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A dispensa de licitação no convite fracassado

A dispensa de licitação no convite fracassado

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O artigo 37, inciso XXI, da Constituição da República exige a realização de licitação com o fim de selecionar a proposta mais vantajosa à Administração Pública, em respeito ao interesse público e a isonomia dos participantes, para a aquisição ou contratação de produtos, bens, obras, serviços, alienações e locações, sendo ressalvada a sua obrigatoriedade nas hipóteses previstas na lei.

A dispensa de licitação é, portanto, uma das hipóteses excepcionais previstas pelo legislador ordinário de disposição de verba pública com ausência de licitação, desde que haja compatibilidade com o objetivo constitucional, de aplicação indubitável, dos princípios da igualdade e da proposta mais vantajosa ao interesse público.

O artigo 24, V, da Lei nº 8.666/93 estabelece que "quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas". Trata-se, segundo as palavras de Hely Lopes Meirelles, de licitação dispensável, prevista como uma das hipóteses nas quais a Administração poderá dispensar discricionariamente a realização de procedimento licitatório formal, balizado pelo princípio da boa-fé.

Como destacam Marçal Justen Filho e Jessé Torres Pereira Filho, a dispensa de licitação, com base no inciso V do art. 24 da Lei nº 8.666/93, aperfeiçoa-se com o desinteresse pelo certame, o prejuízo da realização de nova convocação para Administração Pública e a necessária igualdade de condições contratuais estatuídas no ato convocatório anterior.

A modalidade de licitação convite, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, "(...) é a modalidade de licitação mais simples, destinada às contratações de pequeno valor, consistindo na solicitação escrita a pelo menos três interessados do ramo, registrados ou não, para que apresentem suas propostas no prazo mínimo de cinco dias úteis (art. 21, § 2º, IV)." [01]

Mas como proceder na hipótese da licitação nessa modalidade restar fracassada, com apenas uma ou duas interessadas, dentre outras convidadas? Seria cabível a dispensa de licitação com fulcro no artigo 24, V, da Lei nº 8.666/93?

Não havendo o número mínimo de três convidados na primeira sessão (art. 22, § 7º, da Lei nº 8.666/93), indubitável a necessidade de nova convocação, com o convite de mais outro fornecedor que não tenha participado do certame anterior. Na hipótese, novamente, de comparecimento de número insuficiente de interessados (menos de três), na segunda tentativa, poderá o Administrador Público encerrar a sessão, devolver os envelopes aos interessados e diligenciar um terceiro convite ou prosseguir na seleção com o número possível de licitantes, haja vista a reincidência do manifesto desinteresse dos convidados, já estando legalmente autorizado avançar para análise das habilitações e propostas.

O óbice ao emprego do art. 24, V, da Lei n° 8.666/93, no caso de encerrada a sessão com a devolução dos envelopes aos interessados, deve-se pela passagem "(...) não acudirem interessados à licitação anterior (...)", que deve ser interpretado restritivamente, tendo em vista o caráter de excepcionalidade do dispositivo. Abstrai-se dessa redação legal que a dispensa de licitação somente é aplicável na ausência de interessados. Salienta-se que a licitação fracassada é diferente da deserta, essa ocorre quando não há interessados no certame, hipótese que traduz na contratação direta, com dispensa de licitação, a teor do disposto no artigo ora comentado.

Todavia, cabível a dispensa na segunda hipótese (continuidade do convite com o número possível de interessados) quando todos os convidados são inabilitados ou têm suas propostas desclassificadas, culminando no fracasso do certame.

Nas palavras de Maria Sylvia Di Pietro:

"A licitação deserta não se confunde com a licitação fracassada, em que aparecem interessados, mas nenhum é selecionado, em decorrência da inabilitação ou da desclassificação. Neste caso, a dispensa de licitação não é possível." [02]

Ao dissertar sobre o tema, coadunando com a tese até então exposta, Jessé Torres Pereira Junior, in verbis:

"Comprovada a inapetência (falta de vontade ou de meios para participar) ou a incompetência (falta de qualificação para participar) das empresas do ramo, a Administração deve prosseguir no prélio seletivo com o número possível de licitantes, posto que o interesse do serviço público não poderá quedar-se inerte ou subjulgado diante da inépcia ou do capricho das empresas.

Para que esta segunda espécie de desinteresse se torne manifesta, isto é, evidenciada de modo incontroverso ou acima de dúvida razoável (este o sentido jurídico da palavra "manifesto", na acepção com que a usou a lei), é irrelevante classificá-la como tácita ou expressa. Até porque uma carta das empresas convidadas declinando de participar não significa que a Administração houvesse esgotado as potencialidades do mercado. Pode, até, haver convidado número inexpressivo de empresas em relação às existentes, daí o §7º exigir a repetição do convite. A Administração somente terá certeza ponderável de que o desinteresse é próprio das empresas – para ele não havendo concorrido erro do convite ou insuficiência de publicidade, seja porque inexistentes, seja porque emendados – se, endereçando o convite a número maior de empresas, a par de publicá-lo em veículos pertinentes (diário oficial ou jornais especializados, por exemplo), repetir a licitação e ainda assim não contar com o mínimo de três licitantes habilitados.

Em outras palavras, temos sustentado que a repetição, ampliado o universo de convidados, é a regra a observa-se, inclusive para firmar a convicção sobre o desinteresse. Só então será possível à Administração afirmá-lo e continuar com a competição, em sua segunda tentativa. JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES assinala, com acerto, que "Impõe a lógica jurídica que a Administração mantenha as condições ofertadas e exigidas na licitação anterior, pois se houver qualquer alteração ficará irremediavelmente comprometido o requisito ausência de interesse em participar na licitação..." (Contratação direta sem licitação, pág. 180).

Frise-se que a repetição de convite por insuficiência de licitantes habilitados não se confunde com a hipótese de dispensa de licitação por ausência absoluta de licitantes (licitação deserta), a que se refere o art. 24, V, da Lei nº 8.666/93. Na primeira, comparecem licitantes, porém em número inferior ao mínimo legal; na segunda, não se apresenta licitante algum. Logo, se, repetido o convite, persistir o número insuficiente de licitantes, a solução não pode ser a contratação direta fundada naquela hipótese de dispensa, mas, sim, o prosseguimento da licitação com qualquer número de habilitados, desde que configurada uma das exceções – limitações de mercado ou manifesto desinteresse." [03] (destacou-se)

Para Marçal Justen Filho:

"Sendo impossível, desde logo, a obtenção de três propostas, a Administração poderá remeter convite a número inferior de potenciais interessados. Tal deverá ser cumpridamente motivado." [04]

Nyura Disconzi da Silva, em artigo publicado no sítio eletrônico do Instituto Zênite, assevera:

"7. Da análise conjugada dos §§ 3º e 7º, do art. 22, depreende-se exigir a Lei o comparecimento de, no mínimo, três interessados, sob pena de repetição do Convite.

Repetido o Convite, deve ser convidado, existindo na praça, mais um interessado, no mínimo (§ 6º, art. 22).

Contudo, a não obtenção de três interessados não inviabiliza a contratação do único proponente ou de um dos dois proponentes, se justificado no processo a limitação do mercado ou manifesto desinteresse, nos termos do disposto no citado § 7º." [05] (destacou-se)

No âmbito do Tribunal de Contas da União, o acórdão nº 1744/2010, da 1ª Câmara, transcrito no Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 11/10, na presença de no mínimo 3 (três) interessados para a realização do Convite, faz referência expressa à exceção prevista no § 7º do art. 22 da Lei nº 8666/93:

"Licitações no âmbito da Petrobras: 2 - Necessidade de três propostas válidas na modalidade de convite

A Termoaçu S.A., empresa do grupo Petrobras, insurgiu-se também contra a seguinte determinação constante do Acórdão n.º 2.071/2009-1ª Câmara: "sejam homologadas as licitações na modalidade ‘Convite’ apenas quando o certame contar com o número mínimo de três pessoas físicas ou jurídicas que apresentem propostas válidas, conforme estabelece o item 3.1.3 do Decreto nº 2.745/98 e a Súmula do TCU nº 248, a qual deve ser estendida ao Decreto nº 2745/98 uma vez que se trata de assunto análogo, que fixa o entendimento de que, não se obtendo o mínimo de três propostas aptas à seleção na licitação sob a modalidade Convite, impõe-se a repetição do ato, com a convocação de outros possíveis interessados, ressalvando as hipóteses previstas no art. 22, parágrafo 7º, da Lei nº 8.666/1993". Segundo a recorrente, o Decreto n.º 2.745/98 (Regulamento do Procedimento Licitatório da Petrobras) e a Lei n.º 8.666/93 não exigem a presença de três propostas válidas, mas apenas que o convite seja remetido a um número mínimo de três interessados. A recorrente fez alusão, ainda, à possibilidade de o certame na modalidade convite não obter o número mínimo de licitantes e, mesmo assim, poder prosseguir, conforme previsto na Lei n.º 8.666/93. Para o relator, a determinação em tela segue precisamente o teor da Súmula n.º 248 da jurisprudência do TCU, que, ao sintetizar o entendimento construído no Tribunal por meio de inúmeras deliberações, vai ao encontro da necessidade de preservar um mínimo de competitividade em uma modalidade de licitação que, sabidamente, proporciona ampla liberdade ao contratante na escolha dos participantes. Dessa forma, "milita na direção da obtenção da melhor proposta para a Administração, objetivo fundamental das licitações". No que se refere à possibilidade de participação de um número de licitantes inferior a três, devido a limitações de mercado ou a manifesto desinteresse dos convidados, "a própria determinação a contempla, ao fazer menção ao art. 22, parágrafo 7º, da Lei nº 8.666/1993". A Primeira Câmara acolheu o voto do relator." Acórdão n.º 1744/2010-1ª Câmara, TC-027.081/2008-3, rel. Min. José Múcio Monteiro, 06.04.2010. (destacou-se)

Em decisão plenária, inserida no Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 22/10, o Tribunal de Contas da União deixou clara a importância da justificativa para a não repetição do Convite, tecendo comentários das possíveis sanções aplicáveis:

"Comprovação das limitações do mercado ou do manifesto desinteresse dos convidados, para a não repetição do convite ante a ausência de três propostas válidas.

Por meio do Acórdão n.º 2.416/2009-Plenário, foi aplicada multa aos membros da comissão permanente de licitação da Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras), motivada, entre outras irregularidades, pela ausência injustificada da repetição do Convite n.º 0.208.915.06-8, haja vista não terem sido apresentadas três propostas válidas. Ao apreciar embargos de declaração opostos contra o aludido acórdão, não obstante deixar assente que a conduta dos embargantes não deveria ser analisada isoladamente, "visto que é prática contumaz da Petróleo Brasileiro S/A a ausência injustificada de repetição de procedimento licitatório na modalidade convite, mesmo quando não apresentadas três propostas válidas", o relator ponderou que o TCU, em situações semelhantes, tem relevado a aplicação de sanção pecuniária, limitando-se a determinar à Petrobras a adoção de "medidas preventivas". Considerou, no entanto, importante salientar que o afastamento da aplicação de multa aos recorrentes "não significa salvo conduto ou o acolhimento da tese de inaplicabilidade àquela empresa estatal do disposto no art. 22, §§ 3º e 7º, da Lei n.º 8.666/93 e do Enunciado n.º 248 da Súmula de Jurisprudência do TCU". Ao contrário, "com base em aplicação analógica do código penal brasileiro, não caracteriza excludente de ilicitude ou inexigibilidade de conduta diversa a aplicação de regulamento autônomo da Petrobras, mesmo que os embargantes estejam cientes de flagrante afronta à Constituição e à Lei". Ao final, o relator propôs e o Plenário decidiu acolher os embargos para atribuir-lhes, excepcionalmente, efeitos infringentes, excluindo-se a sanção pecuniária imputada aos membros da comissão permanente de licitação. Além disso, deliberou o Pleno no sentido de "alertar à Petrobras que, doravante, a repetição da desobediência ao disposto no art. 22, §§ 3º e 7º, da Lei nº 8.666/1993 e do Enunciado nº 248 da Súmula de Jurisprudência do TCU [...] poderá sujeitar os agentes infratores à sanção pecuniária prevista em lei, sejam esses agentes empregados executores de normas internas da empresa, eivadas de irregularidade, sejam esses dirigentes omissos no dever de promoverem a adequação de suas normas internas à Lei nº 8.666/1993 e às reiteradas deliberações desta Corte". Precedentes citados: Decisão n.º 524/99-Plenário; Acórdãos n.os 101/2004, 256/2006, 1.501/2006, 1.732/2009 e 1.523/2010, todos do Plenário; Acórdão n.º 2.602/2003-1ª Câmara; Acórdãos n.os 56/2004 e 54/2006, ambos da 2ª Câmara." Acórdão n.º 1437/2010-Plenário, TC-015.685/2007-4, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 23.06.2010.

Em outras decisões plenárias, o Tribunal de Contas da União, nos acórdãos nº 1089/2003 e nº 819/2005, entendeu, respectivamente, "(...) na hipótese de não ser atingido o mínimo legal de três propostas válidas quando da realização de licitação na modalidade "convite", justifique expressamente,nos termos do art. 22, § 7°, da Lei n° 8.666/93, as circunstâncias impeditivas da obtenção do número de três licitantes devidamente qualificados sob pena de repetição do certame com a convocação de outros possíveis interessados (...)" e "(...) repita o certame quando não obtiver três propostas válidas, ressalvadas as hipóteses de limitação de mercado ou manifesto desinteresse dos convidados, circunstâncias essas que devem estar justificadas no processo, consoante § 7º do mesmo artigo (...)".

A Súmula 278 do referido Tribunal, estabelece que:

"Não se obtendo o número legal mínimo de três propostas aptas à seleção, na licitação sob a modalidade Convite, impõe-se a repetição do ato, com a convocação de outros possíveis interessados, ressalvadas as hipóteses previstas no parágrafo 7º, do art. 22, da Lei nº 8.666/1993."

Baseado em decisões reiteradas do Tribunal de Contas da União, a Advocacia Geral da União editou Orientações Normativas sobre licitações e contratos, estando disponível no sítio eletrônico do citado Tribunal. Colaciona-se, na oportunidade, a Orientação Normativa nº 12, de 01 de abril de 2009:

"AGU e DISPENSA DE LICITAÇÃO. Orientação Normativa/AGU nº 12, de 01.04.2009 (DOU de 07.04.2009, S. 1, p. 14) - "Não se dispensa licitação, com fundamento nos incs. V e VII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, caso a licitação fracassada ou deserta tenha sido

realizada na modalidade convite".

REFERÊNCIA: arts. 22 e 24, inc. V e VII, da Lei nº 8.666, de 1993; Súmula TCU no 248; Decisões TCU 274/94-Plenário, 56/2000-Segunda Câmara; Acórdãos TCU 1089/2003-Plenário e 819/2005-Plenário."

No âmbito do Poder Judiciário, o aresto do Tribunal Regional Federal da 1ª Região a seguir transcrito coaduna com o posicionamento do Tribunal de Contas da União:

"MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. CARTA CONVITE. 1. O § 3º do artigo 22 da Lei 8.666/93 considera válido o convite quando encaminhada a solicitação a pelo menos três interessados, ainda que somente dois tenham efetivamente participado do certame. 2. Remessa não provida." (TRF-1, REO 199901001095352, Rel. Juiz Federal Convocado LEÃO APARECIDO ALVES,DJ DATA 18/09/2003, PÁGINA: 89)

Assim, havendo interessados em número insuficiente no convite repetido e encerrando-se a sessão de plano, a aplicabilidade do procedimento de licitação dispensável consubstancia, evidentemente, burla à licitação, com ofensa ao princípio constitucional da legalidade e do devido processo legal, insuscetível de afastamento por parte do Administrador Público. A opção excepcional da dispensa de licitação, além de não se enquadrar na previsão legal eleita (art. 24, V), estaria subvertendo o procedimento licitatório, com afronta severa aos artigos 3º, caput, e 4º da Lei nº 8.666/93, in verbis:

"Art. 3º  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional, e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (destacou-se)

Art. 4º Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.

Parágrafo único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública. (destacou-se)

Ademais, mesmo ocorrendo, em um primeiro momento, a inabilitação dos licitantes no certame, é facultado à Administração, com o fito de salvar o procedimento e evitar prejuízos, abrir prazo para apresentação de novos documentos, como dispõe o artigo 48, § 3º, da Lei nº 8.666/93:

"Art. 48. (...)

§3º - Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a Administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis."

Hely Lopes Meirelles, ao tecer comentários acerca da subordinação da atividade administrativa à lei, afirma:

"(...) na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza." [06]

A Autoridade Pública que se deparar com qualquer irregularidade em algumas das fases do certame e/ou aplicação equivocada de qualquer excepcionalidade legal, deverá, embasada nos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, exercer o controle de legalidade (poder-dever de autotutela), declarando a nulidade dos atos inquinados, com a salvaguarda dos válidos, mediante fundamentação circunstanciada. Mesmo se tratando de ato discricionário, a escolha da licitação dispensada necessariamente deve obediência à lei.

O vício que porventura leve à nulidade do procedimento licitatório também maculará o contrato administrativo celebrado, podendo acarretar outros efeitos, conforme previsão da Lei nº 8.666/93.

"Art. 50.  A Administração não poderá celebrar o contrato com preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade."

"Art. 49.  A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.

§ 1º  A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.

§ 2º  A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.

§ 3º  No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa.

§ 4º  O disposto neste artigo e seus parágrafos aplica-se aos atos do procedimento de dispensa e de inexigibilidade de licitação." (destacou-se)

"Art. 59.  A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

Parágrafo único.  A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa."

Por fim, apenas resta ao Administrador Público a declaração de nulidade da dispensa de licitação e a repetição do convite, conduzindo-o até o final, mesmo com o número de interessados abaixo da previsão legal. A aplicação indevida da licitação dispensável (artigo 24, V, da Lei nº 8.666/93) poderá dar azo às sanções legais, sem prejuízos das responsabilidades cível e criminal. Colaciona-se o inteiro teor do artigo 89 da Lei nº 8.666/93:

"Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público."


Notas

  1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 303.
  2. DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Altas, 2002, p. 313.
  3. PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 270-271.
  4. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2009, p. 257-258.
  5. SILVA, Nyura Disconzi da. A Modalidade de Convite e Sua Disciplina na Lei nº 8.666/93. Zênite, Curitiba, 23 jan. 1996. Disponível em: < http://www.institutozenite.com.br/jsp/site/item/Text1Text2AutorDet.jsp?PagAtual=1&Modo=2&IntPrdcId=1&IntScId=71&IntItemId=44&IntDocId=2553. Acesso em: 28 jul. 2010.
  6. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 82.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Márcio Roberto Martins. A dispensa de licitação no convite fracassado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2607, 21 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17228. Acesso em: 28 mar. 2024.