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Erro médico. Insuficiência de provas.

Não configuração de dano moral

Erro médico. Insuficiência de provas. Não configuração de dano moral

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O autor da ação alegou que, em virtude de deficiência no atendimento médico e na demora na realização de cirurgia, acabou sofrendo necrose de um dos testículos. A sentença analisa a responsabilidade do hospital e dos médicos envolvidos, concluindo pela insuficiência de provas quanto ao nexo causal, julgando a demanda improcedente. Não houve recurso, tendo a sentença transitado em julgado.

PODER JUDICIÁRIO

ESTADO DE PERNAMBUCO

21ª Vara Cível da Comarca da Capital

Processo nº. 001.2004.010604-8


SENTENÇA

, qualificado, ajuizou ação de procedimento ordinário com pedido de indenização por danos materiais e morais contra H.A.de.PE. LTDA (nome fantasia HSJ), J.A.C.P, M.de.L.L. e A.A.B.F., também qualificados, alegando, em síntese:

- que, em 05/09/1999, pelas 17h, sentiu dores fortíssimas nos testículos e virilha, quando estava no estádio do Clube Náutico Capibaribe, tendo sido conduzido por seus pais para o nosocômio demandado e ali foi examinado pelo médico de plantão que o examinou e, suspeitando de "torção ou orquite", foi acionado o 2º demandado que, por telefone, solicitou a realização de uma Ultra-sonografia com Doppler;

- que, após ser medicado para alívio da dor, o demandante foi submetido à Ultra-sonografia com Doppler, sob os cuidados da 3ª demandada, a qual informou não ter conseguido concluir o exame face às dores sentidas pelo paciente, mas, até onde foi possível observar, os testículos do demandante pareciam estar normais;

- que, pelas 19h do mesmo dia 05/09/1999, o demandante retornou ao setor de emergência do 1º demandado e ali permaneceu por mais de 02 (duas) horas à espera de atendimento, tudo em razão da substituição do médico de plantão pelo 4º demandado, o qual se comportara de modo inacessível apesar de reclamações da genitora do demandante;

- que, pelas 21h daquele dia, o 2º demandado chegou ao hospital, examinou o demandante e concluiu tratar-se de orquite, mas, apesar de reconhecer que a Ultra-sonografia com Doppler realizada pela 3ª demandada estava prejudicado, não solicitou a repetição de tal exame, limitando-se a pedir que se realizasse o mapeamento (cintilografia dos testículos) para o dia seguinte e que o problema do demandante era tão-somente inflamação e que o quadro de dor era esperado e poderia durar por uma semana. Assim, o demandante permaneceu internado, em observação, no aguardo do exame a realizar na manhã seguinte, sem que o 2º demandado tivesse solicitado urgência na realização dos exames;

- diz ter permanecido durante toda aquela noite sem qualquer tipo de vigilância médica por parte do então plantonista, o 4º demandado, apesar das reclamações da genitora do demandante, cuja orientação era apenas para que fossem ministrados vários medicamentos para controlar a dor, mas o demandante sentiu fortes dores até as três horas da madrugada;

- que, na manhã de 06/09/1999, os demandados não tiveram pressa em realizar os exames solicitados, mesmo após a chegada do 2º demandado, só se tendo logrado realizar a cintilografia dos testículos após as 12h daquele dia, concluindo-se que o demandante sofrera uma torção no testículo direito. Diz que o 2º demandado só foi localizado depois de duas horas do exame, mas insistiu tratar-se de orquite, sugerindo que a cintilografia poderia estar errada e que deveria ser realizada outra Ultra-Sonografia com Doppler, a ser feita em nova unidade hospitalar;

- que pelas 16h de 06/09/1999, o demandante foi levado de ambulância para o H.M.S.J. e ali foi submetido ao exame de Ultra-sonografia com Doppler colorido não solicitado pelo 2º demandado e sim pelo Dr. F.A. do novo nosocômio. Diz que o Dr. F, de posse do resultado da Ultra-Sonografia, indicou que o autor deveria ser submetido a procedimento cirúrgico, tendo a genitora do demandante telefonado para o 2º demandado e informado tal situação, tendo ouvido do 2º demandado que a cirurgia não poderia ser realizada em caráter de urgência haja vista porque o demandante "havia se alimentado";

- em razão da recusa do 2º demandado, diante do quadro de urgência e orientado por amigos, os familiares do autor solicitaram ao Dr. F.P. que realizasse a operação, o que ocorreu às 17h no H.M.S.J, desmentindo, assim, a alegação do 2º demandado;

- que, após a realização da cirurgia, o genitor do autor foi ao nosocômio demandado e lá solicitou a baixa da internação, tendo sido coagido a subscrever termo de responsabilidade apresentado por supervisora daquela unidade, cujo propósito era omitir os nomes dos médicos assistentes, mas diante da insistência do referido genitor, todos os dados foram consignados, inclusive horário de saída do paciente;

- que, em razão da conduta culposa dos demandados, o autor sofreu danos materiais e morais, mormente porque teve perda do testículo direito em razão de necrose focal, o que teria sido evitado se o autor tivesse sido submetido ao procedimento cirúrgico em caráter de urgência. Diz ter realizado posteriormente uma operação para a colocação de prótese de silicone, suportando as despesas necessárias.

2. De tudo quanto narrado, em especial porque teve perda de um testículo em decorrência da demora no diagnóstico, pleiteia o Autor indenização pelos danos materiais e morais sofridos, cuja liquidação deve ser objeto de arbitramento pelo julgador. Juntou os documentos de fls. 15/65.

3. Posteriormente, o autor atravessou petição em aditamento à inicial, para prequestionar a não ocorrência da prescrição e retificar o nome da demanda para ação pessoal de indenização por danos morais e materiais decorrentes de erro médico (fls. 68/75).

4. O 1º Demandado – nome fantasia H.SJ. - apresentou resposta em contestação (fls. 105/123), acompanhada dos documentos de fls. 125/144.

Na CONTESTAÇÃO, aduz o H.S.J.:

- que não mantém vínculo contratual de trabalho, de preposição, de subordinação, de prestação de serviços autônomos ou de qualquer natureza com os demais co-réus;

- que o autor foi atendido no Setor de Emergência por volta das 17h39 de 05/09/1999, queixando-se de dor em bolsa escrotal d forte intensidade, tendo sido atendido pelo Dr. F.L., que solicitou a realização de exame de Ultra-Sonografia de bolsa escrotal para averiguação e prescreveu consulta com médico especialista e medicação;

- diz que o exame foi realizado e o demandante devidamente medicado. Confirma que o 2º demandado foi acionado pelo médico plantonista, em comum acordo com os familiares do demandante, sem ingerência do hospital (sic). Acresce que o 2º demandado, pelas 21h, examinou o autor e, após relatar o quadro encontrado, referiu como hipóteses de diagnóstico: "Orquiepidinite + Torção de cordão D + Trauma?" (sic), tendo prescrito início de tratamento clínico;

- após descrever basicamente as condutas adotadas pelos médicos assistentes, conforme registros dos documentos pertinentes à internação e evolução clínica do paciente, diz que o demandante foi encaminhado, às 14h40 de 06/09/1999, ao H.M.S.J. para a realização de exame de Ultra-Sonografia solicitado pelo 2º demandado, desconhecendo o ora contestante o que se passou a partir de então;

- insiste que não teve qualquer interferência na conduta do 2º demandado, a quem reputa tratar-se de profissional renomado;

- no mais, diz que o autor não demonstrou com a documentação trazida com a inicial qualquer registro do procedimento cirúrgico realizado no Hospital memorial S.J.. Diz que não há registro de que o testículo do autor tenha sido retirado. Relata ter recebido correspondência dos genitores do demandante narrando os fatos e solicitando apuração, o que teria sido realizado via sindicância interna cujo resultado findou por concluir pela inocorrência de erro ou culpa no tratamento dispensado ao autor, o que foi devidamente informado à C.

Diz não ter responsabilidade direta, indireta ou solidária; faz impugnação específica no tocante aos danos materiais à medida que os documentos acostados à inicial não demonstram qualquer prejuízo financeiro, bem assim que inexiste ofensa moral a ser objeto de compensação. Conclui por pedir a sua exclusão da lide por ilegitimidade passiva e, no mérito, a improcedência do pedido de indenização.

5. O 4º demandado – A.A.B.F. – ofereceu contestação em que, após pinçar as passagens da petição inicial (itens 3 e 5 respectivos) onde há referência ao agir do ora contestante, historia todos os procedimentos que foram adotados, lastreando-se no prontuário médico apresentado pelo 1º demandado, diz inexistir nos autos como imputar ao referido Réu qualquer conduta passível de ensejar a reparação dos danos pleiteados pelo autor.

Argüiu a prejudicial de prescrição, invocando a redução de prazo introduzida pelo art. 206, §3º, V do novel Código Civil e a regra de transição do art. 2.028 do citado diploma material.

No mérito (sentido estrito), diz que não agiu com culpa e que inexiste nexo causal a autorizar a imputação de responsabilidade, pelo que pede a improcedência acaso não se acate a prejudicial de prescrição. Juntou os documentos de fls. 164/176.

6. A 3ª demandada – M.de.L.de V.L.F. - ofereceu resposta (fls. 177/198).

Em sua defesa, diz que a sua participação se limitou à realização do exame que lhe foi solicitado, o que se fez sem omissão, negligencia ou imprudência, de sorte que não causou qualquer dano ao demandante. Descreve a sua formação acadêmica. Diz textualmente que o autor não aponta qualquer erro médico cometido pela contestante. Aduz que não há prova da alegada perda do testículo direito.

Diz ter realizado o exame de Ultra-Sonografia de Bolsa Escrotal que lhe foi solicitado, e não Ultra-Sonografia com Doppler como afirmado na inicial; afirma ter realizado aquele exame com a devida presteza, transcreve o que consta do laudo que emitiu, e conclui pela inexistência de conduta culposa a justificar a sua responsabilidade civil, restando, de conseguinte, rompido o nexo causal. Pede a improcedência.

7. O 2º demandado – J.A.C., contra quem o demandante direcionou parte substancial do alegado erro médico, apresentou contestação (fls. 200/223).

Aduz que a fatalidade sofrida pelo demandante não foi provocada por erro médico ou qualquer tipo culposo atribuível ao contestante. Descreve todos os exames que solicitou a partir do momento em que foi acionado pelo médico plantonista; diz que o primeiro contato pessoal mantido com o autor (paciente) se deu pelas 21h de 05/09/1999, quando, então, o encontrou calmo, sem vômito ou náusea, apirético (sem febre), hidratado e acianótico, apenas se queixando de dores;

Diz que o exame físico e a Ultra-Sonografia de Bolsa Escrotal não permitiram que firmasse o diagnóstico clínico; refuta a alegação do autor de que teria identificado o problema como sendo uma Orquite (aumento volumétrico doloroso dos testículos de origem inflamatória ou infecciosa); descreve os prováveis diagnósticos: "orquiepididimite + torção de cordão d + trauma".

Justifica a realização do exame de mapeamento da bolsa escrotal (cintilografia testicular) que poderia afastar a hipótese de torção ou outras afecções. Refuta as alegações do autor de que não teria solicitado que os exames fossem realizados com a necessária urgência, remetendo a sua narrativa para transcrição do que lançou no prontuário anexado pelo 1º demandado, inclusive quando, após o resultado da cintilografia, às 12h, não tendo sido possível fechar o diagnóstico, solicitou em caráter de urgência o ecodoppler com fluxometria, remetendo mais uma vez o leitor para o prontuário respectivo (fl. 205);

Repudia a alegação de erro médico. Faz considerações sobre o procedimento cirúrgico a que se submeteu o autor perante o H..M.S.J; diz que o autor não exibiu os documentos indispensáveis;

Argüi no meio da narrativa a prescrição do direito de ação com fundamento no art. 206, §3º, V do novel Código Civil em sintonia com a regra de transição a que alude o art. 2.28 do mesmo diploma material. Tece considerações sobre a responsabilidade médica e diz que inexiste causa jurídica a amparar a pretensão inaugural. Conclui por pedir o pronunciamento da prescrição e, no mérito (sentido estrito), pede a improcedência da pretensão inaugural na íntegra.

8. O Autor ofereceu réplica às contestações, refutando a alegada prescrição e, no mérito, reiterou os termos da sua inicial (fls. 234/240).

9. Após vários contratempos, a audiência preliminar findou por se realizar, mas a conciliação restou infrutífera. Na oportunidade, o juiz de então sinalizou que as preliminares seriam apreciadas na sentença, deferiu a produção de prova oral, pericial, rateando-se as despesas respectivas entre os demandados e designou data da a audiência de instrução e julgamento, além de diligências outras (fls. 298/299).

10. Atendendo determinação do juízo, o H.M.S.J. encaminhou o prontuário médico do autor, referente ao período de internação naquele nosocômio de 06/09/1999 até 07/09/1999 (fls. 338/348).

11. Os peritos indicados pelo CREMEPE afirmaram suspeição em contato mantido pela Secretaria (fl. 352). Foi designado perito o Dr. M.A.J.N. (fl. 354).

12. O autor atravessou petição com cópia de expediente do CREMEPE noticiando a instauração de Processo Ético-Profissional contra o 2º demandado, por indícios de infração ao art. 29 do Código de Ética Médica, e o arquivamento em relação aos 3º e 4º demandados por ausência de tais indícios (fls. 357/358).

13. O 4º demandado indicou assistente técnico, formulou quesitos e comprovou o depósito de parte dos honorários periciais (fls. 359/363). O 2º demandado indicou assistente técnico, formulou quesitos e comprovou o depósito de parte dos honorários periciais (fls. 366/369). O demandante indicou assistente técnico e formulou quesitos (fls. 370/372). O 1º demandado indicou assistente técnico, formulou quesitos e comprovou o depósito de parte dos honorários periciais (fls. 375/378). A 3ª demandada indicou assistente técnico, formulou quesitos e comprovou o depósito de parte dos honorários periciais (fls. 380/383) e, posteriormente, apresentou o relatório do sindicante perante o CREMEPE dando conta de não haver indícios de infração ao Código de Ética Médica por parte da referida demandada e do 4º demandando, mas sugerindo haver indícios de infração por parte do 2º demandado (fls. 384/392).

14. A CAMPE encaminhou a documentação solicitada pelo juízo, referente às despesas de internação do autor (fls. 394/443).

15. O perito judicial apresentou o laudo (fls. 445/460).

16. O autor habilitou novos patronos (fls. 485/488). O assistente técnico indicado pelo 2º demandado apresentou parecer (fls. 489/491); o 2º demandado pronunciou-se sobre o laudo do perito judicial e formulou novos quesitos (fls. 492/497). A 3ª demandada pronunciou-se concordando inteiramente com o laudo pericial (fl. 03). O 4º demandado exibiu o parecer emitido pelo assistente técnico que indicou (fls. 504/606).

17. O juiz, então em exercício perante esta 21ª Vara, determinou que o perito prestasse os esclarecimentos requeridos pelo 2º réu, além de outras diligências (fl. 508). O autor pronunciou-se sobre o laudo pericial (fls. 523/531).

18. O perito judicial prestou os esclarecimentos requeridos pelo demandante e pelo 2º demandado (fls. 545/553).

19. Atuando pela primeira vez no feito, na primeira tentativa de realização da audiência de instrução e julgamento, determinei que as partes se pronunciassem sobre os esclarecimentos prestados pelo perito, bem assim a redesignação da referida audiência (fls. 561/562).

20. O 1º demandado manifestou-se às fls. 564/565. O 4º demandado manifestou-se às fls. 571/573. A 3ª demandada manifestou-se às fls. 574/576. O demandante manifestou-se às fls. 577/579. O 2º demandado pronunciou-se às fls. 580/584 e juntou cópia de literatura sobre o assunto (fls. 55/595).

21. Através do pronunciamento de fl. 600, desacolhi os requerimentos do autor e do 2º demandado que objetivam obter novos esclarecimentos do perito.

22. O Banco do Brasil comunicou que os cheques mencionados na inicial não foram objeto de compensação naquela agência (fl. 602).

23. O 2º demandado pediu reconsideração da decisão de fl. 600 (fls. 607/610) e, posteriormente, juntou cópia da inicial do agravo de instrumento que propôs contra dita decisão (fls. 611/622). À fl. 624 exarei despacho de sustentação.

24. O 2º demandado requereu a substituição de testemunha (fl. 627), o que foi indeferido pelo pronunciamento de fl. 629; interpôs agravo retido (fls. 639/646). A audiência de Instrução foi mais uma vez redesignada em decorrência da ausência de testemunha regularmente arrolada pelo 2º demandado, ante a concordância do autor (fls. 647/649).

25. O autor – agravado – respondeu ao agravo retido em tela e pugnou por sua denegação (fls. 654/659).

26. Finalmente, após todos os incidentes, a audiência de instrução findou por se realizar. O 2º demandado não compareceu e, por seus advogados presentes ao ato, noticiou estar adoentado e requereu novo adiamento. Contudo, tendo em vista que o demandante desistiu do depoimento pessoal do referido demandado, a audiência foi instalada e não houve irresignação, até porque devidamente representado pelos seus advogados e nenhum prejuízo lhe foi impingido. Na oportunidade, tomou-se o depoimento pessoal do autor e foram inquiridas 07 (sete) testemunhas. As partes requereram a substituição dos debates pelo oferecimento de memoriais (fls. 665/671). Memoriais apresentados e entranhados às fls. 675/694, 696/698, 699/505, 706/713 e 714/724.

É o relatório. D E C I D O

27. Considerações proemiais.

Retifique-se o nome do 1º Réu no sistema para constar conforme contestação e atos constitutivos, ou seja, H.A.de.PE.LTDA., cujo nome fantasia é H.S.J..

Através do pronunciamento de fl. 600, desacolhi os requerimentos do autor e do 2º demandado que objetivavam obter novos esclarecimentos do perito, firme no entendimento, ora ratificado, de que os "novos esclarecimentos" requeridos exigiriam apenas que o experto emitisse juízo valorativo especulativo, sem objetividade para o deslinde da controvérsia, pois que as respostas escritas a título de esclarecimentos pelo perito eram, por si, suficientes.

O 2º demandado interpôs agravo de instrumento, mas o relator converteu dita súplica em agravo retido como se depreende dos autos em apenso, devidamente recebidos do TJPE. Diversamente do que dito pelo autor, o juiz manifestou-se sobre o agravo e manteve a decisão (fl. 624), cabendo apenas ao agravado, acaso seja reiterado pelo agravante em eventual recurso de apelação, oferecer a resposta devida.

Passo a proferir o julgado, principiando pelo exame das preliminares.


PRELIMINARES

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Análise sob a óptica do Código Civil

Os demandados J.A.C.P. e A.A.B.F. levantaram preliminar de prescrição, invocando a redução de prazo introduzida pelo art. 206, §3º, V do novel Código Civil e a regra de transição do art. 2.028 do citado diploma material. Decerto que o fato ocorrido em 05/09/1999 se submete às regras do Código Civil de 1916 e do Código de Defesa do Consumidor. Compreendem os demandados em tela que a pretensão do demandante estaria fulminada ante o advento do art. 206, § 3º, V do atual Código Civil que, no particular, fixou o prazo de prescrição de 03 (três) anos na hipótese de reparação civil.

Consoante a regra de transição fixada no art. 2.028 do novel diploma, "Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada". Acaso se considere tratar-se de direito pessoal a pretensão reparatória, decerto que o prazo prescricional no momento de sua ocorrência era de 20 anos (CC/1916, art. 177).

No momento de entrada em vigor do novo Código Civil, em 11/02/2003, haviam passados pouco mais de 03 (três) anos desde a ocorrência do fato, razão porque o prazo de prescrição a ser adotado passou a ser aquele previsto no art. 206, §3º, V do novo Código Civil consoante a regra de transição do art. 2.028 do referido diploma. Levando em consideração o novo prescricional instituído pelo novel diploma material, de 03 (três) ano, a questão é saber a partir de quando se faz o início da contagem respectiva.

Decerto que, como é curial, o prazo prescricional principia a sua contagem, via de regra, a partir do momento em que se tem por violado o direito (CC/2002, art. 189). Nada obstante, na espécie em trato, compreender, como compreendem os demandados, que o início de contagem seja a data do fato e o prazo seja tomado como sendo aquele resultante da redução, é considerar que a prescrição estaria consumada em 05 ou 06 de setembro/2002, ou seja, antes mesmo de o novo Código Civil ter entrado em vigor, quando a redução do prazo prescricional ainda não tinha eficácia ante a "vacatio legis" em curso. Interpretar as novas disposições legais consoante o fazem os 2º e 4º demandados é retroagir a norma restritiva em desfavor do demandante, malferindo, destarte, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito em afronta ao ordenamento (Lei de Introdução ao Código Civil, art. Art. 6º que estabelece; "A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada").

Penso ser razoável compreender que a regra de transição em foco há de se interpretar no sentido de que a contagem do prazo de prescrição, como reduzido pelo novo Código Civil, quando ainda não haja transcorrido mais da metade do prazo, há de ter por termo a quo o início de vigência do novel diploma, sob pena de retroação em prejuízo do demandante, malferindo o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Assim, no momento do ajuizamento da ação transcorrera pouco mais de 01 (um) ano dos três a que alude o art. 206, §3º, V do CC/2002, não estando alcançada pela prescrição.

Análise sob a óptica do Código de Defesa do Consumidor

Por outro lado, abstraindo-se a digressão sobre a modificação do prazo de prescrição pelo novo Código Civil, merece destacar que não há dúvidas quanto à aplicação das normas de proteção ao consumidor ao caso vertente. O demandante utilizou os serviços prestados pelos demandados como destinatário final, sendo, pois consumidor consoante a regra do art. 2º do CDC.

Os demandados enquadram-se na definição de fornecedor, cada um na sua especificidade, consoante previsto no art. 3º do referido diploma. Ainda que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais seja apurada mediante a verificação de culpa (CDC, art. 14, §4º, CC/1916, art. 1.545 e CC/2002, art. 951) - responsabilidade subjetiva -, exceção à regra do CDC que estipula ser objetiva a responsabilidade do fornecedor, vê-se que o demandante pleiteia reparação pelos danos que lhe teriam sido causados pelo fato do serviço, ou seja, pleiteia reparação pelos danos causados em decorrência de defeito na prestação de serviço de assistência médico-hospitalar (CDC, art. 14) - sentido amplo – do que teria resultado perda do testículo direito, daí que o prazo prescricional é de 05 (cinco) anos consoante a previsão do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.

Também nessa hipótese a prescrição ainda não tinha sido alcançada na data do ajuizamento da ação em 15/04/2004, tendo por marco inicial em tela 05/09/1999 quando o demandante deu entrada perante o nosocômio e passou a ser assistido pelo médico plantonista que ali se encontrava, pelo 2º Demandado e pela 3ª Demandada na realização do primeiro exame (USG de bolsa escrotal). Também sob tal óptica a prescrição não se consumara.

Como se depreende, numa ou noutra premissa não há que falar em ocorrência da prescrição. REJEITO A PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO.

29. ILEGITIMIDADE PASSIVA.

O 1º demandado - H.A.de.PE.LTDA. (nome fantasia H.S.J.) levantou preliminar de ilegitimidade passiva, argumentando que não mantém vínculo contratual de trabalho, de preposição, de subordinação, de prestação de serviços autônomos ou de qualquer natureza com os médicos que atenderam o demandante, respectivamente, 2º, 3ª e 4º demandados. Argüição que não se sustenta.

Ora, o demandante foi levado à emergência do H.S.J. e lá foi atendido por médico de plantão que ali estava de serviço e, posteriormente, pelo 4º demandado que o substituiu nessa função. Por outro lado, bem se verifica que o Dr. A.F. – 4º demandado – e o Dr. J.A.C.P. – 2º demandado – figuram(figuravam) como médicos integrantes da equipe profissional do H.S.J., tanto que no encarte publicitário de fls. 64/65 ditos profissionais ali se encontram, com currículo resumido, sob a pomposa chamada: "CONHEÇA A NOSSA EQUIPE DE CLASSE MUNDIAL" sob a responsabilidade do nosocômio demandado, sem impugnação específica na contestação. É evidente a relação de preposição, sob qualquer forma, entre os referidos médicos e o H.S.J., pouco importando se há ou não vínculo empregatício. Veja-se a jurisprudência:

Responsabilidade civil. Atendimento hospitalar. 1. Quando o paciente procura o hospital para tratamento, principalmente naqueles casos de emergência, e recebe atendimento do médico que se encontra em serviço no local, a responsabilidade em razão das conseqüências danosas da terapia pertence ao hospital. Em tal situação, pouco releva a circunstância de ser o médico empregado do hospital, porquanto ele se encontrava vinculado ao serviço de emergência oferecido. Se o profissional estava de serviço no plantão, tanto que cuidou do paciente, o mínimo que se pode admitir é que estava credenciado para assim proceder. O fato de não ser assalariado nesse cenário não repercute na identificação da responsabilidade do hospital. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 400.843/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.02.2005, DJ 18.04.2005 p. 304).

Diversamente do que pretende transparecer o 1º Demandado, o atendimento prestado pelo 2º Demandado não se equipara à hipótese prevista no art. 25 do Código de Ética, pois que o atendimento não se fez em razão da estreita ligação do referido profissional com o hospital em tela. O caso em exame não se assemelha à situação em que o paciente é encaminhado pelo médico que o assiste em consultório privado e o encaminha a determinado hospital para se submeter a determinado procedimento cirúrgico eletivo, por exemplo. Finalmente, ao exibir o médico como integrante da equipe, como acima dito, por óbvio que responde solidariamente pela conduta de tal profissional.

Por tais considerações, a preliminar de ilegitimidade passiva levantada pelo 1º demandado - H.A.de.PE.LTDA. (nome fantasia H.S.J.), é de ser rejeitada, como REJEITADA fica.

Passo ao exame do mérito.


MÉRITO

. Cuida-se de demanda em que o postulante aduz defeito na prestação de serviços médico-hospitalar prestado pelos demandados, a partir de quando deu entrada perante o H.S.J. (1º demandado) em 05/09/1999, após ter sentido forte dores nos testículos e virilha quando assistia a um jogo de futebol. O demandante foi atendido no Setor de Emergência do referido nosocômio, em 05/09/1999, às 17h39, com queixa de dor em bolsa escrotal de forte intensidade, tendo sido examinado pelo médico de plantão, Dr. F.L., CRM 10.735, o qual solicitou a realização de Ultra-Sonografia de Bolsa Escrotal para averiguação do diagnóstico, tendo prescrito medicação para alívio da dor.

31. Consta da inicial que o autor foi atendido sem a devida atenção que o caso requeria, descrevendo condutas desidiosas dos demandados, causando-lhe dor física - diz ter passado a noite do dia 05 de setembro para o dia 06 de setembro, de 1999, sentindo fortes dores e não obteve a devida assistência do 4º demandado, então plantonista -, bem assim pela falta de conclusão no exame de Ultra-Sonografia realizada pela 3ª demandada e, finalmente, aduz que o 2º demandado – urologista – teria agido demorado em fazer o diagnóstico correto do problema, ampliando o sofrimento do demandante, tendo sido necessária a remoção do paciente para outra unidade hospitalar onde, de forma correta, foi diagnosticado que o demandante sofrera torção no testículo direito e submetido a procedimento cirúrgico após a recusa do 2º demandado. Diz, por fim, que em razão de tais condutas desidiosas - omissivas e comissivas -, a caracterizar erro médico, veio a perder o testículo direito e, posteriormente, foi submetido a uma cirurgia plástica para implante de uma prótese, arcando com as despesas dessa operação.

32. Não se compreende a falta de comprovação documental com a inicial, no tocante ao procedimento cirúrgico que o autor teria sido submetido para extirpar o testículo direito (sic). Aliás, sequer se sabe a data da realização de tal procedimento cirúrgico. A única indicação que se tem nesse sentido, pasme, vem a ser no depoimento da testemunha F.L.P. que disse: "que soube por terceiros que o autor colocou uma prótese testicular" (fl. 666), e da testemunha L.A.P.DE.A. que disse ter realizado o referido procedimento cirúrgico para colação da prótese, mas não se lembrou a data, apenas que teria sido realizado tal procedimento "pelo menos após seis meses da 1ª cirurgia", ou seja, da cirurgia realizada pelo Dr. F.P. para tentativa de correção da torção perante o H.M.S.J. depois da transferência do H.S.J. (fl. 669). Como se depreende, fixa-se de logo que a cirurgia a que se submeteu o autor para a retirada do testículo (orquiectomia), conquanto não se saiba a data precisa, se realizou depois de pelo menos seis meses do fato narrado na inicial, como se infere da fala da testemunha que disse ter realizado dito procedimento (fl. 669), o que é crucial para aferir a conduta do 2º demandado e que será objeto de valoração oportuna neste julgado.


DA RESPONSABILIDADE DA 3ª DEMANDADA

Passo ao exame da conduta da 3ª demandada para aferir se há ou não demonstração de que teria agido com culpa no evento, para fins de definir eventual responsabilidade e o seu alcance. À luz do que foi produzido, não há nos autos como tisnar a conduta da 3ª demandada – M.de.L. – a ponto de ser tida por negligente, imperita ou imprudente. Com efeito, a Dra. M.de.L. limitou-se a realizar o exame que lhe foi solicitado – ultra-sonografia de bolsa escrotal – e, ao que tudo indica, tal se fez de modo regular. Na própria narrativa da inicial é possível perceber que a demandada se limitou a agir consoante lhe foi solicitado e, diversamente do que dito na peça de intróito, não foi solicitado que se realizasse naquela oportunidade a USG com doppler. Suprindo a dificuldade de leitura do que consta do laudo que subscreveu, a demandada "traduziu" na contestação o que ali lançou de forma manuscrita, onde se percebe que "a avaliação dos testículos ao mapeamento vascular com Doppler encontra-se tecnicamente prejudicada devido a (sic) inquietude do paciente por ocasião do exame" (fl. 182). Ora, não caberia à demandada fazer o diagnóstico, pois que a sua conduta deveria ficar limitada à realização do exame de USG de Bolsa Escrotal e, no particular, não aponta o demandante eventual desvirtuamento da demandada nessa seara. A repetição do exame ou a realização de outros exames era decisão a ser tomada pelo médico assistente à vista da conclusão do 1º laudo e das queixas do paciente.

34. Nesse sentido é de se constatar que, em face de denúncia ofertada pelo autor perante o CREMEPE, o sindicante do referido Conselho não encontrou indícios de prática infracional ao Código de Ética Médica no agir da demandada (fl. 392). Decerto que o demandante ofereceu recurso administrativo perante a Câmara de Julgamento do Conselho Federal de Medicina, mas tal em nada modifica o entendimento ora esposado. Não se poderia exigir que a demandada realizasse USG com Doppler à medida que lhe fora solicitado USG de Bolsa Escrotal que parece distinto. Os autos revelam que dita Demandada agiu de acordo com a solicitação que lhe foi dirigido, inexistindo prova de que se houvera de modo inadequado. Estou convencido de que dita Demandada agiu como se esperava que agisse na situação em foco.

35. Outra não foi a conclusão do perito judicial. Em resposta à indagação específica da demandada, disse o perito (fl. 453):

"f. A Demandada prestou o serviço que foi solicitado por médico assistente, qual seja, a realização do exame ultrassonográfico da bolsa escrotal. Por iniciativa própria, tentou ir além, no afã benevolente de uma melhor prestação médico-laboratorial, não logrando êxito por motivos alheios à sua vontade (inquietude apresentada pelo próprio paciente, como consta nos autos). Não pode a mesma superar os limites que sua regular atividade lhe imprime, muito menos superar limites que a própria tecnologia ainda não superou".


DA RESPONSABILIDADE DO 4º DEMANDADO

. O autor imputa ao 4º Demandado conduta não compatível para o exercício da medicina, a partir do momento em que dito Demandado substituiu o médico que estava de plantão (Dr. F.), como se depreende de passagem da inicial que se transcreve: "o réu (...) que se revelou uma pessoa inacessível e insensível, ao deixar o autor gritando na Emergência por mais de duas horas, sem qualquer atendimento médico, mesmo diante das reclamações da genitora do demandante junto a enfermeira-chefe que em dado momento chegou a sugerir: porque (sic) o médico não faria a cirurgia?" (sic) – 03. Aduz, em acréscimo, que o Dr. A. não fez visita ao autor apesar de solicitações da genitora do demandante à enfermeira-chefe, a qual "retrucava" dizendo que dito médico prescrevera vários medicamentos que descreve (fl. 04).

37. Conquanto inexista prova de que a enfermeira-chefe tenha feito a sugestão (indagação) - por que o médico não faria a cirurgia? -, sugestão (indagação) descabida para uma profissional de enfermagem, o certo é que não caberia mesmo ao Dr. A. realizar o procedimento cirúrgico reclamado, pois que não tem habilitação específica para tanto. Tal não decorre do fato de o referido demandado ser cirurgião geral como bem consta do laudo pericial, mas porque dito profissional não estava habilitado para a realização de cirurgia urológica. Nesse sentido, a fala das testemunhas não discrepa de tal ilação.

38. Veja-se que a testemunha T.S.B., cujo depoimento teve início à fl. 668 e término na fl. 670 (a fl. 669 deveria ser 670 e vice-versa, mas deixo de determinar a modificação no entranhamento para não tumultuar ainda mais a numeração dos autos), disse que o Dr. A. tem mestrado e doutorado em cirurgia geral e que em cirurgia geral não se faz treinamento para procedimento cirúrgico urológico. Por outro lado, a testemunha F.L.P. (do rol do autor) disse textualmente: "que o cirurgião geral não deve realizar a cirurgia urológica se o paciente foi assumido por cirurgião urológico" (fl. 667), como na hipótese em exame em que o paciente (Demandante) já havia sido assumido pelo Dr. J.A.C.P. – 2º Demandado – em cujo currículo consta ser urologista e atua com cirurgia nessa área desde 1970 em diversos hospitais (fl. 228). De sorte que não se poderia exigir do Dr. A. conduta diversa, pois que uma vez tendo o urologista assumido o paciente, ao referido profissional incumbiria indicar ou não eventual procedimento cirúrgico urológico, não se podendo exigir que tal fosse prescrito pelo cirurgião geral que não estava habilitado para tanto. Também não foi outra a conclusão do perito judicial (fl. 448), devidamente ratificada nos esclarecimentos que prestou (fls. 546/547).

39. O Dr. A. passou a atuar no plantão a partir das 19h de 05/09/1999, quando, então, inteirou-se da situação do paciente e, ao ser informado pela Dra. M.DE.L. do resultado da USG de Bolsa Escrotal, cujo diagnóstico estava prejudicado, e diante da possibilidade de diagnóstico como "orquite ou torção de testículo", fez contato com o Dr. J.A. – 2º demandado – que já tinha sido contatado anteriormente pelo Dr. F., a quem o 4º Demandado sucedeu no plantão. Os autos revelam que o paciente (demandante) foi devidamente assistido pelo Dr. A. e pelo Dr. C.B. – médico clínico – que também estava de plantão naquela oportunidade. Nesse sentido se pode constatar no depoimento que prestou na instrução (fl. 668). Não se poderia mesmo exigir que o Dr. A. permanecesse em atendimento exclusivo ao Demandante, até porque esse já tinha sido assumido pelo 2º Demandado - médico urologista -, pois que por certo havia outros pacientes a examinar. Acaso o demandante ou seus familiares não tenham ficado satisfeitos com o atendimento então prestado - questão subjetiva a ser respeitada -, tal por certo, à luz dos autos, não tem o condão de imputar desídia ao referido Demandado, mormente porque o prontuário do Autor, exibido pelo H.S.J., permite identificar a prescrição de medicação para o combate à dor referida pelo então paciente (Autor).

40. Instado a se pronunciar, o perito do juízo concluiu que "o demandante foi plenamente medicado do ponto de vista da sua sintomatologia dolorosa. Disso não nos resta dúvida!!" (fl. 449), para adiante afirmar que havia a presença do clínico de plantão (Dr. C.B.), que também atendeu ao paciente (demandante), de sorte que a tese de falta de atenção de parte dos médicos da urgência, em especial do Dr. A., fica enfraquecida (fls. 449/450).

41. Nesse sentido, por igual, em face de denúncia ofertada pelo autor perante o CREMEPE, é de se constatar que o sindicante indicado pelo Conselho também não encontrou indícios de prática infracional ao Código de Ética Médica no agir do referido Demandado (fl. 392). Decerto que o demandante ofereceu recurso administrativo perante a Câmara de Julgamento do Conselho Federal de Medicina, mas tal em nada modifica o entendimento ora esposado.

Conclusão em relação aos demandados M.DE.L. L. e A.A.B.F..

42. De tudo quando examinado e ponderado, não vejo como dissentir da conclusão do experto no tocante às condutas da 3ª Demandada e do 4º Demandado, mormente porque o Demandante, mesmo tardiamente, não conseguiu infirmar tal entendimento, pois não se desincumbiu do ônus da prova no que diz em conta com a alegada conduta culposa dos agentes respectivos e o nexo causal entre dita conduta e os danos que alega ter sofrido. À luz do que foi produzido, inexiste justa causa para imputar responsabilidade civil aos referidos demandados e lhes impor o dever de reparar os alegados danos por ventura sofridos pelo Autor, pois que não demonstrado que tenham agido com culpa e, no particular, o ônus era do postulante (CPC, art. 333, I), o qual não se desincumbiu a contento. Merece destacar que o autor, nos memoriais, diz que o posicionamento do perito se limitou "tão-somente aos aspectos técnicos" (fl. 700).

Ora, não se exige do perito a análise de questões jurídicas contratuais, muito menos se a apuração da responsabilidade se faz pela teoria objetiva ou subjetiva. É do julgador a missão e obrigação legal de assim proceder. Eventual manifestação do perito nessa seara, além de despicienda, não teria o condão de vincular o julgador que deverá firmar o convencimento utilizando o parecer do experto naquilo que o juiz não está habilitado e, nesse particular, a perícia é mesmo de grande valia no exame dos aspectos técnicos a cargo do profissional nomeado perito em cotejo com os demais meios de prova. À luz dos autos, não há como impor o dever de reparação aos 3º e 4º demandados, pelo que deve ser julgado improcedente o pedido do Autor em relação aos referidos Réus.

43. Em consectário lógico e racional, também sob tal óptica, inexiste responsabilidade civil a imputar ao H.S.J. (1º Demandado), no tocante ao agir do Dr. A.F., equiparável à condição de preposto consoante entendimento consolidado no item 28 deste julgado ao afastar a preliminar de ilegitimidade passiva. Não é ocioso registrar que o Demandante não atribuiu ao 1º Demandado responsabilidade em razão do serviço prestado diretamente pelo nosocômio através do corpo de enfermagem etc. Ademais, a alegação constante do item 9º da peça inicial não parece razoável, seja porque não demonstrado o fato ali narrado, seja porque a suposta coação sofrida pelo genitor do Demandante é questão que, acaso tenha ocorrido, apenas teria atingido dita pessoa, especificamente, não sendo possível compreender a irradiação de tal conduta a ponto de atingir o Demandante, até porque, quando dos procedimentos administrativos ali descritos, esse (Autor) já estava internado em outro hospital e já havia sido submetido ao procedimento cirúrgico de correção para preservação do testículo direito pelo Dr. F.P.. Ao final, uma vez apurada a responsabilidade subjetiva do 2º Demandado, será definido se há ou não causa justa a imputar responsabilidade ao 1º Demandado como decorrência da responsabilidade objetiva. É o que se examina doravante.


DA RESPONSABILIDADE DO 2º DEMANDADO

. A questão ora em exame parece mais complexa e se examinará com mais vagar, mormente porque versa sobre matéria eminentemente técnica e complexa - absolutamente estranha à habilitação do julgador - a exigir maior perquirição; daí que de grande valia o parecer do experto, a doutrina médica acostada, a prova testemunhal e o parecer do sindicante perante o CREMEPE. Passo ao exame minudente das provas.

45. Antes, porém, é de afastar a alegada litigância de má-fé deduzida pelo referido 2º Demandado nos memoriais, pois que, já na inicial o Demandante, ainda que de forma tangencial, aduz ter perdido o testículo direito e ter recebido, em conseqüência, um implante de prótese (fl. 11), o que findou comprovado através do depoimento do médico (Dr. L.A.P.DE.A.) que realizou dito procedimento cirúrgico de retirada do testículo (orquiectomia) - fl. 669. O só fato de o autor não ter mencionado na inicial a data da realização de tal cirurgia, bem assim não ter juntado prova documental, é matéria que afeta ao mérito da querela, conquanto seja um complicador a mais no deslinde da controvérsia, podendo até levar à improcedência do pedido, por eventual ausência de prova do elo de ligação (nexo causal) a permitir que se conclua que dita orquiectomia decorre, estreme de dúvidas, da alegada conduta desidiosa do 2º Demandado, mas tal não implica conduta "dissimulada" do Demandante capaz de se amoldar às hipóteses do art. 17 do CPC, como entende o 2º Réu, razão porque rejeito a alegada litigância de má-fé deduzida em memorial pelo referido Réu (fl. 707). Eventuais deficiências na narrativa fática e/ou produção da prova é questão que diz em conta com o mérito da querela, mas longe estar de configurar litigância de má-fé. Rejeito a argüição do 2º Demandado à falta de conformação com a conduta legal requestada.

46. De logo é de registrar que, consoante se depreende da conclusão exarada pelo sindicante – J.G.B.A., CREMEPE 5085 -, o Dr. J.A.C.P. não prestou a assistência médica que se lhe exigiria, mormente diante do currículo que fez questão de exibir, mas, para saber se a perda posterior do testículo tem ou não relação de causa e efeito com tal agir - demora em efetuar o diagnóstico - depende da conjugação dos demais meios de prova e que será esmiuçada. Veja-se o que disse o sindicante:

"exatamente por se tratar de emergência médica, há indícios de que possa ter havido infração ao código de ética médica no seu artigo 29 (imperícia, imprudência ou negligência), por parte do Dr. J.A.C.P., médico responsável pela assistência do menor P.A.de.O.M., quando da sua hospitalização no H.S.J.. Inicialmente, o exame solicitado no primeiro atendimento do paciente, ultrasonografia da bolsa escrotal, não apresenta sensibilidade ou especificidade para o diagnóstico em questão, torção de testículo. O exame apropriado seria o Doppler para estudo da irrigação testicular. Entretanto, o Doppler só foi solicitado no dia seguinte, quando o paciente já apresentava mais de 18 h de doença. Da mesma forma, o exame cintilográfico, que também apresenta sensibilidade e especificidade próximas do Doppler, também só foi realizado no dia seguinte ao atendimento. Mesmo na ausência de exames subsidiários ou de resultados inconclusivos, a hipótese diagnóstica de torção de testículo, bem alicerçada na história do paciente, como no caso, e no exame clínico, indica a abordagem cirúrgica, pelo elevado risco de dano testicular irreparável" (destaquei) – fl. 392.

47. Também merece destacar que o exame de ultra-sonografia de bolsa escrotal foi solicitado pelo médico de plantão – Dr. F.L., CRM 10.735, que primeiro prestou assistência ao Demandante na Emergência do H.S.J., como bem dizem as contestações do referido nosocômio (fl. 110) e do Dr. A. (fl. 149), mas, como se infere, tal teria sido decorrente de indicação do 2º Demandado (fl. 202), mas não se solicitou de imediato o Doppler como se constata nos autos. Nesse sentido é possível visualizar que o exame solicitado foi USG de Bolsa Escrotal (fls. 38 e 125). O próprio autor fez menção equivocada na inicial (fl. 03) e, pasme, mesmo sabendo que assim não procedera e, como se presume, tinha conhecimento do prontuário do autor perante o S.J. ao prestar o 1º atendimento, o 2º Demandado alimentou tal equívoco na contestação (item 3.2 – fl. 202) – sic.

48. Nada obstante o exame (USG de Bolsa Escrotal) realizado pela Dra. M.DE.L. (que por conta própria ainda tentou avançar para o Doppler, mas não conseguiu) não ter sido conclusivo, o Dr. J.A. – 2º Demandado – não viu necessidade de solicitar exame de Ultra-Sonografia das Veias Espermáticas com Doppler naquela oportunidade, apesar de indicar como hipóteses de diagnósticos o seguinte: "Orquiepididimite D + Torção de cordão D + Trauma?", e prescreveu inicialmente o tratamento clínico. Assim está registrado no prontuário médico (fl. 128), é confirmado pelo H.S.J. (fl. 111) e pelo próprio 2º Demandado (fl. 203). Daí se compreender porque o sindicante viu indícios de infração ao Código de Ética Médica por parte do Dr. A., pois que na espécie era de ter sido solicitado o exame de Ultra-Sonografia com Doppler, mas tal só ocorreu depois de mais de 18h da doença. É óbvio que, apesar das hipóteses de diagnósticos que lançou, fica claro que estava mais inclinado para a "orquiepididimite" ou "orquite", inflamação nos testículos como consta da inicial (item 4º da respectiva).

49. A literatura médica referida pelo sindicante do CREMEPE, que o ampara a admitir a possibilidade de infração ao Código de Ética Médica por parte do 2º demandado, e a forma incisiva como se houve o indicado do Conselho, dando conta de que "O atendimento a um adolescente com dor no testículo de início agudo, representa uma emergência médica, frente à possibilidade diagnóstica de torção testicular (Marx JÁ et al. Rosen’s Emergency Medicine: Concepts and Clinical Pratice, 5th ed. Mosby, 2002). Nesta afecção a variável tempo é de extrema importância no diagnóstico do testículo acometido; diagnóstico e tratamento realizados após 6 horas do evento elevam bastante a chance da necrose do testículo. A possibilidade de necrose testicular ultrapassa 90% quando o tratamento é realizado após 24 h de evolução (McCollough M & Sharieff G. Abdominal surgery emergencies in infants and young children. Emerg Méd Clin North Am 2003; 21(4):909-35) Exames de imagem podem ser apropriados em certos casos, entretanto, nunca devem ser postergar a abordagem cirúrgica nos caos em que ocorra forte suspeita clínica (Walsh PC et a. Campbell’s Urology. 8th ed. Elseiver, 2002)" – fl. 391 (negritei), talvez explique o inconformismo do 2º demandado com o laudo pericial - resposta ao primeiro quesito formulado pelo 2º Réu (fl. 450) - que está em sintonia com a manifestação do sindicante em tela. Curiosamente, o referido 2º demandado não fez qualquer menção à peça da lavra do sindicante, mas centrou carga na conclusão do perito que, em outras palavras, se assoma à conclusão do sindicante.

50. Daí se compreender, por igual, a impertinência da afirmação do 2º demandado no item 10 do seu pronunciamento sobre o laudo pericial, querendo induzir o julgador a compreender que no prontuário médico apresentado pelo H.M.S.J., à fl. 343, "lê-se claramente que a cirurgia realizada por Dr. F.P., em 06/09/1999, teve como resultado a CONEXÃO DE TORÇÃO DE TESTÍCULO D + ORQUIPEXIA" (sic) – fl. 494, quando até este JUIZ que não tem habilitação na área médica - em especial em caligrafia dos médicos em geral – consegue ler sem maiores dificuldades e sem qualquer esforço intelectivo que o médico (Dr. F.P.) ali lançou "operado = Correção de torção do testículo D + orquipexia" (fl. 343) - destaquei.

Impertinente, em conseqüência, a formulação dos novos quesitos nas alíneas "a", "b" e "c" pelo 2º Réu (fl. 496), não merecendo respostas diversas daquelas feitas pelo perito ao prestar os esclarecimentos (fl. 553). No mais, a resposta à indagação constante da alínea "d" formulada pelo 2º Réu à fl. 497, objetivando saber se a conduta do médico que operou o autor no H.M.S.J., após a demora no diagnóstico por parte do 2º Réu, está em perfeita sintonia com o depoimento do referido médico (Dr. F.P.) na audiência de instrução e julgamento, quando disse "que na hipótese de torção completa era possível perceber necrose, contudo tal não era a situação do autor naquela oportunidade razão pela qual o testículo foi preservado" (fl. 666).

51. Por último, revela-se impertinente a assertiva do 2º Demandado ao afirmar: "13. Também causou espanto a tentativa do Sr. Perito de atribuir responsabilidade ao Demandado J.A. pelo erro verificado quando da solicitação da primeira Ultra-sonografia com Doppler, ou mesmo pela demora na realização dos exames solicitados" (sic) – fl. 494. Não caberia ao perito responder de forma diversa senão que "13. O primeiro exame solicitado, consta nos autos, não foi ‘ultra-sonografia com Doppler (vide fls. 16). Este Perito não faz ‘tentativa’ nenhuma, ele retira seu entendimento dos autos lhe oferecidos para análise pericial apenas" (fl. 552) - destaquei. Tal agir do 2º Demandado, afirmando o que não fez, revela, ao meu sentir, que a diligência requerida por ele (2º Demandado) no sentido de tomar novos esclarecimentos do perito em audiência de instrução e julgamento, a par de impertinente por demandar juízo especulativo do experto, não era mesmo de ser acatada, pois que sem perspectiva de resultado útil, só contribuindo para dificultar o convencimento do julgador, razão porque se ratifica a decisão denegatória, repita-se, cabendo mesmo ao TJPE, se for o caso, apreciar o agravo que foi convertido em retido.

52. De tudo quanto narrado, não tenho dúvida em afirmar que o 2º Réu se houve sem a devida cautela e perspicácia que se lhe exigia, pois, apesar de ter anotado no prontuário do Autor os diagnósticos possíveis como sendo "orquiepididimite + torção de cordão d + trauma?", após o atendimento que fez às 21h de 05/09/1999, só solicitou a realização dos exames apropriados no dia seguinte, tanto que o sindicante do CREMEPE apontou de forma incisiva que "o Doppler só foi solicitado no dia seguinte, quando o paciente já apresentava mais de 18 h de doença. Da mesma forma, o exame cintilográfico, que também apresenta sensibilidade e especificidade próximas do Doppler, também só foi realizado no dia seguinte ao atendimento. Mesmo na ausência de exames subsidiários ou de resultados inconclusivos, a hipótese diagnóstica de torção de testículo, bem alicerçada na história do paciente, como no caso, e no exame clínico, indica a abordagem cirúrgica, pelo elevado risco de dano testicular irreparável" (destaquei) – fl. 392, mas assim não se conduziu o 2º Réu. É óbvio que o sindicante não faria tal afirmação sem um mínimo de base científica.

53. Apesar da conduta inadequada com que se houve o 2º Réu - disso estou convencido -, a questão que se coloca é a seguinte: a perda posterior do testículo direito do Autor tem relação de causa e efeito com a conduta desidiosa do 2º Réu? É o que passo a examinar.

54. Na apuração da responsabilidade civil do médico há que se perquirir o elemento culpa e o nexo causal entre a conduta culposa e o dano, consoante bem definido no art. 159 do Código Civil em vigor na data do evento (correspondente ao art. 186 do novel diploma material) que, a despeito de se aplicar à teoria da responsabilidade aquiliana, também tem aplicação quando se trata de ilícito contratual como na espécie em trato. Acaso não reste demonstrado qualquer dos requisitos em tela, a conseqüência será a ausência de causa justa para se imputar a responsabilidade e o dever de reparar, pois que a conduta culposa constatada em relação ao atendimento dispensado pelo 2º Demandado ao Demandante não terá sido a causa da necrose posterior e conseqüente extirpação e implante de prótese de silicone no testículo direito do então paciente.

55. Estabelece o Código de Processo Civil:

Art. 128.  O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

56. Nesse sentido, é preciso fixar os contornos da lide, pois que o julgador está adstrito ao pedido e respectiva causa de pedir. A causa de pedir principal que o Autor deduz para ver condenado os Réus, em especial o 2º Demandado - no tocante à conduta dos 3º e 4º Demandados já se consolidou o convencimento do julgador de que não há nos autos causa justa a amparar a pretensão inaugural em relação aos referidos Réus -, após toda a narrativa fática está direcionada para a assertiva lançada no item 10º da inicial assim transcrita: "A omissão voluntária, a negligência e a imprudência dos réus, causou danos morais e materiais ao autor, porque dessa omissão, negligência e imprudência resultou para o suplicante a perda do testículo direito, com a necrose focal daquele testículo, como prova o exame realizado no L.da.C.L.A., provando os exames anteriores e que também se faz anexar que tal situação poderia ter sido evitada se o autor tivesse sido operado de urgência e essa perda transformou a vida do autor para pior, causando-lhe danos morais, pela perda do testículo direito, que lhe torna diferente dos demais e danos materiais, porque com o fim de atender uma solução estética, o autor submeteu-se a uma operação plástica, posteriormente, para colocação de uma prótese de silicone, arcando com as despesas dessa operação, como provam os documentos juntos e se provará em audiência, com ouvida de testemunhas" (fl. 06) - destaquei. A causa de pedir secundária, coadjuvante, vem a ser a suposta falta de atenção no atendimento de emergência e as dores suportadas pelo Autor, que restou seriamente debilitada quando do exame das responsabilidades dos 3º e 4º demandados e será complementada ao final.

57. Fixada a premissa à qual fica adstrita a atuação do julgador, mormente quanto à aqui designada causa de pedir principal, bem se ver que é crucial a data da realização da cirurgia de retirada do testículo (orquiectomia) e o implante da prótese para fins de aferição do nexo causal; sem o que não há como impor o dever de reparar pela não caracterização da responsabilidade civil. Consoante se depreende da assertiva retro, o autor aponta o exame realizado na C.L.A. para justificar a necessidade de realização da cirurgia de retirada do testículo e implante da prótese. Decerto que no resultado de tal exame, cujo laudo está entranhado à fl. 60, consta a assertiva "A DOPPLERFLUXOMETRIA COLORIDA mostra fluxo arterial e venoso em ambos os testículos, porém com menor intensidade no direito" e, em seguida, aponta: "CONCLUSÃO: NECROSE FOCAL DO TESTÍCULO DIREITO + DOPPLERFLUXOMETRIA NORMAL" (fl. 60).

58. O perito do juízo e o assistente técnico indicado pelo 2º Demandado fazem considerações diversas quanto ao resultado do referido exame realizado na C.L.A.. Para o perito, a conclusão ali encartada, aqui transcrita - "NECROSE FOCAL DO TESTÍCULO DIREITO + DOPPLERFLUXOMETRIA NORMAL" (fl. 60) - é incoerente, pois, na visão do experto, o laudo ao afirmar fluxo arterial e venoso em ambos os testículos, porém com menor intensidade no direito, não poderia ser considerado exame normal. Para o assistente, o resultado de tal exame, após 17 dias da realização da primeira cirurgia pelo Dr. F.P., indicava que o testículo estava saudável, ou seja, como se infere do parecer do assistente a conclusão de normalidade era coerente.

59. Divergências conceituais à parte, a conclusão do Dr. L.A. - não infirmada - parece permitir a conclusão do referido assistente de que pode ter havido "nova torção, sem qualquer relação com o evento anterior". Nesse sentido, aponta literatura médica (Sound of Sugery, volume 72 (1), January 2002, p. 46/48) e diz que "há vários casos de Orquidopexia sobre torção testicular recorrente após prévia fixação testicular" (fl. 491). Nesse particular é de se verificar o que foi dito pelas testemunhas (arroladas pelo autor) que fizeram a cirurgia de correção - Dr F.P. – e, posteriormente, a retirada do testículo direito – Dr. L.A.P.DE.A., que merecem transcrição:

Excerto do depoimento do Dr. F.P.

"que, no resultado do exame que consta a fl. 60 dos autos, percebe-se que havia fluxo arterial em ambos os testículos, embora com menor intensidade no testículo direito onde existe necrose focal; que no exame que consta na fl. 31 dos Autos, realizada pelo M., consta inexistência de fluxo, embora nas imagens se possa perceber pequenos sinais de fluxo. (...): que não é comum haver torção e destorção em testículo em curto espaço de tempo, mas existe; que não é possível haver uma torção recorrente após a fixação testicular; (...) que não se recorda por quanto tempo permaneceu acompanhando o autor, mas ao receber o autor e familiares com o resultado do exame de ultra-som pós-operatório recomendou a realização de cirurgia para a retirada do testículo diante da possibilidade de outras complicações acaso o procedimento não fosse realizado e a partir daí não mais acompanhou o autor; que o exame de fl. 60 não é o exame que foi exibido ao depoente e de que resultou a indicação cirúrgica para extração do testículo até onde se recorda o depoente; que pelo exame de fl. 60 dos autos não indicaria a realização de cirurgia de retirada do testículo; (...) – 667. Destaquei.

Excerto do depoimento do Dr. L.A.P.DE.A.

(...) que não se recorda a data da cirurgia, mas afirma que a cirurgia que realizou no autor pelo menos após seis meses da 1ª cirurgia já mencionada; (...) que a vista do laudo de fl. 16 seqüenciado pela 1ª evolução clínica do paciente (fl. 129) e o documento de fl. 60 não pode fechar o diagnóstico; que diante da documentação em referência e que lhe foi exibida na audiência, o depoente não poderia fechar um diagnóstico de torção, mas devera suspeitar da possibilidade da torção; (...) que é possível diagnosticar torção intermitente; (...) que não é do conhecimento do depoente se a literatura médica registra possibilidade de ocorrência de uma torção recorrente após uma torção testicular (...) – fl. 669. Destaquei.

60. Do que dito por tais testemunhas - com atuação marcante após a assistência prestada pelos Demandados - é possível concluir: a) que o exame realizado no Laboratório L.A., em 23/09/1999, ou seja, no 17º dia subseqüente à cirurgia para correção da torção primitiva, apesar de apresentar necrose focal do testículo direito - conforme laudo apresentado - não era suficiente para a indicação de cirurgia de remoção do referido órgão, por parte do cirurgião que fez a primeira cirurgia; b) que dito exame não foi aquele exibido pelo demandante e familiares, ao referido médico e que, como afirmou na audiência, sugeria a indicação da cirurgia para a extração, ou seja, o laudo de fl. 60 não serviu de base para a indicação e realização da cirurgia radical (extração do testículo direito do autor) consoante se depreende da fala do próprio médico que realizou dita cirurgia; c) a cirurgia para retirada do testículo direito ocorreu depois de pelo menos 06 (seis) meses da cirurgia realizada para correção da torção; d) que o exame realizado no 17º dia após a cirurgia de correção indicava fluxo de sangue importante no testículo direito, ainda que em menor intensidade que aquele no testículo esquerdo, de sorte que não havia indicação para a cirurgia de retirada do testículo, conforme dito pelos profissionais envolvidos diretamente em cada procedimento cirúrgico específico.

CONCLUSÃO: a) o autor deixou de produzir o(s) exame que ensejou a indicação cirúrgica radical (extração do testículo direito); b) a alegação constante do item 10º da inicial, qual seja, que o exame realizado no Laboratório L.A. ensejou a retirada do testículo direito do autor (fl. 06) não ficou demonstrada, tendo sido infirmada pela fala do médico que realizou a referida cirurgia (testemunha apresentada pelo próprio autor) – prova produzida pelo postulante; c) ora, se dito exame fosse mesmo o que ensejou a realização da cirurgia de retirada do testículo, era razoável que tal procedimento deveria ter-se consumado em tempo bem menor, e não deveria esperar para se realizar apenas 06 (seis) meses depois, como o foi segundo o médico que a realizou. Em conseqüência, nada nos autos permite que se conclua com um mínimo de certeza que a demora no diagnóstico, por inadequação na abordagem por parte do 2º Demandado, tenha levado à realização da orquiectomia (cirurgia de retirada) do testículo direito do autor depois de 06 (seis) meses daquele evento.

61. A justiça que emana da atividade jurisdicional não se pauta por sentimentos e presunções subjetivas; funda-se no ordenamento jurídico, que nem sempre tem suas leis sintonizadas com a expectativa social, cabendo ao magistrado firmar o convencimento mediante o cotejo harmônico das provas produzidas pelos litigantes. A justiça feita com base em tais pressupostos não é infalível, pois depende das provas que as partes produzem ou deixam de produzir. Não basta simples exame de possibilidade, mas de probabilidade calcada em substrato probatório consistente. Nesse sentido, a decisão judicial pauta-se pelo exame do ônus probatório que cabe a cada litigante, conforme previsto na legislação processual civil.

62. É do Autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito alegado (CPC, art. 333, I) e, no particular não há liame causal a permitir a ilação de que a perda do testículo tenha sido decorrente da demora no diagnóstico, sendo, pois razoável a consideração do assistente técnico indicado pelo 2º Demandado, ao afirmar: "a torção testicular é um quadro agudo e o sofrimento é imediato, isto querendo dizer que não seria possível o Autor permanecer por 17 dias com tal quadro e ainda ter como resultado de seu exame que havia fluxo testicular bilateral. O exame realizado pelo Dr. L.A. Jr. foi taxativo quanto à presença de fluxo arterial e venoso no testículo direito, quando se sabe que nos casos de lesão testicular irreversível os fluxos arterial e venoso são inexistentes" (fl. 491).

63. Não dissentem substancialmente o perito e o assistente técnico. Destaca-se, no particular, que o perito judicial não desmereceu o laudo respectivo, apenas compreendeu que tal exame não poderia ser tido normal por apresentar necrose focal e, ao mesmo tempo, afirmar a existência de fluxo sanguíneo em ambos os testículos, apenas com menor intensidade no direito. Conjugando as manifestações de ambos os expertos com o que foi dito pelas duas principais testemunhas arroladas pelo Autor (veja transcrição no item 58 retro), outra ilação não se chega senão que dito exame não serviu de amparo para a indicação da cirurgia radical que se realizou pelo menos 06 (seis) meses após o evento narrado na inicial e que ensejou a realização de cirurgia para a correção da torção para preservação do órgão naquela oportunidade. As falas de ambos os expertos estão em sintonia com o que foi dito pelos médicos que realizaram as duas cirurgias – correção de torção e posterior retirada do testículo direito após pelo menos seis meses daquela.

64. Sob tal óptica, portanto, resta rompido o nexo causal entre a conduta inadequada com que se houve o 2º Demandado e a cirurgia radical (extração do testículo) que se realizou em prazo relativamente longo, sugerindo mesmo que o procedimento radical em tela pode ter sido causado por nova torção após a cirurgia realizada pelo Dr. F.P. para a correção da torção primitiva, ainda que o Dr. F.P. tenha afirmado desconhecer torção recorrente (fl. 667); contudo, não se pode deixar de ponderar que o Dr. F.P. é cirurgião pediátrico e o assistente técnico – Dr. R.A.C.F., CRM 6229 – é cirurgião urologista (fl. 489).

65. No mais, de se registrar que o Autor, por seus novos advogados, parece pretender fazer "mea-culpa" e, diante da inexistência de nexo causal entre a demora no diagnóstico quando do atendimento realizado no H.S.J. e a extirpação do testículo direito - sequer consta na inicial a data e o hospital onde tal cirurgia se realizou -, traz à liça a questão atinente ao quadro de dor sofrido pelo Demandante. Decerto que não há dúvida quanto à dor física sofrida pelo Autor - fato notório quando se trata de problema envolvendo os testículos -, mas os autos revelam, em especial o prontuário referente ao atendimento no H.S.J., que todas as providências foram adotadas para combater a dor. Nesse sentido não há o que dissentir do que foi dito pelo perito. A dor é conseqüência do quadro apresentado, mas o hospital – pelos plantonistas e corpo de enfermagem – adotou as medidas ao seu alcance para minimizar as conseqüências daí advindas.

66. De tudo o que foi agitado e produzido ou deixado de produzir, emerge cristalino que há evidente conflito de versões entre os contendores diretos. Os procedimentos adotados pelos prepostos do H.S.J., como assentiu o perito e revela o prontuário, o atendimento prestado ao Demandante foi normal, próprio de atendimento emergencial, e o quadro de dor, infelizmente sempre associado em patologias que tais, recebeu a devida atenção dos profissionais envolvidos naquela oportunidade. Manifesto o conflito de provas, resulta dos autos dúvida intransponível quanto ao fato em si mesmo, não se podendo de per si dizer que a versão de um ou de outro resulta (in)verossímil. O ônus de provar o fato constitutivo do direito alegado é da parte autora (inclusive está muito bem representado, mas a prova disponibilizada pelo autor é de uma fragilidade atroz quanto ao liame causal entre a conduta prestada no primeiro atendimento e a cirurgia radical que findou por ocorrer) que, à luz do caderno instrutório, não se desincumbiu a contento. A decisão judicial há de se fundar em juízo de probabilidade calcada nas provas que partes produzem ou deixam de produzir, nunca em mero juízo de possibilidade.


DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido na inicial. Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e da taxa judiciária, bem como honorários advocatícios de sucumbência no valor de R$8.000,00 (oito mil Reais) para o devido rateio, observando o que previsto no art. 20, §4º do CPC, com atualização a partir desta data, bem assim ao pagamento dos honorários periciais adiantados por cada Demandado, com as devidas correções legais.

P.R.I.

Recife, quarta-feira, 08 de novembro de 2006.

Alberto Flávio Barros Patriota

Juiz de Direito


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PATRIOTA, Alberto Flávio Barros. Erro médico. Insuficiência de provas. Não configuração de dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1630, 18 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16827. Acesso em: 28 mar. 2024.