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Partes têm direito de acesso aos autos de sindicância investigativa

Partes têm direito de acesso aos autos de sindicância investigativa

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Parecer defende que os investigados têm direito de acesso aos autos de sindicância investigativa, por se tratar de caso simétrico ao de que trata a Súmula Vinculante nº 14.

Parecer n.º xxxxxxxxx

Interessados: Reitor do Instituto Federal de Tecnologia, Presidente da Comissão de Sindicância e Professores.

Ementa: Sindicância Investigativa. Acesso aos autos. Súmula Vinculante nº 14. Inquérito Policial. Distinguishing. Ratio Decidendi. Aplicação da súmula no caso de sindicância investigativa.


I – Relatório

Ocorreu que, no dia 12 (sexta-feira) de junho do corrente ano, quatro professores do Curso de Design de Interiores do Instituto Federal de Tecnologia foram intimados, por meio do Memorando 035/2009-COSPAD, da Comissão Permanente de Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar, a prestar esclarecimentos no âmbito da Sindicância Investigativa nº 23052.004027/2009-16, na qual os professores estariam sendo investigados.

Os professores, através de seus advogados, buscaram ter acesso aos autos do procedimento acima citado, porém tal pleito foi negado pelo presidente da Comissão de Sindicância, sob o argumento de que a Sindicância Investigativa é procedimento inquisitorial e sigiloso, não sendo possível o acesso aos autos, nem a retirada de cópias.

Insatisfeitos, os professores interpuseram Recurso Hierárquico dirigido ao reitor da mencionada instituição de ensino. Este, por sua vez, antes de decidir, remeteu os autos a esta Consultoria Jurídica, indagando sobre a possibilidade dos professores investigados terem acesso ao inteiro teor da Sindicância Investigativa nº 23052.004027/2009-16.

É o relatório. Passo a opinar.


II – Fundamentação

O Presidente da Comissão Processante baseou-se no fato de se estar diante do que se denomina Sindicância Investigativa, para impossibilitar o acesso ao teor do procedimento. Tal postura deve-se a orientação dada pela Controladoria Geral da União, por meio de seu Manual do Procedimento Administrativo Disciplinar. Segue-se trecho do referido manual:

Historicamente, o termo "sindicância" sempre foi empregado para se referir à apuração de qualquer fato supostamente ocorrido, acerca de qualquer matéria de que trate a administração pública - não necessariamente para apurar irregularidade disciplinar cometida por servidor -, de que se teve conhecimento de forma genérica e sem prévia indicação de autoria (ou concorrência). Daí, em geral, nessa acepção, o termo refere-se a procedimento administrativo investigativo (ou preparatório) discricionário (sem rito previsto em norma, à margem do devido processo legal) e de natureza inquisitorial (sem a figura de acusado a quem se conceder ampla defesa e contraditório). A sindicância inquisitorial pode ser instaurada por meio de ato de desnecessária publicidade, designando apenas um sindicante ou uma comissão com número de integrantes a critério da autoridade competente.

STF, Mandado de Segurança nº 22.791: "Ementa: A estrita reverência aos princípios do contraditório e da ampla defesa só é exigida, como requisito essencial de validez, assim no processo administrativo disciplinar, como na sindicância especial que lhe faz às vezes como procedimento ordenado à aplicação daquelas duas penas mais brandas, que são a advertência e a suspensão por prazo não superior a trinta dias. Nunca, na sindicância que funcione apenas como investigação preliminar tendente a coligir, de maneira inquisitorial, elementos bastantes à imputação de falta ao servidor, em processo disciplinar subseqüente."

Esta sindicância inquisitorial, que pode ser instaurada por qualquer autoridade administrativa, não é prevista na Lei nº 8.112, de 11/12/90, e, como tal, não se confunde com a sindicância contraditória, prevista nos arts. 143 e 145 daquele diploma legal e que, de forma excludente, somente pode ser instaurada por autoridade competente para a matéria correcional. Não obstante, a sindicância inquisitorial, por falta de rito definido em qualquer norma, pode adotar, extensivamente, no que cabível, os institutos, rito e prazos da sindicância contraditória.

Além de servir, em regra, como meio preparatório para o processo disciplinar, pode ser aplicada em qualquer outra circunstância que comprometa a regularidade do serviço público. Assim, o seu relatório tanto pode recomendar instauração de processo disciplinar, como também pode esclarecer fatos, orientar a autoridade sobre falhas e lacunas normativas ou operacionais, propor alteração ou rescisão de contratos de terceirizados e de prestadores de serviços em geral, instauração de tomada de contas especial (abordada no Anexo III), recomendar medidas de gestão de pessoal ou de gerência administrativa, alteração do ordenamento e criação ou aperfeiçoamento de rotinas e de sistemas internos de controle.

A Portaria-CGU nº 335, de 30/05/06, em seus arts. 4º, II e 12, § 1º, conforme 2.1.4, reconhece o instituto da sindicância investigativa (ou preparatória) como um instrumento de apuração de irregularidades.

No antigo ordenamento, reservava-se apenas a expressão "processo administrativo disciplinar" para se referir ao rito de fim correcional ao qual se garantia ampla defesa (o revogado Estatuto, a Lei nº 1.711, de 28/10/52, previa um único rito, o do processo administrativo disciplinar, e, a rigor, exigia sua observância apenas para aplicar as penalidades mais graves, de suspensão de mais de trinta dias e penas capitais).

Na hipótese de seus trabalhos culminarem no entendimento, ainda que preliminar, de suposto cometimento de irregularidade administrativa, o sindicante ou a comissão de sindicância, obrigatoriamente, representará à autoridade instauradora, propondo instauração de procedimento disciplinar, conforme determina o art. 143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90. Dessa maneira, esse sindicante ou esses integrantes da comissão, consubstanciando-se em representantes, e tendo exarado em seu relatório convicção formada unilateralmente, sem participação contraditória do servidor, estariam impedidos de atuar no consecutivo rito contraditório. Acrescente-se que o mesmo se aplica a membros de equipe de auditoria.

Ora, mesmo que se trate de sindicância investigativa, consoante a mais autorizada doutrina e o entendimento pacificado na jurisprudência, as regras do Direito Penal e do Direito Processual Penal se aplicam, subsidiariamente, ao processo administrativo disciplinar, tendo em vista a possibilidade sancionatória decorrente de procedimentos dessa natureza.

Nessa esteira, pode-se comparar a sindicância investigativa ao inquérito policial, estando ela para o inquérito assim como o procedimento administrativo disciplinar está para a ação penal. Sendo assim, é verdade que no inquérito e na sindicância de natureza investigativa não há, de imediato, o contraditório e a ampla defesa, pois estes são diferidos para o momento da ação penal e do procedimento administrativo disciplinar.

Contudo, não se pode esquecer que, com a Constituição de 1988, uma nova ordem constitucional foi inaugurada, não se pode mais falar em procedimentos administrativos sigilosos, aos quais os interessados não podem ter acesso. Todos os processos administrativos, em atendimento ao disciplinado no art. 37, caput, da Constituição Federal, são públicos e a eles podem ter acesso qualquer pessoa.

A regra da publicidade só pode ser afastada em situações excepcionais. No direito público, não existe sigilo, a não ser que por lei as informações sejam consideradas essenciais para a sobrevivência do Estado, o que não é o caso. Contudo, mesmo que exista sigilo legalmente imposto, este não pode ser obstáculo ao administrado diretamente interessado. O Estado de Direito não admite que uma pessoa não possa ter conhecimento de fatos de procedimento investigatório em que se é investigada.

No âmbito penal, mais precisamente no inquérito policial, surgiu exatamente a controvérsia que surge agora no âmbito da sindicância investigativa. Inúmeros Habeas Corpus foram propostos contra atos de autoridades policiais que vedavam o acesso aos autos por parte dos advogados dos investigados, impossibilitando, assim, a atuação dos causídicos.

Ora, o fato de o contraditório e a ampla defesa, tanto no inquérito, quanto na sindicância investigativa, serem diferidos não afasta todo o conjunto de direitos e garantias fundamentais do cidadão. O investigado têm direito ao conhecimento dos fatos, ou seja, ao acesso aos autos, pois tem direito de constituir advogado e este tem a prerrogativa garantida pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil [01] de ter acesso aos autos, pois, de outra forma, o seu mister profissional não poderia ser realizado.

Acolhendo a alegação de que, mesmo tratando-se de inquérito e mesmo que estivesse sob sigilo, a publicidade deve ser garantida para os investigados, o Supremo Tribunal Federal deferiu vários pedidos, garantido acesso aos autos de inquéritos por parte dos advogados, situação que se aplica mutatis mutandi a situação sob consulta. Nesse sentido, podemos citar:

HABEAS CORPUS - PREJUÍZO - AMBIGÜIDADE E NECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO. Surgindo ambíguo o prejuízo da impetração e sendo o tema de importância maior, considerado o Estado Democrático de Direito, impõe-se o pronunciamento do Supremo quanto à matéria de fundo. INQUÉRITO - SIGILO - ALCANCE - ACESSO POR PROFISSIONAL DA ADVOCACIA. O sigilo emprestado a autos de inquérito não obstaculiza o acesso por profissional da advocacia credenciado por um dos envolvidos, no que atua a partir de visão pública, a partir da fé do grau detido. (HC 88520, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2006, DJe-165 DIVULG 18-12-2007 PUBLIC 19-12-2007 DJ 19-12-2007 PP-00024 EMENT VOL-02304-01 PP-00181)

I. Habeas corpus: inviabilidade: incidência da Súmula 691 ("Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do Relator que, em "habeas corpus" requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar"). II. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial. 1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus de ofício deferido, para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial e a obtenção de cópias pertinentes, com as ressalvas mencionadas. (HC 90232, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 18/12/2006, DJ 02-03-2007 PP-00038 EMENT VOL-02266-04 PP-00720 LEXSTF v. 29, n. 340, 2007, p. 469-480)

ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5°, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76 Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte. (HC 88190, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 29/08/2006, DJ 06-10-2006 PP-00067 EMENT VOL-02250-03 PP-00643 LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 444-455)

HABEAS CORPUS - IMPETRAÇÕES SUCESSIVAS - LIMINAR - JULGAMENTO DEFINITIVO - VERBETE Nº 691 DA SÚMULA DO SUPREMO - INADEQUAÇÃO. Uma vez verificado o julgamento de fundo da impetração formalizada na origem, considerada a dinâmica do processo, imprópria é a evocação do óbice revelado pelo Verbete nº 691 da Súmula do Supremo. INQUÉRITO - ELEMENTOS COLIGIDOS E JUNTADOS - ACESSO DA DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Descabe indeferir o acesso da defesa aos autos do inquérito, ainda que deles constem dados protegidos pelo sigilo.(HC 92331, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 18/03/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-03 PP-00586)

I. Habeas corpus prejudicado dado o superveniente julgamento do mérito do mandado de segurança cuja decisão liminar era objeto da impetração ao Superior Tribunal de Justiça e, em conseqüência, deste. II. Habeas corpus: inviabilidade: incidência da Súmula 691 ("Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do Relator que, em "habeas corpus" requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar"). III. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial. 1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus de ofício deferido, para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial e a obtenção de cópias pertinentes, com as ressalvas mencionadas. (HC 87827, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/04/2006, DJ 23-06-2006 PP-00053 EMENT VOL-02238-02 PP-00214 RT v. 95, n. 854, 2006, p. 525-532)

I. Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inquérito policial. 1. O cerceamento da atuação permitida à defesa do indiciado no inquérito policial poderá refletir-se em prejuízo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenação a pena privativa de liberdade ou na mensuração desta: a circunstância é bastante para admitir-se o habeas corpus a fim de fazer respeitar as prerrogativas da defesa e, indiretamente, obviar prejuízo que, do cerceamento delas, possa advir indevidamente à liberdade de locomoção do paciente. 2. Não importa que, neste caso, a impetração se dirija contra decisões que denegaram mandado de segurança requerido, com a mesma pretensão, não em favor do paciente, mas dos seus advogados constituídos: o mesmo constrangimento ao exercício da defesa pode substantivar violação à prerrogativa profissional do advogado - como tal, questionável mediante mandado de segurança - e ameaça, posto que mediata, à liberdade do indiciado - por isso legitimado a figurar como paciente no habeas corpus voltado a fazer cessar a restrição à atividade dos seus defensores. II. Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista dos autos do inquérito policial. 1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações. 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus deferido para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial, antes da data designada para a sua inquirição. (HC 82354, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/08/2004, DJ 24-09-2004 PP-00042 EMENT VOL-02165-01 PP-00029 RTJ VOL-00191-02 PP-00547)

ADMINISTRAÇÃO - PUBLICIDADE. Norteia a Administração Pública a publicidade quanto a atos e processos. INQUÉRITO - DEFESA - ACESSO. Uma vez juntadas aos autos do inquérito peças resultantes da diligência, descabe obstaculizar o acesso da defesa, pouco importando estarem os dados sob sigilo. (HC 91684, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 19/08/2008, DJe-071 DIVULG 16-04-2009 PUBLIC 17-04-2009 EMENT VOL-02356-03 PP-00451)

Após todos esses julgados, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil protocolou no Pretório Excelso uma Proposta de Súmula Vinculante, que foi acolhida, resultando na edição da Súmula Vinculante nº 14, que assim dispõe:

É DIREITO DO DEFENSOR, NO INTERESSE DO REPRESENTADO, TER ACESSO AMPLO AOS ELEMENTOS DE PROVA QUE, JÁ DOCUMENTADOS EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO REALIZADO POR ÓRGÃO COM COMPETÊNCIA DE POLÍCIA JUDICIÁRIA, DIGAM RESPEITO AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA.

Interessante foram alguns dos argumentos expendidos no processamento da proposta de súmula vinculante, palavras que se aplicam plenamente ao caso sub examine.

O Min. Menezes Direito, relator do processo instaurado pela OAB, afirmou em seu voto:

Eu vou pedir licença ao eminente Sub-Procurador-Geral apenas para fazer uma observação no sentido de que não creio, sob nenhum ângulo, que se possa dizer que a aprovação da súmula significa um obstáculo a tutela penal a ser exercida pelo Estado, porque, quando esta Suprema Corte, em diversas oportunidades, assegura o amplo acesso dos advogados aos autos de investigação, ela está no pressuposto de que essa investigação se dá no campo de uma sociedade democrática, e uma sociedade democrática, pelo menos na minha compreensão, é incompatível com qualquer ato de investigação que seja sigiloso, que corra à revelia, que não se dê ciência àquele interessado para que possa produzir a sua defesa e até mesmo matar, no nascedouro, qualquer tipo de investigação que possa ter nascido, e muitas vezes Vossa Excelência sabe que nasce, por denúncia anônima. (Grifos nossos)

Interessante também é parte do voto do Min. Ricardo Lewandowski, no qual deixa extreme de dúvidas que a ratio decidendi usada para a edição da Súmula Vinculante aplica-se a qualquer procedimento administrativo:

Entendo que o direito de acesso pelas partes ao que se contém nos processos judiciais e também nos processos administrativos deflui diretamente do princípio democrático, do princípio da publicidade, que deve nortear a ação da administração pública e também dos valores que integram o catálogo dos direitos fundamentais da nossa Constituição.

Cabe também o registro aqui das brilhantes palavras do Min. Celso de Mello, em decisão proferida recentemente em reclamação ajuizada perante o STF, contra o descumprimento da Súmula Vinculante nº 14, razões de decidir que se aplicam ao caso presente:

Com efeito, e como tenho salientado em muitas decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, o presente caso põe em evidência, uma vez mais, situação impregnada de alto relevo jurídico-constitucional, consideradas as graves implicações que resultam de injustas restrições impostas ao exercício, em plenitude, do direito de defesa e à prática, pelo Advogado, das prerrogativas profissionais que lhe são inerentes (Lei nº 8.906/94, art. 7º, incisos XIII e XIV).

O Estatuto da Advocacia - ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, e em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação penal, para que se possibilite a prática de direitos básicos de que também é titular aquele contra quem foi instaurada, pelo Poder Público, determinada persecução criminal.

Nem se diga, por absolutamente inaceitável, considerada a própria declaração constitucional de direitos, que a pessoa sob persecução penal (em juízo ou fora dele) mostrar-se-ia destituída de direitos e garantias. Esta Suprema Corte jamais poderia legitimar tal entendimento, pois a razão de ser do sistema de liberdades públicas vincula-se, em sua vocação protetiva, a amparar o cidadão contra eventuais excessos, abusos ou arbitrariedades emanados do aparelho estatal.

(...)

A pessoa contra quem se instaurou persecução penal – não importa se em juízo ou fora dele - não se despoja, mesmo que se cuide de simples indiciado, de sua condição de sujeito de determinados direitos e de senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito só põe em evidência a censurável (e inaceitável) face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem conformar-se, necessariamente, ao que prescreve o ordenamento positivo da República.

(...)

Impende destacar, de outro lado, precisamente em face da circunstância de o indiciado ser, ele próprio, sujeito de direitos, que o Advogado por ele regularmente constituído (como sucede no caso) tem direito de acesso aos autos da investigação (ou do processo) penal, ainda que em tramitação sob regime de sigilo, considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser compreendido - enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela Constituição da República - em perspectiva global e abrangente.

(...)

Os eminentes Advogados ALBERTO ZACHARIAS TORON e ALEXANDRA LEBELSON SZAFIR, em recentíssima obra - que versa, dentre outros temas, aquele ora em análise ("Prerrogativas Profissionais do Advogado", p. 86, item n. 1, 2006, OAB Editora) -, examinaram, com precisão, a questão suscitada pela injusta recusa, ao Advogado investido de procuração (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIII), de acesso aos autos de inquérito policial ou de processo penal que tramitem, excepcionalmente, em regime de sigilo, valendo rememorar, a esse propósito, a seguinte passagem:

"No que concerne ao inquérito policial há regra clara no Estatuto do Advogado que assegura o direito aos advogados de, mesmo sem procuração, ter acesso aos autos (art. 7º, inc. XIV) e que não é excepcionada pela disposição constante do § 1º do mesmo artigo que trata dos casos de sigilo. Certo é que o inciso XIV do art. 7º não fala a respeito dos inquéritos marcados pelo sigilo. Todavia, quando o sigilo tenha sido decretado, basta que se exija o instrumento procuratório para se viabilizar a vista dos autos do procedimento investigatório. Sim, porque inquéritos secretos não se compatibilizam com a garantia de o cidadão ter ao seu lado um profissional para assisti-lo, quer para permanecer calado, quer para não se auto-incriminar (CF, art. 5º, LXIII). Portanto, a presença do advogado no inquérito e, sobretudo, no flagrante não é de caráter afetivo ou emocional. Tem caráter profissional, efetivo, e não meramente simbólico. Isso, porém, só ocorrerá se o advogado puder ter acesso aos autos. Advogados cegos, ‘blind lawyers’, poderão, quem sabe, confortar afetivamente seus assistidos, mas, juridicamente, prestar-se-ão, unicamente, a legitimar tudo o que no inquérito se fizer contra o indiciado." (grifei)

(...)

O fascínio do mistério e o culto ao segredo não devem estimular, no âmbito de uma sociedade livre, práticas estatais cuja realização, notadamente na esfera penal, culmine em ofensa aos direitos básicos daquele que é submetido, pelos órgãos e agentes do Poder, a atos de persecução criminal (...) (Rcl 8225-MC/SC)

Como se sabe, o instituto da Súmula Vinculante foi incluído na Constituição de 1988 por meio da Emenda Constitucional 45/04, a chamada reforma do judiciário.

A edição de uma súmula vinculante parte da existência de reiteradas decisões sobre determinada matéria. Logo, para que se tenha uma visualização clara dos limites objetivos de incidência de uma determinada súmula é preciso analisar, além de seu enunciado, logicamente, os precedentes que lhe serviram de fonte inspiradora.

O enunciado da súmula e seus precedentes são primordiais para que se saiba se a súmula aplica-se ou não ao caso concreto, se ocorrerá ou não o chamado distinguishing, ou seja, se haverá ou não distinção entre o que afirma a súmula e o caso posto ao crivo do intérprete.

Ora, é verdade que o enunciado da Súmula Vinculante nº 14 refere-se expressamente a "procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária", que não é outro senão o inquérito policial. Porém, como se afirmou acima, não basta o enunciado para se saber qual o alcance da súmula, necessário torna-se a análise dos precedentes e dentro dos precedentes é preciso compreender a ratio decidendi.

É nesse sentido que não se aplica a teoria do distinguishing no cotejo entre a Súmula Vinculante nº 14 e caso aqui examinado. A ratio decidendi dos precedentes que fizeram surgir a multicitada súmula amoldam-se perfeitamente à problemática da possibilidade de acesso aos autos de sindicância investigativa.

Enfim, como já dito, a sindicância investigativa assemelha-se ao inquérito policial, como o processo administrativo disciplinar assemelha-se ao processo penal. Logo, se o advogado pode ter acesso ao inquérito, também deve ter acesso a sindicância investigativa.


III – Conclusão

Ante o exposto, concluímos que, quando se trata de um Estado Democrático de Direito, que tem como princípio basilar a publicidade dos atos administrativos, não se justifica a oposição de sigilo de investigações aos investigados. Além disso, tendo em conta a ratio decidendi dos precedentes, a Súmula Vinculante nº 14 aplica-se a questão em foco, devido as semelhanças entre o inquérito policial e a sindicância investigativa.

Sendo assim, opinamos no sentido de que seja possibilitado o acesso ao inteiro teor dos autos da Sindicância Investigativa nº 23052.004027/2009-16, na qual os professores estão sendo investigados.

É o parecer, S.M.J.


Notas

  1. Art. 7º São direitos do advogado:

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;

XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias; (Lei 8.906/94)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, João Raphael. Partes têm direito de acesso aos autos de sindicância investigativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2250, 29 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16901. Acesso em: 29 mar. 2024.