Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/17208
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Adaptabilidade, cooperação e ônus da prova: por uma teoria dinâmica da responsabilidade probatória

Adaptabilidade, cooperação e ônus da prova: por uma teoria dinâmica da responsabilidade probatória

Publicado em . Elaborado em .

"Descobrir o verdadeiro sentido das coisas/É querer saber demais/Querer saber demais"

(Sonho de uma flauta - O Teatro Mágico)

Sumário: 1. Intróito: O neoprocessualismo e os direitos fundamentais processuais. 2. Princípio da Adaptabilidade. 3. Princípio da Cooperação. 4. A situação de incerteza e o ônus probatório. 5. A importância da teoria dinâmica do ônus da prova na consecução da efetividade jurisdicional. 6. Conclusão. 7. Referências.


1. Intróito: O neoprocessualismo e os direitos fundamentais processuais.

A temática acerca da prova merece ser estudada à luz de toda concepção pós-moderna do Direito. Dessa forma, busca-se, no âmbito do direito processual contemporâneo, a justiça do caso concreto de sorte a pacificar os conflitos sociais. Nesse turno, o direito probatório deve, sim, ser interpretado em consonância com esse novo modelo.

Ocorre que a partir da segunda guerra mundial, com a derrota dos regimes totalitários, tornou-se indispensável uma redefinição dos paradigmas jurídicos a fim de conter abusos por ventura pretendidos pelo Estado. Neste quadro, surge uma nova forma de entender o Direito, notadamente com a positivação da Constituição Italiana, de 1947, e da Lei Fundamental de Bonn (1949). No Brasil, por sua vez, este modelo começou a ser implementado após a Constituição de 1988, proporcionando, inclusive, "o mais longo período de estabilidade institucional da história republicana do país" [01].

Neste novo paradigma, portanto, buscou-se positivar nas Cartas Constitucionais verdadeiras declarações de direitos de modo a prestigiar os princípios e os valores fundamentais. Fica evidente tal postura no ordenamento pátrio ao examinarmos o extensivo rol do Título II, relativo aos Direitos e Garantias Fundamentais, da atual Lei Maior.

Este método de compreender a ciência jurídica - chamado neoconstitucionalismo - é marcado por características essenciais, as quais repercutiram em todos os ramos do direito – inclusive no sub-ramo relativo à prova -, não se restringindo, então, ao direito constitucional. Neste quadro, este (neo)constitucionalismo [02], no âmbito teórico, é qualificado pelo reconhecimento da força normativa da Constituição [03], pela relevância da jurisdição constitucional e pelo desenvolvimento de uma nova interpretação constitucional gerando um mecanismo de constitucionalização do direito [04].

Diante disso, a Lei Suprema começa a ser vista como verdadeira Paramount Law de sorte que seus dispositivos passam, sim, a normatizar condutas; deixou, portanto, de ser vista como mera carta de intenções, atravessando o momento de imposição, vinculadamente, de seus preceptivos. Nesta toada, inclusive, o mestre de Coimbra J. J. Canotilho afirma a possibilidade de falar na morte das normas constitucionais programáticas – "não deve, pois, falar-se de simples eficácia programática (ou directiva), porque qualquer norma constitucional deve considerar-se obrigatória perante quaisquer órgãos do poder político" [05].

Clarividente, então, a importância da Constituição, atribuída por esta concepção, tornando-se indispensável um sistema eficaz de proteção de sua proeminência. Nessa esteira, além do controle difuso de constitucionalidade, cuja matriz está relacionada com o judicial review americano, o Brasil adotou também a proteção concentrada da Carta Magna com significativa ampliação da legitimidade e de ações específicas no universo jurídico contemporâneo. Verifica-se, dessarte, o amplo rol dos legitimados (art. 103, CR [06]) para propor as inúmeras ações de controle concentrado, v.g., ação direita de inconstitucionalidade por ação e por omissão, ação de inconstitucionalidade interventiva, ação declaratória de constitucionalidade, argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Como salientado, nesta forma de compreender o direito, ganham substancial importância os direitos fundamentais, bem como os princípios que lhes dão suporte. Os mesmos, como valores de suma relevância para toda comunidade, devem estar positivados na Norma Suprema de modo a afastar, por inconstitucional, qualquer lei ou ato normativo contrário. Nítido tal atenção do legislador constituinte que logo no preâmbulo trouxe a preocupação com a instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

O neoconstitucionalismo, como destacado, irradiou influências para todos os ramos da ciência jurídica, principalmente em razão da "constitucionalização do direito" [07]. Dessa forma, o estudo do processo também passou a evidenciar aquelas características, de sorte que a doutrina apelidou este cenário de neoprocessualismo (em evidente alusão ao neoconstitucionalismo). Assim, inúmeros institutos processuais encontram guarida na Constituição, e aqueles que continuam positivados em normas legais são examinados afinados ao tom constitucional. Nesse universo neoprocessualista, portanto, "para além de princípios processuais constitucionais, hoje se fala em direitos fundamentais processuais" [08] (direito fundamental à vedação das provas ilícitas, por exemplo).

Por fim, cumpre salientar que tantos os direitos fundamentais materiais como os processuais, expressados por princípios, devem ser interpretados em vista da máxima efetividade. Neste sentido, inclusive, Robert Alexy afirma que os princípios são mandamentos de otimização esclarecendo que "o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes" [09]. Isso não significa, todavia, que eles não possam ser restringidos no caso concreto; nestes casos, urge utilizar o postulado da proporcionalidade.

Diante dessa nova forma de compreender o direito, com a força normativa da constituição, expansão da jurisdição constitucional e, principalmente, como a visão sobranceira dos direitos fundamentais, o processo deve ser visto como um caminhar, observado os direitos fundamentais processuais, para a realização daqueles princípios. Nas palavras do professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, "realmente, se o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode ser compreendido como mera técnica, mas, sim, como instrumento de realização de valores e especialmente de valores constitucionais, impõe-se considerá-lo como o direito constitucional aplicado" [10]. "Com efeito, o processo distancia-se de uma conotação privatística, deixando de ser um mecanismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para a realização da justiça, que é um valor eminentemente social." [11]

No afã da prestação jurisdicional justa, portanto, impõe-se a repartição dinâmica do ônus da prova, ou seja, diante do caso concreto, tal encargo recairá sobre aquele com maiores condições de desincumbir-se. Somente assim, vale dizer, os direitos fundamentais processuais da cooperação, boa-fé, lealdade, adaptabilidade do procedimento e igualdade estariam sendo atendidos, "na busca da aplicação dos ideais constitucionais". Não se pode olvidar, também, que esta teoria da responsabilidade probatória minimizaria certos prejuízos causados pela situação de incerteza, diferente do que ocorre com o atual modelo estático, onde a lei previamente fixa a parte incumbida de provar.


2. Princípio da Adaptabilidade:

Diante deste contexto de busca da justiça, mister salientar que o princípio da inafastabilidade do poder judiciário não pode mais ser visto, como outrora concebido, apenas para permitir o acesso a um juízo natural. "Não basta a simples garantia formal do dever do Estado de prestar a Justiça; é necessário adjetivar esta prestação estatal, que há de ser rápida, efetiva e adequada." [12] Portanto, tendo o processo por escopo a realização da justiça com a entrega da tutela jurisdicional qualificada, o procedimento para tanto há de ser amoldado neste desiderato [13].

Surge, assim, como corolário do direito fundamental à ação, o princípio da adequação e da adaptabilidade. Adotando-se a denominação do sempre didático professor Fredie Didier Jr., o primeiro seria "pré-jurídico, legislativo, como informador da produção legislativa do procedimento em abstrato". Já o segundo é "processual, permitindo ao juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento de modo a melhor afeiçoá-lo às peculiaridades da causa" [14].

Vale dizer, ainda, que o princípio-base do devido processo legal (ou melhor, devido processo constitucional), caracterizado não só pela regularidade formal, mas também por sua manifestação de razoabilidade (substantive due processo of law), é aplicado a todos o meios de produção de normas jurídicas: processo judicial, processo administrativo, processo legislativo e, inclusive, processo negocial. Nesse quadro, o legislador, ao estabelecer normas jurídicas processuais através do rito constitucionalmente previsto, deverá agir não só nos termos formalmente estabelecidos nos arts. 59 e seguintes da Norma Fundamental, mas, também, fixando medidas adequadas ao fim do processo – prestação jurisdicional justa. Essa faceta do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição é que legitima o princípio da adequação.

Diante disso, o Poder Legislativo, em sua atividade leginferante, adotará meios compatíveis com a relação substancial posta à apreciação pelo Poder Judiciário. Sendo assim, tais normas poderão levar em consideração os eventuais litigantes (adequação subjetiva) – por exemplo: diferenciação nas regras de competência quando a demanda envolver a União, entidade autárquica ou empresa pública federal (art. 109, CR) -; a função do procedimento (adequação teleológica) – diferenças, v.g., existentes no rito cognitivo em relação ao executivo -; bem como pela natureza, pela forma como se apresenta e pela situação de urgência do direito material (adequação objetiva) [15].

As regras e princípios de direito processual, em suma, postos pelo legislador, deverão estar em harmonia com as peculiaridades do direito material que ligam as partes em conflito. Portanto, pelo princípio da adequação, ao se editar normas jurídicas para regular a relação processual, não se pode olvidar o direito material. Evidente, então, que o direito processual é fundamentado pelo direito material e, ao mesmo tempo, aquele concretiza este. Neste sentido, inclusive, salienta Francesco Carnelutti: "entre o processo e direito material ocorre uma relação circular, o processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servido por ele" [16].

Ocorre, entretanto, que não se pode prever todas as situações possíveis diante do caso concreto, id est, não há como imaginar o prognóstico de todas as condições que podem ser levadas à juízo estabelecendo normas processuais aptas a melhor protegê-las. Ora, é possível que ocorra hipótese de suma peculiaridade em que o legislador não positivou normas processuais adequadas àquela circunstância específica.

Nesses casos, em razão do princípio da adaptabilidade, pode o magistrado ajustar o procedimento às particularidades – não previstas pelo legislador – da hipótese levada a sua apreciação. Assim, o ideal é mesmo a adaptabilidade do procedimento pelo juiz já que a aplicação da norma processual, prevista para as hipóteses gerais, pode ensejar violações aos direitos fundamentais processuais. Sendo, por exemplo, a prova diabólica (impossível de ser produzida) para a parte a quem compete desincumbir-se do ônus, contudo, facilmente realizável pela outra, aplicar a regra geral prevista no art. 333, do CPC, implicaria em inconstitucionalidade circunstancial. Ora, como vimos, a tutela jurisdicional deve ser efetiva, e objetiva a realização da justiça de modo que os entraves legislativos não podem obstar tal fim [17].

Nesse diapasão, também as normas processuais podem, em que pese abstratamente constitucionais, à luz do caso concreto, ser consideradas inconstitucionais. Sobre este fenômeno, inclusive, Ana Paula de Barcellos salienta que "é possível cogitar de situações nas quais um enunciado normativo, válido em tese e na maior parte de suas incidências, ao ser confrontado com determinadas circunstâncias concretas, produz uma norma inconstitucional" [18]. Tais regras, portanto, devem ser afastadas não se subsumindo na hipótese, sob pena de ofensa à Constituição.

Sobre este princípio, insta, ainda, trazer à baila os ensinamentos do saudoso Piero Calamandrei ao tratar do (à época novo) Código italiano:

A inovação verdadeiramente fundamental introduzida em matéria de formas pelo novo Código, é, pelo contrário, outra: a que a Rel. Grandi, n. 16, denomina: "o princípio da adaptabilidade do procedimento às exigências da causa", ou, como se tem dito também, de "elasticidade processual". (...) O Código tem tratado de temperar a excessiva rigidez, adotando, no lugar de um tipo de procedimento único e invariável para todas as causas, um procedimento adaptável às circunstâncias, que pode ser, em caso de necessidade, abreviado ou modificado, podendo assumir múltiplas figuras, em correspondência com as exigências concretas de cada causa."

A rigidez de um procedimento regulado de um - Adaptabilidade do procedimento como maneira de temperar a legalidade das formas - modo uniforme para todas as causas possíveis, tem o grande inconveniente de não prestar-se a satisfazer simultaneamente a exigência de cuidadosas e exaustivas investigações, que se sente especialmente em certas causas mais complicadas e difíceis, e a exigência de uma rápida resolução, que predomina nas causas mais simples e urgentes. [19]

Atualmente, não há como negar o papel criativo do poder judiciário de modo que o juiz não pode ser visto mais como a bouche de la loi. [20] Assim, a doutrina afirma que "se nas teorias clássicas o juiz apenas declarava a lei ou criava a norma jurídica individual a partir da norma geral, agora ele constrói a norma jurídica a partir da interpretação de acordo com a Constituição, do controle de constitucionalidade e da adoção da regra do balanceamento (ou regra da proporcionalidade em sentido estrito dos direitos fundamentais do caso concreto)" [21]. Ora, essa mesma interpretação deve ser realizada também acerca das normas do processo. É possível, como vimos, no caso concreto, que determinada regra processual seja inconstitucional em razão do confronto com os direitos fundamentais processuais. Diante desta inconstitucionalidade circunstanciada, o juiz terá papel criativo também em torno de regras processuais, sob pena de aplicar lei inconstitucional no caso concreto violando direitos dos mais prestigiados em tempos hodiernos: direitos fundamentais (processuais). Neste sentido, nos ensina o Carlos Alberto Alvaro De Oliveira:

À luz dessas considerações, a participação no processo e pelo processo já não pode ser visualizada apenas como instrumento funcional de democratização ou realizadora do direito material e processual, mas como dimensão intrinsecamente complementadora e integradora dessas mesmas esferas. O próprio processo passa, assim, a ser meio de formação do direito, seja material, seja processual. Tudo isso se potencializa, quando se atenta em que o processo deve servir para a produção de decisões conforme a lei, corretas a esse ângulo visual, mas, além disso, dentro do marco dessa correção, preste-se essencialmente para a produção de decisões justas. [22]

Vale ressaltar, inclusive, que este tem sido o caminho de ordenamentos jurídicos estrangeiros ao preverem expressamente a possibilidade de o juiz adaptar o procedimento com objetivo de atender a finalidade do processo: promoção da justiça! Neste sentido, exempli gratia, o Código de Processo Civil Português trouxe em seu artigo 265.º-A: (Princípio da adequação formal) quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações. Sugere-se, pois, de lege ferenda, norma semelhante com fito de promover uma maior segurança jurídica.

No exemplo citado da impossibilidade de manejo das provas por aquele a quem compete o ônus, a teoria da distribuição dinâmica da responsabilidade probatória parece solucionar tal porfia. Adotando essa noção na forma como o direito brasileiro está disciplinado, as regras do art. 333, CPC, seriam consideradas apenas uma norma geral o que não impede a sua mitigação – em razão da inconstitucionalidade circunstanciada – quando não for apta a realização do fim processual. Nesses casos, cumpre ao magistrado o poder de distribuir o ônus da prova para aquele que tiver melhores condições de produzi-las à luz do caso concreto. À obviedade, tal distribuição deve ser realizada em tempo hábil para desincumbir-se desta imposição judicial, caso contrário, haveria flagrante ofensa ao direito fundamental de participação e de influência na decisão (princípio do contraditório).


3. Princípio da Cooperação:

No Estado Constitucional de Direito, como já se viu, muito mais que princípios e garantias referentes ao processo estabelecidas na Constituição, existem verdadeiros direitos fundamentais processuais. Nesta senda, tais direitos devem ser interpretados da forma a maximizar sua efetividade e não restringi-los a um mínimo existencial. Conforme salientado, também, isso não impede, à luz do caso concreto, a mitigação de tais direitos em virtude da colisão com outros direitos fundamentais (devendo ser otimizados a fim de que ambos sejam aplicados na maior medida possível).

Nesta perspectiva, o contraditório, por exemplo, não pode ser visto mais como uma garantia minimalista de participação no processo. Direito fundamental que é, ele deve ser compreendido, além desse aspecto formal, numa visão substancial, ou seja, há de ser viabilizado o poder de influência [23]. Nessa concepção material, o princípio do contraditório é o fundamento para a cooperação e colaboração dos sujeitos processuais de modo que o próprio magistrado está submetido a tal garantia, obrigando-se a debater, dialogar.

Infere-se, portanto, da estrutura deontológica estatuída na Magna Carta o princípio da cooperação, impondo ao juiz uma postura dialética - destinatário que também é do contraditório. Sendo assim, o órgão jurisdicional, na condução do processo, atuará ao lado das partes, participando como colaborador.

Para atingir essa vertente cooperativa, o professor Daniel Mitidiero demonstra a evolução histórica da organização social e sua influência no papel atribuído à magistratura. Nesse diapasão, o autor esclarece que existiram três modelos em relação ao problema da divisão do trabalho entre o juiz e as partes. Elucida o autor que no primeiro momento – modelo paritário de organização social – havia "certa indistinção entre a esfera política, a sociedade civil e o indivíduo, de modo que o juiz (presentante do Estado, como diríamos em linguagem corrente) se encontra no mesmo nível das partes" [24]. Aqui, o juiz guiava o processo sem qualquer intervenção no âmbito jurídico das partes. Era o que ocorria, v.g., na experiência política grega e ítalo-medieval.

No paradigma hierárquico, por sua vez, existia "nítida distinção entre o indivíduo, sociedade e Estado (ou Império), estabelecendo-se uma relação vertical de poder entre esse e aquele. O juiz, nesse modelo hierárquico, vai alocar-se acima das partes." [25] Esse momento, outrossim, é marcado por um juiz autoritário e inquisitivo. Essa estrutura - num Estado, não só de Direito, mas, também, Democrático - não mais se sustenta plenamente. Como já ressaltado, os direitos fundamentais processuais impõem uma conduta cooperativa para o juiz. Embora nesse padrão colaborativo a distinção entre Estado, sociedade e indivíduo permaneça, a organização dessas relações é diferente.

Conforme enfatiza Mitidiero, neste Estado Constitucional se prestigia a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CF) no intuito de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I). "Daí a razão pela qual a sociedade contemporânea pode ser considerada ela mesma um empreendimento de cooperação entre os seus membros em vista da obtenção de proveito mútuo." [26] Neste paradigma atual, por conseguinte, o órgão jurisdicional assume dupla função: de um lado, tem uma posição paritária com ênfase dialética e, do outro, assimétrica na tarefa decisória.

Diante dessa postura do magistrado, submetendo-se também ao contraditório, a doutrina costuma trazer os deveres fundamentais do juiz. Sendo assim, deverá esclarecer suas dúvidas em relação a quaisquer postulações das partes (pedido, alegações etc.) – dever de esclarecimento -; consultar as partes sobre eventuais questões não levadas à apreciação – dever de consultar [27] -; deve, também, apontar eventuais equívocos nas postulações a fim de serem supridas – dever de prevenção -; por fim, existe ainda o dever de auxílio, ou seja, "o dever de auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de um ônus ou deveres processuais". [28]

Acentue-se, por evidente, que a teoria dinâmica da responsabilização probatória está em harmonia com essa nova vertente de enxergar o processo no cenário constitucional e imbuído pela realização da justiça. "Esse expediente (...) encontra-se em total consonância com a ideia de processo civil pautado pela colaboração, pressupondo mesmo para sua aplicação um modelo de processo civil cooperativo. Seu fundamento está na necessidade de velar-se por uma efetiva igualdade entre as partes no processo e por uma escorreita observação dos deveres de cooperação nos domínios do direito processual civil, notadamente do dever de auxílio do órgão jurisdicional para com as partes." [29]

Essa postura cooperativa, frise-se, é uma preocupação que não se restringe aos estudiosos do direito processual brasileiro. Muitos ordenamentos jurídicos, inclusive, positivaram norma expressando essa necessidade dialógica entre o juiz e as partes. Assim, por exemplo, Código de Processo Civil de Portugal o estabeleceu em seu art. 266, in verbis:

ARTIGO 266.º (Princípio da cooperação) 1. Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. 2. O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. 3. As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n° 3 do artigo 519.º. 4. Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.

No mesmo sentido, estabelece o §139 da ZPO Alemã:

CONDUÇÃO MATERIAL DO PROCESSO. (1) O órgão judicial deve discutir com as partes, na medida do necessário, os fatos relevantes e as questões em litígio, tanto do ponto de vista jurídico quanto fático, formulando indagações, com a finalidade de que as partes esclareçam de modo completo e em tempo suas posições concernentes ao material fático, especialmente para suplementar referências insuficientes sobre fatos relevantes, indicar meios de prova, e formular pedidos baseados nos fatos afirmados. (2) O órgão judicial só poderá apoiar sua decisão numa visão fática ou jurídica que não tenha a parte, aparentemente, se dado conta ou considerado irrelevante, se tiver chamado a sua atenção para o ponto e lhe dado oportunidade de discuti-lo, salvo se se tratar de questão secundária. O mesmo vale para o entendimento do órgão judicial sobre uma questão de fato ou de direito, que divirja da compreensão de ambas as partes. (3) O órgão judicial deve chamar a atenção sobre as dúvidas que existam a respeito das questões a serem consideradas de ofício. (4) As indicações conforme essas prescrições devem ser comunicadas e registradas nos autos tão logo seja possível.Tais comunicações só podem ser provadas pelos registros nos autos. Só é admitida contra o conteúdo dos autos prova de falsidade. (5) Se não for possível a uma das partes responder prontamente a uma determinação judicial de esclarecimento, o órgão judicial poderá conceder um prazo para posterior esclarecimento por escrito. [30]

Não é diferente, por fim, o Côde de Procédure Civile Français que estabeleceu norma semelhante ao firmar, em seu art. 16, que "o juiz deve, em todas as circunstâncias, fazer observar e observar ele mesmo o princípio do contraditório; ele não pode considerar, na sua decisão, as questões, as explicações e os documentos invocados ou produzidos pelas partes a menos que estes tenham sido objeto de contraditório; não pode fundamentar sua decisão em questões de direito que suscitou de ofício, sem que tenha, previamente, intimado as partes a apresentar suas observações". Clarividente, portanto, a preocupação com o princípio da cooperação primando por uma atividade dialética entre partes e juiz. Neste sentido, no Brasil, posto que inexista norma expressa, sua ideia pode ser extraída dos demais direitos fundamentais processuais positivados na Constituição Federal, e.g., devido processo legal, inafastabilidade jurisdicional, contraditório, ampla defesa etc.


4. Ônus probatório e a situação de incerteza:

Neste modelo constitucional do processo civil (neoprocessualismo), o mecanismo para a prestação jurisdicional é pautado na "busca da verdade" como forma de qualificar a justiça do caso concreto. Sabe-se que a verdade, como essência, é inatingível no processo; ora, o que já passou, passou; não há como reconstruir. Diante disso, com a prova não se busca uma verdade real, [31] não se pretende a reconstrução dos fatos, mas o convencimento dos demais sujeitos do processo. [32] Assim, a verdade, em que pese utópica, deve ser perseguida (não com a ilusão de sua realização) a fim de maximizar a certificação pelas partes, sem olvidar a maior legitimação da justiça proporcionada pelo Estado.

Neste quadro, o ônus processual surge como "a necessidade da prática de um ato para a assunção de uma específica vantagem própria ao longo do processo e, na hipótese oposta, que haverá, muito provavelmente, um prejuízo para aquele que não praticou o ato ou o praticou insuficientemente". [33] Ressalte-se, destarte, que o eventual revés pela falta da realização deste imperativo não é elemento indispensável para caracterizar o ônus. Nesse sentido, inclusive, esclarece o professor Roland Arazi: "no siempre el incumplimiento de una carga ocasiona perjuicio: puede ser que no se conteste la demanda y, no obstante, la pretensión del actor sea rechazada o que no se produzca determinada prueba y ello no tenga ninguna consecuencia sea porque la prueba se produjo por iniciativa de la contraria o del juez o porque, en definitiva, resultó innecesaria" [34].

Na literatura processual, muitas discussões giram em torno do ônus. A doutrina, neste sentido, tem o diferenciado dos demais imperativos jurídicos. Assim, inclusive, Arruda Alvim esclarece que a "obrigação pede uma conduta cujo adimplemento ou cumprimento traz benefícios à parte que ocupa o outro pólo da relação jurídica. Havendo omissão do obrigado, este será ou poderá ser coercitivamente obrigado pelo sujeito ativo. Já em relação ao ônus, o indivíduo que não o cumprir sofrerá, pura e simplesmente, em regra, as consequências negativas do descumprimento que recairá sobre ele próprio" [35]. Complementando, afirma a possibilidade de a obrigação possuir valor, podendo ser convertida em pecúnia, o que não ocorre com o ônus. Por fim, demonstra o autor um terceiro elemento do gênero dos imperativos: o dever (não é conversível em pecúnia e tem como característica a perpetuidade, o que não ocorre com o ônus nem com as obrigações).

"En el derecho romano, en el antiguo proceso formulario, el juez, cuando no estaba convencido de la verdad de los hechos controvertidos podía eludir el pronunciamiento afirmando ‘no lo veo claro’, en cuyo supuesto no pronunciaba sentencia y absolvía la instancia." [36] Em tempos hodiernos, contudo, pela vedação ao non liquet, não se admite o "não julgamento". Neste diapasão, fez-se imprescindível estabelecer regras para adequar esta situação: ora, é perfeitamente possível que o magistrado chegue à fase de julgamento ainda com dúvida. Por isso, estabeleceram-se as regras do ônus da prova de modo que "não se trata de regras que distribuem tarefas processuais (regras de conduta); as regras de ônus da prova ajudam o magistrado na hora de decidir, quando não houver prova do fato que tem de ser examinado (regra de julgamento). (...) O sistema não determina quem deve produzir a prova, mas sim quem assume o risco caso ela não se produza." [37] Por fim, à guisa de esclarecimento, cumpre evidenciar que o art. 333, CPC, estabelece que o ônus da prova incumbe: ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O notável Luiz Guilherme Marinoni, entretanto, esclarece que as regras do ônus da prova não servem somente para viabilizar o julgamento no estado de dúvida, ao revés, funciona também como instrumento útil na fase de convencimento (antes do julgamento, à obviedade). Isso porque existem situações do próprio direito material que exigem uma profundidade do convencimento judicial maior ou menor. Não há como admitir, por exemplo, a mesma intensidade de conformação numa demanda que versa sobre um acidente de veículo automotor e noutra sobre as lesões pré-natais, "quando não há racionalidade em exigir do autor, para procedência da ação ressarcitória, a prova de que a doença do recém-nascido deriva do acidente que a sua mãe sofreu quando em gestação". [38]

Como vimos, a verdade é uma mera utopia, inatingível, e, ipso facto, o magistrado deve buscar a comprovação daquilo que é imprescindível para o esclarecimento do direito material em litígio. Desse modo, está desincumbido de buscar comprovação de fatos tidos por impossível. Portanto, "o convencimento judicial somente pode ser pensado a partir do módulo de convencimento próprio a uma específica situação de direito material, pois o juiz somentepode se dizer convencido quando sabe até onde o objeto do seu conhecimento abre oportunidade para o convencimento." Por isso, para o autor, "como o convencimento varia de acordo com o direito material, a regra do ônus da prova também não pode ser vista sempre do mesmo modo, sem considerar a dificuldade de convicção própria ao caso concreto." [39]

Admite-se, então, em razão do confronto de direito substancial discutido, que o juiz julgue com base na verossimilhança, devida a impossibilidade da certeza. Nesse caso, não se pode sustentar que estará julgando em dúvida. Tanto isso é verdade que não se utilizará dos dispostos acerca do ônus da prova. Na realidade, o próprio direito material impõe que a verossimilhança basta para o julgamento daquela lide. "O juiz que decide com base na verossimilhança não está em estado de dúvida; ao contrário, ele está convencido de que a verossimilhança basta diante das circunstâncias do caso concreto" [40].

Insta advertir também que, neste modelo neoconstitucionalista, afirmar que ao juiz não é dado buscar os instrumentos hábeis a solucionar suas dúvidas, isto é, retirar-lhe qualquer poder instrutório, é um equívoco. Saliente-se que em tempos do processo marcado por ideais iluministas – o juiz como bouche de la loi – as regras do ônus da prova eram consideradas como limitação ao exercício do magistrado [41]. Essa atuação pró-ativa, "busca da verdade" (inatingível), supre, inclusive, eventuais desigualdades existentes no processo, não havendo como falar, neste caso, em falta da isenção necessária. "Parcial é o juiz que, sabendo que uma prova é fundamental para a elucidação da matéria fática, queda-se inerte". [42] Ora, o processo, como ramo do direito público [43] superior aos interesses restritos das partes, busca a justiça do caso concreto e esta é qualificada pela "máxima verdade possível". Diante disso, as provas visam, como vimos, qualificar a justiça firmada pelo Estado de sorte que o juiz, também atingido pelo contraditório, "tem interesse em que a atividade por ele desenvolvida atinja determinados objetivos, consistentes nos escopos da jurisdição". [44] Portanto, nada obsta (ao contrário, recomenda-se) a postura ativa do magistrado na colheita das provas concomitantemente com as partes.


5. A importância da teoria dinâmica do ônus da prova na consecução da efetividade jurisdicional:

Tradicionalmente, a responsabilidade para a comprovação das alegações está disciplinada de forma apriorística na legislação ordinária. Sendo assim, como vimos, o Código de Processo Civil estabeleceu que ao autor cabe demonstrar os fatos constitutivos e ao réu, os impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor [45]. Diante disso, a doutrina tem definido o fato constitutivo como aquele gerador do direito afirmado pelo autor em juízo; extintivo, como o que retira a eficácia do constitutivo, fulminando o direito do autor; o impeditivo, por sua vez, é o fato obstativo da produção de efeitos decorrentes do fato constitutivo; e, por fim, o modificativo busca apenas alterá-lo [46].

Todavia, em certas situações é possível que a produção dessa prova seja considerada diabólica. Para Alexandre Freitas Câmara, "prova diabólica é expressão que se encontra na doutrina para fazer referência àqueles casos em que a prova da veracidade da alegação a respeito de um fato é extremamente difícil, nenhum meio de prova sendo capaz de permitir tal demonstração. Também a jurisprudência emprega a expressão, normalmente, para fazer referência à prova de algo que não ocorreu (equiparando, assim, a prova diabólica e a prova negativa)." [47] Ocorre, entretanto, que esta última acepção utilizada pela jurisprudência deve ser vista com a devida adequação pois admitem-se fatos positivos de impossível ou dificílima prova e, ao reverso, fatos negativos também podem ser facilmente comprovados.

Sendo assim, nos casos da prova diabólica para uma das partes, há de se admitir a inversão deste ônus tendo em vista a maior facilidade de sua produção pela outra. Trata-se da teoria dinâmica do ônus da prova. Segundo a doutrina, as primeiras palavras sobre essas idéias foram proferidas pelo inglês Jeremías Bentham, por volta de 1823 [48]. Sucede, todavia, que o seu aprofundamento foi realizado pela literatura processual argentina. Portanto, "a denominada teoria das cargas processuais dinâmicas, se não concebida por Jorge W. Peyrano, ilustre jurista argentino, foi, sem dúvida, por ele desenvolvida (...)". [49]

Esta "tese, aparentemente singela, rompe com a concepção ‘demasiado rígida y apriorística’ da doutrina clássica, que adotava uma ‘visión exclusivamente estática’ da questão relativa às regras da distribuição do ônus da prova". [50] Isso porque deixa de levar em consideração, para todos os casos, a parte ou o fato apresentado. Nessa esteira, a prova seria produzida pela parte com maiores condições de desincumbir-se do ônus probatório sendo despiciendo o pólo em que se encontra e a natureza do fato alegado: se constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo. Assim, inclusive, Antonio Janyr Dall’agnol Junior afirma que "pela teoria da distribuição dinâmica dos ônus probatórios, portanto, (a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo; (b) ignorável é a posição da parte no processo; (c) e desconsiderável se exibe a distinção já tradicional entre fatos constitutivos, extintivos etc. Revela isto sim, (a) o caso em sua concretude e (b) a ‘natureza’ do fato a provar - imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo." [51]

É importante enfatizar, contudo, que existem requisitos para a utilização desta distribuição dinâmica de forma que não deve ser utilizada açodadamente [52]. Destaca-se, então, que tal medida é excepcional. Enfatize-se: "a distribuição dinâmica do ônus da prova não é regra, mas exceção" [53]. Além disso, conforme salienta Marcelo Sebastián Midón, não se deve deslocar todo o ônus probatório, apenas parcialmente:

El desplazamiento del onus probandi que importa la aplicación de esta doctrina funciona, de ordinario, respecto de determinados herechos y circunstancias y no de todo el material fáctico. Ello implica que tal aplicación no acarrea un desplazamiento completo de la carga probatoria sino tan solo parcial, conservándose en cabeza de la otra parte la imposición de ciertos esfuerzos probatorios. [54]

Não fosse assim, com o deslocamento total desta responsabilidade, poder-se-ia correr o risco, ao transferi-la, de tornar a prova diabólica para a parte que recebera este ônus excessivo. Nesse caso, clarividente a desnaturação da essência desta teoria. Portanto, "não se poderá, de modo nenhum, dinamizar o ônus da prova se a atribuição do encargo de provar acarretar uma probatio diabolica reversa, isto é, incumbir a parte contrária, a princípio desonerada, de uma prova diabólica" [55].

Além disso, é importante destacar que, para a utilização desta forma de inversão do ônus probatório em razão das circunstâncias do direito material discutido, o magistrado, tendo em vista o princípio do devido processo constitucional, do contraditório e ampla defesa, deverá decidir pela aplicação desta doutrina em tempo oportuno, maximizando a possibilidade de a parte desincumbir-se de tal atribuição. Trata-se, portanto, de regra de atividade e, não, de julgamento [56].

Convém, ainda, ressaltar que no Direito do Consumidor não há uma regra específica de distribuição do ônus da prova. Deste modo, aplica-se a regra geral do CPC prevista no art. 333. Todavia, em situações excepcionais, permite-se a inversão do ônus da prova: ope legis (arts. 12, §3°, I e II; 14, §3, I e 38, CDC) ou ope iudicis (art. 6°, VIII, CDC). A primeira é aquela determinada pelo legislador de modo que não há margem de liberdade para o julgador. Deste modo, verificada a hipótese de incidência legal é obrigatória a inversão. Na outra, não há uma determinação do legislador para que haja a inversão diante de certa hipótese. Aqui, o legislador estabelece determinados requisitos que, presentes, possibilitarão ao magistrado a inversão. Diante disso, verifica-se que o legislador consumerista adequou aquelas teorias de forma que a doutrina da distribuição dinâmica do ônus da prova, para tais demandas, encontra-se positiva, inclusive, no sistema.

Sendo assim, admite-se, na seara da defesa do consumidor, por expressa disposição legal, a possibilidade de o magistrado inverter o ônus da prova. Nestes casos, em razão da verossimilhança da alegação e da hipossuficiência do consumidor, o encargo da comprovação do fato (não) constitutivo poderá ser do fornecedor/réu.

Frise-se, por importante, que a previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor, aplicável, à obviedade, somente às demandas desta natureza, não tem o condão de afastar a utilização desta doutrina em outros casos. Como nos ensina, mais uma vez, Luiz Guilherme Marinoni, "não existe motivo para supor que a inversão do ônus da prova somente é viável quando prevista em lei. Aliás, a própria norma contida no art. 333 não precisaria estar expressamente prevista (...). Recorde-se que no ordenamento alemão não contém norma similar à do art. 333, e por isso a doutrina alemã construiu a Normentheorie." [57]

Como vimos (nota de rodapé n. 17), Daniel Mitidiero, em seu estudo sobre Colaboração no Processo Civil, afirma que a regra estabelecida no art. 333, nestes casos, não incidirá por inadequação. Isso porque, in casu, "não estando atendida a ‘razão motivadora’ da regra, essa tem a sua incidência afastada pelo postulado normativo aplicativo da razoabilidade (na acepção de razoabilidade como eqüidade)" [58]. Por outro lado, sem discordar do autor, apenas partindo de outras premissas, fica evidente a inconstitucionalidade circunstancial da norma processual já que, nas hipóteses admissíveis da distribuição dinâmica, a aplicação do art. 333, CPC, viola inúmeros direitos fundamentais processuais, notadamente o devido processo constitucional.

Não se tem dúvida, por conseguinte, que a atribuição da responsabilidade probatória para aquele com maiores condições de provar é uma doutrina que se harmoniza com a busca da efetividade jurisdicional no afã de maximizar a justiça do caso concreto ao incentivar a maior produção probatória. Ora, "hoy, con el triunfo de la visión publicista o solidarista del Derecho Procesal, en cuya virtud el proceso supera el mero interés de las partes, acentuando la necesidad de contar con la efectiva cooperación de los litigantes y, por consiguiente, reclamando un rol más activo del demandado, ya no basta que las reglas del onus probandi permitan solucionar la litis, porque necesitamos, también, que habiliten una solución justa, o al menos lo menos injusta posible" [59].


5. Conclusão:

O estudo do direito processual contemporâneo é realizado aos olhos da constituição, ou seja, seus institutos são interpretados conforme a Carta Magna. Como salientado, estes novos paradigmas estão sendo intitulado de neoprocessualismo em razão das influências do constitucionalismo atual. Sendo assim, suas características, como a normatividade da Paramount Law; a ampliação da jurisdição constitucional e a importância dos direitos fundamentais de modo que todo o direito é interpretado à luz da Constituição, foram ressaltadas.

No modelo constitucional do direito processual civil, portanto, o processo tem a finalidade de prestar a justiça do caso concreto. Assim, há de serem enfatizados os direitos fundamentais processuais que são garantias de meio e de resultado [60]. Elas asseguram, portanto, tanto os mecanismos adequados à solução das lides quanto o resultado justo (ou menos injusto possível).

Diante disso, no universo neoprocessual, a distribuição dinâmica do ônus da prova é uma exigência desses princípios processuais. Sendo assim, a despeito da omissão legislativa, é lícito ao magistrado, em vista das peculiaridades do caso concreto, inverter o a responsabilidade probatória a fim de maximizar a efetividade jurisdicional.

Nesse sentido, como vimos, recomendam os princípios do devido processo legal, do acesso à justiça, do contraditório e, em especial, da adaptabilidade e da cooperação. Logo, excepcionalmente, o juiz deverá exigir, em verdade, o imperativo da comprovação da parte com melhores condições de fazê-lo. Isso tem razão, como vimos, porque, caso contrário, a aplicação do disposto no art. 333, CPC, incorreria em inconstitucionalidade circunstanciada da norma processual. Ora, não há como admitir, ainda que abstratamente seja harmônica com os dispositivos da Lex Legum, a aplicação de preceptivo que, no caso, viola os direitos mais caros para um Estado Democrático de Direito.

À guisa de conclusão, fica evidente que a utilização da distribuição dinâmica do ônus da prova, dês que preenchido seus requisitos legitimadores, está em consonância com o direito processual contemporâneo. Deste modo, inclusive, recomenda-se uma postura pró-ativa da jurisprudência nesse sentido, o que, certamente, culminará na evolução da legislação. Frise-se, inclusive, que tal postura já se vê presente no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivo, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, em seu art. 11, §1°: "O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração".


7. REFERÊNCIAS:

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 10. ed., vol. I. São Paulo: RT, 2006.

ARAZI, Roland. La carga probatoria. Disponível em: http://www.apdp.com.ar/archivo/teoprueba.htm. Acesso em: 07.08.2009.

ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista diálogo jurídico, Salvador, ano I, vol. I, n.°4, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-HUMBERTO-AVILA.pdf. Acesso em: 02.jul.09.

________. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf. Acessado em: 04.08.2009.

BEDAQUE, José dos Santos. Garantias da Amplitude de Produção Probatória. In: TUCCI, José Rogério Cruz (Coord.) Garantias Constitucionais do Processo Civil. Homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: RT, 1999.

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007.

CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drima Fernandez Barbery. Vol. I. Campinas: Bookseller, 1999.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças Preexistentes e Ônus da Prova: o Problema da Prova Diabólica e uma Possível Solução. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, n. 31, 2005.

________. Lições de Direito Processual Civil. 19. ed., vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER, Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2008, p. 139.

________. Prova Civil. Admissibilidade e Relevância. São Paulo: RT, 2006.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7° ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999.

DA HORA, Rodrigo Santos. A principiologia como base fundamental. Disponível em: http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=2167. Acesso em: 04.08.2009.

________. O princípio do contraditório e o direito comparado: visão moderna do direito processual civil. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/19852/1/o-principio-do-contraditorio-e-o-direito-comparado-visao-moderna-do-direito-processual-civil/pagina1.html. Acesso em: 04.08.2009.

DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez/Fonte do Direito, n. 280, p. 11, fev.2001.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed., Vol. I. Salvador: Editora Juspodivm, 2008.

________. Sobre dois importantes, e esquecidos, princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/2986. Acesso em: 04.08.2009.

________; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito probatório, decisão judicial, cumprimento de sentença e liquidação da sentença e coisa julgada. 2. ed., Vol. 2. Salvador: Editora Juspodivm, 2008.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

________. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

GONZÁLEZ, Daniel Humberto. Otra visión sobre las cargas dinámicas probatorias. In: BARBERIO; CARRILLO; GARCÍA SOLÁ. Doctrina y Jurisprudencia Procesal Civil y Comercial. Buenos Aires: Juris, 2005.

GRANDE, Maximiliano García. Cargas Probatorias Dinámicas: ni nuevas, ni argentinas, ni aplicables. Disponível em: http://www.e-derecho.org.ar/congresoprocesal/Cargas%20Probatorias%20Din%E1micas%20_Grande_.pdf. Acesso em: 05.08.2009.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1991.

KNIJNIK, Danilo. As (perigosíssimas) doutrinas do ‘ônus dinâmico da prova’ e da ‘situação de senso comum’ como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio diabólica. In: FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda (coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 944.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. Vol. I. São Paulo: RT, 2006.

________. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 7. ed., vol. II. São Paulo: RT, 2008.

________. Do processo civil clássico à noção de direito a tutela adequada ao direito material e à realidade social. http://www.professormarinoni.com.br/manage/pub/anexos/20080320041348DO_PROCESSO_CIVIL_CLASSICO.pdf.

________. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades de caso concreto. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/jspui/bitstream/2011/2201/1/Forma%C3%A7%C3%A3o_da_Convic%C3%A7%C3%A3o_e_Invers%C3%A3o.pdf.

MIDÓN, Marcelo Sebastián. Derecho Probatorio, parte general. Ciudad de Mendoza: Jurídicas Cuyo, 2007.

MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. Pressupostos sociais, lógicos e éticos. In: MARINONI, Luiz Guilherme; BEDAQUE, José Roberto dos Santos (coord). Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil. Vol. 14. São Paulo: RT, 2009.

MUTIM, Marcel Santos. A decisão do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade difuso e a vinculação de sua fundamentação. Contributo para um controle misto propriamente dito. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2073, 5 mar. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12413. Acesso em: 10 jun. 2009.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. Processo civil, penal e administrativo. 9. ed., São Paulo: RT, 2009.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Livre Apreciação da Prova: Perspectivas Atuais. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Carlos%20A%20A%20de%20Oliveira(4)%20formatado.pdf.

________. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: DIDIER, Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2008.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais. Conteúdo essencial, restrições e eficácia. Malheiros Editores, 2009.

________. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais (São Paulo), v. 798, p. 23-50, 2002

________. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, p. 607-630, 2003.

PELEJA JÚNIOR, Antônio Veloso. A adaptabilidade do procedimento: regra ou princípio? . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2161, 1 jun. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12788. Acesso em: 04.08.2009.

PESSOA, Flávia Moreira. As regras de divisão do ônus da prova e os poderes instrutórios do juiz. Revista de Direito Processual Civil. Ano VIII. Julho-Setembro. Curitiba: Genesis. 2003.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre o ônus da prova. Academia Brasileira de Direito Processual Civil, 2006. http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Teresa%20Arruda%20Alvim%20Wambier%20-%20formatado.pdf.

ZANETI JR. Hermes. A teoria circular dos planos (Direito Material e Direito Processual). In: DIDIER, Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2008.


Notas

  1. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf. Acessado em: 04.08.2009.
  2. Conforme salienta brilhantemente Eduardo Cambi, "a expressão ‘neo’ (novo) permite chamar a atenção do operador do direito para mudanças paradigmáticas". CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. In: DIDIER, Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2008, p. 139.
  3. Konrad Hesse contribuiu sobremaneira para a compreensão da força normativa da Constituição. Assim, em sua crítica a Ferdinand Lassalle, afirmava que "A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel, tal como caracterizada por Lassalle (...) A constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição." HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1991.
  4. Neste sentido, cf. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo, op. cit., p. 143; BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito, op. cit.; DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9. ed., vol. I. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 27.
  5. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7° ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1176-1177.
  6. Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
  7. Como salientam Barroso, Binenbojm, dentre outros, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional. (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito, op. cit.).
  8. DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. op. cit., p. 28.
  9. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 90.
  10. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: DIDIER, Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2008, p. 230.
  11. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Dimensiones sociales del processo civil. In: Temas de direito processual. 4° série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 26. (apud) CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. op. cit.
  12. DIDIER JR., Fredie. Sobre dois importantes, e esquecidos, princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/2986. Acesso em: 04.08.2009.
  13. Neste sentido, inclusive, José Roberto dos Santos Bedaque ensina que "as garantias constitucionais do processo asseguram esse mecanismo adequado à solução das controvérsias. São garantias de meio e de resultado. Estão diretamente relacionadas não apenas aos instrumentos processuais adequados, como também, e principalmente, a um resultado suficientemente útil e eficaz para quem necessita valer-se dessa atividade estatal." BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias Constitucionais no Processo Civil. Homenagem aos 10 Anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: RT, 1998, p. 158.
  14. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. op. cit., p. 51.
  15. LACERDA, Galeno. O Código como Sistema Legal de adequação do processo. Em: Revista do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul – Comemorativa do Cinquentenário. Porto Alegre, 1976 apud DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. op. cit., p. 52.
  16. CARNELUTTI, Francesco. Profilo dei raporti tra diritto e processo. Revista di Diritto Processuale, v. 35, n. 4, p. 539-550, 1960. (Apud) ZANETI JR. Hermes. A teoria circular dos planos (Direito Material e Direito Processual). In: DIDIER, Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2008, p. 403.
  17. O professor Daniel Mitidiero, utilizando as lições de Humberto Bergmann Ávila (Teoria dos Princípios), afirma: "o que primeiro deve-se apontar no processo para que se dê a dinamização do ônus da prova é a não-incidência, por inadequação, do art. 333, CPC." Valendo-se, in litteris, das palavras de Ávila, salienta que "‘uma regra é aplicável a um caso se, e somente se, suas condições são satisfeitas e sua aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria regra’". Assim, arremata: "não estando atendida a ‘razão motivadora’ da regra, essa tem sua incidência afastada pelo postulado normativo aplicativo da razoabilidade (na acepção de razoabilidade como equidade)". Essa conclusão é perfeitamente firmada partindo-se das premissas de Humberto Ávila, ou seja, admitindo ponderação entre regras. Por outro lado, utilizando as teorias de Robert Alexy, Ronald Dworkin, Virgilio Afonso da Silva, para os quais "um eventual sopesamento só pode envolver normas que tenham a dimensão do peso, o que regras não têm", tal desfecho não seria possível. Este caso, entretanto, poderia ser questionado como um aparente conflito entre uma regra e um princípio. No caso, tendo em vista a diferente hierarquia das normas e a possibilidade, no Brasil, do magistrado pronunciar a inconstitucionalidade no caso concreto, tal discussão perde sua dimensão em virtude da inconstitucionalidade circunstanciada. Ora, como a regra, diante daquelas situações, viola os direitos fundamentais, sua aplicação deve ser afastada, sob pena de inconstitucionalidade. Todavia, ainda que assim não fosse considerada, poder-se-ia admitir a inserção de uma cláusula de exceção à regra – sendo aplicável através da subsunção e não da ponderação – produto da construção juris-prudencial.
  18. BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
  19. CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drima Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999, v. I, pp. 299/300.
  20. Para Mauro Cappelletti, vale dizer, o que explica a tônica atual da criatividade do judiciário, utilizando a expressão do filósofo Marton G. White, é justamente a "revolta contra o formalismo." Portanto, repudia-se a "ideia de que o juiz se encontra na posição de declarar o direito de maneira não criativa, apenas com os instrumentos da lógica dedutiva, sem envolver, assim, em tal declaração a sua valoração". Hodiernamente, então, afirma-se que "o papel do juiz é muito mais difícil e complexo, e de que o juiz, moral e politicamente, é bem mais responsável por suas decisões do que haviam sugerido as doutrina tradicionais. Escolha significa discricionariedade, embora não necessariamente arbitrariedade; significa valoração e ‘balanceamento’; significa ter presentes os resultados práticos e as implicações morais da própria escolha; significa que devem ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise linguística puramente formal, mas também e sobretudo aqueles da história e da economia, da política e da ética, da sociologia e da psicologia." CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 31 et seq.
  21. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006, v. 1, p. 90-97.
  22. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: DIDIER, Fredie. Leituras Complementares de Processo Civil. 6. ed., Salvador: Juspodivm, 2008, p. 237.
  23. Também assim esclarece José Roberto dos Santos Bedaque: "entre as garantias que a Constituição assegura ao modelo processual brasileiro encontra-se a do contraditório. Trata-se de postulado destinado a proporcionar ampla participação dos sujeitos da relação processual nos atos preparatórios do provimento final. Sua observância constitui fator de legitimidade do ato estatal, pois representa a possibilidade que as pessoas diretamente envolvidas com o processo têm de influir em seu resultado." BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. op. cit., p. 170.
  24. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. Pressupostos sociais, lógicos e éticos. In: MARINONI, Luiz Guilherme; BEDAQUE, José Roberto dos Santos (coord.). Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil. Vol. 14. São Paulo: RT, 2009, p. 64.
  25. Ibidem, p. 68.
  26. Ibidem, p. 72.
  27. Neste sentido, inclusive, o insigne professor Fredie Didier Jr. diferencia a possibilidade de o magistrado conhecer uma questão de ofício do poder de agir sem ouvir as partes. Nesta toada, são as palavras do autor: "E, aqui, entra uma distinção que me parece muito útil e é pouco trabalhada na doutrina. Uma coisa é o juiz poder conhecer de ofício, poder agir de ofício, sem provocação da parte. Essa é uma questão. Outra questão é poder agir sem ouvir as partes. É completamente diferente. Poder agir de ofício é poder agir sem provocação, sem ser provocado para isso; não é o mesmo que agir sem provocar as partes. Esse poder não lhe permite agir sem ouvir as partes." In: DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil, op. cit., p. 48.
  28. SOUZA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1997, p. 66-67 apud MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. op. cit., p. 76.
  29. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. op. cit., p. 126-127.
  30. Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira apud DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. op. cit., p. 58-59, nota de rodapé n. 90.
  31. Verifica-se que os processualistas tradicionais afirmam que o processo deve buscar a verdade real. Se somente a verdade já é uma situação utópica, inatingível, com muito mais razão a dita verdade real (se é que existe).
  32. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 7. ed., vol. II. São Paulo: RT, 2008, p. 258.
  33. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 246.
  34. ARAZI, Ronald. Teoría General de la Prueba. La Carga Probatoria. Disponível em: http://www.apdp.com.ar/archivo/teoprueba.htm. Acesso em: 07.08.2009.
  35. ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed., Vol. II. São Paulo: RT, 2006, p. 436.
  36. ARAZI, Roland. Teoría General de la Prueba. op. cit.
  37. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito probatório, decisão judicial, cumprimento de sentença e liquidação da sentença e coisa julgada. Vol. 2. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 75.
  38. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 7. ed., vol. II. São Paulo: RT, 2008, p. 268.
  39. Idem.
  40. Ibidem, p. 269.
  41. Cf. PESSOA, Flávia Moreira. As regras de divisão do ônus da prova e os poderes instrutórios do juiz. Revista de Direito Processual Civil. Ano VIII. Julho-Setembro. Curitiba: Genesis. 2003.
  42. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 7. ed., vol. II. São Paulo: RT, 2008.
  43. Teresa Arruda Alvim Wambier esclarece que esses poderes instrutórios dos juízes não lhes retiram a imparcialidade. Afirma: "Se o processo é direito público, toda questão ligada ao interesse das partes fica, sob essa ótica, esmaecida. Não tem sentido, assim, falar-se em que o juiz teria ‘favorecido’ uma das partes. Ao magistrado interessa a busca da verdade, e, se, casualmente, com essa busca, indiretamente, estiver ‘favorecendo uma das partes’, isso importa nada ou muito pouco. Quando os fatos a serem esclarecidos fazem com que emerja a verdade, no sentido de que B, e não A, tem direito, não se pode dizer que o juiz esteja perdendo a sua neutralidade, deixando de ser imparcial ou ‘pendendo’ para uma das partes. Na fase probatória, segundo essa nova visão, deve o juiz agir concomitantemente e em condições de igualdade em relação às partes: ordenar que se faça uma perícia, ouvir as partes, ouvir e reouvir testemunhas. Na atividade do juiz, tem-se a garantia de que estar-se-á buscando a verdade.O mesmo não se pode dizer quanto à das partes, que estarão sempre querendo mostrar o lado da realidade que lhes interessa". WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre o ônus da prova. Academia Brasileira de Direito Processual Civil, 2006. http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Teresa%20Arruda%20Alvim%20Wambier%20-%20formatado.pdf.
  44. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. op. cit., p. 170.
  45. Para Roland Arazi, essa máxima de Chiovenda não é absoluta já que, "por ejemplo, si el actor promueve una demanda para que se se dicte una sentencia meramente declarativa que decida que una obligación está prescripta, él tendrá la carga de probar el hecho extintivo en que funda su pretensión". ARAZI, Ronald. Teoría General de la Prueba. op. cit.
  46. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael.Curso de Direito Processual Civil. op. cit., p. 77 et seq.
  47. CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças Preexistentes e Ônus da Prova: o Problema da Prova Diabólica e uma Possível Solução. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, n. 31, 2005, p. 12.
  48. Cf. GRANDE, Maximiliano García. Cargas Probatorias Dinámicas: ni nuevas, ni argentinas, ni aplicables. Disponível em: http://www.e-derecho.org.ar/congresoprocesal/Cargas%20Probatorias%20Din%E1micas%20_Grande_.pdf. Acesso em: 05.08.2009.
  49. DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez/Fonte do Direito, n. 280, p. 11, fev.2001.
  50. Idem.
  51. Idem.
  52. Existem autores que classificam esses requisitos em materiais e formais. O requisito material seria justamente a prova diabólica para uma das partes decorrente de sua hipossuficiência ou da inacessibilidade da prova. Já o requisito formal seria a necessidade de decisão prévia e fundamentada, ou seja, em tempo hábil para parte poder se desincumbir. Cf. KNIJNIK, Danilo. As (perigosíssimas) doutrinas do ‘ônus dinâmico da prova’ e da ‘situação de senso comum’ como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio diabólica. In: FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda (coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 944.
  53. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 19. ed., vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. Noutro sentido, todavia, entende Daniel Humberto González: "Por ello es que entiendo que no puede ser aplicable sólo en casos excepcionales (...), porque considero que la doctrina probatoria dinámica es parte integrante del nuevo paradigma procesal en su concepción dinámica". GONZÁLEZ, Daniel Humberto. Otra visión sobre las cargas dinámicas probatorias. In: BARBERIO; CARRILLO; GARCÍA SOLÁ. Doctrina y Jurisprudencia Procesal Civil y Comercial. Buenos Aires: Juris, 2005.
  54. MIDÓN, Marcelo Sebastián. Derecho Probatorio, parte general. Ciudad de Mendoza: Jurídicas Cuyo, 2007, p. 138.
  55. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. Pressupostos sociais, lógicos e éticos. op. cit., p. 129.
  56. Também não goza de caráter unânime na doutrina essa necessidade de pronunciamento judicial a fim de evitar surpresas. Marcelo Sebastián Midón, por exemplo, defende que "en síntesis, si la teoría de las pruebas dinámicas es fuente múltiple del Derecho Procesal (se trata, simultáneamente, de profusa doctrina, standard jurisprudencial y legislación cada vez más extendida), su aplicación no puede conllevar a sorpresas. Será cuestión, no más, de precaverse y vivenciar el principio de la efectiva colaboración de las partes en el acopio de material convicción". MIDÓN, Marcelo Sebastián. Derecho Probatorio, parte general. op. cit., p. 141.
  57. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. 7. ed., vol. II. São Paulo: RT, 2008, p. 273.
  58. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. op. cit., p. 128.
  59. MIDÓN, Marcelo Sebastián. Derecho Probatorio, parte general. op. cit., p. 134.
  60. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção probatória. In: TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias Constitucionais no Processo Civil. Homenagem aos 10 Anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: RT, 1998, p. 158.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUTIM, Marcel Santos. Adaptabilidade, cooperação e ônus da prova: por uma teoria dinâmica da responsabilidade probatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2604, 18 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17208. Acesso em: 19 abr. 2024.