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A prova ilícita no CPPM em face das novas alterações da legislação processual penal comum

A prova ilícita no CPPM em face das novas alterações da legislação processual penal comum

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Parece-nos óbvia a possibilidade de aplicação dos novos postulados aos procedimentos e processos atrelados à persecução do crime militar.

1.Introdução

Como é do conhecimento de todos, recentemente, o Código de Processo Penal comum passou por uma reformulação no que concerne à disciplina das provas (Lei n. 11.690 de 9 de junho de 2008), sendo interessante observar que, como sói acontecer, o legislador olvidou-se da legislação processual penal castrense.

Ocorre que a matéria alterada é de fundamental importância para o processo penal militar, porquanto trata da relativização das provas obtidas por meio ilícito, aplicando-se ao preceito constitucional inscrito no inciso LVI do art. 5º o princípio da proporcionalidade.

Mais uma vez, pela repudiável indiferença do legislador em relação ao crime militar e sua persecução, somos obrigados a analisar a norma posta e fazer alguns comentários com o escopo de diminuir as disparidades desnecessárias entre os dois sistemas apuratórios.


2.Provas, devido processo legal, ampla defesa e contraditório

Nos dizeres de Grinover, Cintra e Dinamarco, prova, no sentido processual, constitui o "instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo" [01], é, como diziam as Ordenações Filipinas "o farol que deve guiar o juiz nas suas decisões" [02].

O estudo da prova, no processo penal, insere-se no estudo da garantia do devido processo legal (due process of law), que tem respaldo constitucional, inovando a atual Constituição em relação às anteriores ao referir-se expressamente à cláusula no inciso LIV do art. 5º.

Nas precisas palavras de Alexandre de Moraes, o devido processo legal, que tem como seus corolários a ampla defesa e o contraditório, "configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)" [03].

Assim, pode-se dizer que a produção de prova, antes de ser um meio de demonstração da veracidade dos fatos, é um direito que assiste à acusação, que por óbvio também, em seu mister, tem a possibilidade de produção das evidências necessárias, e principalmente à defesa, que terá a adequada calibragem de armas pelos corolários do devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

A ampla defesa, urge definir resumidamente, consiste no "asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor" [04]. Note-se que em alguns casos, o contraditório no processo será diferido, ou seja, em casos de medidas urgentes para a constituição da prova, por exemplo, o juiz pode promover o ato inaudita altera pars, mas deverá também providenciar que, a posteriori, a parte ausente ao ato possa atacá-lo convenientemente, garantindo a paridade de armas.

Em outros termos, a ampla defesa refere-se às possibilidades amplas de produção de provas no processo, limitadas apenas pelo desenho da ilicitude traçado pelo Direito. Contraditório, por sua vez, diz respeito à oportunidade paritária de manifestação acerca de determinada prova produzida, caracterizado pelo binômio conhecimento e reação, ou seja, conhecer o que foi produzido pela parte oposta e reagir ao que foi produzido [05].

Deve-se assinalar, todavia, que à amplitude de defesa, também corresponde, para alguns, uma amplitude de acusação, ou seja, o órgão acusador e a polícia judiciária (comum ou militar) – deve-se sempre ter em mente que a polícia judiciária não é órgão de acusação, portanto, não deve se preocupar com a produção de provas para que o acusado seja condenado, e sim com a produção de provas para a demonstração da verdade, seja ela do cometimento da infração penal ou não –, têm a possibilidade de produção ampla de provas, desde que em Direito admitidas. Da mesma forma, no processo instalado, a regra é a de que o juiz (ou conselho de justiça, possível nos casos de crimes militares), equidistante das partes, deve garantir a manifestação paritária de acusação e defesa, assegurando o contraditório. Por óbvio, a defesa merece maior cuidado nessa relação dialética, vez que, ao contrário da acusação em sua tese, não dispõe de um aparato oficial para a demonstração de sua antítese, sendo necessário, no Estado Democrático de Direito, que os poderes da acusação conheçam claros limites, o que leva setor doutrinário a negar a existência de uma garantia de ampla acusação.


3.Ônus de produção de provas

No que concerne ao ônus de produção de provas, como regra, recai ele sobre aquele que alega o fato, sendo possível, por presunção legal, haver a inversão desse ônus. Por outro lado, o § 2º do art. 296 consagra um direito do acusado ou indiciado à não auto-incriminação, não sendo ele obrigado a produzir prova que o incrimine e nem aos seus ascendentes, descendentes, irmãos ou cônjuge (nemo tenetur se detegere), o que tem arrimo no próprio direito ao devido processo legal, constituindo-se em uma das acepções do direito constitucional ao silêncio (art. 5º, LXVIII, CF), também previsto na alínea "g" do nº 2 do art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos, nos seguintes termos:

"Art. 8º - Garantias judiciais:

(...)

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(..)

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada".

Nesse aspecto, importante trazer à baila as lições de Célio Lobão:

"O ônus da prova compete a quem alegar o fato, mas o Juiz ou o Conselho poderá determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvidas sobre fato relevante e indispensável para formar sua convicção. A posição do juiz criminal não é inerte, ‘valendo-se do poder inquisitivo’ (conf. Tornaghi, Curso, vol. 1, pág. 312), poderá este determinar, de ofício, diligências para esclarecimento dos fatos, ou produção de provas, inclusive as que foram dispensadas pelas partes. Realizadas as diligências, as partes terão vista dos autos por 48 horas, para se pronunciarem. Ninguém é obrigado a produzir prova que o incrimine, ou ao cônjuge, ao descendente, ao ascendente, ao irmão, ou com quem tenha união estável. Inverte-se o ônus da prova se a lei presume o fato até prova em contrário (arts. 296, caput e §§ 1º e 2º, do CPPM, e 1.723 do CC)" [06].

Necessário, todavia, compreender exatamente o que se deve ter por "produzir" uma prova auto-incriminatória.

Para essa expressão é possível que se tenha uma compreensão ampla ou restrita. Na compreensão ampla, toda e qualquer postura do acusado/indiciado que implique na produção, ainda que por terceiro, de prova que o incrimine deve ser afastada. Já em uma compreensão mais restrita, estariam vedadas apenas as provas produzidas com a obrigação de o acusado/indiciado comportar-se positivamente, fazendo algo, não sendo vedado, por exemplo, submetê-lo a uma produção de prova que apenas conta-se com sua abstenção de ação. In exemplis, por uma visão mais ampla do princípio em discussão, o acusado/indiciado somente poderia ser submetido a um reconhecimento pessoal voluntariamente, mas não poderia ser obrigado a posicionar-se para o reconhecimento. Por uma visão mais restrita do comando, no entanto, o acusado/indiciado, mesmo não desejando participar do reconhecimento pessoal, poderia a ele ser submetido, tratando-se de prova perfeitamente válida.

Entendemos, com devido respeito aos defensores de visões opostas, que se deve ter uma compreensão restrita desse princípio, sendo abrangidas na vedação apenas as provas que tenham comportamento positivo do indiciado/acusado, contra sua vontade, aceitando-se, por outro lado, aquelas que contem com sua abstenção de comportamento. Não estamos inaugurando essa conclusão, já que foi ela muito bem defendida por Antonio Scarance Fernandes no III Encontro das Justiças Militares Estaduais e das Corregedorias das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares, em 16 de novembro de 2009, na cidade de São Paulo, em que o caro Professor sutentou a busca de um equilíbrio entre garantismo e eficiência, postulando não entender como afronta ao sistema constitucional o fato de ser um acusado/indiciado obrigado a comportar-se passivamente, mas somente ativamente.


4.Provas ilegais: provas ilegítimas, ilícitas e ilícitas por derivação

A colheita e a produção de provas, que podem ser testemunhais, documentais ou periciais, sofrem também uma disciplina constitucional. O inciso LVI do artigo 5º da Carta Política dispõe que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Obviamente, em não podendo ser utilizadas no processo, a prova ilícita produzida no curso da polícia judiciária militar é também uma prova maculada, portanto deve ser evitada e, se produzida, deve ser, em regra, extirpada, sem prejuízo da responsabilização criminal, civil e administrativa daquele responsável por sua colheita (ou produção).

Frise-se que a Constituição Federal se refere apenas às provas ilícitas, e não mencionando provas ilegais ou ilegítimas, devendo-se verificar a distinção entre esses conceitos.

As provas ilegais podem ser divididas em provas ilícitas e provas ilegítimas. As primeiras são aquelas produzidas com afronta a regras de direito material, aviltando uma garantia ou direito consagrado. Por exemplo, pela "Lei Maior". As ilegítimas, por seu turno, compreendem as provas produzidas com afronta a uma regra legal adjetiva, de ordem formal e não material.

Como poucos o fazem, Scarance de forma bem clara e precisa, assim dispõe sobre o assunto:

"Com apoio em terminologia de Nuvolone, adotada por Ada Pellegrini Grinover, pode-se afirmar que a prova é vedada em sentido absoluto quando o direito proíbe em qualquer caso sua produção. Haverá prova vedada em sentido relativo quando, embora admitido o meio de prova, condiciona-se a sua legitimidade à observância de determinadas formalidades. A violação de uma vedação será sempre ilegal, mas a violação de uma proibição de natureza substancial torna o ato ilícito, enquanto a violação de impedimento de ordem processual faz com que o ato seja ilegítimo. Em síntese, a prova ilegal consiste em violação de qualquer vedação constante do ordenamento jurídico, separando-se em prova ilícita, quando é ofendida norma substancial, e prova ilegítima, quando não é atendido preceito processual.

(...)

A tendência atual é no sentido de vedar a produção da prova ilícita, vista como prova obtida com violação a garantia ou direito fundamental estabelecido na Constituição, mas há forte inclinação para se admitir a aplicação, no caso, concreto, e em circunstâncias especiais do princípio da proporcionalidade" [07].

Como exemplo dessa dicotomia e pedindo-se vênia para já iniciar uma breve incursão no Código de Processo Penal Militar (CPPM), tome-se a seguinte situação: em um inquérito policial militar, um encarregado, aplicando erroneamente o disposto no art. 176 do CPPM, que não foi recepcionado em sua totalidade pelo inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, determina uma busca domiciliar sem a expedição de mandado por autoridade judiciária, encontrando objetos, ligados ao delito apurado, que devem ser avaliados, procedendo o encarregado, em seguida, a nomeação de um perito, não pertencente ao órgão oficial do Estado (Instituto de Criminalística, por exemplo), para a avaliação, tratando-se de um sargento; note-se que o art. 318 combinado com o art. 48 do CPPM dispõem que os peritos devem ser nomeados, sempre que possível, em número de dois e dentre oficiais da ativa, atendida a especialidade [08]; para que o exemplo fique adequado, devemos supor que era possível a nomeação de dois oficiais para a perícia, não o fazendo o encarregado, por não conhecer a imposição legal. Teríamos, no primeiro caso, a busca e apreensão com violação de domicílio fora das hipóteses constitucionais, uma prova ilícita, enquanto no segundo, a nomeação equivocada de peritos, uma prova ilegítima.

No exemplo citado, no entanto, mesmo a prova ilegítima – a perícia de avaliação procedida por apenas um perito sargento –, não poderá ser utilizada, por ter decorrido da apreensão em busca que constituiu prova ilícita. É, em outros termos, uma prova ilícita por derivação, aplicando-se a teoria dos frutos da árvore venenosa (the fruit of poisonous tree), cunhada pela primeira vez pela Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Nardone vs US, em 1939, cujo raciocínio básico é o de que uma árvore contaminada não pode produzir bons frutos, imaculados.

As provas ilícitas por derivação, portanto, consistem provas "em si mesmas lícitas, mas a que se chegou por intermédio da informação obtida por prova ilicitamente colhida" [09].

Ocorre que a inadmissibilidade da prova ilícita, direta ou por derivação, tem sofrido uma relativização em face do princípio da proporcionalidade, o que passaremos a discorrer a seguir.


5.Inovação da lei processual penal comum na disciplina das provas: prova ilícita e a aplicação do princípio da proporcionalidade

Para iniciar a argumentação acerca da relativização da vedação à prova ilícita, importante, desde a primeira linha, trazer o raciocínio de Scarance, na seguinte ordem:

"Encontram-se no direito comparado, conforme esclarecem Grinover, Scarance e Magalhães, limitações à teoria dos frutos da árvore envenenada, tais como as limitações da independent source e da inevitable discovery, ‘excepcionando-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita, quando a conexão entre umas e outras for tênue, de modo a não se colocarem as primárias e secundárias numa relação de estrita causa e efeito, ou quando as provas derivadas da ilícita pudessem ser descobertas de outra maneira’". No Brasil, em projeto apresentado pelo Ministério da Justiça no ano de 2000, são previstas tais limitações" [10].

Nas linhas do autor, de sua obra de 2007, percebe-se que há uma relativização da inadmissibilidade no que se refere à prova ilícita por derivação, apontando, ademais, existir projeto de lei que iria transpor essa realidade, já aceita em certa medida pela jurisprudência, para a legislação processual. O projeto de lei, há que se ressaltar, vingou no ano de 2008, quando a Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, deu a seguinte redação ao art. 157 do CPP:

"157 - São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1º  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. 

§ 2º  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3º  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente."

Claramente se percebe que o princípio da proporcionalidade, que informava o direito comparado, a doutrina e a jurisprudência, aportou na legislação processual penal comum. Na verdade, a lei foi até mais inovadora, posto que, primeiro, consagrou expressamente na legislação infraconstitucional a inadmissibilidade da prova ilícita e, segundo, mencionou, também expressamente, a prova ilícita por derivação.

Entretanto, o atento leitor perceberá que a relativização foi expressa apenas para a prova ilícita por derivação, não havendo menção expressa à prova produzida diretamente por meio ilícito.

Obviamente, também nessa espécie, tem-se mostrado útil o princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, Grinover, Scarance e Magalhães muito bem assinalam:

"A teoria, hoje dominante, da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas com infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por outra tendência, que visa a corrigir possíveis distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade" [11].

Certamente, a adoção cega da inadmissibilidade, mesmo da prova diretamente ilícita, poderia levar a injustiças absurdas. In exemplis, imaginemos um acusado de prática de homicídio que possui, como única prova de sua inocência, uma interceptação telefônica clandestina, colhida sem autorização judicial. Seria correto, vindo essa prova inquestionavelmente ilícita aos autos, proceder seu desentranhamento e condenar o réu? Obviamente que não! Deve-se, portanto, aplicar a proporcionalidade nessa inadmissibilidade.

A prova ilícita pro reo, aliás, desfruta de unânime aceitação doutrinária, em observância ao princípio do favor rei [12].

Surge, entretanto, o questionamento acerca da possibilidade de o acusado no processo, ao produzir uma prova ilícita que constitua outro delito, responder por esse fato. Em outros termos e aproveitando o exemplo da interceptação telefônica, poderia aquele que produziu a prova ilícita para sua defesa, responder pelo delito capitulado no art. 10 da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996? Também há consenso de que não há crime na atitude do acusado, porquanto estaria sua conduta amparada por excludente de antijuridicidade, a saber, a legítima defesa [13]. Por outro lado, a prova ilícita pro acusação, não é admitida, obviamente.

Uma última questão em relação à inovação legal deve ser avaliada, a saber, se houve uma unificação da compreensão da prova ilícita e ilegítima. Da simples leitura do art. 157 do CPP, extrai-se que a vedação ainda incide sobre a prova ilícita, mas as define como sendo aquelas "obtidas em violação a normas constitucionais ou legais". Teria a lei processual penal comum unificado sob o rótulo de "prova ilícita" as provas que sejam produzidas com violação de direito fundamental consignado na Constituição Federal e também de qualquer previsão legal?

Entendemos que não.

Deve-se ter em mente que a novel redação não menciona apenas "afronta à lei", mas a uma "prova ilícita" com "violação da lei", significando dizer que a expressão "prova ilícita" ainda possui significação própria. Em outros termos, há de se reconhecer ainda vigente a compreensão de "prova ilícita" como espécie de prova ilegal, ao lado da prova ilegítima, consistindo naquela prova produzida com afronta a um direito material inafastável do acusado/indiciado, podendo esse direito estar grafado na "Lei Maior" ou em outra norma legal, infraconstitucional, que, de certo, de forma indireta, será arrimada em norma constitucional.

Nesse sentido, com muita propriedade, Scarance na nova edição de sua obra, assim dispõe:

"O tema da prova ilícita passou a ser objeto de tratamento no artigo 157 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.690/2008. O novo dispositivo define (caput do art. 157) como provas ilícitas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, devendo-se entender como normas legais apenas as de natureza material, precipuamente as que definem as infrações penais. Não se pode abranger, aí, as normas processuais, pois, em relação a essas, o regime é outro, de vez que, em caso de serem ofendidas, resolve-se pela declaração de nulidade, enquanto, em caso de ilicitude na produção da prova, deve ela ser desentranhada (caput do art. 157)" [14].


6.Aplicação de normas de processo penal comum ao processo penal militar

Para caminharmos para a conclusão do raciocínio, devemos, previamente, estudar a possibilidade de aplicação de normas do direito processual penal comum ao processo penal militar.

A possibilidade de aplicação de normas do CPP (ou de leis processuais penais comuns extravagantes) ao processo penal militar é reconhecida e, ressalte-se, não apenas por construção doutrinária e jurisprudencial, e sim respaldada na própria lei processual penal militar, especialmente na alínea "a" do art. 3º do próprio Código de Processo Penal Militar, que assim dispõe:

"Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos:

a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;

b) pela jurisprudência;

c) pelos usos e costumes militares;

d) pelos princípios gerais de Direito;

e) pela analogia."

Fácil verificar que a alínea "a" acima, desde que não haja prejuízo à índole do processo penal militar lastrado em valores como hierarquia e disciplina, permite a aplicação da lei processual penal comum.

Acerca do assunto, Célio Lobão dispõe:

"Os casos omissos do CPPM serão supridos: pela legislação penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar; (...).

A legislação processual penal referida é o CPP e as leis processuais penais extravagantes, desde que, como ficou dito, não contrariem as características do processo penal militar e não haja disposição expressa vedando sua aplicação na Justiça Militar, p. exemplo, a Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/1995) não se aplica à Justiça castrense (Lei 9.839/1999). (...)" [15].

Para a constatação da omissão, no entanto, além da evidente leitura em que não se encontrará a norma reitora desejada, deve ser adicionada uma outra forma de omissão, qual seja, aquela em que se constata flagrantemente que a norma, apesar de expressa no CPPM, não foi acolhida à luz da recepção, pela Constituição Federal. A norma existe no CPPM, mas por ser flagrantemente inconstitucional, não pode ser aplicada, importando, dessa forma, em um vácuo normativo, uma lacuna regulatória, uma omissão. Como exemplo, a letra "h" do art. 77 do CPPM prevê a possibilidade de enumeração na denúncia de até seis testemunhas, enquanto o § 2º do art. 417 do mesmo diploma permite que o acusado indique em sua defesa até três testemunhas, importando em lesão à paridade de armas, uma flagrante inconstitucionalidade em face da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CF). Nesse caso, apesar de haver norma expressa sobre o assunto, natural que se considere omissão na disciplina do número de testemunhas de defesa, razão pela qual a regra deve ser afastada, aceitando-se número idêntico de testemunhas para a defesa e para a acusação.

Para tornar mais instigante a discussão, pensemos em alguns exemplos que envolvem o tema na atualidade.

Em primeiro plano, para as Justiças Militares dos Estados, um caso de omissão do CPPM em que se discute soluções arrimadas no processo penal comum está no processo e julgamento dos crimes militares de competência do juiz de direito do juízo militar, realidade trazida o advento da Emenda Constitucional n. 45/04.

O processo penal militar foi idealizado para o processamento do crime perante um Conselho de Justiça (especial ou permanente), onde o julgamento é levado a efeito por um órgão colegiado, havendo situações próprias para essa estrutura, a exemplo da extenuante sustentação oral da acusação e da defesa, na sessão de julgamento, nos termos do art. 433 do CPPM, que assim dispõe: "Terminada a leitura, o presidente do Conselho de Justiça dará a palavra, para sustentação das alegações escritas ou de outras alegações, em primeiro lugar ao procurador, em seguida ao assistente ou seu procurador, se houver, e, finalmente, ao defensor ou defensores, pela ordem de autuação dos acusados que representam, salvo acordo manifestado entre eles".

Naturalmente, a sustentação oral das partes, com tamanha dilação – não suscinta como hoje vigente no Processo Penal comum –, tem o escopo de, pela presença física do Representante do Ministério Público e do Advogado, fomentar um debate que busca convencer o colegiado acerca da inocência ou não do réu.

Todavia, com a edição da Emenda Constitucional supracitada, o art. 125 da Constituição Federal, que disciplina as Justiças Militares Estaduais, foi alterado, dando origem a um novo órgão julgador em primeira instância: o juiz de direito do juízo militar.

Nesse julgamento monocrático, a sustentação oral excessiva e outros dispositivos do "processo ordinário" (melhor seria "procedimento ordinário"), perderam razão de existência, não havendo, após a edição da alteração constitucional, uma reforma do processo penal militar.

Em resumo, portanto, existe um julgamento monocrático previsto na Constituição Federal, sem que tenham sido elaboradas normas procedimentais correlatas a essa realidade, caracterizando-se, pois, em uma omissão da lei processual penal militar.

Diante do exposto, discute-se a possibilidade de aplicação do procedimento comum (ordinário e sumário, afastando-se o sumaríssimo afeto á Lei n. 9.099/95) do Código de Processo Penal comum aos crimes militares cuja competência para processar e julgar seja do Juiz de Direito do Juízo Militar (monocrático), lembrando-se que a este órgão, além das ações judiciais contra atos disciplinares, que seguirão, em regra, normas do Código de Processo Civil, compete o julgamento dos crimes militares praticados contra civis, a exceção do crime doloso contra a vida, de competência do Tribunal do Júri.

A resposta é, também, em sentido afirmativo, ou seja, na omissão da lei processual penal militar para procedimento do julgamento monocrático, naquilo que não contrariar a índole do processo penal castrense, deve-se buscar socorro no procedimento comum ordinário (quando, nos termos do inciso I do § 1º do art. 394 do CPP, tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de liberdade) ou sumário (quando, nos termos do inciso II do § 1º do art. 394 do CPP, tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos de pena privativa de liberdade) do Código de Processo Penal Militar.

Essa questão, note-se, já alcançou o Pretório Excelso. No Jornal da Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais (AMAJME) n. 77, referente aos meses de setembro e outubro de 2008, foi trazida a notícia de interessante caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo o periódico, em 26 de agosto de 2008, sob relatoria do Ministro Celso de Mello, a mais alta Corte do País, no Habeas Corpus n. 93076/RJ decidiu que:

"A EC 45/2004, ao incluir o § 5º ao art. 125 da CF, atribuiu competência aos juízes singulares para o julgamento de crimes militares impróprios (‘§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes’). Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se sustentava a competência do Conselho Permanente de Justiça para processar policial militar pela suposta prática dos delitos de roubo e extorsão mediante seqüestro (CPM, artigos 242, § 2º, II e 244, § 1º, respectivamente), bem como se alegava o cerceamento à sua defesa ante a supressão da fase de alegações orais. Rejeitou-se o argumento de ofensa ao devido processo legal e salientou-se, ainda, que, na falta de normas procedimentais no Código de Processo Penal Militar, devem ser observadas as regras do Código de Processo Penal comum, nas quais não há previsão de alegações orais".

Nesse sentido, como muito bem nos ensina Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo, caminha a Justiça Militar do Rio Grande do Sul.

"Após um período de discordância entre o primeiro e o segundo grau, pacificou-se na Corte Castrense o entendimento de que o procedimento seria o do CPPB (conforme Apelação Criminal nº 101.061 – Rel. Otávio Augusto Simon de Souza), seguindo orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Havendo previsão de julgamento de alguns crimes cometidos por militares contra civis, por juiz militar singular, decorrente da Emenda Constitucional nº 45/2004, e, na hipótese, não existindo normas sobre o rito a ser adotado no Código de Processo Penal Militar, impõe-se a aplicação subsidiária do Código de Processo penal em relação ao julgamento de crimes iguais praticados por civis, consoante disposição contida no artigo 3º, alínea ‘a’do Estatuto Processual Penal Militar (HCN Nº 74.979 – RJ – Rel. Ministra Jane Silva)" [16]

Necessário frisar, no entanto, que a aplicação do CPP nos crimes de competência singular do juiz de direito do juízo militar não é pacífica, havendo outras soluções.

Tome-se como exemplo a visão trazida por Ronaldo João Roth, Juiz de Direito da 2ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, que tem seguido a disciplina do CPPM para o julgamento de crimes contra civis, exceto no que concerne à sessão de julgamento, onde passa a seguir o Código Eleitoral, e.g., o que ocorreu no caso do Processo n. 53.199/09 em que, ao receber a denúncia, também consignou:

"Em face do presente caso se constituir em competência do juiz singular, nos termos da EC n. 45/2004, que alterou a redação dos artigos 125, §§ 3º, 4º e 5º, da Constituição Federal, ante a ausência de lei regulamentando a matéria, o rito procedimental adotado deverá obedecer às disposições do Código de Processo Penal Militar (CPPM), no que couber, porém, após as alegações escritas (art. 428), os autos irão conclusos, em quarenta e oito horas, ao Juiz, que terá 10 (dez) dias para proferir a sentença, tendo como fundamento a analogia ao procedimento previsto na Lei n. 4.737/65 (Código Eleitoral), em especial, ao seu artigo 361, autorizado adotar nesta Justiça Especializada pelo comando do artigo 3º, alíneas "a" e "e", do CPPM".

Mas não é apenas nos crimes de competência do juiz de direito que se tem discutido a aplicação do CPP no processo penal militar, alcançando a discussão também os processos relativo aos crimes de competência do Conselho de Justiça e, neste caso, a discussão tem relevância nas Justiças Militares da União e dos Estados.

Um primeiro exemplo está na discussão sobre a possibilidade de aplicação do art. 366 do CPP aos processos penais militares.

O artigo 366 do CPP, com a redação que lhe deu a Lei n. 9.271, de 17 de abril de 1996, dispõe que se "o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312".

Entendemos que no caso específico do art. 366 do CPP, sua aplicação não é cabível ao processo penal militar e, por consequência, não se configura em uma causa de suspensão da prescrição da pretensão punitiva.

Muito simples é a construção para a sua não aplicação, centrando-se na existência de previsão específica para o assunto no CPPM que não contraria a Constituição Federal – portanto, não havendo omissão –, no fato de uma suposta aplicação do art. 366 do CPPM ferir a índole do processo penal militar e, finalmente, pelo fato de a construção pela aplicação importar em analogia in malam partem, posto criar uma regra a mais de suspensão da prescrição não prevista no Código Penal Militar ou em norma extravagante que se aplique ao crime militar.

No primeiro plano, há previsão expressa no processo penal militar para a revelia, especialmente nos art. 411 a 414 do CPPM, não havendo previsão de suspensão do processo e do curso prescricional. Não há inconstitucionalidade nesses dispositivos, tratando-se apenas de opção legislativa mais rigorosa no processo penal militar, atendendo inclusive a idéia de igualdade material (substancial), já que o processo penal militar, mais incidente sobre os militares embora um não militar possa praticar delito militar, exige um comportamento mais severo dada as peculiaridades do serviço militar, calcado em valores como hierarquia, disciplina e lealdade. O curso processual à revelia, sem a possibilidade de suspensão do processo, importa em uma sanção processual (não material) àquele que opta por não enfrentar o peso do processo.

Nessa mesma linha de raciocínio, aplicar o art. 366 do CPP, significaria uma lesão à índole do processo penal militar, incorrendo na vedação da segunda parte da alínea "a" do art. 3º do CPPM, como acima se expôs.

Finalmente, mesmo que se admitisse uma lacuna na lei processual penal militar – o que não é o caso, como se dispôs nas duas argumentações anteriores –, deve-se lembrar que a aplicação do art. 366 do CPP ao processo penal militar traria uma consequência negativa ao acusado no plano do Direito Penal Militar substantivo, onde se aloca a discussão da prescrição, posto que significaria a aceitação de uma causa de suspensão da prescrição da pretensão punitiva adicional àquelas previstas no CPM, portanto, analogia in malam partem.

Nessa linha, caminhou muito bem a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal:

"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. AUSÊNCIA DE CÓPIA DA DECISÃO IMPUGNADA. APLICAÇÃO DO ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AO PROCESSO PENAL MILITAR. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. Crime de mera conduta - formal e instantâneo - atribuído ao Paciente, o qual se consuma com a simples ação do agente penetrar de forma clandestina em qualquer lugar, explícita e indubitavelmente sujeito à administração castrense, onde seja defeso ou que não seja passagem regular ou, ainda, quando o agente ilude a vigilância de sentinela ou vigia (art. 302, do Código Penal Militar). 2. O trancamento da ação é medida excepcional, não sendo possível a substituição do rito ordinário da ação penal, no qual todos os elementos de convicção serão apresentados e postos à disposição das partes para eventuais questionamentos, até mesmo garantindo-se a oportunidade processual própria ao Paciente para o exercício de todos os meios de provas admitidos em direito o que não é possível de ser conferido pela via acanhada do habeas corpus, na qual não se tem a dilação própria. 3. Ordem denegada" (STF, HC90.977/MG, rel. Min. Cármem Lúcia, j. 08-5-2007).

Folheando a íntegra da decisão do STF, verifica-se o acolhimento de decisão precedente no caso, de lavra do Superior Tribunal Militar, cuja decisão resultou na seguinte ementa:

"HABEAS CORPUS - Aplicação do art. 366, do CPP à Justiça Militar da União-Inviabilidade

I - O presente Pedido de Ordem objetiva obter desta Justiça Especializada a liberalidade de permitir que se transponha regras do direito processual comum para o direito adjetivo penal castrense, como se essa discricionariedade não sofresse limites impostos até mesmo por lei.

II - A Lei dos Ritos Penais Militares rege-se por normas próprias e sua integração com a legislação de processo penal comum só é possível quando, em seu bojo, houver omissão, o que não é o caso na espécie, e, mesmo assim, desde que não prejudique sua índole.

III - Habeas Corpus denegado por carência de amparo legal.

IV - Decisão majoritária" (STM, HC2007.01.034300-8, rel. Min. Sérgio Ernesto Alves Conforto, j. 06-3-2007).

Avaliando a decisão do STM, a Ministra Carmem, Lúcia conclui que:

"(...) pelo que se tem nas razões apresentadas no acórdão do Superior Tribunal Militar, não há embasamento jurídico a sustentar os argumentos jurídicos expendidos pelo Impetrante para assegurar o êxito do seu pleito, pois não se constata fundamento legal para justificar a aplicação prevista no processo penal comum ao processo penal militar".

Ademais, a douta relatora avalia as razões consignadas pela Procuradoria-geral da Justiça Militar, onde foi postulado: "cumpre considerar que a suspensão do processo, com a aplicação da norma prevista no art. 366 do CPP, resultaria em situação desfavorável para o paciente, porque haveria interrupção do prazo prescricional, situação não prevista no Codex Militar". Com a ressalva de que em verdade se trata de suspensão e não de interrupção, o raciocínio do Representante do Parquet é irrefutável, significando a aplicação do art. 366 do CPP em exemplo claro de analogia in malam partem.

Enfim, postula-se não ser possível a aplicação do art. 366 do CPP ao processo penal militar.

Ressalte-se, todavia, que a visão aqui exposta não é uníssona. Em sentido oposto, por exemplo, tomem-se as lições de Nelson Coldibelli e Cláudio Amin Miguel que, desde a primeira edição de sua obra, em 2004, aceitam a aplicação do art. 366 do CPP ao processo penal militar, e isso não somente em relação aos crimes de competência do Juiz de Direito do Juízo Militar, mas também alcançando os crimes de competência do Conselho de Justiça, único órgão de julgamento em primeira instância da Justiça Militar da União em que ambos possuem sólida experiência de atuação. Para os autores:

"Se o acusado, citado pessoalmente, deixar de comparecer à audiência de qualificação e interrogatório, sem justa causa, ser-lhe-á decretada a revelia (artigo 412); caso a citação tenha sido realizada por edital, não comparecendo o réu, entendemos que deverá ser aplicada a hipótese prevista no art. 366 do Código de Processo Penal Comum, sendo em consequência, suspensos o processo e o curso do prazo prescricional. O direito está em eterna evolução e não podemos permanecer alheios às mudanças, principalmente quando não se atinge a hierarquia e a disciplina. Ora, se o réu não comparece, e vem a ser condenado, qual seria a consequência prática? Qual seria a repercussão positiva no âmbito das Forças Armadas? Não é mais lógico que se aguarde o retorno do acusado para, então, dar prosseguimento ao processo? Não há que se falar em prejuízo nessa hipótese, pois o curso do prazo prescricional ficará suspenso, possibilitando, após o julgado, com ampla defesa, e, caso seja condenado, que esta sentença tenha efetivamente um efeito prático, recolhendo o réu à prisão, se for a hipótese. O STM não admite a aplicação do citado instituto jurídico" [17].

Ainda no que concerne aos crimes militares de competência do Conselho de Justiça, discute-se a aplicação da legislação processual penal comum no processo penal militar em face das novas alterações do CPP, em especial aquelas inovações trazidas pela Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, a exemplo da concessão de prazo de 10 dias para oferecimento de resposta à acusação (art. 396 do CPP), absolvição sumária (art. 397 do CPP) e o deslocamento do interrogatório do acusado para o final da audiência de instrução e julgamento, realizada em no máximo 60 dias (art. 400 do CPP).

Ainda que entendamos não haver, em regra, omissão, portanto, não ser possível a aplicação da legislação penal comum, não podemos deixar de evidenciar interessante visão exposta pela Justiça Militar do Rio Grande do Norte, onde os Eminentes Magistrados Jarbas Bezerra e Fábio Wellington, com arrimo no § 4º do art. 394 do CPP, com a redação da Lei n. 11.719/08, aplicam, mesmo em crimes de competência dos Conselhos de Justiça, as novas disposições, como o fizeram nos Processos n. 001.07.202993-6, 001.06.003576-6 e 001.06.015910-4.

Com efeito, o § 4º do art. 394 do CPP, ao dispor que as "disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código", permite a construção de que a novel disciplina alcance o processo penal militar.


7.Reflexos da alteração do CPP na disciplina da prova ilícita na persecução do crime militar

Partindo agora para a razão deste breve estudo, a inovação legislativa trazida pela Lei n. 11.690/08, esquecendo-se o legislador, como de costume, de idealizar alterações no CPPM, trouxe a necessidade de estudarmos se a teoria da prova ilícita grafada no CPP pode ser também conduzida ao processo penal militar.

Inicialmente deve-se lembrar que o art. 295 do CPPM dispõe que é admissível, nos termos do Código, qualquer espécie de prova, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia ou a disciplina militares. Consagra-se, assim, o princípio da liberdade da prova, que ao lado dos princípios da busca da verdade real e do livre convencimento do juiz, fixa a tríade reitora da disciplina das provas no processo penal.

Note-se que a lei processual penal militar não se refere à prova ilícita, o que poderia ter sido sanado se a Lei n. 11.690/08 lembrasse do Código Processual Castrense.

Na omissão da lei processual penal militar, no entanto, devemos buscar uma solução plausível para os problemas acerca da matéria que nos são apresentados.

Nesse mister, a primeira solução idealizada seria a aplicação dos dispositivos do CPP ao CPPM, com a permissão da alínea "a" do art. 3º do próprio CPPM, diante da omissão verificada, como acima se demonstrou viável em outras situações discutidas.

Todavia, parece-nos mais adequado simplesmente entender que a disciplina da prova ilícita deva guardar semelhança com o que já era discutido no Direito Processual Penal comum antes das alterações legislativas, sem a necessidade de aplicação do CPP, ou seja, com as devidas correções, o artigo 295 do CPPM deve sofrer uma releitura, segundo a qual são inadmissíveis no processo penal militar – e, é claro, também no procedimento de polícia judiciária militar – a prova obtida, diretamente ou por derivação, por meio ilícito, nos termos do inciso LVI do art. 5º da Constituição Federal. Todavia, essa inadmissibilidade deve ser temperada pelo princípio da proporcionalidade, também podendo ser usadas as provas ilícitas diretas ou por derivação – apenas pro reo, frise-se bem –, utilizando-se dos mesmos critérios hoje vigentes na legislação processual penal comum.


8.Conclusão

Dia após dia, percebe-se um descompasso entre a legislação penal comum e militar, tanto material como processual. Esse descompasso, em grande monta, senão totalmente, deve-se a uma odiosa prática legislativa que costumeiramente idealiza soluções para lei penal comum, olvidando-se da lei penal militar.

Em face dessas disparidades, cabe-nos apenas, sob os mais efusivos protestos, tentar aproximar as duas legislações, naquilo que não afrontar as peculiaridades intangíveis do Direito Castrense, lançando mão de técnicas de interpretação nem sempre bem aceitas.

Esse é exatamente o caso da disciplina das provas ilícitas no CPPM que, por mais uma desastrosa técnica legislativa, não conheceu, pela recente alteração do CPPM, inovações importantes trazidas ao mundo jurídico à norma posta, fazendo presente uma visão já defendida pela doutrina e jurisprudência dominantes.

Todavia, parece-nos óbvia a possibilidade de aplicação dos novos postulados aos procedimentos e processos atrelados à persecução do crime militar, havendo, inclusive, respaldo no próprio Código Processual Castrense para essa aplicação supletiva, conforme demonstrado, o que esperamos seja, senão seguido, ao menos debatido pelos atores do Direito Penal Militar, substantivo e adjetivo.


Notas

  1. GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 371.
  2. Idem, ibidem, citando o Livro III, Título 63 das Ordenações Filipinas.
  3. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 105
  4. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 106.
  5. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 63.
  6. LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. São Paulo: Método, 2009, p. 354.
  7. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo:RT, 2007, p. 90-2.
  8. Como se sabe, com o advento da Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, a perícia, nos termos do art. 159 do CPP, quando realizada por perito oficial, ou seja, de órgão oficial de perícia do Estado, pode ser realizada por apenas um perito. Apesar de essa lei não ter alterado o CPPM, a compreensão deve ser a mesma, ou seja, se, por exemplo, no curso de um IPM o encarregado solicitar uma perícia ao Instituto de Criminalística, o laudo virá lavrado por apenas um perito. Contudo, em se tratando de perícia por órgão não oficial, a nomeação deve recair ainda sobre dois peritos, em observância à Súmula 361 do STF. Na visão de Ronaldo Roth, no entanto, mesmo no caso da nomeação de perito não oficiais (ou perito louvado) é possível a nomeação de único perito, seguindo estritamente o disposto no art. 319 do CPPM, que menciona a nomeação de dois peritos sempre que possível. Para o caro autor claro "está que a participação de dois peritos na realização da perícia será sempre mais conveniente, quando isso for possível, tornando aquele procedimento mais robusto tecnicamente, pois contará, assim, com o exame de mais de um expert nomeado pelo juiz no processo penal militar; todavia, não há censura se a perícia for feita por único perito, conforme autoriza a lei". In ROTH, Ronaldo João. Peritos no processo penal militar: um ou dois, o que é válido? Revista Direito Militar, Ano XII, Nº 82. Florianópolis:AMAJME, março/abril 2010, p. 18.
  9. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES; Antonio Scarance e FILHO; Antonio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 2007, p. 163.
  10. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo:RT, 2007, p. 96-7.
  11. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: RT, 2007, p. 161.
  12. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 2007, p. 162.
  13. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 2007, p. 162.
  14. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo:RT, 2010, 6ª ed., p. 86.
  15. LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. São Paulo: Método, 2009, p. 41.
  16. AZEVEDO, Luiz Eduardo de Oliveira. Questões controvertidas de processo penal militar. Revista Direito Militar, Ano XII, Nº 82. Florianópolis:AMAJME, março/abril 2010, p. 25
  17. COLDIBELLI, Nelson e MIGUEL, Cláudio Amin. Elementos de direito processual penal militar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 145-6.

Autor

  • Cícero Robson Coimbra Neves

    Promotor de Justiça Militar em Santa Maria/RS. Mestre em Direito Penal pela PUC/SP (2008) e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo (2013). Foi Oficial Temporário do Exército, de Artilharia (1989 a 1991), e Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, ingressando na Reserva não Remunerada no posto de Capitão (1992 a 2013). Foi professor de Direito Penal Militar na Academia de Polícia Militar do Barro Branco (2000 a 2013).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Cícero Robson Coimbra. A prova ilícita no CPPM em face das novas alterações da legislação processual penal comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2700, 22 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17159. Acesso em: 28 mar. 2024.