.964/2000. EXCLUSÃO DO PROGRAMA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE.

            1. Não se trata de mandado de segurança contra lei em tese, mas contra efeitos concretos e imediatos de ato administrativo praticado pela autoridade eleita coatora.

            2. O impetrado atribui à impetrante débitos concernentes ao REFIS, PIS e COFINS, nas competências de novembro e dezembro/2000 e janeiro a outubro/2001.

            3. A impetrante, por sua vez, fez prova, não impugnada, de pagamentos concernentes aos débitos tributários nas competências apontadas pela autoridade coatora.

            4. O cerceamento de defesa de que se queixa a impetrante se encontra configurado, à medida que foi excluída do REFIS sem prévia ciência dos motivos determinantes de tal providência.

            5. Apelo e remessa oficial improvidos. (4ª T do TRF da 1ª Região, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 34000060432, Processo: 200234000060432/DF Relator Des. Fed. HILTON QUEIROZ, VU, DJ 18/06/2003 p.127)."

            Em flagrante ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como aos da publicidade e da motivação que devem revestir a atividade administrativa, foi editada a Portaria de exclusão, obrigando a Consulente, que, por acaso, tomou conhecimento de referido ato, a impetrar Mandado de Segurança para assegurar seu direito liquido e certo de não ser excluída do REFIS sem o devido processo legal.

            E, não é só isso.

            O artigo 5º da Resolução CG/Refis nº 9, 12 de janeiro de 2001, na redação dada pela Resolução CC/REFIS nº 20, de 27 de setembro de 2001, em total desrespeito aos princípios que informam o processo administrativo e a sua validade, somente permite a manifestação da pessoa jurídica após a noticia de sua exclusão.

            Esta a redação do art. 5º da Resolução CG/Refis nº 09/01, conferida pela Resolução CG/Refis nº 20/01:

            "Art. 5o O ato de exclusão será publicado no Diário Oficial da União, indicando o número do respectivo processo administrativo.

            § 1o A identificação da pessoa jurídica excluída e o motivo da exclusão serão disponibilizados na Internet, nas páginas da SRF, PGFN ou INSS, nos endereços <http://www.receita.fazenda.gov.br>, <http://www.pgfn.fazenda.gov.br> ou <http://www.mpas.gov.br>.

            § 2o A pessoa jurídica poderá, no prazo de quinze dias, contado da data de publicação do respectivo ato, manifestar-se quanto aos motivos que ensejaram a sua exclusão.

            § 3o A manifestação a que se refere o § 2o deste artigo será apreciada, em instância única, pela autoridade competente para propor a exclusão, sem efeito suspensivo.

            § 4o A decisão favorável ao sujeito passivo implica o restabelecimento do parcelamento a partir do mês subseqüente ao de sua ciência."

            À evidencia, neste procedimento há uma total inversão das etapas do denominado devido processo legal, afetando por óbvio o contraditório e ampla defesa, tendo em vista que primeiro o cidadão é excluído, para depois apresentar sua defesa.

            Com efeito, o Estado de Direito caracteriza-se pela existência de um sistema cercado de garantias previamente estabelecidas cujo objetivo‚ assegurar que a aplicação do direito se faça de maneira formalmente igual para todos, garante o império da lei e não da vontade do detentor do poder, que a ela também se submete.

            O instrumento que garante esse "desideratum" é o processo. Através dele, sempre que se verifique um litígio, o julgador aplica as regras preexistentes no ordenamento pondo termo ao conflito, estando ele próprio – julgador - vinculado a um sistema de garantias que atua contra todos, inclusive contra o juiz.

            Uma dessas regras está inserta nos incisos LIV e LV do art. 5º da CF, que dispõem:

            "Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

            ...

            LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

            LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

            Trata-se, na verdade, de uma norma que deriva do princípio da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei e consagrado no caput do mesmo artigo, sendo, entretanto, bastante salutar que o legislador constituinte tenha explicitado na dicção do inciso LV a garantia da ampla defesa e do contraditório.

            Como ensina Celso Ribeiro Bastos, por ampla defesa deve-se entender o asseguramento ao réu de condições que lhe possibilitam trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. Isso implica que ao acusado se possibilite a colocação da questão debatida sob um prisma conveniente evidenciando sua versão, motivo pelo qual a ampla defesa assume um caráter necessariamente contraditório: nada pode ter valor inquestionável ou irrebatível. A tudo tem de ser assegurado o direito da outra parte de contraditar, contradizer, enfim, contra-agir processualmente.

            Afirma, com razão, o eminente constitucionalista, que o contraditório‚ a exteriorização da própria defesa, assegurando que a todo ato produzido cabe igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a verão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pela outra parte.

            Sublinhando a relevância dessa garantia constitucional, Vicente Greco alerta: "A efetividade do contraditório, portanto, não pode ser postergada. Autor e réu devem ser intimados de todos os atos do processo, devendo-lhes ser facultado pronunciamento sobre os documentos e provas produzidos pela parte contrária, bem como os recursos contra a decisão que tenha causado gravame".

            De observar que o Constituinte não circunscreveu tais garantias no plano do processo judicial. Estendeu-as, também, ao contencioso administrativo, instrumento pelo qual a Administração procede ao controle da legalidade de seus próprios atos.

            As supressões de garantias mínimas, como a do contraditório, portanto, implicam a fulminar o próprio direito de defesa, eivando de vício profundo o processo administrativo e comprometendo a sua validade por afronta direta ao texto constitucional.

            E precisamente no que se de na espécie relatada pela Consulente, resta evidente a ofensa ao contraditório e ampla defesa, na medida em que ela somente pôde se manifestar acerca de sua exclusão, quando já dado o verecdito, ou seja, somente após publicada decisão a favor de sua exclusão, é que foi dada ciência à Consulente para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias, sendo certo, entretanto, que referido recurso não possui efeito suspensivo.

            Como sustentar a legalidade de um ato que não permite à pessoa jurídica optante ter conhecimento do motivo determinante de sua exclusão, para, desta forma, defender-se prontamente, demonstrando não só a legalidade de sua conduta, bem como a sua boa-fé.

            Ressalte-se ainda que, visando a proteção dos interesses dos cidadãos e melhor desempenho das funções administrativas, todos os processo administrativos devem atender aos princípios gerais fixados pela Lei nº 9.789, de 29/01/04, cujo art. 2º dispõe:

            "Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

            Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

            I - atuação conforme a lei e o Direito;

            II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

            III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

            IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

            V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

            VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

            VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

            VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

            IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

            X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

            XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

            XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

            XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação."

            Da leitura de referido dispositivo, e como será demonstrado, nenhum destes requisitos foram observados no caso em análise.

            Celso Antonio Bandeira de Mello, ao discorrer sobre os objetivos que devem pautar os processo administrativos explica:

            "Com acerto, os especialistas observam que o procedimento administrativo atende a um duplo objetivo: a) resguardar os administrados; e b) concorre para uma atuação mais clarividente.

            a) Quanto ao primeiro objetivo, salienta-se que enseja ao administrado a possibilidade de que sua voz seja ouvida antes da decisão que irá afetá-lo.

            Tomás-Ramón Fernandez, precitado, anota que o procedimento administrativo complementa a garantia de defesa em sede jurisdicional por dois ângulos: de um lado porque – uma vez disciplinada a conduta administrativa desde o primeiro ato propulsivo até o ato final – impede que os interesses do administrado sejam considerados apenas ex post facto, vale dizer, depois de atingidos, pois oferece oportunidade ao interessado de exibir suas razões antes de ser afetado.

            Trata-se de estabelecer controles "desde dentro", ou seja, incidentes na própria intimidade da Administração, ao longo da formação de sua vontade, ao invés de contentar-se com controles operados de fora, pelo Judiciário, e, portanto, geralmente só utilizáveis ex post facto.

            De outro lado, o procedimento ou processo administrativo revela-se de grande utilidade para complementar a garantia de defesa jurisdicional, porquanto, em seu curso, aspectos de conveniência e oportunidade passíveis de serem levantados pelos interessado podem conduzir a Administração a comportamentos diversos dos que tomaria, em proveito do bom andamento da coisa pública e de quem os exibiu de em seu interesse. Ora, tais aspectos não poderiam ser objeto de apreciação na via jurisdicional, que irá topar com o ato sem poder levar em conta senão a dimensão da legalidade.

            (....)

            É, de resto, esta faceta a que se acaba de aludir que põe em pauta o segundo objetivo a que o procedimento serve. A saber:

            b) Concorre para uma decisão mais bem informada, mais conseqüente, mais responsável, auxiliando, assim, a eleição da melhor solução para os interesses públicos em causa, pois a Administração não se faz de costas para os interessados, mas, pelo contrário, toma em conta aspectos por ele salientados e que, de outro modo, não seriam, talvez, sequer vislumbrados."

            Assim, é forçoso concluir que as Resoluções CG/REFIS nº 09, de 12/01/01 e nº 20, de 27/09/01, que veiculam as regras relativas ao processo de exclusão do REFIS, padecem de notória inconstitucionalidade.

            De plano, portanto, entendemos ser inquestionável a nulidade da decisão do Conselho Gestor, por violação aos incisos LIV e LV do art.5º da CF e bem assim aos princípios fixados pelo art. 37 C.F., segundo os quais deve pautar-se a Administração Pública.


II - DA INCONSTITUCIONALIDADE E DO PROCEDIMENTO DE EXCLUSÃO.

            Por outro lado, há ainda que ser ressaltado que a exclusão da Consulente do modo como se processou ofendeu ao princípio da publicidade, veiculado no art. 37 da CF, na medida em que ela tomou conhecimento da exclusão, por acaso, no site da Secretaria da Receita Federal.

            Tratando-se o processo de exclusão de processo administrativo, deveria a Consulente ter sido devidamente intimada da decisão, nos termos do art. 26 e 28 da Lei nº 9.789/99, que dispõe acerca dos processos administrativos.

            Reza o art. 26 da Lei nº 9.789/99:

            "Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

            § 1º A intimação deverá conter:

            I - identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa;

            II - finalidade da intimação;

            III - data, hora e local em que deve comparecer;

            IV - se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar;

            V - informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento;

            VI - indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.

            § 2º A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento.

            § 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

            § 4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.

            § 5º As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade."

            E, assim determina o art. 28 desse mesmo diploma legal:

            "Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse."

            É absurda a situação na qual se impõe ao cidadão verificar diariamente a sua possível exclusão do REFIS, sem ainda conferir-lhe a possibilidade de defesa, uma vez que sua manifestação somente ocorrerá após a notificação da decisão, como acima comentado.

            A necessidade de intimação das decisões administrativas no âmbito do REFIS, já foi objeto de discussão nos Tribunais Superiores, merecendo destaque o acórdão proferido pelo E. STJ, nos autos do Recurso Especial interposto pela Fazenda Nacional, assim ementado:

            "TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXCLUSÃO DE CONTRIBUINTE DO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL - REFIS. INTIMAÇÃO DA DECISÃO ATRAVÉS DE ÓRGÃO OFICIAL DE IMPRENSA. PRETERIÇÃO DAS FORMAS ORDINÁRIAS DE INTIMAÇÃO. DESCABIMENTO.

            I - O art. 23, do Decreto 70.235/72, prevê, em seus incisos, a forma de intimação das decisões tomadas em sede de processo administrativo fiscal. Os incisos I e II prevêem, como formas ordinárias, a intimação pessoal ou via postal ou telegráfica, com aviso de recebimento; o inciso III prevê que, em não sendo possível nenhuma das formas de intimação previstas nos incisos I e II, a citação será realizada por edital. Extrai-se daí que a intimação por edital é meio alternativo, excepcional, admitido somente quando frustradas a intimação pessoal ou por carta.

            II - O § 3º, do art. 23, do Decreto 70.235/72, dispõe que não existe ordem de preferência entre as formas de intimação previstas nos incisos I e II do art. 23, sem se referir ao inc. III do mesmo artigo, em reforço à idéia de que a intimação por edital é exceção.

            III - Somente é cabível a intimação por edital, de decisão tomada em sede de processo administrativo fiscal, após frustradas as tentativas de intimação pessoal ou por carta.

            IV - O art. 69, da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, ressalva a aplicação da norma própria quando se tratar de processo administrativo específico.

            V - Recurso especial improvido. (RESP 506675 / PR)"

            Sob esse prisma, também resta patente a impropriedade da exclusão na forma como procedida.


III – DA FALTA DE DESISTENCIA EXPRESSA. ATO ACESSÓRIO.

            O REFIS estendeu seu beneficio fiscal aos contribuintes que possuíam débitos suspensos por força de medida liminar em Mandado de Segurança, ou por intermédio de qualquer outro instrumento processual, desde de que atendidos os requisitos do § 6º do art. 2º da Lei nº 9.964/00, a seguir transcrito:

            "Art. 2º - O ingresso no Refis dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais a que se refere o art. 1º.

            (...)

            § 6º Na hipótese de crédito com exigibilidade suspensa por força do disposto no inciso IV do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996, a inclusão, no Refis, dos respectivos débitos, implicará dispensa dos juros de mora incidentes até a data de opção, condicionada ao encerramento do feito por desistência expressa e irrevogável da respectiva ação judicial e de qualquer outra, bem assim à renúncia do direito, sobre os mesmos débitos, sobre o qual se funda a ação." (grifo nossos)

            Por sua vez, o art. 3º da Lei nº 9.964/00 foi expresso quanto às conseqüências imediatas da opção pelo REFIS:

            "Art. 3º A opção pelo Refis sujeita a pessoa jurídica a:

            I - confissão irrevogável e irretratável dos débitos referidos no art. 2º;

            II - autorização de acesso irrestrito, pela Secretaria da Receita Federal, às informações relativas à sua movimentação financeira, ocorrida a partir da data de opção pelo Refis;

            III - acompanhamento fiscal específico, com fornecimento periódico, em meio magnético, de dados, inclusive os indiciários de receitas;

            IV - aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas;

            V - cumprimento regular das obrigações para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e para com o ITR;

            VI - pagamento regular das parcelas do débito consolidado, bem assim dos tributos e das contribuições com vencimento posterior a 29 de fevereiro de 2000.

            (....)" (grifo nossos)

            Complementarmente, este mesmo diploma legal veiculou as hipótese de exclusão do REFIS, nos seguintes termos:

            "Art. 5º A pessoa jurídica optante pelo Refis será dele excluída nas seguintes hipóteses, mediante ato do Comitê Gestor:

            (...)

            III - constatação, caracterizada por lançamento de ofício, de débito correspondente a tributo ou contribuição abrangidos pelo Refis e não incluídos na confissão a que se refere o inciso I do caput do art. 3º, salvo se integralmente pago no prazo de trinta dias, contado da ciência do lançamento ou da decisão definitiva na esfera administrativa ou judicial;

            (...)

            § 1º A exclusão da pessoa jurídica do Refis implicará exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago e automática execução da garantia prestada, restabelecendo-se, em relação ao montante não pago, os acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores.

            § 2º A exclusão, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, produzirá efeitos a partir do mês subseqüente àquele em que for cientificado o contribuinte.

            § 3º Na hipótese do inciso III, e observado o disposto no § 2º, a exclusão dar-se-á, na data da decisão definitiva, na esfera administrativa ou judicial, quando houver sido contestado o lançamento."

            Da leitura dos dispositivos supra transcritos, afere-se que a opção pelo REFIS acarreta ao contribuinte uma série de obrigações e requisitos que devem ser cumpridos, sob pena de exclusão do programa.

            Por óbvio, tal opção implica automaticamente na confissão irrevogável e irretratável dos débitos relacionados pelo contribuinte no respectivo termo de adesão, bem como na renuncia expressa do direito sob qual se funda eventual ação, na qual esses mesmos débitos estejam sendo questionados.

            Em outras palavras, por força de lei, vale dizer, inciso I do art. 3º da Lei nº 9.964/00, a formalização da opção ao REFIS traz como conseqüência lógica a desistência de eventuais medidas judiciais ou administrativas, tendo em vista que tal ato representa, pelo menos em sede administrativa, a renuncia ao direito no qual se funda tais ações.

            Assim, a partir do momento em que a lei impõe como condição para ingresso no REFIS a confissão dos débitos relacionados pelo contribuinte no momento da formalização de sua intenção, e a renuncia do direito sobre estes, não há como prevalecer a exclusão da Consulente por descumprimento do disposto no inc. III do art. 5º da Lei nº 9.964/00, na medida em este requisito foi cumprido.

            A exclusão em análise, baseia-se, de fato, na ausência de requerimento expresso de desistência em processo judicial ou administrativo em que se discutia débito relacionado no termo de adesão, como previsto na Instrução Normativa nr. 43 de 25 de abril de 2000, cujo art. 5º apresenta o seguinte teor:

            "Art. 5º A informação de desistência de ações judiciais, impugnações e recursos administrativos na Declaração Refis terá apenas efeito indicativo, não eximindo o contribuinte de formalizar o pedido de desistência da ação judicial ou do contencioso administrativo, no prazo a que se refere o art.2º desta Instrução Normativa.

            §1º A desistência de impugnação ou recurso, no âmbito administrativo, será formalizada em requerimento que deverá ser apresentado à unidade da SRF com jurisdição sobre o domicílio fiscal da pessoa jurídica optante.

            §2º A desistência da ação judicial deve ser peticionada perante a autoridade judicial, na forma da legislação vigente e das instruções editadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional."

            Não obstante, trata-se referida previsão de ato meramente acessório que não prevalece sob a correta interpretação que deve ser dada à lei, para apenar de forma desmesuradamente gravosa e a pessoa jurídica optante que cumpre de forma correta suas obrigações há mais de três anos, sob pena da C.F. e da lei serem interpretadas sob a ótica do ato administrativo, e não o inverso.

            A Lei nº 9.964/00 é clara ao informar que inclusão de débitos neste programa corresponde à confissão irrevogável e irretratável destes, o que, por conseqüência, implica na automática desistência de eventuais processos administrativos nos quais referidos tributos estejam sendo questionados.

            Se o termo de adesão corresponde, de fato, a confissão dos débitos então relacionados, bem como à renuncia expressa do direito sobre estes, resta evidente o desinteresse da optante na manutenção de quaisquer processos judiciais ou administrativos vinculados a tais tributos, sendo o interesse de agir, segundo o Código Processual pátrio, uma das condições necessárias da ação, sob pena de extinção do feito sem julgamento de mérito.

            Desta forma, é patente que a exclusão em tela, baseada em descumprimento de mero ato acessório veiculado por instrumento normativo inferior a lei, não pode prevalecer pela simples e boa razão de que tal regra não consta na lei, e de que um ato administrativo não tem força de inovar no mundo jurídico de molde a limitar o direito a que a lei conferiu a um contribuinte em maior extensão, bem como ferir princípios constitucionais, como por exemplo, da razoabilidade, da proporcionalidade, da boa-fé, entre outros que serão abordados posteriormente.

            Com efeito, cabe ressaltar, que por intermédio do ato de opção ao REFIS e da interpretação lógico-sistemática da legislação, não há dúvida de que a partir do momento em que se apresentam os débitos que serão consolidados se está abrindo mão voluntariamente do direito que assiste ao contribuinte de questioná-los.

            A relação dos tributos que integrarão o REFIS, apresentada pelo contribuinte no momento da formalização de sua opção, é a confissão deste acerca dos débitos até então existentes, ato este que, por sua força e especificidade supre qualquer ato acessório relativo à desistência de eventuais ações judiciais ou administrativas em trâmite sobre a matéria, como já decidiu o E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, cuja ementa segue abaixo:

            "TRIBUTÁRIO. REFIS. EXCLUSÃO. REQUISITOS INEXISTENTES. IMPOSSIBILIDADE. TERMO DE ADESÃO. CONFISSÃO. SUPRIMENTO.

            1. O ART. 5º DA LEI Nº 9.964/2000, ESTABELECE DIVERSAS HIPÓTESES QUE AUTORIZAM A EXCLUSÃO DA PESSOA JURÍDICA DO REFIS, NÃO HAVENDO MENÇÃO DE QUE O CONTRIBUINTE DEVA EXPRESSAMENTE COMUNICAR A DESISTÊNCIA EM PROCESSOS JUDICIAIS E/OU ADMINISTRATIVOS COMO CONDIÇÃO PARA PERMANECER INTEGRADO AO PROGRAMA.

            2. O TERMO DE ADESÃO AO BENEFÍCIO FISCAL CORRESPONDE, NOS TERMOS DA LEI, A UMA CONFISSÃO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL DO DÉBITO, CAPAZ DE SUPRIR A FALTA DA COMUNICAÇÃO RECLAMADA.

            3. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO E REGIMENTAL PREJUDICADO. (4ª T do TRF da 5ª Região, AG 45285/CE, Processo: 200205000245287.Relator Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria. VU, DJ 18/02/03, p. 989)."


IV - DA RAZOBILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.

            A Instrução Normativa nº 43, de 25/04/00, ao prever em seu art. 5º a necessidade de formalização do pedido de desistência em processo administrativo ou judicial dos débitos informados no Termo de Adesão, criou uma obrigação inexistente na lei.

            Assim, mesmo que tal ato fosse possível - o que se admite apenas a guisa de argumentação – a interpretação que a Fazenda dá à norma em tela, conduz, no caso em análise, ao ferimento do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, consagrados nos art. 5º, inc. L da CF.

            Com efeito a razoabilidade no ordenamento pátrio destaca-se como princípio geral vinculado a interpretação do Direito, por meio do qual busca-se valorar os conceitos atinentes à justiça quanto aos atos governamentais e legislativos.

            Nas palavras de Maria Paula Dallari Bucci, trata-se a razoabilidade de uma forma de interpretação das normas, cujo objetivo maior é "um chamado à razão para o legislativo e executivo não desviem os valores e interesses maiores protegidos pela Constituição Federal, quando estejam agindo na legalidade".

            De fato, trata-se a razoabilidade de um dos princípios jurídicos implícitos no Texto Constitucional, cujo objetivo maior é a busca da justiça na elaboração e na execução das normas jurídicas, ou seja, é um dos meios que deve ser utilizado para limitar a produção de normas, bem como a execução de atos eminentemente arbitrários, injustos ou irrazoáveis decorrentes dos Poderes Públicos.

            Considera-se razoável aquele ato conforme a razão e aceito como justo dentro de um contexto social. Pensar em algo razoável é pensar em algo aceitável segundo o entendimento de um homem comum, em outras palavras: justo para a sociedade em geral.

            O apelo à razoabilidade sempre foi mais intenso no tocante ao direito penal e ao administrativo, todavia, já é comum sua utilização no âmbito do direito tributário, como critério de aferição da constitucionalidade de norma impositiva em face de tributos notoriamente injustos e eivados de irrazoabilidade, como bem aponta o trecho de acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 18.331 pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal:

            "O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável ainda, a doutrina fecunda do "détournement de pouvoir". Não há que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente considerando a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito dispositivo invocado". (Ministro Relator Orozimbo Nonato. DJ 21.09.1951 - RF 145/164)

            Assim, o princípio da razoabilidade nada mais é do que a valoração dos atos administrativos, diretamente vinculado ao controle da discricionariedade administrativa, como ensina o Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, nas seguintes palavras:

            "Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas as finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente, invalidáveis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada."

            Ademais, ainda esclarece esse autor, ser a razoabilidade pressuposto lógico dos atos administrativos pois "um ato que exceder ao necessário para satisfazer um escopo legal não é razoável".

            Ao discorrer sobre as normas de imposição tributária, um dos autores deste parecer é enfático ao explicar que o sistema de tributação deve-se vincular à teoria tridimensional do fenômeno jurídico, ou seja, fato-valor-norma, acrescido, ainda, de um quarto elemento: o valorar bem. Dessa forma assevera que:

            "valorar bem é valorar justo, ofertando equilíbrio inicial capaz de permitir longa duração à norma, último momento do processo de juridicização da realidade social".

            Assim somente será considerado ato razoável aquele que apresentar uma relação proporcional entre os motivos, os meios e os fins da norma (razoabilidade interna), bem como se adequar aos meios e fins constitucionalmente previstos (razoabilidade externa).

            A razoabilidade já foi abordada, outrossim, pelo então Min. Gilmar Mendes quando tratou da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nas seguintes palavras:

            "Um juizo definitivo sobre a proporcionalidade ou a razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito)".

            Resta patente, portanto, que a razoabilidade, assim como a proporcionalidade configuram-se em verdadeiros princípios norteadores do próprio Estado Democrático de Direito, por assegurar a melhor medida possível frente aos direitos constitucionalmente assegurados.

            Ora, trata-se a Consulente de pessoa jurídica que cumpre devidamente suas obrigações atinentes ao REFIS, principalmente, no tocante ao pagamento pontual, há mais de 03 (três) anos, das parcelas mensais e sucessivas correspondentes a 1,2% da receita bruta para quitação do débito consolidado.

            Assim, demonstra-se patente a falta de razoabilidade na exclusão dessa empresa pautada em mero erro formal, atinente a não apresentação tempestiva do requerimento de desistência de processo administrativo, apesar de, frise-se, ter atendido tal requisito por força de lei.

            Para um ato ser considerado razoável, é de fundamental importância a avaliação econômica, política e social elaborada pelos Poderes Públicos quando de sua normatização, devendo ser buscada sempre a solução que gere menor impacto negativo para sociedade.

            Sobre o tema, a terceira subscritora deste parecer escreveu:

            "...para se detectar a razoabilidade ou, como muitos preferem, a racionalidade de uma norma, é necessário constatar sua relativa aceitabilidade social por intermédio de um raciocínio lógico, no qual se correlacione perfeitamente a necessidade (motivação), o meio utilizado, o fim perseguido, bem como todas as possíveis conseqüências decorrentes de tal medida, para que, ao final, se opte pela melhor solução possível para o bem estar social.

            Compete aos Poderes Públicos (legislativo, executivo e judiciário) tornar válido e eficaz o conteúdo implícito e explícito da Constituição Federal, o que somente é possível quando a razoabilidade é entendida como critério de aferição de valores, que acabam impondo limites a qualquer atuação injusta ou arbitrária desses órgãos, o que, por óbvio, não é raro de acontecer, a medida que o homem ao ocupar o poder, muitas vezes com este se confunde."

            Assim o princípio da razoabilidade é abstraído da interpretação lógico-sistemática da Constituição, verdadeiro fundamento constitucional a ser observado para tanto, bem como, de modo geral, na estruturação de qualquer conduta humana pelos Poderes Públicos.

            Ratifique-se, que a Consulente tem cumprido fielmente as disposições veiculadas pela Lei nº 9.964/00, principalmente no que diz respeito ao pagamento tempestivo, há mais de 03 (três) anos, das parcelas mensais e sucessivas correspondentes a 1,2% da receita bruta para quitação do débito consolidado, o que demonstra a falta de razoabilidade na exclusão desta em virtude da ausência de petição de desistência, tempestivamente protocolada, nos autos de certo Processo Administrativo.

            Ora, se o espírito da Lei nº 9.964/00 é a recomposição amigável da dívida, não se pode dizer que há razoabilidade e proporcionalidade na decisão que excluiu a Consulente sob a alegação de que esta não teria desistido efetivamente de processo administrativo, como bem posiciona o E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

            "TRIBUTÁRIO. REFIS. EXCLUSÃO SUMÁRIA DO PROGRAMA. LEI EM TESE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INOCORRÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. COMUNICAÇÃO DEFICIENTE. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OFENSA. LEI Nº 9.964/2000. ESCOPO PRETENDIDO. INTERESSE PÚBLICO.

            1. Não se trata de mandado de segurança contra lei em tese, mas contra efeitos concretos e imediatos de ato administrativo praticado pela autoridade eleita coatora.

            2. Possuindo a Autarquia Federal autonomia administrativo-financeira, a autoridade indigitada coatora é competente para praticar o ato e tem poderes para desfazê-lo. Preliminares rejeitadas.

            3. Afronta os princípios do contraditório e da ampla defesa a exclusão, de forma impositiva, do programa recuperatório, sem averiguação do descumprimento efetivo das regras previstas na Lei nº 9.964/2000, que o instituiu, nem tampouco a adequada comunicação, à impetrante, do fato.

            4. Contrariado o espírito de composição amigável da Lei nº 9.964/2000, o próprio interesse público é atingido, na medida em que a empresa excluída fica praticamente impossibilitada de honrar os pagamentos avençados. No caso, impende salientar haver a impetrante trazido prova, não impugnada, dos pagamentos das prestações no período.

            5. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento. (4ª T do TRF da 1ª Região, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 34000031949. Processo: 200234000031949/DF Relator Des. Fed. HILTON QUEIROZ, VU, DJ 18/06/2003, p. 127). (grifo nossos)

            Ora, não há dúvidas de que razoabilidade de certo ato administrativo vincula-se a observação da finalidade da norma pela Administração.

            Por outro lado, é preciso esclarecer que, mesmo considerando que fosse obrigatório à Consulente apresentar requerimento de desistência para comprovar a falta de interesse no prosseguimento do Processo Administrativo em questão, ela sanou tal irregularidade quando notificada para tanto nos autos deste mesmo processo, por intermédio da missiva de resposta à Receita Federal.

            Mister neste ponto frisar, inclusive, que esta notificação, expedida por Agência da Receita Federal, em nenhum momento informa que se trata, de fato, de um processo de representação, até porque, este somente foi protocolado três meses após a aduzida notificação, como consta no site oficial de andamento processual da própria Receita Federal.

            Por óbvio, é de se concluir que os contribuintes que aderem ao REFIS tem como objetivo maior regularizar sua situação fiscal e manter suas atividades, razão pela qual buscam cumprir todas as normas do programa. Entretanto, se há o não cumprimento de algum requisito previsto em norma hierarquicamente inferior à lei, tal falha somente pode ter ocorrido por equivoco.

            Logo, apesar de não ser obrigatória, vale dizer, prevista em lei, a necessidade de requerimento de desistência, a Consulente ratificou nos autos do processo administrativo mencionado a desistência já informada no termo de adesão.

            Ademais, por absurdo, em total incongruência com os fatos até aqui narrados, é de se ressaltar que o processo administrativo que originou a exclusão em análise por falta de pedido de expresso de desistência do feito, foi julgado improcedente pelo Conselho de Contribuintes sob o fundamento de que a Consulente teria dele desistido por força do disposto no parágrafo único da Lei nº 6.830/80, que apresenta a seguinte dicção:

            "Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto."

            Ora, não pode a administração ter opiniões distintas sobre um mesmo fato, interpretando-o da maneira que melhor lhe convier, de forma a apenar o contribuinte, em notória afronta ao princípio da moralidade que deve reger os atos administrativos.

            Melhor explicando: não pode a Administração julgar improcedente processo administrativo por entender que a Consulente desse tinha desistido, ao mesmo tempo em que a exclui do REFIS por entender que não houve a desistência desse mesmo processo.

            Como alegar que não houve desistência expressa do processo em tela, se a própria decisão administrativa reconheceu que a Consulente tinha, sim, deste desistido por força de lei, na medida em que levou a mesma questão para discussão no âmbito judicial.

            Neste sentido, cumpre ainda esclarecer que referido processo judicial também foi julgado improcedente pelo E. TRF da 1º Região, cujo acórdão transitou em julgado em 08/03/02, em virtude da não apresentação de Recurso Especial ou Extraordinário pela Consulente, o que comprova, mais uma vez, a perda de interesse desta na manutenção do litígio judicial diante da opção pelo ingresso REFIS.

            Diante disso, é evidente que o não protocolo de requerimento de desistência, nos termos como informado pela Fazenda, configura-se em mero erro formal, que não acarretou qualquer dano aos cofres públicos, razão pela qual não merece prosperar a exclusão em questão, diante do correto comportamento da Consulente, considerado desde a sua adesão até a presente data, do qual, inclusive, afere-se a real intenção desta.

            Nesse sentido merece destaque a recente decisão proferida pelo E. TRF da 4ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento nº 2004.04.01.005923-9/RS, de relatoria do i. Des. Federal Wellington M. de Almeida, que, em situação semelhante à presente, assim se manifestou:

            "REFIS – EXCLUSÃO – INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE DESISTÊNCIA DE RECURSO ADMINISTRATIVO – DECORRÊNCIA DA PRÓPRIA LEI Nº 9.964

            Decisão

            Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação ordinária nº 2003.71.08.018953-7, em trâmite junto à 2ª Vara Federal de Novo Hamburgo/RS, indeferitória de pedido antecipatório postulado para suspender os efeitos de ato administrativo que excluiu a agravante do Refis ao argumento da inexistência do requerimento de desistência do contencioso movido na seara administrativa, na qual discutia débitos inscritos no referido programa.

            (....)

            Decido.

            De início, de se salientar que o ato excludente combatido tem escoras no quanto alinhavado no artigo 5º, inciso III, da Lei 9.964, que,como bem refere a Fazenda em sua contestação (fls. 51), exige três requisitos, quais sejam, existência de lançamento de ofício, inclusão do débito no Refis (não incluído em confissão) e não pagamento em trinta dias da ciência do lançamento. Nesse contexto, quando disserta acerca do segundo requisito, sustenta o órgão fazendário que o pedido de desistência do recurso apresentado na esfera não-contenciosa deveria ser erigido até fevereiro de 2001.

            Desse ângulo, verifico a relevância da fundamentação, porquanto a desistência de eventuais pendengas administrativas decorre da própria Lei 9.964/2000, de modo a restar desinfluente qualquer recurso no âmbito da administração pública que tenha por escopo discutir a dívida inserta no Refis. Nesse toar, ao que penso, desarrazoado querer obstar a fruição da benesse fiscal pela autora tão-só ao fundamento da inobservância da formalização da desistência, esta que ínsita ao ato implementado pelo aderente de declarar no Refis o débito encartado no processo administrativo nº 11065.001040/96-19, motivador da exclusão combatida, mormente considerado o documento de fl. 96/97, onde expressamente consta a intenção a ser coligida ao processo administrativo mencionado.

            Aliás, se a finalidade do refis é debelas um crônico déficit existente nas contas nacionais, internas e externas, incentivando o pagamento a destempo de tributos, mediante uma série de benefícios, não há porque privilegiar a forma em detrimento da efetiva vontade do contribuinte, devendo prevalecer a incompatibilidade superveniente entre o recurso administrativo e a opção pelo plano fiscal, sob pena de, ante detalhe de menor importância, não se declarar o objetivo traçado. Considere-se que grande parte da dívida foi adimplida via Refis.

            Desta forma, defiro o pretendido efeito suspensivo". (DJU 2 de 25.2.2004, p. 189)" (grifos nossos)


DA OFENSA AOS ARTS. 170 E 174 DA C.F.

            Cumpre lembrar que exclusão da Consulente do REFIS fere ainda os princípios norteadores da ordem econômica, previstos nos artigos 170 e 174 da C.F., na medida em que a exclusão implica, de fato, na impossibilidade dessa desenvolver plenamente todas as suas atividades, o que, por óbvio repercutirá de forma negativa sobre a sociedade.

            A adesão ao REFIS foi opção de empresas que visavam a manutenção de sua atividade operacional, sendo um verdadeiro incentivo a estas, na medida em que viram a oportunidade de regularizar e legalizar sua situação fiscal.

            A alegação da Administração de que a Consulente não teria desistido de processo administrativo, cujo débito foi informado no termo de opção, por falta de requerimento de desistência tempestivo no feito, viola não só a finalidade da norma instituidora do REFIS, bem como os princípios que devem reger ordem econômica nacional, elencados pelo legislador constituinte nos arts. 170 e 174, tendo em vista que a exclusão em questão pode acarretar o encerramento das atividades da empresa, com grande prejuízo para o setor em que atua e aumento significativo da taxa de desemprego do Estado.

            Reza o art. 170 da C.F.:

            "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

            (...)

            III – função social da propriedade;

            (...)

            VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

            VIII – busca do pleno emprego;

            (...)"

            Da mesma forma, assevera o art. 174 da C.F.:

            "Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado."

            Com o REFIS, a Consulente não só cumpriu fielmente com suas obrigações, pagando pontualmente as parcelas para saldar o valor consolidado, bem como aumentou significativamente sua produção industrial, gerando maior arrecadação para os cofres públicos.

            A economia de certa região não pode ser interpretada de forma isolada, mas, sim, como um todo, uma série de atuações que em conjunto geram o desenvolvimento do mercado.

            Assim, quando uma empresa encerra suas atividades não se trata de uma ato isolado, restrito apenas a essa, mas de um ato que terá repercussão sobre a economia de toda uma região, o que deve ser sopesado pela Administração quando da tomada de decisões, como a exclusão da Consulente, baseada um mero erro formal, sob pena de referida medida ser considerada inconstitucional.


DA BOA-FÉ DA CONSULENTE

            Por derradeiro, a exclusão do REFIS pautada em uma única irregularidade e em interpretações meramente literais, divorciadas não só do espírito da lei, mas da relação contratual que se firmou com o Estado, configura afronta, ademais, ao princípio da boa-fé, veiculado no Código Civil de 2002.

            Referido princípio - que estabelece a boa-fé como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade, e, principalmente, na consideração para com os interesses do "alter" visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado – vem encontrando cada vez maior guarida na legislação dos diversos países, constando, por exemplo, § 242 do Código Civil alemão.

            Na "common law", esse princípio é visto como "standard" jurídico segundo o qual "cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta, levam-se em consideração os fatos concretos do caso, tais como o status pessoal e cultura dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo".

            Entre nós, esse princípio foi consagrado do pela Lei 10.406 de 10, de janeiro de 2002, novo Código Civil, que entrou em vigor em 11.01.03, sendo que a doutrina fala em boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva.

            Miguel Reale, um dos autores do projeto que veio a transformar-se na referida lei, em palestra ministrada, a convite de um dos autores deste parecer, no Conselho de Economia Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, no dia 13 de junho de 2002, enunciou os vetores que nortearam a sua elaboração, nos termos seguintes:

            "O que distingue essencialmente o novo código daquele que vai substituir são três valores fundamentais: o da ética, o da socialidade e o da operabilidade.

             ............................................................................

            O princípio ético é quase que ausente do Código Civil atual, bastando, por exemplo, fazer referência ao conceito de boa-fé. Os que estudaram direito ou têm conhecimento dele, ainda que lateral, sabem que a boa-fé praticamente só é lembrada no código atual no capítulo relativo à posse, de boa ou má-fe. Nos dois mil e tantos artigos restantes não aparece mais. Ao contrário do código atual, a boa-fé vem desempenhar um papel fundamental, por assim dizer, básico, na nova codificação, como veremos a respeito dos artigos-chave, pois sem eles não se compreende seu espírito.

            Em primeiro lugar, lembro o art. 113: "Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração" . Eis aí duas condicionantes fundamentais – o direito só vale e deve ser aplicado em razão da boa –fé e dos usos e costumes do lugar em que a questão deva ser considerada".

            E, ainda observa o eminente jurista ao abordar o art. 422:

            "A ética tem por obrigação levar em conta os valores fundamentais que dirigem a conduta humana em sociedade, razão pela qual nessa estrutura, ao tratar dos contratos e das obrigações o código novo declara: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como na sua execução os princípios de probidade e boa-fé". Não tivemos nenhuma vacilação em repetir tantas vezes quantas necessárias os princípios da eticidade e da boa-fé, dos quais resultam outros como aquele que os italianos chamam la correttezza, a correção, de tal maneira que uma pessoa não poderia propor uma ação para desfazer um ato próprio do qual tirou antes proveito" .

            Na verdade, mesmo antes da nova lei, as lacunas do Código Civil de 1939 foram preenchidas pela doutrina, segundo a qual a boa-fé é princípio norteador dos contratos, como desdobramento do princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa, consagrado no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

            Com o advento da Constituição de 1988 - que teve o mérito de dar realce aos princípios informadores do ordenamento - diversos autores passaram a sustentar que o princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual "as partes, no contrato ou na relação obrigacional, devem agir com lealdade e correção", como explicitado por Francisco Amaral, tem sua base constitucional na dignidade pessoa humana, reconhecida no art. 1º, III, da CF.

            É, ainda, Miguel Reale, na magnífica palestra acima mencionada, quem ressalta a necessidade de o direito ser exercido em função de três valores que se integram numa unidade cogente: o fim econômico, o fim social, a boa-fé e os bons costumes:

            "É, portanto, uma tomada de posição bem clara, que corresponde, aliás, à diretriz da Constituição de 1988, cujo artigo 1º, de caráter eminentemente preambular, estabelece entre os fundamentos do Estado democrático de direito a dignidade da pessoa humana. Ora, a dignidade da pessoa humana não é senão o embasamento da ética".

            Trata-se, ademais, de instrumento pelo qual se assegura que o contrato cumpra a sua função social, funcionando ora como limitador do princípio da autonomia da vontade, ora como instrumento exegético capaz de revelar, em toda plenitude, a intenção das partes contratantes.

            Maria Helena Diniz , ao comentar os princípios que regem as obrigações contratuais, - inclusive em face do então Projeto de lei nº 634-B/75, que viria a transformar-se no novo Código Civil) -, também sublinha que a boa-fé é princípio :

            " intimamente ligado não só à interpretação do contrato – pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, isto é proceder com boa-fé. A esse respeito, o Projeto de Código Civil, no art. 422, reza que ‘os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como na sua execução, os princípios da probidade e boa-fé" , impondo que haja entre as partes uma colaboração no sentido de mútuo auxílio na formação e execução do contrato, impedindo que uma dificulte a ação da outra" .

            Por sua vez, ao comentar acerca dos atos ilícitos segundo as normas do Novo Código Civil, Francisco Amaral esclarece:

            "Boa-fé entende-se sob o ponto de vista psicológico ou subjetivo. Psicologicamente a boa-fé é um estado de consciência, é a convicção de que se procede com lealdade, com certeza da existência do próprio direito, donde a convicção da licitude do ato ou da situação jurídica. Objetivamente, a boa fé significa a consideração, pelo agente, dos interesses alheios, ou a ‘imposição de consideração pelos interesses legítimos da contraparte’ como dever de comportamnento."

            Na mesma linha da doutrina, a jurisprudência considera a boa-fé princípio implícito na lei civil atual, como reconhecido em julgados do seguinte teor:

            "...para o reconhecimento de efeitos jurídicos a situações aparentes é de aplicar-se o princípio geral que protege a boa-fé nos contratos e a lealdade nas relações sociais".

            Especificamente no caso em análise, constata-se a boa-fé, objetiva e subjetiva, da Consulente, tendo em vista que essa, por mais de 3 anos, estava convicta de ter cumprido devidamente todas as obrigações atinentes ao ingresso no REFIS, principalmente, no que tange ao pagamento das parcelas acordadas e à renúncia expressa ao direito sobre os débitos informados.

            Mesmo sendo o princípio da boa-fé, como exposto, princípio de ordem privada, o cerne de sua composição é encampado pelos princípios contidos no art. 37 da C.F..

            Isto posto, em face de todas as considerações expendidas, passamos a responder, sucintamente as questões levantadas nos seguintes termos:

            Sim, a Portaria CG/REFIS que excluiu sumariamente a Consulente do REFIS, não cumpriu os requisitos básicos do ato administrativo, com efeitos de ilegalidade e inconstitucionalidade e, é inconstitucional a exclusão da Consulente do REFIS, mesmo que admitida a ausência da desistência formal de Processo Administrativo.

            S.M.J.

            IVES GANDRA SILVA MARTINS

            JOSÉ RUBEN MARONE

            SORAYA DAVID MONTEIRO LOCATELLI


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1064, 31 maio 2006. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16689. Acesso em: 26 abr. 2024.