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Juiz do Trabalho não precisa esperar dois anos para pedir remoção

Juiz do Trabalho não precisa esperar dois anos para pedir remoção

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Parecer pela possibilidade jurídica de deferimento administrativo de remoções a pedido de juízes do Trabalho, ainda que inobservada o prazo de permanência mínima de dois anos previsto no art. 93, II, b, da Constituição Federal.

Sobre a aplicabilidade do artigo 93, II, «B» da CRFB às remoções a pedido na magistratura do trabalho

Referência: artigo 93, inc. VIII-A, c.c. inc. II, «b», da CRFB (aplicação à Justiça do Trabalho)

Consulta: Presidência da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Décima Quinta Região (AMATRA-XV)

Objeto: Parecer 01/2007.

Data: 23.04.2007.

A Exma. Juíza Diretora-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (AMATRA-XV), Dra. ANA PAULA PELLEGRINA LOCKMANN, dirige-me a presente consulta, na condição de Secretário-Geral da AMATRA-XV, a propósito da aplicabilidade do artigo 93, II, «b», da CRFB, por força do artigo 93, VIII-A, do mesmo diploma, às remoções a pedido na Justiça do Trabalho. Solicita-me a opinar sobre a referida questão e, para tanto, formula basicamente os seguintes quesitos:

(a) o artigo 93, II, «b», da CRFB é auto-aplicável às situações de remoção a pedido?

(b) o artigo 93, II, «b», da CRFB é aplicável ao Poder Judiciário da União (em especial à Justiça do Trabalho);

(c) há legitimidade nos indeferimentos administrativos de remoções a pedido de juízes do trabalho por inobservância da permanência mínima de dois anos?

(d) a matéria pode ser regulada por regimentos ou outros atos de tribunais?

Examinados os termos da Constituição da República Federativa do Brasil, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n. 35, de 14.03.1979) e dos demais subsídios de informação coligidos, passo a dar o meu parecer, para efeitos "interna corporis" e exclusivo uso associativo, sem natureza própria de consultoria (ut artigo 1º, II, da Lei 8.906/94, "a contrario").


P A R E C E R

1.1. Com o advento da Emenda Constitucional n. 45, de 08.12.2004 (conhecida como Emenda da «Reforma do Poder Judiciário»), o artigo 93 da CRFB, que trata dos princípios retores do estatuto da Magistratura nacional («estatuto» em acepção polissêmica, i.e., não apenas como fonte formal do direito — p.ex., como Lei Orgânica da Magistratura —, mas também como «status iuridicum» e «status personae» do magistrado), sofreu modificações de relevo. Na redação atual, assim dispõe:

"Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

"I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

"II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

"a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;

"b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

"c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;

"d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;

"e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão;

"III - o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância;

"IV - previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados;

"V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º;

"VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40;

"VII - o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal;

"VIII - o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;

"VIII-A - a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a, b, c e e do inciso II;

"IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

"X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;

"XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;

"XII - a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente;

"XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população;

"XIV - os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório;

"XV - a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição".

Dentre todos esses preceitos, interessar-nos-ão, especialmente e doravante, aquele vazado no inciso VIII-A, que condicionou as remoções a pedido e as permutas de magistrados, e aquele adscrito ao inciso II, «b», que figura entre as condições a que o inciso VIII-A se reportou (alíneas «a», «b», «c» e «e» do inciso II).

1.2. Com efeito, o condicionamento introduzido pela EC n. 45/2004 não existia no texto constitucional anterior à sua edição. Houve, pois, «ius novum».

Para bem compreendê-la, no que revela para este parecer, deve-se por primeiro apreender o sentido da expressão «remoção a pedido». Remoção é o ato de deslocação pessoal de um lugar para outro. No âmbito do funcionalismo público federal, corresponde à transferência, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede (artigo 36 da Lei 8.112/90); não é diversa a acepção do termo no que concerne à pessoa do juiz, uma vez que, também nesse caso, trata-se de transferência, no âmbito do mesmo quadro institucional (do contrário, tratar-se-ia de permuta), a pedido (hipótese do inciso VIII-A) ou de ofício (i.e., por interesse público, o que pressupõe o voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada a ampla defesa — inciso VIII) [01].

Precisando o conceito no plano jurídico-judiciário, TEIXEIRA FILHO obtempera ser o ato de remoção do juiz uma transferência, em caráter permanente, de uma comarca para outra, podendo ocorrer a pedido do magistrado (espontânea) ou por imposição do tribunal a que se vincular (compulsória) — ou ainda, acresça-se, por decisão qualificada do CNJ —, o que representa, nos últimos dois casos, uma quebra constitucionalmente autorizada do princípio da inamovibilidade (artigo 95, II, da CRFB) [02]. Logo, a remoção por interesse público seria, ainda na visão de TEIXEIRA FILHO, uma pena disciplinar, equivalendo à hipótese da LOMAN (artigo 42, III) [03].

Refira-se, por fim, o bem lançado conceito de DINAMARCO [04], para quem

"Remoção é a passagem de um a outro cargo de mesma classe, dentro da mesma carreira — portanto, em movimento horizontal e não vertical como nas promoções. É modo de provimento derivado de cargos públicos, mesmo quando se refere aos cargos iniciais da carreira".

Pelo seu rigor científico, havemos de perfilhar o último para os ulteriores efeitos deste estudo.

1.3. Já quanto às remoções a pedido, comentando o artigo 93, VIII-A, assevera TEIXEIRA FILHO que

"O texto constitucional: a) passa a prever, de maneira expressa, a possibilidade de permuta entre magistrados de comarca de igual entrância, vindo, com isso, a dar cobro a uma antiga controvérsia sobre a legalidade ou ilegalidade dessas permutas, no âmbito da Justiça do Trabalho. Quanto à Justiça Federal comum, a Constituição já previa a possibilidade de permuta dos juízes dos Tribunais, mediante lei ordinária (art. 107, parágrafo único); b) manda aplicar à permuta e à remoção a pedido, no que couber, os critérios de promoção, estabelecidos nas alíneas "a", "b", "c" e "e", do inciso II, do art. 93.

"Merece destaque a regra — por nós já examinada — contida na mencionada letra "e", segundo a qual não poderá ser promovido (nem removido a pedido) o magistrado que, de maneira injustificada, retiver em seu poder autos de processo além do prazo legal.

"Por força da remissão feita pelo inciso VIII-A, do art. 5º, da Constituição, à alínea "e", do inciso II do mesmo dispositivo, o juiz que retiver, de modo injustificado, os autos além do prazo estabelecido em lei, não poderá, também, ser removido a pedido ou realizar permuta" [05].

1.4. Pelo quanto já se viu até aqui, percebe-se que a questão das remoções — expressão que, doravante, será empregada com o fito exclusivo de designar a transferência geográfica definitiva de magistrados no âmbito do mesmo quadro — está umbilicalmente ligada à garantia da inamovibilidade judicial (artigo 95, II, da CRFB) e, por esse prisma, deve ser examinada. A partir dessa premissa, importará saber, p.ex., se a remoção a pedido é um direito funcional do magistrado; e, nesse caso, qual a sua dimensão constitucional. Importará saber, ainda, quais os efeitos da expressão «no que couber», inscrita no inciso VIII-A do artigo 93/CRFB, quando se toma em consideração o panorama estrutural-institucional da magistratura federal.

É o que passamos a fazer.


II. REMOÇÃO A PEDIDO: NATUREZA JURÍDICA

2.1. Consoante o artigo 654, §5º, da CLT (na redação da Lei n. 6.090, de 16.07.1974) — que, nessa parte, foi recepcionada pela LOMAN (de 14.03.1979) e, ulteriormente, pela própria CRFB/88 (a despeito de a CLT ser, formalmente, um estatuto aprovado por decreto-lei [06] e não por lei complementar) [07] —, o preenchimento dos cargos de titular de vara do trabalho (ditos «presidentes de junta» à época da lei, anterior à CRFB/88 e à sua EC n. 24/1999), vagos ou criados por lei, deve ser feito, dentro de cada Região, segundo dois critérios fundamentais:

  • (a) em primeiro lugar, por remoção de outro «presidente» (i.e., outro juiz titular de vara), "prevalecendo a antigüidade no cargo, caso haja mais de um pedido, desde que a remoção tenha sido requerida, dentro de quinze dias, contados da abertura da vara, ao Presidente do Tribunal Regional, a quem caberá expedir o respectivo ato"; e

  • (b), não havendo quem se remova, "pela promoção de substituto, cuja aceitação será facultativa, obedecido o critério alternado de antigüidade e merecimento" (g.n.).

Essa regra legal tem sido aplicada pelos tribunais regionais até os dias de hoje, uma vez que os artigos 91 a 94 da LOMAN nada dispuseram a respeito, enquanto o capítulo II do seu título V (artigos 80 a 88) trata apenas do «modus operandi» do preenchimento de vagas por remoção (artigos 82 e 83: inscrições distintas e publicidade) e, para mais, disciplina tão somente as remoções nas Justiças estaduais. Daí porque não há outra interpretação possível, senão a de que as normas do artigo 654 da CLT continuam em vigor, por recepção constitucional, em tudo aquilo que não contravierem as disposições na LOMAN.

2.2. À vista disso, pode-se, desde logo, enunciar duas premissas: (α) nos termos da legislação em vigor, a remoção é o modo preferencial de preenchimento de vagas de cargos de titular de vara, pelo critério da antigüidade, sem qualquer outro condicionamento; e (β) a promoção não é um «dever» do juiz do trabalho, mas um direito funcional, na medida em que, atendidos os pressupostos legais e o critério alternado de antigüidade/merecimento, ainda assim a aceitação será facultativa, podendo o magistrado optar por delongar — ou mesmo perenizar — a sua condição de juiz do trabalho substituto. No mesmo diapasão, confira-se o artigo 30 da LOMAN:

"Art. 30 - O Juiz não poderá ser removido ou promovido senão com seu assentimento, manifestado na forma da lei, ressalvado o disposto no art. 45, item I" (g.n.).

Leia-se, ainda, o escólio de JOSÉ AFONSO DA SILVA, ao ponderar que

"Em alguns Estados é previsto um concurso para a promoção de juízes, em que se inscrevem os interessados, sem o quê não serão promovidos, por não ser de seu interesse; em outros Estados, contudo, promove-se quem preencha os requisitos, e aquele que não desejar a promoção manifestará sua recusa. O sistema de concursos evita esse constrangimento: se nenhum se apresentar, não haverá promoção, que não pode ser forçada, uma vez que o juiz é protegido pela garantia constitucional de irremovibilidade, que impede, inclusive, promoção não desejada. A lei complementar prevista no art. 93 poderá generalizar a toda a Magistratura Nacional o sistema de concurso de promoção, que não contraria norma constitucional, porque se limita apenas a formar uma lista de quem quer ser promovido por merecimento" [08].

Aquela recusa tem sido constatada, aliás, em diversos regionais (inclusive na Décima Quinta Região do Trabalho, numa casuística notória). E, não por outra razão, é forçoso concluir, «a fortiori», que, se a titularização configura o exercício de um direito, pode ele ser, em tese e princípio, e à falta de disposição expressa em sentido contrário (artigo 5º, II, da CRFB), validamente renunciado (i.e., o juiz titular pode, por ato espontâneo, requerer a sua recondução ao cargo de juiz do trabalho substituto, cabendo ao presidente do tribunal regional chancelá-la e reconduzi-lo ao final da lista de antigüidade dos substitutos, desde que existam cargos vagos de juiz substituto no âmbito de seus quadros) [09].

2.3. Mas, se a promoção é um direito funcional — e se a remoção, por seu turno, é o critério preferencial de preenchimento de vagas de juízes titulares de vara —, o que dizer do próprio ato de remoção? Decorrerá, da parte do interessado, de um seu poder, dever ou direito? Ou derivará, ao revés, de um poder administrativo dos tribunais, ou quiçá de uma sua faculdade jurídica, pura e simples?

De dever do juiz certamente não se trata, à mercê da garantia constitucional da inamovibilidade (artigo 95, II, 1ª parte, da CRFB) e do que dispõe o próprio artigo 30 da LOMAN (supra). Tornar-se-á um dever apenas na hipótese da 2ª parte do dispositivo, que prevê a remoção por interesse público (que corresponde à remoção compulsória, de caráter disciplinar, prevista no artigo 42, III, da LOMAN — vide, supra, a nota n. 3), caso haja motivo relevante e voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça (artigo 93, VIII, da CRFB). E, se não é um dever, tanto menos pode ser um poder: em matéria administrativa, os poderes da autoridade — que implicam a sujeição da contraparte relacional — são, sempre, poderes-deveres [10], como é, «ad exemplum» (ainda no plano judiciário-administrativo), o poder de avocação do Conselho Nacional de Justiça [11] (assim, e.g., quando houver sério indício de que o processo disciplinar não está sendo conduzido com isenção no tribunal de origem).

Tampouco se trata de poder administrativo. Fosse a promoção um dever dos magistrados (= «dever-sujeição»), passível de imposição administrativa pelos tribunais, poder-se-ia cogitar, «mutatis mutandi», de um poder análogo de obstar a remoção dos juízes mais antigos, por razões de oportunidade e conveniência (assim, e.g., quando interessasse dar vazão imediata à lista de juízes em condições de imediata promoção, ou para garantir certa estabilidade decisória em circunscrições mais conturbadas, ou ainda por outros quaisquer motivos administrativos). Tratar-se-ia de aplicar, à hipótese, uma interpretação «a maiori ad minus » (= «quem pode o mais, pode o menos»). Mas, viu-se, tal sujeição inexiste nos contextos de promoções, o que significa que os tribunais não detêm semelhantes poderes administrativos. Tampouco pode detê-los, analogamente, nos contextos de remoções (STJ, RO-MS 945/AM, proc. 1991/0006271-5, 1ª T., rel. Min. Garcia Vieira, in DJU 24.08.1992, p. 12976 [12]).

Com maior razão, não se pode entrever, no ato de remoção, uma faculdade dos tribunais. Objeta-se a essa qualificação na precisa medida em que, criado ou vago um cargo de juiz titular de vara, o preenchimento será feito preferencialmente por remoção. É o que outrora reconheceu, noutras plagas, o Superior Tribunal Militar, discrepando o modelo de preenchimento de vagas adotado na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho daquele estabelecido nas Justiças estaduais e na Justiça Militar da União (o que não é uma questão de hermenêutica, mas uma questão de lei):

"Úteis [...] os mesmos documentos, para mostrar que nessas jurisdições da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho o procedimento é outro não em razão de diferente hermenêutica de um mesmo dispositivo ou de dispositivos semelhantes, mas pelo simples fato de que as regras são diferentes. Enquanto a Lei de Organização da Justiça Militar prevê que «ao provimento inicial e à promoção por merecimento precederá a remoção» [tal como, para os estaduais, o artigo 81 da LOMAN], a Resolução nº 011, de 12-8-94, do TRF 1ª Região [...] e a Resolução nº 009, de 15-4-1993, do TRF 3ª Região [...] dispõem que «ao provimento inicial e à promoção precede a remoção...», e o art. 654 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que o preenchimento dos cargos de presidente de Junta será feito inicialmente pela remoção de outro presidente e depois pela promoção de substituto" [13].

Isso quer dizer, em síntese, que os tribunais regionais do trabalho não podem optar pelo preenchimento inicial via promoção, o que significa vinculá-los, havendo vagas, a um dever legal de abrir o concurso de remoção, nos termos do artigo 654, §5º, «a», da CLT. É, ademais, regra similar à disposta para a Magistratura de carreira dos Estados, ut artigo 81, caput, da LOMAN [14], e para a Magistratura militar federal, ut artigo 38 da Lei de Organização da Justiça Militar da União [15] (com a diferença de que, nesses casos, as promoções por antigüidade têm prelação sobre as remoções, o que não ocorre na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho).

Ora, se há para os tribunais um dever legal de promover o acesso ao cargo via remoção, está claro que não se trata de «faculdade» em acepção estrita, que é a "liberdade de fazer, e por isso mesmo — tendo em conta a fusão do elemento psicológico e do elemento econômico, de que resulta a juridicidade — liberdade de exercer o próprio interesse" [16]. Aliás, a idéia mesma de «faculdade jurídica» parece incongruente com a realidade constitucional dos órgãos públicos, porque

"Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa «pode fazer assim»; para o administrador público significa «deve fazer assim»" [17].

Logo, quando o artigo 654, §5º, «a», da CLT dispõe que o preenchimento dos cargos de juiz titular de vara será feito por remoção e somente depois por promoção, extrai-se, do texto legal, que os tribunais do trabalho não «podem», mas, antes, devem fazer assim, o que legitima juridicamente o interesse pessoal dos juízes mais antigos em se removerem para as vagas abertas, com preferência sobre os juízes substitutos em vias de promoção. Nesse encalço, pesando sobre uma das partes vinculadas pela lei um dever-agir «stricto sensu», com foros de pessoalidade (i.e., um dever a ser observado em proveito de certo sujeito [18] — inconfundível, diga-se, com o «dever-sujeição», ou simplesmente sujeição, ao qual se antagoniza a figura do poder ou potestade [19]), contrapõe-se-lhe necessariamente um direito subjetivo como pretensão, que

"Consiste en la situación que, por virtud de la norma [«in casu», o artigo 654, §5º, «a», da CLT], ocupa una persona en una relación jurídica, de tener a su disposición da facultad de exigir de otra persona el cumplimiento de un deber jurídico, valiéndose del aparato coercitivo del Derecho. Una persona es titular de un derecho subjetivo como pretensión, cuando el último grado de la actualización de un deber jurídico de otra persona está a disposición de la primera; es decir, cuando depende de la voluntad de la misma el imponer o no la coerción jurídica del Estado, o el no hacerlo" (g.n.) [20].

É precisamente o caso. Imagine-se que, em determinado concurso de remoção, certo juiz venha a ser favorecido e seja removido em detrimento de outro mais antigo, igualmente inscrito: o último terá à sua disposição, para impetrá-lo ou não, o remédio do mandado de segurança (artigo 5º, LXIX, da CRFB), apto a lhe fazer valer o direito líquido e certo de se remover, dimanado da norma vazada no artigo 654, §5º, «a», da CLT. A transparência desse equacionamento remete àquela premissa teorética de RECASENS SICHES e espanca quaisquer dúvidas sobre a natureza jurídica da «pretensão» do magistrado mais antigo à remoção: trata-se de um seu direito subjetivo, legalmente imputado e plenamente exercitável, contra tantos quantos possam ou queiram obstá-lo.

2.4. Resta saber, portanto, se, a partir da entrada em vigor da EC n. 45/2004, esse direito subjetivo está de algum modo condicionado; e, mais, se pode ser condicionado, e em que circunstâncias.

É o que se examina, a partir do tópico subseqüente.


III. APLICABILIDADE DO ARTIGO 93, inc. VIII-A, c.c. inc. II, «b», DA CRFB À JUSTIÇA DO TRABALHO: EXEGESE DA LOCUÇÃO «NO QUE COUBER»

3.1. A expressão «no que couber», ínsita à norma do artigo 93, VIII-A, da CRFB, admite duas acepções necessárias.

A uma, significa que as regras das alíneas «a», «b», «c» e «e» do artigo 93, II, da CRFB, talhadas para as promoções, só se aplicarão quando funcionalmente compatíveis com os procedimentos próprios de remoção.

Na Justiça do Trabalho, por força do artigo 654, §5º, «a», da CLT, os concursos de remoção são julgados exclusivamente pelo critério da antigüidade. A não ser que se sustente ter o «ius novum» repelido essa regra — o que implicaria inaugurar, nos regionais, uma prática inédita de formação de listas de merecimento para fins de remoção —, a norma da alínea «a» (promoção obrigatória do juiz que figurar três vezes seguidas ou cinco alternadas em lista de merecimento) não se aplica às remoções na Justiça do Trabalho, por incompatibilidade funcional com o seu tipo de remoção (o que já não ocorre, e.g., nas Justiças estaduais, «ex vi» do disposto no artigo 81, §1º, da LOMAN [21]). Exclui-se, pois, sob a égide da expressão «no que couber» (descabimento funcional). Mas voltaremos a isso (infra).

A duas, tal locução significa que as regras das alíneas «a», «b», «c» e «e» do artigo 93, II, da CRFB só se aplicarão às organizações judiciárias estruturalmente compatíveis com o modelo fundamental para o qual foram concebidas. Do contrário, haverá descabimento estrutural e a remissão normativa (artigo 93, VIII-A) falhará, outra vez ao amparo da expressão «no que couber».

Nota-se que, num caso e noutro, a locução «no que couber» passa a funcionar como cláusula geral constitucional [22], ressalvando, no plano da concretização valorativa, a integridade das soluções infraconstitucionais que acaso não admitam os conteúdos normativos das alíneas «a», «b», «c» e «e». E assim será, doravante, considerada.

3.2. No que concerne à norma do artigo 93, II, «b», da CRFB — cuja primeira parte dispõe ser pressuposto, nas promoções por merecimento (i.e., provimentos derivados de cargos em movimento vertical), um «minimum» de dois anos de exercício na respectiva entrância —, a indagação fundamental é se esse «minimum» passou a ser exigível, também, nas remoções de magistrados (i.e., nos provimentos derivados de cargos em movimento horizontal — supra, item 1.2).

No caso das Justiças estaduais, pode-se concluir que sim. Isso porque, por um lado, as remoções ali não se fazem necessariamente por antigüidade, formando-se listas tríplices (artigo 81, §1º, da LOMAN); logo, o fato de a alínea «b» falar em «merecimento» não afasta, "ab ovo", a aplicabilidade da regra às remoções. De outra parte, organizando-se por entrâncias, as Justiças estaduais estão estruturalmente predispostas à especial normatividade dimanada do artigo 93, II, «b», que pressupõe, entre entrâncias, um acesso vertical (= promoção), para o qual fazem sentido os requisitos do inciso II, atendendo à regra universal dos acessos verticais por critérios alternados de antigüidade e merecimento (como é, há muito, da tradição do Direito público brasileiro). Dir-se-ia, pois, que, no caso das magistraturas estaduais, o artigo 93, II, «b», da CRFB é auto-aplicável às situações de remoção a pedido, por força do artigo 93, VIII-A.

3.3. O mesmo não pode ser dito a propósito das carreiras do Poder Judiciário da União (artigo 1º, III, IV, V e VI, da LOMAN [23]); e, em especial, da Justiça do Trabalho. Vejamos.

A idéia de que, nas deslocações de entrância, exija-se tempo mínimo de permanência na entrância de origem e se empreguem critérios de merecimento — alíneas «a», «b» e «c» do inciso II do artigo 93 da CRFB — está ligada à concepção de que, na movimentação de magistrados entre entrâncias de níveis diversos, há sempre um provimento derivado por acesso vertical, condicionado à antigüidade e/ou ao merecimento do juiz na sua última entrância. Isso justifica, inclusive, o fato de que juízes mais antigos na carreira mas há menos tempo na entrância são legitimamente preteridos pelos que ali estejam há mais tempo; essa é uma regra salutar que visa a desfavorecer seguidas escolhas de comarcas mais convenientes por um magistrado, em detrimento dos demais. Tais critérios prevalecem do mesmo modo, no tocante à promoção aos tribunais de cada uma das Justiças — na medida em que o provimento dos cargos dos tribunais se faz mediante promoção (ou seja, excluídos os provimentos originários pelo critério do quinto constitucional e outros [...]) [24].

Já no que toca às remoções (acessos horizontais), com a edição da EC n. 45/2004, o legislador brasileiro entendeu por bem discipliná-las com maior rigor, em moldes semelhantes às promoções (acessos verticais), para que, da mesma maneira, um mesmo magistrado estadual não viesse a consumar sucessivas escolhas de comarcas mais convenientes — se bem que de mesma entrância —, em detrimento dos demais. Daí a exigência de tempo mínimo — pois, sem isso, não haveria como aferir o «mérito» na entrância de origem — e a infiltração dos critérios de merecimento. Note-se que a norma de extensão (artigo 93, VIII-A) referiu-se unicamente às promoções de entrância para entrância (artigo 93, II), i.e., às promoções de juízes titulares sediados em primeiro grau de jurisdição; não se reportou, p.ex., aos critérios de promoção para a segunda instância (que, aliás, mereceu designação díspar, com a locução «acesso aos tribunais» [25]). Foi, portanto, uma referência precisa e específica, denotando que o «leit motiv» da inovação constitucional prende-se ao escopo de transferir, para as remoções entre comarcas de mesma entrância, as mesmas regras que regem as promoções para cargos de diversa entrância.

Com isso, acabou-se por conferir objetividade àquilo que já estava implícito na norma do artigo 81, §1º, 2ª parte, da LOMAN, além de alçar à guarida constitucional tanto a desvinculação das remoções estaduais ao critério exclusivo da antigüidade como, ainda, o próprio prazo mínimo de dois anos de efetivo exercício na entrância, há muito previsto para os juízes estaduais [26].

Coaduna-se, porém, aquele «leit motiv» com o procedimento de remoções de magistrados na Justiça do Trabalho (aspecto funcional)? E, para mais, coaduna-se com a própria carreira judicial da Justiça do Trabalho e/ou com o seu arcabouço orgânico (aspecto estrutural)?

Certamente não.

3.4. Do ponto de vista funcional, viu-se, alhures (tópico III), que os juízes do trabalho mais antigos têm, na pretensão de ocupar cargos de juiz titular de vara tornados vacantes ou criados por lei, um direito subjetivo judicialmente sindicável. A prelação da antigüidade é a regra «mater» nos procedimentos de remoção (artigo 654, §5º, «a», da CLT). Não há nisso, por outro lado, hipótese de acesso vertical; tratar-se-á, sempre, de provimento derivado por acesso horizontal.

Considerando-se que a norma em testilha foi recepcionada (supra, item 2.1 e nota n. 13), é induvidoso que, na perspectiva funcional, as idéias de «lista de merecimento» (artigo 93, II, «a», da CRFB) e de «aferição de merecimento conforme desempenho, produtividade, presteza e freqüência/aproveitamento de cursos» (artigo 93, II, «c», da CRFB) são incompatíveis com o procedimento-padrão legalmente estabelecido para as remoções em primeiro grau de jurisdição nas carreiras dos tribunais regionais do trabalho. Se as remoções far-se-ão necessariamente por antigüidade, qual a funcionalidade de uma lista de merecimento ou das aferições correspondentes? Ora, o mesmo se aplica à condição do artigo 93, II, «b», da CRFB: a exigência de tempo mínimo na entrância tem o objetivo de permitir aferir os méritos do magistrado nesse período (supra, item 3.3), para efeitos de merecimento. Mas, se na Justiça do Trabalho as remoções seguem o critério exclusivo da antigüidade, esse «tempo mínimo» para aferição de méritos é absolutamente despiciendo. Serve apenas à turbação indevida do direito subjetivo à remoção e ao sacrifício inútil da vida familiar do juiz do trabalho.

3.5. No aspecto estrutural, a incompatibilidade é ainda mais evidente.

Entrância, como se sabe, não é propriamente um lugar, mas o designativo para as classes das carreiras judiciais (estaduais) em primeiro grau de jurisdição. Veja-se em DINAMARCO:

"É inerente a toda carreira a distribuição de seus cargos em níveis diferentes, chamados classes. A Constituição Federal refere-se às classes integrantes das carreiras judiciárias pela tradicional denominação de entrâncias (art. 93, inc. II) [...]" [27].

O próprio autor, no entanto, alerta para o fato de que

"[...] duas observações precisam ser feitas a propósito. A primeira é que a lei emprega o vocábulo entrância somente para designar as classes funcionais nas carreiras jurídicas estaduais: inexistem entrâncias nas demais Justiças, embora em alguma medida haja degraus na carreira" [28].

Di-lo, também, AMAURI MASCARO NASCIMENTO, na passagem a seguir transcrita:

"Aprovado no concurso, o juiz será nomeado para as vagas que se abrirem no quadro de juízes substitutos da região e, por antigüidade e merecimento, alternadamente, terá acesso ao cargo de juiz presidente da Junta. Embora na organização judiciária trabalhista não haja divisão em entrâncias, os juízes substitutos geralmente são promovidos para a presidência de Juntas de cidades mais distantes da sede da qual se aproximam na medida das oportunidades surgidas com a aposentadoria ou promoção dos seus titulares" [29].

O conceito de comarca [30]ao qual se liga, por sua vez, o de entrância (as comarcas são classificadas por entrâncias) [31] — tampouco é familiar à estrutura orgânica da Justiça do Trabalho. Na dicção de AFONSO DA SILVA,

"O inciso VII do artigo em comentário [art. 93] declara que o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal — o que mostra que a exigência só se aplica aos juízes titulares (não os substitutos) da organização judiciária dos Estados e do Distrito Federal, porque são os únicos distribuídos por comarcas, não se aplicando aos juízes federais que exercem suas funções nas seções judiciárias, embora por analogia se pudesse entender a eles também aplicável a regra" [32].

3.6. Ora, se é assim, como pretender «trasladar» às remoções na Justiça do Trabalho, sem mais, o complexo normativo ínsito às alíneas «a», «b», «c» e «e» [33] do inciso II do artigo 93 da CRFB? Tais normas não se conjuminam com a estrutura mesma da Justiça Obreira, porque aqui não há «entrâncias» e nem «promoções» nos acessos de titulares à titularidade de outras varas. São, sempre, provimentos derivados por acesso horizontal, marcados pela nota exclusiva da antigüidade (artigo 654, §5º, «a», da CLT); não lhes serve, portanto, o regramento das alíneas «a», «b», «c» e «e», que pressupõe a verticalidade de acesso (exceto nas remoções) e — nos três primeiros casos — o merecimento.

É claro que, no acesso aos tribunais do trabalho (= promoção ao segundo grau de jurisdição), aplica-se, «ex directo», a regra do artigo 93, III, da CRFB. Mas isso jamais esteve em causa e em nada afeta a conclusão anterior. Também é certo que, nas promoções em primeiro grau (i.e., nos acessos verticais de juízes substitutos do trabalho a cargos de juiz titular de vara), vige, sim, o princípio da alternância de critérios (antigüidade/merecimento); e têm plena aplicabilidade, ademais, todos os parâmetros ínsitos ao artigo 93, II, da CRFB. Mas nada disso se deve à aplicação direta do próprio inciso II do artigo 93. Aquele princípio vige, a uma, por sua imanência sistêmica (à luz de todo o conteúdo normativo do artigo 93 da CRFB e da própria História constitucional brasileira); e, a duas, por força das normas insculpidas no artigo 654, caput e §5º, «b», da CLT (na redação do Decreto-lei n. 229, de 28.02.1967), e no artigo 80, caput, da LOMAN (que trata genericamente dos processos de promoção, sem especificá-los). Já esses parâmetros se aplicam, como veremos, pela ação combinada dos parágrafos 1º e 2º do artigo 80 da LOMAN (sendo o primeiro sensível a todas as alterações procedidas no artigo 93, II, da CRFB).

À vista disso, é mister pontuar, «a fortiori», que tampouco as remoções podem ser regidas, na Justiça do Trabalho, pelo disposto no artigo 93, II, da CRFB. Se, por desconformidade estrutural, nem mesmo às suas promoções se aplicam, «ex directo», as disposições do artigo 93, III, da CRFB — porque talhadas para as Justiças estaduais (afirmação irretorquível à mercê da internalização do conceito de «entrância») —, tanto menos poderiam ser aplicadas, sem mais, às remoções de magistrados trabalhistas. Afinal, havendo incompatibilidade estrutural no próprio foco conceitual da norma (que trata das promoções «de entrância para entrância», inexistentes na Justiça do Trabalho), maior ainda será a incompatibilidade quando se ensaia exportá-la para outro contexto, ontologicamente diverso e organicamente inconciliável, como é o das remoções nas carreiras trabalhistas. Tal aplicação aberrará, por flagrantemente inadequada, e suscitará numerosas refregas judiciais. Seria o mesmo que desconsiderar, na interpretação da norma do artigo 93, VIII-A, a locução «no que couber»; ou — o que é o mesmo — tomá-la por não-escrita.

3.7. Disso resulta, afinal, que do cipoal normativo dedicado à acessibilidade de cargos na Magistratura (artigo 93/CRFB), à Justiça do Trabalho aplicam-se, «ex directo», somente os incisos I (ingresso na carreira), III (promoção de magistrados para o segundo grau de jurisdição, dito «acesso aos tribunais»), IV (cursos oficiais como pré-requisitos para promoções e vitaliciamentos), XI (composição dos órgãos especiais dos tribunais) [34], além das disposições dos artigos 111-A e 115 da CRFB.

Já no plano infraconstitucional, o acesso aos tribunais do trabalho rege-se pela norma do artigo 86 da LOMAN, enquanto o acesso inicial aos cargos de titular da vara (provimentos derivados em movimento vertical), de interesse dos juízes do trabalho substitutos, desafia a aplicação do quanto disposto no artigo 654, §5º, «b», da CLT. Mas não apenas: nesse último caso, aplicam-se, ainda, as normas do artigo 80, §1º, da LOMAN, «ex vi» do parágrafo 2º do mesmo dispositivo.

Com efeito, dispõe o artigo 80 da LOMAN:

"Art. 80. A lei regulará o processo de promoção, prescrevendo a observância dos critérios ele antigüidade e de merecimento, alternadamente, e o da indicação dos candidatos à promoção por merecimento, em lista tríplice, sempre que possível.

"§ 1º - Na Justiça dos Estados:

"I - apurar-se-ão na entrância a antigüidade e o merecimento, este em lista tríplice, sendo obrigatória a promoção do Juiz que figurar pela quinta vez consecutiva em lista de merecimento; havendo empate na antigüidade, terá precedência o Juiz mais antigo na carreira;

"II - para efeito da composição da lista tríplice, o merecimento será apurado na entrância e aferido com prevalência de critérios de ordem objetiva, na forma do Regulamento baixado pelo Tribunal de Justiça, tendo-se em conta a conduta do Juiz, sua operosidade no exercício do cargo, número de vezes que tenha figurado na lista, tanto para entrância a prover, como para as anteriores, bem como o aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento;

"III - no caso de antigüidade, o Tribunal de Justiça, ou seu órgão especial, somente poderá recusar o Juiz mais antigo pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;

"IV - somente após dois anos de exercício na entrância, poderá o Juiz ser promovido, salvo se não houver, com tal requisito, quem aceite o lugar vago, ou se forem recusados, pela maioria absoluta dos membros do Tribunal de Justiça, ou de seu órgão especial, candidatos que hajam completado o período.

"§ 2º - Aplica-se, no que couber, aos Juízes togados da Justiça do Trabalho, o disposto no parágrafo anterior" (g.n.).

Atente-se a que a LOMAN, fazendo as vezes de Estatuto da Magistratura (em acepção formal), possuía — como ainda possui — legitimidade constitucional, ut artigo 93, caput, da CRFB, para estender à Magistratura do Trabalho um conjunto de regras de acessibilidade idealizado para as Justiças estaduais. Mas, também ali, o legislador enxertou a locução «no que couber» (artigo 80, §2º), com mesma função de cláusula geral (supra, item 3.1), embora relevando a incompatibilidade estrutural (porque, do contrário, produziria norma inócua) e se atendo à compatibilidade funcional.

Trata-se de previsão legal que remonta à edição da LOMAN, em 1970. Por conta de seu parágrafo 2º, as promoções no primeiro grau de jurisdição da Justiça do Trabalho têm observado, há mais de trinta anos, os critérios da lista tríplice, recusa do juiz mais antigo por decisão majoritária dos membros do tribunal, merecimento segundo a operosidade do juiz e a sua conduta pessoal, aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento para efeito de promoção, etc. Ulteriormente, os critérios do artigo 80, §1º, da LOMAN — talhados, insista-se, para as Justiças estaduais — foram modificados pela Constituição Federal de 1988; assim, p. ex., a obrigatoriedade da promoção por merecimento passou a abranger os casos de figuração, em lista, por três vezes consecutivas ou cinco alternadas (originalmente, eram necessárias cinco figurações consecutivas), a recusa do juiz mais antigo por voto de dois terços dos membros do tribunal (originalmente, bastava o voto da maioria absoluta), a promoção por merecimento condicionada à antigüidade mínima (primeira quinta parte da lista de antigüidade), etc. E todas essas alterações estenderam-se aos juízes togados da Justiça do Trabalho, , «ex vi» do artigo 80, §2º, da LOMAN.

Conclui-se, pois, que a aplicação dos parâmetros do artigo 93, II, da CRFB à Magistratura do Trabalho, antes mesmo da EC n. 45/2004, deveu-se historicamente à norma de extensão do artigo 80, §2º, da LOMAN, que intermediava, no plano da Justiça do Trabalho, a importação de todas as alterações constitucionalmente engendradas no âmbito das Justiças estaduais (desde que funcionalmente compatíveis). Dito de outro modo, essa importação não teria sido possível sem uma norma de extensão (que, na espécie, não mereceu «status» constitucional).

3.8. As ilações anteriores permitem afirmar que, do ponto de vista estrutural, os parâmetros de acesso entre entrâncias (Justiças estaduais) não se aplicam à Justiça do Trabalho, exceto quando a competente lei complementar («in casu», a LOMAN ou, no futuro, o Estatuto da Magistratura) expressamente o disser, relevando a incompatibilidade orgânica. Disse-o no caso das promoções em primeiro grau de jurisdição (artigo 80, §2º, da LOMAN). Mas não o disse nos casos de remoção.

Basta ver, a propósito, que as remoções nas magistraturas estaduais estão reguladas pelo artigo 81 (vide, supra, notas n. 14 e 26); mas não há, entre os seus dispositivos, qualquer norma de extensão que permita aplicá-lo à Justiça do Trabalho. Se é assim, quando a Constituição manda aplicar às remoções, «no que couber», os preceitos do artigo 93, II, «a», «b», «c» e «e», tal comando vincula as Justiças estaduais, mas não se transfere, automaticamente, para a Justiça do Trabalho — precisamente porque não há, em sede constitucional ou infraconstitucional, norma de extensão para as hipóteses de remoção a pedido.

Essa assertiva é ainda mais irrefutável naquilo que atine à condição do artigo 93, III, «b», da CRFB. É que, sobre não haver norma de extensão para os casos de remoção, subsiste, por outro lado, a regra do artigo 654, §5º, «a», da CLT, específica para as remoções na Magistratura laboral, que silencia quanto a eventual tempo mínimo de permanência no cargo (i.e., na vara de origem). Ora, se os parâmetros do artigo 93, III, da CRFB não são gerais, mas especiais, e se não há, no ordenamento jurídico brasileiro, norma de extensão idônea a vincular a Justiça do Trabalho àqueles parâmetros especiais em casos de remoção, malfere a boa hermenêutica autorizar, a qualquer pretexto, a parametrização cruzada de carreiras judiciais. Haveria, no limite, uma promiscuidade injustificável de parâmetros, amalgamando regramentos que são, de parte a parte, altamente específicos.

3.9. Isso tudo é ainda mais verdadeiro à mercê da norma do artigo 81, §1º, da LOMAN. A ela já nos reportamos supra (item 3.3.).

Desde 1970, o artigo 81, §1º, da LOMAN exige, nas remoções de juízes estaduais, composição de listas tríplices e «mininum» de dois anos de efetivo exercício na entrância. Tal como dito alhures, o que fez a EC n. 45/2004, ao introduzir o inciso VIII-A, foi simplesmente positivar e objetivar, na dimensão constitucional, aquela regra infraconstitucional.

De se ver, entretanto, que essa «permanência mínima» para fins de remoção a pedido jamais fora exigida na Justiça do Trabalho, apesar da previsão na LOMAN (ao contrário do que se deu nas promoções, cogentemente atreladas ao artigo 80, §1º). Isso se explica facilmente: no último caso, sempre houve norma de extensão (artigo 80, §2º); no primeiro, jamais houve. Agora, quando o legislador alça à plêiade constitucional a parte final do artigo 81, §1º, da LOMAN, prossegue a sua incompatibilidade funcional-estrutural com a Justiça do Trabalho; como, da mesma forma, prossegue a inexistência de uma norma de extensão para a hipótese. A do artigo 93, VIII-A, da CRFB decerto não lhe faz as vezes, porque sequer menciona os juízes do trabalho. À vista disso, o que justificaria aplicar agora, às carreiras dos tribunais regionais do trabalho, a regra da permanência mínima para remoção? Absolutamente nada. A equação jurídica remanesce sendo aquela mesma instaurada há quase quarenta anos, com a entrada em vigor da LOMAN: estendem-se os parâmetros de promoção em primeiro grau («no que couber»), rejeitam-se os parâmetros de remoção a pedido. A única diferença é que, hoje, os últimos ascenderam à hierarquia constitucional, remitindo aos primeiros — mas continuam rigorosamente específicos.

3.10. Falemos dessa especificidade.

No trato jurídico-hermenêutico, a norma especial reclama indelevelmente uma interpretação restritiva («exceptiones sunt strictissimae interpretationis»). Não pode ser estendida, sem mais, a contextualidades diversas, dotadas de regulação própria. Do mesmo modo, ou até em maior medida, desafia interpretação restritiva a norma que restringe direitos (como ocorre, «in casu», com o direito do juiz mais antigo à sua imediata remoção — supra, tópico II).

Com efeito, no escólio de CARLOS MAXIMILIANO, a interpretação restritiva

"será cabível e concludente quanto houver motivo sério para reduzir o alcance dos termos empregados, quando a razão fundamental da norma se não estender a um caso especial; enfim, quando, implicitamente ou em outras disposições sobre o mesmo assunto, insertas na mesma lei ou em lei diversa, prescrevem limites, ou exceções, ao conceito amplo" [35].

O conceito amplo, «in casu», é o da removibilidade imediata, desde que haja vaga; e a razão fundamental para restringi-la, no caso do artigo 93, II, «b», da CRFB, é proporcionar condições temporais para aferição de critérios de merecimento, na entrância de origem, com vistas à promoção ou à própria remoção (artigo 93, VIII-A). Mas essa razão fundamental não tem eco na Justiça do Trabalho, uma vez que as remoções são sempre por antigüidade (artigo 654, §5º, «a», da CLT). Impende, portanto, restringir a interpretação/aplicação do artigo 93, II, «b», da CRFB àquelas remoções que admitam prelações por merecimento (i.e., à Magistratura de carreira dos Estados — artigo 81, caput, da LOMAN). Do contrário, cercear-se-á um direito consagrado no âmbito dos tribunais regionais do trabalho (remoção imediata do juiz mais antigo), interpretando-se extensivamente — ou até analogicamente — uma norma restritiva de feitio especial. Com isso, maltrata-se uma reconhecida premissa hermenêutica: «Odiosa restringenda, favorabilia amplianda».

3.11. Ademais, e no mesmo encalço, merece lembrança a célebre parêmia de PAULO:

"Minime sunt mutanda, quae interpretationem certam sempre habuerunt" ["Altere-se o menos possível o que sempre foi entendido do mesmo modo" — Digesto, Livro 1, Título 3, Fragmento 23].

Essa máxima hermenêutica serve, como luvas, à presente hipótese. A despeito da norma inserta no artigo 81, §1º, «in fine», da LOMAN, jamais se considerou aplicável à Justiça do Trabalho o tempo mínimo de permanência em vara («entrância») para efeitos de remoção, à míngua de comando legal expresso. Com o advento da EC n. 45/2004, nada mudou, exceto quanto à hierarquia da norma especial (hoje clausulada pelo artigo 93, inc. VIII-A, c.c. inc. II, «b», da CRFB). Logo, fere de morte princípios comezinhos da Ciência Hermenêutica qualquer viés exegético que, sem razões bastantes, venha a encaminhar, com a nova exigência, uma inegável restrição de direitos.


IV. REGÊNCIA «EX NOVO» DO REGIME DE REMOÇÃO A PEDIDO DE JUÍZES TITULARES DE VARA. FONTES FORMAIS LEGÍTIMAS E ILEGÍTIMAS

4.1. Demonstrou-se, acima, que a norma do artigo 93, VIII-A, da CRFB, ao remeter para o artigo 93, II, «b», da CRFB, é auto-aplicável às carreiras das magistraturas estaduais (hipótese de incidência direta), mas não o é aos quadros funcionais da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho (hipóteses de incidência indireta), nomeadamente no último caso, em razão da incompatibilidade funcional-estrutural da norma restritiva. Sê-lo-ia, se houvesse, num caso e noutro, norma legal de extensão (como é, p.ex., a do artigo 80, §2º, da LOMAN, que remete ao seu parágrafo primeiro o regime de promoções em primeira instância trabalhista).

Nada obsta a que, futuramente, essas normas de extensão sejam introduzidas no ordenamento pátrio. Mas tal introdução, a não ser feita por emenda constitucional, estará adstrita às regras de «quorum» e iniciativa dispostas pelo artigo 93, caput, da CRFB. Afinal, em se tratando de regime de acesso horizontal em carreiras da Magistratura nacional, somente uma lei complementar — aprovada por maioria absoluta em ambas as casas do Congresso Nacional (artigo 69/CRFB) —, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, poderá legislar «ex novo» e estender, às remoções de juízes do trabalho titulares de vara, as regras do artigo 81, §1º, da LOMAN, ou as próprias regras do artigo 93, II, da CRFB (que — insista-se — não lhes foram estendidas pelo inciso VIII-A).

4.2. Essa observação é especialmente importante quando se constata que, na atualidade, diversos tribunais do Poder Judiciário da União têm disposto, em regimento, sobre o tempo mínimo de permanência em vara para efeito de remoção a pedido, como se fora variação inocente da hipótese do artigo 81, §1º, da LOMAN (ou, mais recentemente, do artigo 93, inc. VIII-A, c.c. inc. II, «b», da CRFB). Tal é o caso, e.g., do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, cujo Regimento Interno dispõe, no artigo 255, que

"Os juízes após a remoção ou permuta, somente poderão requerer nova remoção ou permuta depois de decorrido um ano de permanência na Junta de Conciliação e Julgamento, salvo autorização expressa do Órgão Especial" (g.n.).

Também o Tribunal Regional Federal da 1ª Região estabeleceu, em seu Regimento Interno (artigo 131, §5º), que

"O juiz federal e o juiz federal substituto só poderão obter nova remoção decorridos dois anos da última, a contar da publicação do ato, ressalvado o disposto nos parágrafos seguintes" (g.n.).

Enfim, o Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região prevê, em seu artigo 297, §6º, que

"O Juiz Federal deverá permanecer pelo menos um ano na Vara para a qual foi nomeado, promovido ou removido; no caso de permuta, o prazo de permanência mínima será de dois anos" (g.n.).

Outros exemplos poderiam ser aditados. Mas bastam esses para se ver que sequer há uniformidade nas restrições ao direito de remoção: alguns regimentos optaram por dois anos, outros por um ano. Poder-se-ia estatuir três anos? Ou talvez cinco? Têm os tribunais legitimidade para restringir os acessos horizontais, ao seu inteiro alvitre?

A resposta — intuitiva, até — é negativa.

4.3. Se as remoções consubstanciam modo de provimento derivado de cargos de titularidade nas carreiras de base da Magistratura da União (supra, item 1.2), não se trata meramente de disciplinar a organização judiciária — para o que, aliás, seria competente o Poder Legislativo da União (artigos 22, XVII, e 48, IX, da CRFB) —, nem tampouco de exercitar a autonomia administrativa dos tribunais (artigo 99, caput, da CRFB). Trata-se, antes, de "definir o conjunto de princípios e regras que definem os direitos, prerrogativas e deveres dos magistrados", com a lapidação das normas dirigentes das carreiras da Magistratura Nacional, o que inclui a disciplina jurídica dos ingressos e das investiduras, das promoções, das remoções, do acesso aos tribunais, dos vencimentos, das aposentadorias e proventos, da publicidade dos julgamentos e da constituição de órgãos especiais junto aos tribunais [36]. Em suma: Estatuto da Magistratura (em acepção material [37]). Logo, não se admitiria sequer a regência por lei ordinária (maioria simples), ou mesmo por lei complementar de iniciativa do Executivo ou do Legislativo; tanto menos será jurígena a ingerência administrativa dos tribunais na formulação dessa matéria, seja por provimentos, seja por atos regimentais, seja ainda por qualquer sorte de atos administrativos exaráveis por suas cúpulas.

4.4. Jurisprudência anterior consolidada no Supremo Tribunal Federal respalda essa ilação. No passado, quando os poderes públicos pretenderam, à margem de lei complementar, restringir ou formatar o direito de remoção dos magistrados de primeira instância, houve severa repulsa do Excelso Pretório. Vejamos.

"CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. JUIZES: PROMOÇÃO POR MERECIMENTO. REMOÇÃO. TRIBUNAIS: AUTONOMIA FINANCEIRA. I. JUIZES, PROMOÇÃO POR MERECIMENTO: OS PRIVILEGIOS CONCEDIDOS A ANTIGUIDADE ESTAO NO TEXTO CONSTITUCIONAL, NÃO PODENDO O LEGISLADOR ORDINÁRIO AMPLIA-LOS. CONSTITUIÇÃO DO PARANA, ART. 96, II, "B". II. JUIZES, PROMOÇÃO, REMOÇÃO: MATÉRIA DA COMPETÊNCIA DO ESTATUTO DA MAGISTRATURA. ART. 96, III, DA CONSTITUIÇÃO DO PARANA. III. LIMITE DOS RECURSOS A SEREM DESTINADOS AO JUDICIÁRIO. TETO ESTABELECIDO PELA CONSTITUIÇÃO DO PARANA, ART. 98, PAR. 1. IV. CAUTELAR DEFERIDA" [38].

Parte inferior do formulário

"1. CONSTITUCIONAL. O ART. 112, PARAGRAFO ÚNICO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA [correspondente ao atual artigo 93, caput, da CRFB/88] NÃO SE LIMITOU A DETERMINAR A ELABORAÇÃO DE UMA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL; DETERMINOU-LHE O CONTEÚDO, QUE ABRANGE A ORGANIZAÇÃO, O FUNCIONAMENTO, A DISCIPLINA, AS VANTAGENS, OS DIREITOS E OS DEVERES DA MAGISTRATURA. 2. O PARAGRAFO 1º DO ART. 81 DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL ESTABELECE, COMO TERMO INICIAL PARA O CANDIDATO REQUERER A REMOÇÃO, QUE TENHA PELO MENOS DOIS ANOS DE EFETIVO EXERCÍCIO NA ENTRANCIA. 3. O ART. 2º DA LEI FEDERAL N. 6.896/81, AMPLIANDO O PRAZO PARA TRÊS ANOS, INVADE A COMPETÊNCIA DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E ASSIM ESTÁ EIVADA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 4. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE" [39].

Negou-se, pois, à Constituição Estadual (ADI-MC n. 468/PR) e à lei federal (Rep. n. 1168/DF), legitimidade constitucional para normatizar as remoções, «praeter» ou «contra legem». Indefensável, nesse quadro, a tese de que os tribunais — que sequer exercem funções estritamente legislativas — possam fazê-lo.

4.5. Dir-se-ia que os regimentos e provimentos normatizam «secundum legem». Falso argumento. Como visto há pouco (item 4.2), cada tribunal tem regulado a matéria da «permanência mínima» a seu próprio talante, inclusive variando interregnos; tanta disparidade desqualifica, «ab ovo», eventual pretensão regulatória «secundum legem».

Ademais, para a Justiça do Trabalho, a condição jurídica atual das remoções a pedido está dilucidada no artigo 654, §5º, «a», da CLT, cuja norma foi constitucionalmente recepcionada (supra, itens 2.1, 2.3, 3.1, 3.4, 3.6 e 3.8). Não há, por outro lado, remissão legal à norma do artigo 81, §1º, da LOMAN, como tampouco há norma de extensão em sede constitucional. De conseguinte, prover regimentalmente prazos mínimos para permanência nas varas é, na pior hipótese, violentar a lei posta, tisnando o princípio da legalidade (artigo 5º, II, da CRFB); ou, na melhor espécie, é legislar no vácuo juspositivo, à míngua de norma legal de extensão dos parâmetros de remoção das Justiças estaduais. Regulamentação administrativa que, ali, é «contra legem»; aqui, «praeter legem». Ambas absolutamente espúrias.


V. RESTRIÇÃO ÀS REMOÇÕES A PEDIDO E JUÍZO DE PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

5.1. O quanto dito até este ponto já bastaria para obstar, na dimensão hermenêutica, quaisquer interpretações que estendessem à Justiça do Trabalho a nova regência das remoções a pedido pelos critérios do artigo 93, II, da CRFB (incompatibilidade funcional-estrutural); ou para desautorizar, na dimensão protolegislativa, quaisquer rompantes de regulação à margem de lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal.

Poder-se-ia objetar, todavia, que, sobre não serem a de melhor técnica, aquelas interpretações — ou essa normatização — seriam, ao menos, defensáveis.

Ledo engano. À luz do princípio da proporcionalidade, sequer isso seriam.

5.2. Como se sabe, o princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito manejado para a concordância harmônica dos valores imanentes à ordem jurídico-constitucional, segundo as grandezas da necessidade, da adequação (= idoneidade) e da proporcionalidade em sentido estrito (= «justa medida»). Nessa linha,

"Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à «carga coativa» da mesma, Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido como princípio da "justa medida". Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de «medida» ou «desmedida» para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim" [40].

«In casu», interessa saber se a restrição ao direito de remoção dos magistrados mais antigos no primeiro grau de jurisdição é necessária e adequada (= idônea) para se alcançar determinado fim (aspectos lógico-factuais); e, além disso, se é estritamente proporcional com o fim almejado (aspecto jurídico-axiológico).

5.3. Afastada a razão maior que justifica, nas carreiras estaduais, estabelecer períodos mínimos de permanência em entrâncias (possibilidade de aferição de merecimento para fins de remoção, ut artigo 81, §1º, da LOMAN — supra, item 3.3), haveria que identificar quais interesses hão de ser atendidos com a criação desses limites para os acessos horizontais de juízes do trabalho titulares de vara.

Nesse esforço investigativo, vêm à baila, com maior relevo, os valores da segurança jurídica (notadamente para o jurisdicionado, mercê da estabilidade mínima das opiniões jurídicas na unidade jurisdicional) e da moralidade administrativa (mercê da descaracterização de certas unidades como «varas-trampolim» ou «de passagem», desinteressantes para a generalidade dos magistrados, o que por vezes conduz a certo abandono).

Por outro lado, impende identificar quais direitos ou interesses são sacrificados com a imposição daqueles limites. Esses são mais fáceis de estimar, porque ligados diretamente à dignidade humana da pessoa do Magistrado: a uma, o direito ao convívio e à estabilidade familiar (interesses jusfundamentais protegidos pelo artigo 226, caput, da CRFB); a duas, a liberdade de trabalho em sentido amplo, que envolve, «per se», a livre escolha da profissão, os direitos de acesso e livre escolha dos centros de formação e a livre escolha do local de trabalho [41] (desde que vacante). A escolha do local de trabalho é, com efeito, um dos desdobramentos da liberdade de exercício do trabalho ou profissão [42]; nos limites da lei, não pode ser vilipendiada.

Cumpre, dessarte, ponderar todos os fins, direitos, valores e interesses em jogo, cada qual com seu assento constitucional, na perspectiva da concordância harmônica do conjunto.

5.4. Remontando a ALEXY, se o meio «M», eleito para realizar o princípio «P-1», não está em condições de favorecê-lo e, a par disso, impede ou sacrifica a realização do princípio «P-2», é cartesiano que a omissão de «M» não carreia custos nem para «P-1» e nem para «P-2», ao passo que, adotando-se «M», resultam custos para «P-2». Renunciando-se a «M», «P-1» e «P-2» podem realizar-se em maior medida, de acordo com suas possibilidades fáticas. Nesse caso, entende-se que «M» não é idôneo para o fim pretendido; logo, implementá-lo viola o princípio da proporcionalidade, por atentar contra o subprincípio da adequação (= idoneidade). Opta-se por «não-M» — o que não é outra coisa senão perseguir o ótimo de PARETO: «uma posição pode ser melhorada, sem que outra piore» [43].

É precisamente a realidade subjacente à hipótese em testilha.

A médio e longo prazos, o sacrifício ao convívio e à estabilidade familiar («P-2») tende a pôr em causa o próprio equilíbrio emocional do magistrado, com efeitos contraproducentes no quesito «segurança jurídica» («P-1»). Afinal, desconcentração, desinteresse e frustração comprometem o pensamento objetivo, o senso de justiça e a própria qualidade das decisões; com o tempo, rarefazem-se tanto os conteúdos de excelência como a estabilidade potencialmente adquirida. Essa equação talvez não se aplique integralmente a juízes solteiros ou descompromissados; nada obstante, vingará para a generalidade dos juízes casados ou arrimos de família — o que, por si só, torna perverso o resultado.

Em síntese, o meio «M» (= fixação por tempo mínimo nas varas do trabalho) mostra-se inapto à realização de dos fins que colima (proporcionar segurança jurídica), conquanto sacrifique largamente os interesses contrapostos (estabilidade familiar e liberdade espacial de trabalho). Ademais, poder-se-á entrever igual inaptidão no quesito «moralidade administrativa», conforme a prática das fixações venha a transformar as antigas «varas-trampolim» em novéis «varas-cativeiro», objetos de expectações negativas (ojeriza, resistência, má-vontade) por tantos quantos as tenham de escolher.

Daí porque, no cômputo geral, a fixação mínima de juízes nas varas do trabalho termina por consubstanciar meio inidôneo para atender às suas próprias finalidades político-judiciárias. Conseqüentemente, implementá-la significa violar o princípio da proporcionalidade, estribando-se em interpretação indefensável e iníqua.

5.5. Outrossim, tampouco se justifica aquela interpretação, à luz da chamada proporcionalidade em sentido estrito («Verhältnismässigkeit»).

Considerando-se o peso jurídico de afetação de cada valor ou princípio envolvido, é curial reconhecer que, por um lado, a satisfação dos valores de segurança jurídica e de moralidade administrativa tende a ser, em geral, de pouca monta (estabilidade de opiniões jurídicas e/ou compromisso administrativo com a vara por um ou dois anos, não mais); às vésperas da chegada de cada novo magistrado, revivem-se as incertezas do foro e as inquietudes administrativas. Diga-se, pois, haver satisfação em grau leve. Por outro lado, a afetação da estabilidade familiar, especialmente nos casos de juízes que não podem levar consigo filhos e esposo(a) — o que, diga-se, não é incomum —, tende a ser, no curso de um ou dois anos de afastamento, uma afetação de grau médio ou mesmo grave.

Ora, a intervenção em um direito com dimensões jusfundamentais só é estritamente proporcional "se a importância da satisfação do princípio contrário justifica a afetação ou a não satisfação do outro" [44]. É a lei de ponderação de ROBERT ALEXY, pela qual

"Cuanto mayor es el grado de la no satisfación o de afectación de uno de los principios, tanto mayor debe ser la importancia de la satisfacción del otro" [45].

Mas, no caso em testilha, o grau de afetação dos interesses familiares (sem considerar o déficit na liberdade espacial de trabalho) é médio ou grave, enquanto o grau ou importância de satisfação dos valores contrapostos — segurança jurídica e moralidade administrativa — é apenas leve. A equação denota séria e clara desproporcionalidade, conduzindo, outra vez, à conclusão de que a interpretação extensiva do artigo 93, VIII-A, da CRFB será, as mais das vezes, indefensável.


V. CONCLUSÕES

À guisa de conclusão, passo de imediato à apreciação dos quesitos alhures formulados, para respondê-los, nos seguintes termos.

(a) Não, em termos. O artigo 93, II, «b», da CRFB não é auto-aplicável às remoções a pedido consumadas no âmbito da Justiça do Trabalho, por incompatibilidade funcional e estrutural (cláusula geral «no que couber»), e à falta de norma jurídica de extensão (em sede constitucional ou de lei complementar). É, todavia, auto-aplicável à Magistratura de carreira dos Estados, mercê do próprio artigo 81, §1º, da LOMAN.

(b) Não, em termos. O artigo 93, II, «b», da CRFB é aplicável às promoções em primeiro grau de jurisdição, na Justiça do Trabalho, por força da norma de extensão vazada no artigo 80, §2º, da LOMAN, e exclusivamente em função dela. Mas não é aplicável às remoções a pedido, por carecer, nesse caso, de norma análoga de extensão (vide resposta ao quesito «a»). As remoções a pedido, no primeiro grau de jurisdição da Justiça do Trabalho, regem-se basicamente pela norma do artigo 654, §5º, «a», da CLT.

(c) Não. Os indeferimentos administrativos de remoções a pedido por falta de permanência mínima ferem a Constituição Federativa da República do Brasil, por heterotopia na aplicação de norma constitucional definidora de acessos nas carreiras da Magistratura estadual. Além disso, decorrem de interpretações indefensáveis, que violam o princípio constitucional da proporcionalidade por inadequação (= inidoneidade) e desproporcionalidade em sentido estrito (equação de medida injusta).

(d) Não. Os tribunais não podem ditar interregnos de permanência mínima para efeitos de remoção, seja por regimentos, seja por atos análogos, porque a matéria diz com o Estatuto da Magistratura (acepção material). «In casu», trata-se de definir e regular modo de provimento derivado de cargos de juiz titular nas carreiras de base da Magistratura da União (acesso horizontal), o que só pode ser feito pela Constituição ou por lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal (artigo 93, caput, da CRFB). Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

É, s.m.j., o que me parece.

GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO


ANEXO I – BIBLIOGRAFIA

  • ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS JURÍDICAS. Dicionário Jurídico. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

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  • BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2005.

  • CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999.

  • CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. Trad. Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: LEJUS, 1999.

  • CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

  • CRUZ, José Raimundo Gomes da. Lei Orgânica da Magistratura Nacional interpretada. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.

  • DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001. v. I.

  • FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 1991.

  • GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

  • HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995.

  • LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997.

  • MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

  • MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

  • MIRANDA, Jorge. MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. t. I.

  • NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

  • RECASENS SICHES, Luis. Tratado General de Filosofía del Derecho. 16ª ed. México: Porrúa, 2002.

  • SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

  • TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Breves Comentários à Reforma do Poder Judiciário. São Paulo: LTr, 2005.


Notas

01 Cfr., por todos, Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Dicionário Jurídico, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1997, pp.684-685 (verbete «REMOÇÃO»).

02 Manoel Antonio Teixeira Filho, Breves Comentários à Reforma do Poder Judiciário, São Paulo, LTr, 2005, p.48.

03 Idem, ibidem, p.48. Com efeito, em seus artigos 42, III, 45 e 46, a LOMAN emprega, à maneira de sinônimos, as expressões «remoção compulsória» (expressamente inserida no rol de sanções disciplinares aplicáveis aos magistrados, ut artigo 42) e «remoção por interesse público» (artigo 45), de modo que, à luz da interpretação histórico-sistemática, é de rigor vincular a norma do artigo 93, VIII, da CRFB à específica hipótese do artigo 42, III, da LOMAN. Noutras palavras, a EC n. 45/2004 não criou uma «segunda modalidade» de remoção compulsória, que não teria caráter de sanção, mas decorreria da mera necessidade pública; qualquer interpretação nesse sentido seria desconforme à Constituição, por ferir a garantia do artigo 95, II, da CRFB (inamovibilidade). E, admitindo-se a constitucionalidade das remoções compulsórias por razões disciplinares (afinal, o próprio texto constitucional refere a hipótese), tratar-se-á, mesmo assim, de um ato administrativo de utilidade duvidosa: na inapelável ilação de GIGLIO, "a remoção imposta pelo Tribunal parece-nos uma forma de punição tão velada quando ineficiente [...]. A transferência não pune o mau juiz, e sim a localidade que o recebe. Não fora suficiente e acrescentaríamos que a remoção imposta abre perigosa válvula ao princípio da inamovibilidade, através da qual podem ser infiltrados interesses escusos a coibir a independência do juiz" (Wagner D. Giglio, Direito Processual do Trabalho, 12ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p.23 — g.n.). Em sentido contrário, acenando para a possibilidade de uma remoção compulsória não-disciplinar, veja-se, por todos, DINAMARCO: "Ela [a inamovibilidade] é desde logo ressalvada, no próprio texto constitucional que a institui (art. 95, inc. II), pela possibilidade de o juiz ser removido, aposentado ou disponibilizado por interesse público. Tais medidas, que não são necessariamente tomadas em razão de infrações disciplinares [...], devem contar, no mínimo, com o voto do quorum qualificado de duas terças-partes do tribunal, sendo fundamentadas e precedidas de processo cercado das garantias constitucionais de estilo (art. 93, inc. VIII)" (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo, Malheiros, 2001, v. I, p.397 — g.n.). Cfr. ainda, na mesma obra, pp.401-402 (n. 187).

04 Cândido Rangel Dinamarco, op.cit., v. I, p.393.

05 Op.cit., p.49.

06 Decreto-lei n.5.452, de 1º de maio de 1943.

07 Assim como, «mutatis mutandi», o Código Tributário Nacional — que formalmente é lei ordinária (Lei n. 5.172, de 25.10.1966) — foi recepcionado pela Constituição Federal com o «status» de lei complementar, ut artigo 146, I, II e III, da CRFB. Na espécie em causa (supra), uma vez que nem a LOMAN e tampouco a CRFB/88 dispôs em sentido contrário, é de rigor compreender que a ordem jurídica manteve-se estável nesse particular, preservando a referida norma em todas as suas dimensões (existência, validade e eficácia).

08 José Afonso da Silva, Comentário Contextual à Constituição, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p.509.

09 Com isso, resolve-se, na esfera técnico-jurídica, questão tormentosa que, há algum tempo, causou espécie em alguns tribunais regionais do trabalho, ante inusitados requerimentos de recondução administrativa. Atende-se, outrossim, aos interesses pessoais e familiares do magistrado requerente, sem causar qualquer espécie de prejuízo aos juízes substitutos do quadro, uma vez que a renúncia à titularidade importará, também, em renúncia à antigüidade.

10 Daí porque, p.ex., a defesa dos juízes de tribunais nas reclamações contra si oferecidas não é um «poder», como se poderia supor a partir da redação do artigo 52, §7º, da LOMAN ("Em todos os atos e termos do processo, poderá o reclamado fazer-se acompanhar ou representar por advogado [...]" — g.n.), mas um direito livremente exercitável.

11 Cfr. artigo 103-B, § 4º, III, da CRFB: "Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...] receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa" (g.n.).

12 «In verbis»: "MANDADO DE SEGURANÇA - INAMOVIBILIDADE DE MAGISTRADO. Os juízes são inamovíveis; podem ser removidos contra a vontade, apenas por interesse público, por voto de dois terços do respectivo tribunal, assegurando-se ampla defesa. O juiz só pode ser removido em três hipóteses: a) quando aceita promoção ; b) quando pede remoção e ; c) por interesse público. A Resolução n. 87/85 padece de evidente inconstitucionalidade, contraria as Constituições estadual e federal,ao admitir a designação ou remanejamento de juízes de uma para outra vara, sem o seu consentimento. Recurso provido" (g.n.).

13 O aresto foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, com mesma «ratio decidendi», no RO-MS n. 23.214/MS, 1ª T., rel. Min. Moreira Alves, 28.09,1999 (grifos nossos; negritos no original). Ambos os acórdãos encontram-se, na íntegra, in RTJ 171/480-496 (491).

14 "Art. 81. Na Magistratura de carreira dos Estados, ao provimento inicial e à promoção por merecimento precederá a remoção" (g.n.). Leia-se a propósito, em DINAMARCO, que "esse dispositivo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional nada tem de incompatível com o estatuto constitucional da Magistratura e, portanto, foi objeto de recepção e está vigente" (op.cit., v. I, p.394, nota n. 4). O mesmo se diga, aliás, da 2ª parte do par. 1º do artigo 81 (lista tríplice — p.394, nota n. 3), embora a 1ª parte (escolha pelo Poder Executivo) não tenha sido recepcionada, à vista do artigo 96, I, «c», da CRFB (p.393, nota n. 2).

15 "Artigo 38. Ao provimento inicial e à promoção por merecimento precederá a remoção, observando-se, para preferência, a ordem de antigüidade para o Juiz-Auditor e a ordem de classificação em concurso público para o Juiz-Auditor Substituto, quando os concorrentes forem do mesmo concurso e, sendo eles de concursos diferentes, a ordem de antigüidade na classe" (Lei n. 8.457, de 04.09.1992).

16 Francesco Carnelutti, Teoria Geral do Direito, trad. Antônio Carlos Ferreira, São Paulo, LEJUS, 1999, p.267. À diferença da faculdade, o direito subjetivo não é uma liberdade de fazer — «agere» —, mas uma liberdade de comandar — «iubere» (pp.276-277).

17 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 18ª ed., São Paulo, Malheiros, 1993, pp.82-83.

18 Sujeito, aqui, como centro de imputações jurídicas (direitos, deveres, ônus, faculdades, poderes e sujeições), ou «feixe de papéis institucionalizados» . Cfr. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação, São Paulo, Atlas, 1991, pp.149-150.

19 Idem, ibidem, pp.158-160.

20 Luis Recasens Siches, Tratado General de Filosofía del Derecho, 16ª ed., México, Porrúa, 2002, p.236.

21 Sobre a constitucionalidade parcial do preceito, no que diz com a formação de listas tríplices para fins de remoção, cfr., supra, o escólio de DINAMARCO (nota n. 14).

22 Cláusulas gerais dão-se "quando a lei recorre a uma pauta de valoração que carece de preenchimento valorativo, para delimitar uma hipótese legal ou também uma consequência jurídica. Tais pautas são, por exemplo, a «boa-fé», uma «justa causa», uma «relação adequada» (de prestação ou contraprestação), um «prazo razoável» ou «prudente arbítrio». Tais pautas não são, por assim dizer, pura e simplesmente destituídas de conteúdo; não são «fórmulas vazias pseudonormativas» que seriam compatíveis com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e regras de comportamento. Ao invés, contêm sempre uma idéia jurídica específica que decerto se subtrai a toda a definição conceptual, mas que pode ser clarificada por meio de exemplos geralmente aceites. Essas pautas alcançam o seu preenchimento de conteúdo mediante a consciência jurídica geral dos membros da comunidade jurídica, que não só é cunhada pela tradição, mas que é compreendida como estando em permanente reconstituição" (Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3ª ed., trad. José Lamego, Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1997, pp.310-311 — g.n.). Adiante: "A questão da «adequação» de uma conseqüência jurídica (a uma situação de facto de determinada espécie) é uma questão de valoração. Esta valoração tem que empreendê-la o julgador dentro do quadro que lhe é previamente dado pela norma. A questão é de se e de que modo tais juízos de valor são fundamentáveis mediante considerações de ordem jurídica" (p.408 — g.n.).

23 Inclusive da Justiça Militar da União, apesar do que dispõe o artigo 38 da Lei n. 8.457/92, uma vez que tampouco a Justiça Militar é subdivida em entrâncias, não havendo «acesso vertical» entre auditorias militares (descabimento estrutural).

24 Cândido Rangel Dinamarco, op.cit., v. I, p.392.

25 Essa disparidade causa "a impressão inicial de que o acesso fosse algo diferente das promoções que em primeiro grau de jurisdição se fazem. Essa impressão é falsa, até porque a própria Constituição, no mesmo inciso, fala [falava] em promoção aos Tribunais de Justiça. Apesar das aparências, portanto, a estruturação das carreiras em classes, ou níveis, vai desde os cargos iniciais de juiz substituto até ao tribunal onde cada uma delas termina (Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho)" (Cândido Rangel Dinamarco, op.cit., v. I, p.391).

26 Artigo 81, §1º, da LOMAN: "A remoção far-se-á mediante escolha pelo Poder Executivo, sempre que possível, de nome de lista tríplice organizada pelo Tribunal de Justiça e contendo os nomes dos candidatos com mais de dois anos de efetivo exercício na entrância" (g.n.). Por óbvio, nada disso jamais se aplicou à Justiça do Trabalho. Quanto à parcial constitucionalidade desse preceito (e a inconstitucionalidade da «escolha pelo Poder Executivo»), cfr., supra, a nota n. 14.

27 Cândido Rangel Dinamarco, op.cit., v. I, p.391.

28 Idem, ibidem, p.391.

29 Amauri Mascaro Nascimento, Curso de Direito Processual do Trabalho, 14ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.84 (anteriormente à EC n. 24/99).

30 Comarca, segundo CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, é, "tradicionalmente, na Justiça dos Estados, o foro em que tem competência o juiz de primeiro grau, isto é, o seu território: em cada comarca haverá um ou mais juízos, ou seja, um ou mais ofícios judiciários, ou varas" (Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo, 9ª ed., São Paulo, Malheiros, 1993, p.161 — g.n.); não é, portanto, um conceito inerente à estrutura da organização judiciária trabalhista. Tanto é assim que, para tratar das comarcas como unidades de administração da Justiça, a LOMAN reservou os seus artigos 96 e 97, que disciplinam a organização judiciária na Justiça dos Estados (logo, são unidades de administração das Justiças estaduais) e referem expressamente a legislação estadual. O fato de o artigo 650 da CLT referir-se a «comarcas» não muda essa relação de (im)pertinência, uma vez que, ao teor do mesmo preceito, cabe à lei federal dispor sobre o território de jurisdição das varas do trabalho (enquanto as comarcas são definidas, nos Estados, pelos códigos judiciários e pelas leis estaduais de organização judiciária). Aliás, não por outra razão, a Lei n. 5.442, de 24.05.1968, acrescentou ao artigo 650 o seu parágrafo único, segundo o qual "as leis locais de Organização Judiciária não influirão sobre a competência de Juntas de Conciliação e Julgamento já criadas até que lei federal assim determine" (g.n.). Mesma idéia se aplica, ademais, ao artigo 112 da CRFB, que também empregou a expressão «comarca», mas para dizer que, no vácuo da jurisdição das varas do trabalho, a lei poderá autorizar os juízos de direito a exercitar a jurisdição trabalhista — aí, sim, nos limites de suas comarcas, conforme dispuser a lei federal.

31 Sobre a relação entre comarcas e entrâncias, vide, por todos, GOMES DA CRUZ (pensando no caso paulista): "a divisão judiciária, por exemplo, do Estado de São Paulo, no seu primeiro grau, faz-se através de comarcas. Cada comarca abrange um ou mais municípios e distritos, sendo o foro ou o território em que tem competência o juiz de primeiro grau. Cada comarca possui um ou mais juízos, que são os ofícios judiciários ou varas. As diversas comarcas se classificam em quatro entrâncias, três delas numeradas ordinalmente de modo crescente (1ª, 2ª e 3ª) e a especial, da Capital. A ordem delas cresce em importância, segundo critérios do art. 97, observados nas normas em vigor no estado de São Paulo [...]. Entrância, portanto, distingue-se de instância, que traduz o grau de jurisdição. Como vimos há pouco, a divisão em comarcas e sua classificação ocorrem no primeiro grau [das Justiças estaduais]" (José Raimundo Gomes da Cruz, Lei Orgânica da Magistratura Nacional interpretada, São Paulo, Oliveira Mendes, 1998, p.40).

32 José Afonso da Silva, op.cit., p.510. O que dizer, então, do artigo 93, VII, da CRFB, e/ou do artigo 35, V, da LOMAN, que também se referem à «comarca»? Não seriam, por isso, aplicáveis à Justiça do Trabalho? A rigor, não. O dever de residir nos limites da jurisdição alcança, sem dúvida, o magistrado trabalhista; mas a vinculação dá-se, em primeiro lugar, por incidência da norma inserta no artigo 658, «c»¸ 1ª parte, da CLT. Há, pois, norma específica no âmbito das carreiras da Justiça do Trabalho, que prefere àquelas estruturalmente incompatíveis.

33 Observe-se que, do ponto de vista funcional, a condição da alínea «e» — recusa de acesso ao juiz que retiver injustificadamente autos além do prazo legal — adequar-se-ia ao procedimento de remoções da Consolidação das Leis do Trabalho; mas, estruturalmente, sequer essa norma resiste a um juízo de compatibilidade técnico e isento.

34 Não estão referidos, por evidente, os incisos que não tratam da acessibilidade de cargos, conquanto sejam indiscutivelmente aplicáveis à Justiça do Trabalho (incisos V, VI, IX, X, XII, XIII, XIV e XV).

35 Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, pp.247-249.

36 Cfr. José Afonso da Silva, op.cit., p.508 (com algum acréscimo).

37 É dizer: como conteúdo juspositivo definidor do «status iuridicum» e do «status personae» dos magistrados (supra, item 1.1).

38 STF, ADI-MC n. 468/PR, Tribunal Pleno, rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. 27.02.1992, v.m., in DJ 16.04.01993, p.6430.

39 STF, Rp n. 1168/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. ALFREDO BUZAID, j. 21.03.1984, v.u., in DJ 08.06.1984, p.9256.

40 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1999, p.265.

41 Cfr. Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p.321.

42 Cfr. Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, t. I, pp.475-476.

43 Cfr. Robert Alexy, Epílogo a la Teoría de Los Derechos Fundamentales, trad. Carlos Bernal Pulido, Madrid, Colegio de Registradores de la Propiedad y Mercantiles de España, 2004, pp.40-41.

44 Idem, p.49.

45 Idem, p.48. Veja-se, ainda, Carlos Bernal Pulido, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2005, pp.784 e 791. «In verbis»: "De acuerdo con la ley de ponderación, una realización leve o media de fin normativo de la ley no puede justificar una intervención intensa en el derecho fundamental" (p.784).


Autor

  • Guilherme Guimarães Feliciano

    Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Juiz do Trabalho não precisa esperar dois anos para pedir remoção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1412, 14 maio 2007. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16768. Acesso em: 4 maio 2024.