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Da inconstitucionalidade do art. 11 do Estatuto Jurídico da Igreja Católica do Brasil.

O ensino religioso ecumênico nas escolas públicas como exigência histórica dos princípios do pluralismo e da liberdade de crença

Da inconstitucionalidade do art. 11 do Estatuto Jurídico da Igreja Católica do Brasil. . O ensino religioso ecumênico nas escolas públicas como exigência histórica dos princípios do pluralismo e da liberdade de crença

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Merece crítica o Decreto nº 7.107/2010 pelo tratamento ao magistério do ensino religioso nas escolas públicas de nível fundamental.

INTRODUÇÃO

No início do corrente ano, o Presidente da República sancionou o Decreto nº 7.107, de 11.2.2010, contendo o acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé, a versar sobre o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. A propósito, o referido diploma estabelece, em apertada síntese descritiva, as normas basilares de convivência entre o Estado brasileiro e as instituições vinculadas àquele segmento religioso.

Discorreu-se no tratado em apreço sobre o reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja Católica e de suas instituições eclesiásticas, bem como sobre o direito conferido a estas de exercerem suas atribuições regulares, dentro dos limites objetivos fixados pelo ordenamento jurídico pátrio (artigos 1º a 5º, 7º e 14) , sobre a cooperação com o Estado nas áreas de preservação do patrimônio histórico, saúde e educação (artigos 6º, 8º, 9º e 10º) e sobre aspectos pertinentes ao regime tributário e trabalhista do clero e seus auxiliares (artigos 13, 15, 16 e 17).

Mesmo antes da publicação do Decreto nº 7.107/2010, o chamado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil já vinha sendo objeto de infindáveis críticas, fundadas, em grande medida, na propalada violação ao postulado da laicidade estatal, positivado no art. 19, I, da Constituição Federal, a impor a desvinculação das entidades públicas aos cultos religiosos e na aludida diferença de tratamento conferida àquela crença em relação aos demais segmentos religiosos estabelecidos no País. [01]

Dentre as críticas impingidas ao chamado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, merecem especial destaque, a nosso ver, aquelas voltadas para o tratamento conferido pelo referido diploma ao magistério do ensino religioso nas escolas públicas de nível fundamental, a ponto de ensejar a elaboração de um estudo específico. A propósito, o tema foi abordado no artigo 11, § 1º da seguinte forma:

"Artigo 11. A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.

§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação." (Destacou-se)

Da análise do dispositivo ora transcrito, verifica-se que o chamado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil vinculou o ensino religioso às doutrinas eclesiásticas professadas pelos distintos segmentos existentes no País, primando, portanto, por um modelo confessional em detrimento da forma ecumênica de magistério daquela disciplina, a primar pelo ensinamento dos conceitos morais que permeiam, de maneira unívoca, a totalidade das religiões. [02]

Diante disso, formula-se a indagação: a forma confessional de ensino religioso propalada pelo chamado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil estaria em conformidade com as pautas axiológicas emanadas da Constituição Federal, em especial com as diretrizes constantes dos artigos 206, III e 210, caput, da Carta Magna, a pautarem a atividade educacional do Estado pelo reconhecimento em torno do pluralismo de ideias e pelo respeito aos valores culturais da população? [03]

A importância ora conferida ao tema ganha relevo na medida em que os aspectos a envolverem o ensino religioso transcendem a questão da franquia às manifestações de fé no ambiente escolar, abrangendo, para muito além desse tópico, a concretização do princípio constitucional da pluralidade ideológica nos ambientes públicos, a constituir a matriz do postulado do Estado Democrático de Direito e da própria liberdade religiosa.

Dito em outros termos, ao tratar do ensino religioso nas escolas oficiais de nível fundamental, não se está a pensar apenas na questão atinente à liberdade de ministrar aos alunos uma ou outra doutrina religiosa, mas sim no próprio atendimento ao postulado constitucional da pluralidade ideológica, tão caro ao Estado Democrático de Direito, e que ganha importância na espécie justamente por envolver a veiculação de conceitos morais em ambientes vinculados ao Poder Público e por este mantidos.

E assim, diante do indissociável liame existente entre o ensino religioso e o postulado da pluralidade ideológica, o presente artigo propõe-se a investigar, em um primeiro momento, em que sentido o conteúdo histórico-institucional do referido princípio incorporou a liberdade de crença e, posteriormente, se a sua positivação no texto da Constituição Federal de 1988 admite a subsistência de norma a estabelecer um modelo confessional de ensino religioso no ordenamento jurídico, tal como o fez o art. 11, § 1º, do Decreto nº 7.107/2010.


2.O ENSINO RELIGIOSO ECUMÊNICO NA REDE OFICIAL DE ENSINO COMO IMPOSIÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE RELIGIOSA E DO PLURALISMO IDEOLÓGICO.

Tal como os demais dispositivos principiológicos do ordenamento jurídico que consagram garantias fundamentais, os direitos ao pluralismo ideológico e à liberdade religiosa reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 configuram instituições cujo conteúdo axiológico foi talhado ao longo do tempo, ou, nas palavras de Bobbio, "caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas." [04]

Não são eles, portanto, preceitos de caráter meramente programático, cujos significados serão atribuídos discricionariamente pelo legislador infraconstitucional ou pelo julgador. Ao contrário, os direitos ao pluralismo ideológico e à liberdade religiosa possuem um rico conteúdo institucional definido historicamente que confere sentido aos artigos 5º, VI, 206, III, 210, caput e § 1º, da Carta Magna e que, analisados à luz dos casos concretos, permitirão ao intérprete definir a medida exata da aplicabilidade prática dos referidos preceitos, contribuindo, portanto, para a evolução conceitual destes últimos, conforme bem assevera Gustavo Zagrebelsky [05]:

"La ciencia del derecho constitucional no puede transformarse en una búsqueda libre que parte de premisas arbitrarias y encuentra resultados igualmente arbitrarios, usando la constitución como pretexto plegable hacia acá o hacia allá, como mejor convenga.

(…)

Las normas constitucionales de principio no son más que la formulación sintética, privada casi de significado desde el punto de vista del mero análisis del lenguaje, de las matrices histórico-ideales del ordenamiento. Por un lado, declaran las raíces y, por otro, indican una dirección. Ofrecen un punto de referencia en el pasado y, al mismo tiempo, orientan el futuro. Los princípios dicen, por un lado, de qué pasado se proviene, en que líneas de continuidad el derecho constitucional actual quiere estar inmerso: por otro, dicen hacia qué futuro está abierta la constitución.

Los principios son, al mismo tiempo, factores de conservación y de innovación, de una innovación que consiste en la realización siempre más completa y adecuada a las circunstancias del presente del germen primigenio que constituye el principio.

(…)

En una constitución basada en principios, la interpretación es el acto que relaciona un pasado constitucional asumido como valor y un futuro que se nos ofrece como problema para resolver en la continuidad.

El futuro (…) se nos aparece entonces a la luz de una precomprensión, a la luz de los principios constitucionales. (…) Y toda precomprensión se transforma inmediatamente en un enriquecimiento de la post-comprensión, alimentando la historia de los principios constitucionales, una historia hecha por una continua referencia <<circular>> a su alcance inicial pero continuamente revitalizada y alimentada a la luz de los casos siempre nuevos e imprevisibles que el tiempo incesantemente aporta.

(…)

Pasado y futuro se ligan en una única línea y, al igual que los valores del pasado orientan la búsqueda del futuro, así también las exigencias del futuro obligan a una continua puntualización del patrimonio constitucional que viene del pasado y por tanto a una incesante redefinición de los principios de la convivencia constitucional." [06]

Pois bem, fixada tal premissa, cumpre formular breve averiguação histórica acerca dos postulados da liberdade religiosa e do pluralismo ideológico, a fim de definir, ao cabo de tal análise, em que medida o conteúdo das referidas instituições jurídicas condiciona o oferecimento do ensino religioso nos estabelecimentos educacionais mantidos pelo Estado. E a primeira constatação a defluir de tal empreitada, atesta, justamente, para o fato de que os dois princípios partilham de uma identidade histórica comum, de modo a impossibilitar a definição de um sem levar em conta o outro.

De fato, a pluralidade ideológica e a liberdade de crença são frutos dos conflitos religiosos vivenciados nos Séculos XVI e XVII na Europa Ocidental, cujo advento criou uma realidade até então inédita, marcada pelo surgimento de novas orientações religiosas após a reforma protestante e cujo desfecho culminou com a ruptura dos vínculos que uniam a Igreja Católica e o Estado e com a neutralidade do Poder Público nos aspectos relacionados à fé de seus cidadãos.

Nesse sentido, à medida que os dogmas católicos passaram a ser contestados pelos partidários da reforma protestante, a partir do Século XVI, a ideia em torno da "unidade de crença" a congregar os súditos em torno da fé professada por seu rei ("cujus regio, ejus religio") foi sendo paulatinamente minada e, diante disso, o Estado viu-se na contingência de assumir novas posturas, sob pena de perda de legitimidade. [07]

No entanto, e como sói ocorrer com a totalidade dos direitos fundamentais dotados de conteúdo histórico-institucional, o alcance de tal resultado deu-se apenas após sucessivas conflagrações protagonizadas pelas forças reformistas, de um lado, e conservadoras, de outro. Somente após a ocorrência das referidas vicissitudes, foi possível evoluir para uma situação de convivência entre as distintas crenças escolhidas pelos cidadãos, sem a imposição de uma delas por parte do Estado, conforme bem destaca Ramón Soriano:

"Groso modo, bien podría señalarse a mi juicio dos etapas en el proceso de la conquista de la libertad religiosa. La primera, que abarca el siglo XVI principalmente, es de la tolerancia religiosa, en la que se trata de que las religiones minoritarias sobrevivan y sean respetadas dentro de un confesionalismo de Estado; Es el ejemplo de los hugonotes en Francia o de los puritanos en Inglaterra. La segunda etapa, más própria del Siglo XVII, es la de una libertad religiosa en la que se pretende un reconocimiento de condiciones de igualdad de las religiones; Es el ejemplo de quienes fundan nuevos Estados en tierras americanas dotándolos de una carta constitucional. La primera etapa está especialmente signada por las guerras de religión; La segunda por la convivencia inestable de distintas religiones en un mismo Estado." [08]

Em uma primeira etapa, deflagrada logo após a reforma protestante no Século XVI, os soberanos europeus, ainda vinculados à Igreja Católica, passaram a perseguir abertamente os partidários das novas crenças, gerando, com isso, lutas sangrentas cuja subsistência colocou em risco a própria coesão social em torno do Estado. Como resultado de tais conflagrações, os reformistas lograram extrair de monarcas como Carlos V (Alemanha) e Henrique IV (França) a tolerância em relação a suas crenças, por intermédio da formulação de pactos específicos, cujos exemplos mais difundidos são a Paz de Habsburgo (1555) e o Édito de Nantes (1598) [09].

Há de se ressaltar que nessa primeira etapa da consolidação do direito à liberdade de crença, o Estado – corporificado na figura do soberano – permanecia vinculado a uma religião, dela extraindo sua legitimidade axiológica. A nota distintiva em relação à situação de conflito vivenciada imediatamente após a reforma protestante reside na possibilidade de coexistência entre a fé oficial e os cultos reformistas. Tem-se em tais características, portanto, os traços peculiares ao modelo da tolerância religiosa.

A segunda etapa do processo ora descrito, fez-se representada pelo modelo da liberdade religiosa, que ia além da singela tolerância justamente porque desvinculava a autoridade estatal dos dogmas regulares, tornando neutro o Poder Público e assegurando às crenças estabelecidas em sua jurisdição igualdade de tratamento. O primeiro expoente de tal paradigma fez-se representado pelo pastor anglicano Roger Williams, que, ao fundar a colônia de Providence (Rhode Island) em 1636, dotou-a de uma carta de direitos franqueando a coexistência de credos independentemente da chancela oficial. [10]

No entanto, em que pese o pioneirismo de Roger Williams, a liberdade religiosa somente foi reconhecida como um verdadeiro direito, na acepção hodierna do termo, com o advento do constitucionalismo e das garantias fundamentais no final do Século XVIII, frutos jurídicos do pensamento iluminista, cuja matriz encampava, dentre outros aspectos não menos importantes, a utilização da razão humana, em substituição aos dogmas religiosos como instrumento precípuo para a explicação dos fenômenos da natureza.

Há de se ressaltar, contudo, que a própria formulação do pensamento iluminista e das ideias a ocasionarem a ruína do absolutismo e o advento do constitucionalismo moderno somente foi possível em função das vicissitudes que sucederam a reforma protestante. De fato, com o surgimento de novas crenças em contraposição à Igreja Católica e com a conquista da tolerância religiosa, os dogmas até então vigentes passaram a ser questionados e, naturalmente, novas concepções em torno dos fenômenos naturais e sociais encontraram terreno fértil para surgir e prosperar.

Nesse contexto, a propalada origem divina que legitimava o sistema absolutista foi paulatinamente perdendo sentido e o poder dos governantes passou a ter como fundamento o "consenso racional" dos governados em torno da ideia de que o Estado existe para ser o garante dos direitos individuais e pretensamente inatos e de que as prerrogativas conferidas às autoridades oficiais só se justificam conquanto exercidas no desempenho desse mister.

A partir de tal matriz filosófica, os direitos fundamentais titularizados pelos cidadãos foram catalogados, assim também como foram definidos os limites conferidos aos titulares do poder no exercício de tal atribuição, em um documento idealizado como a pedra fundamental do Estado e como o guia supremo das condutas a serem por ele implementadas: a constituição escrita. A importância histórica da reforma protestante para o desfecho ora narrado é sintetizada por Miguel Carbonell da seguinte forma:

"Los derechos fundamentales comienzan a tener interés para el derecho a partir del siglo XVIII, no antes. En los siglos precedentes las prerrogativas de los indivíduos o su posición frente al Estado pudieron tener interes para la moral o la filosofia, pero no para el derecho.

(...)

Em términos generales, el Estado constitucional surge como respuesta a los excesos del Estado absolutista que se consolida en Europa durante el siglo XV y al descontento de su población. (...) En parte, el surgimiento del constitucionalismo moderno se debe al pensamiento de la Ilustración y al cambio de paradigma que dicho pensamiento introduce respecto al papel del Estado y al lugar de las personas dentro de la organización estatal. Por tanto, si se quisiera entender el nacimiento de los derechos fundamentales se tendría que hacer un recorrido sobre tres rutas distintas: El Estado absolutista, el pensamiento de la Ilustración y el constitucionalismo originário como nueva forma de organización del poder.

(...)

El Estado absolutista, como se sabe, es la forma de organización estatal que sigue a la decadencia del Estado feudal. Aunque su cristalización es muy diferente en cada país, podemos decir que se afirma durante el siglo XVI. (...) Hay muchos factores, junto al del cambio en la organización economica, que justifican y explican la superación del Estado absolutista y el surgimiento del Estado moderno. Es obvio que la reforma protestante tuvo un papel importante en el surgimiento de los derechos fundamentales y en el tránsito a la modernidad, ya que permitió comenzar a explicarse la realidad del mundo y de la vida religiosa a partir de una pluralidad de credos, lo que con el paso del tiempo daria lugar al surgimiento de la tolerancia religiosa y del derecho de la libertad religiosa. (...) Desde el comienzo, el constitucionalismo moderno está investido del problema de la tolerancia religiosa, que con el tiempo se convertirá en el de libertad religiosa; y la libertad religiosa es la madre de todas las libertades. Después, en nombre de la propiedad liberada de los vínculos medievales, se descubrirá que el mercado debe ser tutelado por las intervenciones del Estado absoluto mercantilista y se protegerán los partidos políticos como canales de expresión de los distintos grupos sociales.

(...)

¿Qué es lo original del constitucionalismo por oposición a la forma de organización social y política que había prevalecido durante buena parte de la Edad Média? El constitucionalismo como filosofia política aspira en lo fundamental a uma sola cosa: controlar el poder con el fin de preservar la libertad (...). Para ello, es necesario que cada Estado se dote de una regulación básica de carácter unitário: La Constitución escrita. (...) Por otro lado, las Constituciones escritas sirven para cambiar el fundamento de la legitimidad de lo estatal, o mejor dicho, de las autoridades que ejercen funciones públicas. Si el derecho del feudalismo se apoyaba en buena medida em la tradición, en los desígnios divinos o en la ascendencia real, el constitucionalismo aspira a basar la legitimidad de la actuación de las autoridades (...) en el consenso racional de los membros de la comunidad." [11]

Assim, os eventos iniciados a partir da reforma protestante que conduziram à formulação das noções de tolerância e liberdade religiosa possibilitaram, em um primeiro momento, a criação de alternativas dogmáticas aos ditames católicos voltados para a explicação dos fenômenos mundanos e, em uma etapa mais avançada, a formulação de um novo paradigma ideológico, de cariz pretensamente racional (a filosofia iluminista), cujo teor acabou por descredenciar a origem divina como elemento legitimador do Estado, substituindo-a pelo conceito até então inédito dos direitos individuais e da não menos inovadora figura da constituição escrita. [12]

Nesse contexto de desvinculação entre o Estado e a Igreja, de fomento ao pensamento racional e de reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos, não cabia mais às autoridades oficiais promover a doutrinação de seus cidadãos com base em uma ou outra filosofia e de cercear o livre fluxo de ideias no bojo da sociedade por imposição de dogmas religiosos.

Com a adoção de tal postura advinda de imperativos históricos, o Estado passou a assumir uma posição de neutralidade em relação às convicções filosóficas e religiosas de seus cidadãos, cabendo-lhe, a partir de então, zelar pelo convívio pacífico entre as diferentes correntes de pensamento, mantendo-se, dessa forma, a ordem pública. Surgiram, então, como decorrência evolutiva do direito à liberdade religiosa previamente conquistado, as garantias concernentes à liberdade de consciência e à pluralidade ideológica, conforme assevera Pablo Nuevo López:

"Reconocida la libertad ideologica y los derechos individuales, la aparición de uma pluralidad de formas de entender la vida es simplesmente cuestión de tiempo. Esta libertad ideológica tiene una especial transcendencia, pues de la misma deriva el principio de la neutralidad del poder público, con la consiguiente ´renuncia radical por el Estado a toda acción de adoctrinamiento político, filosófico y moral, y la imposibilidad para el ordenamiento, en relación con ello, de cualquier valoración positiva o negativa, de las plurales expresiones ideológicas de la comunidad.

En virtude de esta neutralidad ideológica del Estado (…) los poderes públicos ´deben abstenerse de participar de cualquier debate sobre ideas y creencias políticas, morales, filosóficas, estéticas, etc.´ El Estado pasa a ser, entonces, un instrumento de mediación y de síntesis de las expresiones ideológicas de las diversas formaciones sociales presentes en la sociedad, pues cada una de ellas concurre a la esfera pública con su propria personalidad." [13]

E, efetivamente, as primeiras constituições modernas surgidas no final do Século XVIII asseguraram expressamente em seus textos a liberdade religiosa com o nítido intuito de afastar o Estado da apologia a crenças e orientações filosóficas, de modo a promover, com isto, a igualdade entre as mais diversas correntes de pensamento e, consequentemente, a própria pluralidade ideológica no espaço público, conforme bem destaca Thomas Cooley em comentário ao tratamento do tema nas cartas das unidades federativas que integram os Estados Unidos da América:

"Aquele que examinar com cuidado as constituições americanas verá que não há nada expresso de modo mais claro do que o desejo de seus elaboradores de preservar e perpetuar a liberdade religiosa, e de protegê-la em face da aproximação do Estado em direção à desigualdade de direitos civis ou políticos baseada nas diferenças de crenças religiosas. Eles (os elaboradores) não poderiam ter falhado em perceber, para além disso, que a união entre a Igreja e o Estado era, senão impraticável na América, certamente contrária ao espírito de nossas instituições, e que qualquer forma de prevalência de um segmento sobre os demais teria o condão de represar as energias da população e necessariamente tenderia a promover o descontentamento e a desordem.

(…)

Além disso, tais constituições não estabeleceram apenas a tolerância religiosa., mas sim a igualdade religiosa; e nesse particular avançaram não apenas em relação à pátria mãe [Inglaterra], mas também em relação à grande parcela da legislação colonial, que, embora mais liberais se comparadas às dos demais países civilizados, permaneciam repletas de conteúdos baseados na discriminação entre crenças religiosas.

(…)

Aquilo que se afigura ilegal perante as constituições americanas pode ser sintetizado da seguinte forma:

1.Qualquer lei referente ao estabelecimento de uma religião oficial. Os legisladores ordinários não têm a prerrogativa de estabelecer a união entre a Igreja e o Estado, ou de estabelecer preferências legais entre em favor de um ou outro segmento religioso ou forma de adoração.

(…)

2.O apoio compulsório mediante taxação ou, de outro modo, pelo estabelecimento de instrução religiosa. Não apenas nenhuma denominação será favorecida às custas das demais, como também toda adesão à orientação doutrinária de cariz religioso deverá ser totalmente voluntária.

3.Atendimento compulsório a formas de adoração religiosa. Qualquer cidadão que, por sua própria escolha, não se vincula às ordenações de uma determinada religião, não o será pelo Estado. O Estado procurará, da melhor maneira possível, reforçar as obrigações e os deveres que os cidadãos devem ter com seus similares, enquanto cidadãos, mas aqueles deveres que eles possuem para com seu Criador devem ser reforçados tão-somente por suas próprias consciências, e não sob as penas da lei humana." [14]

Vê-se, portanto, que o princípio da liberdade religiosa concebido no contexto das modernas democracias constitucionais, ao ter como um de seus principais consectários a desvinculação entre a Igreja e o Estado, vislumbrou as instituições oficiais como espaços filosoficamente neutros, onde impera, necessariamente, a convivência entre as mais diversas crenças e visões de mundo em situação de isonomia.

E nessa coexistência igualitária de orientações no seio dos ambientes públicos é que reside, justamente, o traço fundamental do direito à pluralidade ideológica e à própria liberdade de consciência. Desse modo, nos espaços em que vierem a ter lugar as relações entre os cidadãos e o Estado, não poderá este último, ao exercer suas atividades oficiais, induzir aqueles primeiros à aceitação de uma ou outra visão de mundo, seja através da imposição expressa ou por meio da sugestão velada.

A incidência de tal concepção firmada no transcurso da história será ainda mais forte na rede oficial de ensino fundamental, onde estudantes em fase de formação da consciência terão contato com conteúdos disciplinares elaborados e ministrados por agentes públicos em ambientes mantidos pelo Estado. Nesse contexto, caberá às autoridades zelar não só pela neutralidade religiosa do espaço escolar, como também proporcionar todas as condições para o livre desenvolvimento da personalidade dos alunos enquanto cidadãos de um Estado Democrático de Direito.

Do contrário, a vinculação exclusiva dos conteúdos curriculares a uma ou outra orientação filosófica ou religiosa criará consideráveis obstáculos à habilidade de questionamento dos estudantes e à capacidade de discernimento em torno das diferentes visões de mundo existentes, gerando, com isto, empecilhos para a consolidação de uma sociedade marcada pela pluralidade ideológica e pela liberdade de consciência.

Justamente por tal razão, os conteúdos inerentes aos postulados da liberdade de consciência e do pluralismo ideológico ora discorridos vêm sendo sucessivamente reafirmados em situações concretas nas quais as atividades educacionais exercidas sob os auspícios do Estado, encontravam-se, de algum modo, impregnadas de conteúdos religiosos pertinentes a uma determinada crença.

Assim, no contexto norte-americano, tem-se como o exemplo mais conhecido dessa sorte de situações o caso "Engel v. Vitale", apreciado pela Suprema Corte em 1962, cuja discussão gravitava em torno da possibilidade ou não do Comitê de Docentes (Board of Regents) do Estado de Nova York determinar aos alunos a realização de uma breve prece cristã no início de cada dia letivo. [15]

Ao apreciar o caso em apreço, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu que as leis a conferirem respaldo à determinação emanada do Comitê de Docentes do Estado de Nova York naquele sentido iam de encontro à Primeira e à Décima Quarta Emendas da Constituição norte-americana, na medida em que a prolação da referida prece nas salas de aula da rede oficial de ensino não só configurava demonstração pública de vinculação entre o Estado e um determinado segmento religioso, como também tinha o condão de coagir os alunos não cristãos à partilha da orientação espiritual ali professada. Tais aspectos foram ressaltados expressamente na opinião condutora proferida à ocasião pelo Juiz Hugo Lafayette Black:

"Pensamos que ao valer-se do sistema público de ensino para encorajar a recitação da oração proferida pelos regentes, o Estado de Nova York adotou prática totalmente inconsistente com o teor da Primeira Emenda [Establishment Clause]. Não há qualquer dúvida de que o programa de invocação diária de bênçãos divinas prescrito pelo corpo de regentes do Estado de Nova York consiste em uma atividade religiosa. É ele uma invocação solene da fé divina, bem assim uma suplicação pelas bênçãos do Todo Poderoso. A natureza de tal prece sempre foi religiosa, e nenhum dos recorridos negou isto.

(...)

Os requerentes asseveram, entre outras coisas, que as leis estaduais que requerem ou permitem o uso da oração dos regentes devem ser derrubadas, conquanto violam a Primeira Emenda [Estabilishment Clause], uma vez que tal prece foi formulada por agentes públicos como parte de um programa governamental voltado para o reforço de crenças religiosas. Por tal razão, argúem os recorrentes que o uso da referida oração pelo Estado rompe com o muro constitucional de separação entre a Igreja e o Estado. Concordamos com tal assertiva, pois, uma vez que a constituição proíbe expressamente a edição de leis voltadas para o estabelecimento de uma religião oficial, neste País os assuntos de governo não compreendem a composição de preces oficiais para qualquer grupo da população americana a ser recitada como parte de um programa religioso auspiciado pelo governo.

(...)

Não há dúvidas, portanto, que o programa de preces diárias do Estado de Nova York estabelece oficialmente as crenças religiosas contidas na oração dos regentes. (...) Nem o fato de que a prece seria neutra no que concerne à denominação e tampouco o fato de que sua observância por parte dos alunos é voluntária a torna livre dos limites da Primeira Emenda, tanto no que concerne à cláusula que veda o estabelecimento de uma religião oficial [Establishment Clause], quanto no que tange à disposição a estabelecer o livre exercício de crenças [Free Exercise Clause], ambas a vincularem os Estados em função da décima quarta emenda. Muito embora as referidas cláusulas se sobreponham em certas circunstâncias, proíbem elas dois diferentes tipos de coerção estatal sobre a liberdade religiosa. A cláusula do estabelecimento [Establishment Clause] (...) não depende de qualquer demonstração em torno da compulsão concreta exercida pelo Estado e é violada pela singela edição de leis que estabelecem uma religião oficial. (...) Quando o poder, o prestígio e o apoio financeiro do governo é utilizado em suporte a uma determinada crença religiosa, a pressão coercitiva indireta sobre as minorias religiosas em vistas a conformá-las à religião pré-aprovada é evidente." [16]

No mesmo sentido da orientação lavrada em "Engel v. Vitale", a Suprema Corte norte-americana, ao apreciar um ano depois o caso "Abington School District v. Schempp", reconheceu que a legislação do Estado da Pensilvânia a determinar a leitura de trechos da Bíblia Sagrada por parte dos alunos no início dos dias letivos ia de encontro à Primeira Emenda, pois tal imposição configurava, em última instância, apologia de orientação religiosa por parte do Poder Público. [17]

Mais recentemente, na década de 1990, o Tribunal Constitucional Federal Alemão apreciou o famoso "caso do crucifixo" (BVerfGE 93, 1), em que se discutia a constitucionalidade de dispositivo do "Regulamento para a Escola Fundamental do Estado da Baviera" a impor a colocação de cruzes com a clássica imagem de Jesus Cristo nas salas de aula dos estabelecimentos de ensino mantidos pela referida unidade federativa.

Quando do julgamento da Reclamação Constitucional em apreço, o Primeiro Senado do Tribunal Constitucional Federal Alemão firmou o entendimento de que a norma impugnada era, de fato, contrária ao dispositivo da constituição teutônica a estabelecer a liberdade de crença (Art. 4, I, GG), porquanto a colocação de crucifixos em espaços mantidos pelo Poder Público por imposição de lei denotava vinculação entre o Estado e uma determinada crença religiosa.

Cumpre destacar que, para além de tal constatação, a decisão lavrada pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão em BVerfGE 93, 1 ateve-se expressamente à assertiva de que a colocação daquele símbolo religioso em sala de aula teria o condão de influir diretamente na formação da consciência dos alunos e, principalmente, no desenvolvimento de suas personalidades, em prejuízo ao postulado da pluralidade ideológica, conforme atestam os trechos pertinentes constantes do acórdão:

"O Art. 4 I GG protege a liberdade de crença. A decisão por ter ou não uma crença é, assim, assunto do indivíduo, e não do Estado. O Estado não pode nem lhe prescrever nem lhe proibir uma crença ou uma religião. (...) Essa liberdade refere-se, do mesmo modo, aos símbolos por meio dos quais uma crença ou uma religião se apresenta. O Art. 4 I GG, deixa a critério do indivíduo decidir quais símbolos religiosos serão por ele reconhecidos e adorados e quais serão rejeitados. Em verdade, não tem ele direito, em uma sociedade que dá espaço a diferentes conviccções religiosas, a ser poupado de manifestações religiosas, atos litúrgicos e símbolos religiosos que lhe são estranhos. Deve-se diferenciar disso, porém, uma situação criada pelo Estado, na qual o indivíduo é submetido, sem liberdade de escolha, à influência de uma determinada crença, aos atos nos quais esta se manifesta, e aos símbolos por meio dos quais ela se apresenta. Por essa razão, o Art. 4 I GG revela sua eficácia assecuratória de liberdade justamente em áreas da vida não deixadas à auto-organização social, mas que são tomadas, por precaução, pelo Estado.

(...)

O Art 4 I GG não se limita, porém, a impedir que o Estado se imiscua nas convicções, atos e manifestações religiosas do indivíduo ou de comunidades religiosas. Ele lhe impõe, antes, também o dever de lhes garantir uma gama de atividades, na qual a personalidade pode se desenvolver em seu âmbito ideológico e religioso, e de lhes proteger contra ataques ou obstáculos perpetrados por seguidores de outras orientações religiosas ou de grupos religiosos concorrentes. O Art. 4 I GG não fornece ao indivíduo e às comunidades religiosas, entretanto, uma pretensão ao auxílio estatal para a expressão de sua convicção religiosa. Pelo contrário, do Art 4 I GG decorre o princípio da neutralidade estatal no que concerne às diferentes religiões e confissões. O Estado no qual convivem seguidores de convicções religiosas e ideológicas diferentes ou mesmo opostas, apenas pode assegurar suas coexistências pacíficas quando ele mesmo se mantém neutro nas questões religiosas.

(...)

Aliada à obrigação escolar geral, as cruzes nas salas de aula fazem com que os estudantes, durante as aulas, em razão da vontade do Estado, [sempre] se deparem com este símbolo, sem que tenham a possibilidade de evitar a confrontação com um símbolo [de religião da qual não são adeptos], sendo obrigados destarte a estudar [por assim dizer] ´sob a cruz´. Por isso, a colocação de cruzes nas salas de aula é diferente da confrontação freqüente no dia a dia com símbolos religiosos das mais variadas orientações religiosas. De um lado, esse tipo de confrontação não é provocado pelo Estado, mas conseqüência da propagação de diferentes convicções e comunidades religiosas na sociedade.

(...)

Ainda que seja correto dizer que a colocação de uma cruz na sala de aula não implica em coação à identificação ou a determinados testemunhos e de modos de comportamento, tampouco tem como conseqüência que a aula das disciplinas laicas seja marcada pela cruz ou que seja orientada aos seus postulados religiosos, simbólicos ou exigências comportamentais. (...) A educação escolar não serve apenas ao aprendizado de técnicas racionais fundamentais ou ao desenvolvimento de capacidades cognitivas. Ela deve fazer também com que os potenciais emocionais e afetivos dos alunos sejam desenvolvidos. A atividade escolar tem, assim, como escopo de promover de maneira abrangente o desenvolvimento de suas personalidades, principalmente influenciando também seu comportamento social. É nesse contexto que a cruz em sala de aula ganha seu significado. Ela tem caráter apelativo e identifica os conteúdos religiosos por ela simbolizados como exemplares e dignos de serem seguidos. Não bastasse, isso ocorre, além do mais, em face de pessoas que, em razão de sua juventude, ainda não puderam consolidar suas formas de ver o mundo, que ainda deverão aprender e desenvolver a capacidade crítica e a formação de pontos de vista próprios, e que, por isso, são muito facilmente sujeitas à influência mental." [18]

Do esboço histórico ora formulado a respeito dos princípios da liberdade religiosa e do pluralismo ideológico, vê se que o conteúdo histórico-institucional das referidas garantias revela, dentre outros elementos integradores, o intuito de promover a coexistência das mais diferentes crenças e concepções filosóficas nos espaços em que se dão as relações entabuladas entre o Estado e os cidadãos, aí incluídos, por evidente, os estabelecimentos da rede oficial de ensino.

E diante de tal constatação, outra não pode ser a conclusão senão a de que o único modelo de ensino religioso compatível com o conteúdo histórico-institucional dos postulados da liberdade religiosa e do pluralismo ideológico - e, portanto, passível de adoção no âmbito dos estabelecimentos públicos de ensino fundamental - é o ecumênico, pautado pela divulgação genérica das orientações morais pertinentes às diversas crenças difundidas na sociedade e, principalmente, pelo imperativo de se conferir aos alunos a possibilidade de optarem, segundo sua própria consciência, por uma delas ou por nenhuma.

Em que pese, todavia, a veracidade do que foi exposto até então, há de se verificar se as diretrizes regentes do ordenamento jurídico brasileiro compartem daquele mesmo conteúdo histórico-institucional resultante das vicissitudes que plasmaram os princípios da liberdade religiosa e da pluralidade ideológica no plano global. É o que se pretende no tópico subsequente.


3 . A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 11 DO "ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA DO BRASIL" EM FACE DOS ARTIGOS 19 E 210, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A análise completa do conteúdo histórico-institucional de um princípio e sua incidência nas situações fáticas verificadas em um determinado contexto espacial só são possíveis quando as vicissitudes inerentes à incorporação da referida diretriz no ordenamento jurídico do Estado em questão são levadas em conta pelo intérprete do direito, ao lado dos fatores que condicionaram a evolução da diretriz em questão no plano externo. [19]

Nesse sentido, a averiguação em torno do sentido e alcance dos princípios da liberdade religiosa e do pluralismo ideológico, positivados no texto da Constituição Federal de 1988, e da medida da aplicabilidade dos referidos postulados à questão do ensino religioso nas escolas públicas, não pode prescindir da análise dos eventos que se sucederam historicamente no contexto nacional e pautaram a evolução do tratamento da matéria em apreço pelo ordenamento jurídico.

Com isto em mente, far-se-á nas linhas seguintes um breve escorço histórico do tratamento do ensino religioso na legislação brasileira, culminando com o advento da Constituição Federal de 1988 e com instituição de seus princípios reitores, a fim de averiguar se o atual marco normativo confere ou não espaço para a plena adoção, entre nós, do conteúdo histórico-institucional dos princípios da liberdade religiosa e do pluralismo político nos moldes definidos no primeiro capítulo e, finalmente, se o art. 11 do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil afigura-se compatível com tais pautas.

2.1.– Histórico. Os antecedentes do art. 210, § 1º, da Constituição Federal e o art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Uma vez proclamada a independência do Brasil e constituído o governo de D. Pedro I como um braço sul-americano da dinastia de Orleans e Bragança instituída em Portugal, soava natural que a notória vinculação entre as instituições do Estado lusitano e a Igreja Católica fosse reproduzida no jovem Império.

E, de fato, a Constituição outorgada por D. Pedro I em 1824 instituiu em seu art. 5º que "a religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do império", tolerando-se o culto doméstico das demais crenças e estabelecendo-se no art. 102, §§ 2º 14º do diploma magno a nomeação dos bispos e a concessão de beneplácito aos atos eclesiásticos como atribuições do Poder Executivo. [20]

Nesse contexto de vinculação institucional entre a Igreja Católica e o Estado, o ensino religioso ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino tinha por conteúdo, evidentemente, os dogmas da referida crença, impondo-se a todos os alunos a frequência àquela disciplina como decorrência do currículo básico estabelecido no art. 6º da Lei de 15 de outubro de 1827, da seguinte forma:

" LEI DE 15 DE OUTUBRO DE 1827.

Manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império.

D. Pedro I, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou e nós queremos a lei seguinte:

(…)

Art. 6º. Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil."

No entanto, a vinculação constitucional entre a Igreja Católica e as instituições oficiais do Império Brasileiro não garantiu, por si só, a aceitação pacífica do regime de religião oficial estabelecido na Carta de 1824, mormente após a chamada "Questão Religiosa", deflagrada entre os anos de 1873 e 1875, quando os bispos de Olinda e Belém pretenderam aplicar diretamente as determinações do Papa Pio IX a condenarem a maçonaria, sem submetê-las ao beneplácito do Poder Executivo. [21]

O conflito instaurado entre os sobreditos bispados e as autoridades imperiais, bem como seus desdobramentos políticos, não só forneceram combustível para a já acalorada discussão em torno do estabelecimento da forma republicana de governo, como também serviram para fortalecer as pressões em torno da desvinculação entre o Estado e a Igreja Católica, com vistas à adoção de um modelo de laicidade com liberdade religiosa. [22]

E no que concerne especificamente ao ensino religioso, as discussões pertinentes à separação entre Estado e Igreja deflagradas por ocasião da "Questão Religiosa" influenciaram visivelmente a disposição do tema no famoso Decreto nº 7.247, de 19.4.1879, cujo escopo abrangia a "reforma do ensino primário e secundário no município da Corte". Nesse sentido, o diploma em referência inovou em relação à sistemática anterior na medida em que seu art. 4º, § 1º dispensou os alunos não-católicos da frequência às respectivas aulas, nos seguintes termos:

"Art. 4º. O ensino nas escolas primarias do 1º gráo do município da Côrte constará das seguintes disciplinas:

Instrucção moral.

Instrucção religiosa;

Leitura.

Escripta.

Noções de cousas.

Noções essenciaes de grammatica.

Principios elementares de arithimetica.

Systema legal de pesos e medidas.

Noções de historia e geographia do Brasil.

Elementos de desenho linear.

Rudimentos de musica, com exercícios de solfejo e canto.

Gymnastica.

Costura simples (para as meninas).

(…)

§ 1º Os alumnos acatholicos não serão obrigados a frequentar a aula de instrucção religiosa, que por isso deverá effectuar-se em dias determinados da semana e sempre antes ou depois das horas destinadas ao ensino das outras disciplinas."

Em que pesem, todavia, as vicissitudes ocorridas após o advento da "Questão Religiosa", foi apenas com a Proclamação da República e com a instauração do Governo Provisório que a laicidade do Estado passou a constituir um princípio institucional. Nesse sentido, já em 7.1.1890, o Decreto nº 119-A suprimiu o regime do padroado, caracterizado pela existência de relações de sustento e proteção entre os órgãos oficiais e a Igreja Católica e, posteriormente, o art. 72, § 3º, da Constituição Federal de 1891 veio a instaurar um sistema de liberdade religiosa plena, superando, com isto, a singela tolerância outrora prevista na Carta Imperial. [23]

Nesse contexto de laicidade a permear a organização das recentes instituições republicanas, a Constituição Federal de 1891 trouxe em seu corpo dispositivo especificamente voltado para o ministério da educação religiosa nos estabelecimentos públicos, representado pelo art. 72, § 6º, cujo teor, ao fazer menção ao caráter "leigo" do ensino, impôs claramente o modelo ecumênico como única forma admitida pelo novo ordenamento. [24]

Não por outra razão, João Barbalho Uchôa Cavalcanti, ao comentar o dispositivo em testilha, já havia notado que a laicidade do ensino ali exigida apontava para o ministério dos enunciados morais que permeiam a totalidade das religiões professadas em solo brasileiro, vedando-se, por conseguinte, qualquer forma de proselitismo de uma ou de outra crença:

"Instituição de caracter temporal, secular, o Estado não tem na sua missão a catechese e propaganda religiosa. Aberraria elle de seos fins, caso a tomasse a si. E tomando-a, naturalmente preferiria a de uma unica religião. Ora, esta religião privilegiada seria ensinada á custa do producto dos impostos pagos pelos cidadãos em geral, incluídos os dissidentes d´ella, com dupla violencia – de seo bolso e de sua consciencia, á qual repugnaria fazer as despezas de um ensino contrario ás suas crenças religiosas.

E o Estado quebrantaria o principio de egualdade si curasse do ensino exclusivo de uma religião; em homenagem a esse principio deveria ensinar ou todas as religiões ou nenhuma d´ellas. N´um caso, aberração e despropósito, n´outro neutralidade e respeito a tôdas as crenças.

(…)

Si o mestre não tem que catechisar, - e isto a outrem caberá, que não a um funccionário do estado, - não se segue d´ahi que, devendo formar o coração do discipulo, se abstenha elle de inculcar-lhe a idéa do dever, os sentimentos moraes que são o apanagio das sociedades bem ordenadas e que recebem a influção do espirito religioso. Assim, a escola não ensinará maximas intolerantes, não inspirará aos alumnos o odio aos que professarem religião diversa, não entrará no hyeroglipho dos dogmas; mas professará sem quebra da neutralidade que ella deve guardar entre todas as confissões, o respeito por todos os direitos e liberdades legítimas, o amor do proximo sem distincção de crenças, a fraternidade dos povos e raças, a caridade para com todos, a responsabilidade pessoal, o amor á ordem, o respeito á lei e aos superiores, o patriotismo, a pratica do bem e da virtude, enfim." [25]

Não obstante o ideal de neutralidade a permear o art. 72, § 6º,da Constituição Federal de 1891, a realidade demonstrou que a forma ecumênica de ensino religioso, nos moldes propalados por João Barbalho Uchôa Cavalcanti, encontrou enormes dificuldades para se consolidar no âmbito dos estabelecimentos oficiais, em função da subsistência de elementos culturais herdados do período imperial e do regime do padroado.

E como se já não bastassem as dificuldades naturais inerentes à implementação de tal modelo em um País ainda sob forte influência da Igreja Católica, o advento da Revolução de 1930 promoveu a reaproximação entre o Estado e a referida crença. Nesse contexto, foi promulgado pelo Governo Provisório em 30.4.1931 o Decreto nº 19.941, cujo teor restabeleceu expressamente a forma confessional de ensino religioso de forma totalmente contrária ao art. 72, § 6º da ainda vigente Constituição Federal de 1891, conferindo às autoridades eclesiásticas, inclusive, funções de organização de currículos e de designação de professores, nos seguintes termos:

"Art. 1º Fica facultado, nos estabelecimentos de instrução primária, secundária e normal, o ensino da religião."

"Art. 2º Da assistência às aulas de religião haverá dispensa para os alunos cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem."

(...)

"Art. 4º A organização dos programas do ensino religioso e a escolha dos livros de texto ficam a cargo dos ministros do respectivo culto, cujas comunicações, a este respeito, serão transmitidas às autoridades escolares interessadas."

"Art. 6º Os professores de instrução religiosa serão designados pelas autoridades do culto a que se referir o ensino ministrado."

Três anos mais tarde, a Constituição Federal de 1934 veio a consolidar o sistema confessional, nos moldes defendidos pela Igreja Católica à ocasião, estabelecendo-se em seu art. 153 que o ensino religioso seria oferecido pelos estabelecimentos oficiais de acordo com a crença manifestada pelos pais ou responsáveis dos alunos, cuja frequência seria facultativa. [26] Tal sistemática seria repetida nas cartas subsequentes de 1937, 1946 e 1967, bem como na Emenda Constitucional nº 1/69, com pequenas variações textuais. [27]

No plano infraconstitucional, o art. 97 da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 4.024, de 20.12.1961) reafirmou o modelo confessional, estabelecendo, inclusive, que o registro dos professores dar-se-ia perante a autoridade religiosa correspondente às crenças organizadas no País, em flagrante afronta à regra constitucional a apregoar a desvinculação entre Igreja e Estado, já presente nas Cartas anteriores à de 1988. [28] O dispositivo legal em tela fora prescrito nos seguintes termos:

"Art. 97. O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável.

§ 1º. A formação de classe para o ensino religioso independe do número mínimo de alunos.

§ 2º. O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva."

A segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 5.692, de 11.8.1971), editada dez anos depois, manteve o ensino religioso nos currículos de primeiro e segundo grau, sem fazer menção, contudo, ao caráter confessional ou ecumênico a que se vincularia o ministério daquela disciplina. A matéria encontrava-se regulamentada, genericamente, no art. 7º, parágrafo único do diploma legal em apreço, lavrado nos seguintes termos:

"Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969.

Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus."

Em que pese, todavia, o vazio legal a respeito do tema, as Secretarias de Educação das unidades federativas passaram a vincular o programa do ensino religioso a ser ministrado em seus estabelecimentos aos conteúdos indicados pelas grandes correntes cristãs estabelecidas no País, conforme bem observa Maria Amélia Schmidt Dickie:

"O Concílio Vaticano II, que assentou as bases da unidade dos cristãos, começou a surtir efeitos, ainda na década de 1960, através de iniciativas isoladas que alguns autores definem como tendo sido as bases para o desenvolvimento posterior do ER [Ensino Religioso], tal como existe hoje.

Na década de 1970, aproveitando a inclusão do ER no Currículo Pleno, as Secretarias Estaduais de Educação, em vários estados brasileiros, buscaram reestruturá-lo através de um diálogo com as entidades religiosas interessadas (Figueiredo, 1994: 92). A inter-confessionalidade cristã foi uma opção de muitos, o que possibilitou suavizar o caráter catequético do ER." [29]

Tal sistemática, contudo, longe ficou de significar a adoção de um modelo ecumênico de ensino religioso, na medida em que a fixação do conteúdo da referida disciplina a ser ministrado na Rede Oficial não se pautou pelos elementos axiológicos comuns à totalidade das crenças professadas em solo pátrio, tendo por parâmetros, ao revés, noções pertinentes a determinadas doutrinas cristãs, com especial destaque para a Igreja Católica, alijando-se do processo diversas outras orientações.

No entanto, ainda durante a vigência da Lei nº 5.692/71, mais precisamente nos anos compreendidos entre a restauração democrática e a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, os debates a permearem a restauração nacional alcançaram o ensino religioso, ensejando a discussão em torno de sua configuração apropriada no contexto de um Estado Democrático de Direito pautado, dentre outros fatores, pelo respeito à multiplicidade de crenças e orientações axiológicas presentes na sociedade. [30]

E, de fato, o advento da nova Carta constitucional e a importância nuclear por ela conferida aos postulados da dignidade humana e do pluralismo ideológico, a condicionarem o modelo de Estado Democrático de Direito que se propunha implementar, tiveram capital importância para a redefinição do papel da educação na sociedade brasileira e, consequentemente, do ensino religioso, conforme demonstrar-se-á no item seguinte.

2.2 – O caráter democrático e pluralista da Constituição Federal de 1988 e a incompatibilidade do Ensino Religioso Confessional com a Carta Magna.

Muito embora a história remota e recente do Brasil tenha sido significativamente marcada por largos períodos de autoritarismo e pelo consequente descaso com os direitos fundamentais dos cidadãos, as vicissitudes que antecederam a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o ineditismo das diretrizes que a configuram conduzem à constatação de que o conteúdo histórico-institucional dos princípios do pluralismo e da liberdade religiosa definidos no item 1 do presente artigo passaram a integrar o conteúdo deontológico da Carta Magna. [31]

A veracidade de tal assertiva se constata na medida em que o processo constituinte brasileiro teve como principal objetivo promover o rompimento com a tradição autoritária que até então vinha marcando a relação entre o Poder Público e os cidadãos, por intermédio da instauração de um Estado Democrático de Direito fundado na primazia dos direitos fundamentais dos indivíduos, cujas fontes de inspiração se fizeram representadas, em grande medida, pelas constituições de Portugal (1976) e da Espanha (1978) que, tais como a nossa, sucederam regimes autocráticos. [32]

Nesse sentido, a análise do texto constitucional à luz de suas diretrizes nucleares permite antever com nitidez que uma de suas ideias centrais - talvez a mais importante delas – propugna que a existência do Poder Público não mais será legitimada em si mesma, senão na consolidação dos direitos fundamentais titularizados pelos cidadãos. Tal ilação resulta clara a partir da constatação de que a Carta Magna inseriu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro (art. 1º, III) e do próprio Preâmbulo:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunido em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."

Ou seja, sob a égide do regime democrático instaurado com a Constituição Federal de 1988, o objeto central a ser tutelado pelo Estado deixou de ser o próprio Poder Público e suas instituições, vindo a ser integrado, agora, pelos indivíduos e seus direitos fundamentais, em nítida superação às orientações autoritárias emanadas da Carta anterior, conforme bem ressalta Ingo Wolfgang Sarlet ao discorrer sobre o sentido do postulado da dignidade humana na norma magna vigente:

"A nossa Constituição vigente, inclusive (embora não exclusivamente) como manifesta reação ao período autoritário precedente – no que acabou trilhando caminho similar ao percorrido, entre outras ordens constitucionais, pela Lei Fundamental da Alemanha e, posteriormente, pelas Constituições de Portugal e da Espanha – foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais, situado, em manifesta homenagem ao especial significado e função destes, na parte inaugural do texto, logo após o preâmbulo e antes dos direitos fundamentais.

(...)

Consagrado expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 (…) além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal." [33]

Nesse contexto de centralidade do indivíduo e de proteção dos direitos fundamentais, a caracterizar o Estado Democrático de Direito plasmado na Constituição Federal de 1988, não há espaço para que o Poder Público e seus agentes se valham do instrumental colocado à sua disposição para doutrinar os cidadãos, seja de maneira velada ou impositiva, segundo orientações ideológicas e filosóficas de qualquer espécie, mormente quando a sociedade civil pátria é notoriamente multifacetária e complexa.

Justamente com vistas a evitar tal espécie de colonização estatal por segmentos a partilharem de visões de mundo parciais, a Constituição Federal de 1988 reconheceu o pluralismo (político e ideológico) como fundamento da República Federativa do Brasil e, para além disso, como diretriz principiológica a permear não só os objetivos humanitários e solidaristas consagrados em seu art. 3º, como também diversos direitos fundamentais de cunho individual consagrados no art. 5º, da Carta Magna, tais como as liberdade de expressão (inc. IV), consciência (inc. VI), imprensa (inc. IX), reunião (inc. XVII), associação (inc. XVIII), crença (inc. VI), dentre outras não menos importantes, conforme assevera José Afonso da Silva:

"O Estado Democrático de Direito, em que se constitui a República Federativa do Brasil, assegura os valores de uma sociedade pluralista (Preâmbulo) e fundamenta-se no pluralismo político (art. 1º, V).

A Constituição opta, pois, pela sociedade pluralista que respeita a pessoa humana e sua liberdade, em lugar de uma sociedade monista que mutila os seres e engendra ortodoxias repressivas. O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos.

(…)

A doutrina do pluralismo despontou e se firmara em contraposição aos regimes coletivistas, monolíticos e de poder fechado. Quer realizar-se como princípio da democracia de poder aberto, estabelecendo o liame entre a liberdade e a multiplicidade dos meios de vida, não apenas como uma nova maneira de afirmar a liberdade de opinião ou de crença, mas como um sistema que enraíza essa liberdade na estrutura social.

´Em lugar de separar o indivíduo da sociedade para que apareça a liberdade, o pluralismo o insere no contexto social, único capaz de assegurar-lhe uma liberdade real.´ ´O pluralismo, [escreve J. Lacroix] implica o direito inalienável para o homem de pertencer a todas as comunidades de ordem moral, cultural, intelectual e espiritual, únicas que permitem o desenvolvimento da pessoa´

(…)

São estas as bases da democracia pluralista, ou melhor, do princípio pluralista que enriquece a democracia que a Constituição adota." [34]

No que concerne especificamente ao direito à liberdade religiosa (art. 5º, VI, da Constituição Federal), o conteúdo deste último, inspirado pelo princípio pluralista, transcende a singela permissão conferida aos cidadãos com vistas à profissão de uma determinada crença, alcançando, para além disso, a imposição dirigida Estado e a seus agentes no sentido de se absterem quanto à utilização do instrumental e dos recursos públicos para promover a doutrinação confessional dos cidadãos.

Não por outra razão, o legislador constituinte originário, ao editar o art. 19, I, da Carta Magna, vedou expressamente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o estabelecimento de cultos religiosos, bem assim a subvenção destes últimos e a entabulação de relações de dependência recíproca entre os agentes públicos e as referidas organizações eclesiásticas:

"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público."

Tal dispositivo ganha especial relevo no contexto ideológico assumido pela Constituição Federal de 1988, na medida em que a vinculação do Estado e de seus agentes a determinadas crenças representaria, em última instância, a cooptação do espaço público por orientações ideológicas segmentárias, a denotar total incompatibilidade com um Estado Democrático de Direito caracterizado pela pluralidade ideológica e pela liberdade religiosa em sentido forte.

Nessa toada, a vedação insculpida no art. 19, I, da Constituição Federal afigura-se ainda mais forte quando o espaço público a ser preenchido pelas orientações religiosas faz-se representado pelas instituições oficiais de educação básica e fundamental, cuja atividade-fim (ministério do ensino) é objeto de diretrizes específicas constantes do texto da Carta Magna, voltadas para a disseminação das pautas axiológicas pertinentes ao Estado Democrático de Direito nele consagrado.

De fato, reza a Constituição Federal em seu art. 205 que a educação tem por objetivos, ao lado da "qualificação para o trabalho", a promoção do "pleno desenvolvimento da pessoa" e o "seu preparo para o exercício da cidadania." E, em complemento a tais diretrizes, o texto constitucional assinala nos artigos 206, III e 210, caput, que o ensino tem por princípio lapidar o "pluralismo de idéias" e que os currículos escolares deverão respeitar os "valores culturais e artísticos, nacionais e regionais."

Ou seja, sob a vigência da Constituição Federal de 1988, o ensino oferecido nos estabelecimentos públicos deverá promover o desenvolvimento dos alunos e sua preparação para o exercício da cidadania através da igual consideração e respeito às diferentes crenças, culturas e correntes de pensamento existentes na sociedade, a fim de que os discentes reúnam condições, na maturidade, para optarem livremente por uma ou por nenhuma dentre tais orientações religiosas e filosóficas, conforme bem ressalta Fábio Portela Lopes de Almeida, ao comentar os dispositivos em testilha:

"A exigência da Constituição de 1988, ao determinar como finalidade do sistema constitucional o preparo para o exercício da cidadania, pode ser lida (…) como o reconhecimento da necessidade de preparar os cidadãos para participar da vida política à luz da concepção pública de justiça, por meio do exercício dos direitos fundamentais e do conhecimento dos mecanismos institucionais de participação na vida pública. Em outras palavras, cuida-se de considerar que uma das finalidades precípuas do sistema educacional é desenvolver nos cidadãos o senso de justiça necessário para que todos se reconheçam como livres e iguais, membros de um empreendimento comum que é legítimo, mesmo que composto por pessoas que sustentam as mais distintas concepções de bem.

É possível, contudo, esperar mais do sistema constitucional. Na medida em que se reconhece que o núcleo da concepção de pessoa de uma democracia constitucional é o cidadão livre e igual, passa a ser assunto público que todos possam efetivamente desenvolver suas duas capacidades morais, e não apenas o senso de justiça para participarem da vida pública. É importante, também, que o sistema educacional possibilite às crianças desenvolverem a capacidade de adotar, revisar e abandonar uma concepção de bem, para que sejam plenamente autônomas.

(…)

Ao se sujeitarem a um espaço diversificado, as crianças poderiam perceber as diversas concepções de bem que podem ser objeto de sua escolha, e também poderiam ser educadas de modo a desenvolver a virtude da tolerância perante os que defendem valores diferentes dos seus, já que pode desenvolver a percepção dos limites do juízo, ou seja, a percepção de que a sua concepção de bem, possivelmente ensinada por seus pais é uma dentre tantas outras que podem plausivelmente existir e merecem respeito. Ao perceber isso, a criança pode passar a perceber, com o tempo, que é importante tolerar a diferença, reconhecendo a sua legitimidade e que uma sociedade democrática é aberta para a inclusão de todos, e que a decisão de qual concepção de bem deve ser adotada é uma decisão unicamente sua, que não pode ser imposta pelos outros ou por sua comunidade política, salvo sua vontade seja a de seguir a fé de uma determinada comunidade. Nesse sentido, idealmente, o sistema educacional, ao se abrir para a diferença, é um importante fomentador da tolerância, concebida como integração de cidadãos livres e iguais." [35]

Diante dos vetores a orientarem a atividade educacional no âmbito das instituições oficiais e tendo em vista, outrossim, a recepção do conteúdo histórico-institucional dos postulados do pluralismo e da liberdade religiosa pela Constituição Federal de 1988, observa-se sem maiores dificuldades que tais diretrizes não se compatibilizam com a veiculação de conteúdos pertencentes a determinados segmentos religiosos, ainda que estes últimos componham a maior parcela da população.

Afigura-se oportuno reiterar, nesse particular, a passagem já transcrita alhures do voto proferido pelo Juiz Hugo Lafayette Black, da Suprema Corte Norte-Americana, por ocasião do julgamento do caso "Engel v. Vitale", a asseverar que "quando o poder, o prestígio e o apoio financeiro do governo são utilizados em suporte a uma determinada crença religiosa, a pressão coercitiva indireta sobre as minorias religiosas em vistas a conformá-las à religião pré-aprovada é evidente." [36]

Daí porque pode-se afirmar com segurança que a única forma de ensino religioso compatível com a Carta Magna consiste no modelo ecumênico, marcado, como visto alhures, pelo ministério dos valores gerais comuns às crenças existentes no Brasil, sem que haja qualquer vinculação, ainda que mínima, com orientações eclesiásticas determinadas, conforme bem ressalta Iso Chaitz Scherkerkewitz:

"Primeiramente é conveniente repisar-se que não existe uma religião oficial no Brasil. Não existindo uma religião oficial não se pode optar pela ensinança dos preceitos de nenhuma religião específica (ou melhor dizendo, não se pode optar pelo ensinamento de apenas uma religião) pois em assim ocorrendo estar-se-ia promovendo o proselitismo patrocinado pelo Poder Público.

Se está proibida a ensinança de determinada religião, qual era a intenção do Constituinte? Cremos que a intenção do Constituinte foi dar a oportunidade para que os alunos, em idade de formação de sua personalidade, possam ter informações para optar, no futuro, livremente por uma religião, ou por nenhuma religião. Na cadeira de ensino religioso deveriam ser transmitidos os fundamentos das maiores religiões existentes no Brasil, com ênfase nos aspectos que lhes são comuns: prática de boas ações, busca do bem comum, aprimoramento do caráter humano, etc.

(...)

Existe, por outro lado, uma impossibilidade de que os professores sejam recrutados em determinada religião. Deve haver um concurso público em que se exija o conhecimento das linhas gerais de todas as principais religiões existentes no Brasil: religiões de origem africana, católica, evangélica, judaica, muçulmana, budista, etc, pois só assim os professores estarão, pelo menos em tese, aptos a transmitir as idéias com um grau relativo de isenção.

(...)

Por derradeiro, outro ponto a ser analisado é relacionado à pressão do grupo: se noventa por cento de uma classe se dispuser a ter aula de determinada religião (no caso de não ser seguida a interpretação que fizemos relacionada com a obrigatoriedade de serem ministradas aulas sobre todas as correntes religiosas), como se sentirão os dez por cento da classe que não fazem parte da religião majoritária ou não possuem nenhuma convicção religiosa? Fatalmente o grupo exercerá uma forte pressão sobre as crianças que ainda estão em estágio de formação de idéias." [37]

Não obstante a notória evidência a apontar para o modelo ecumênico como a única forma de ensino religioso compatível com o conjunto de princípios insculpido na Carta Magna, a redação conferida ao art. 210, § 1º, da Lei Maior pelo legislador constituinte originário limitou-se a reiterar a fórmula literal constante da carta revogada, a propalar a facultatividade inerente à matrícula na disciplina em apreço e sua pertinência aos currículos das escolas públicas de ensino fundamental, nos seguintes termos:

"Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental."

Talvez em função de tal vicissitude, tenha-se pensado, nos anos seguintes à promulgação da Carta de 1988, que a redação lacônica conferida ao supratranscrito concedera ao legislador ordinário a prerrogativa de definir livremente o modelo de ensino religioso a ser observado pelos sistemas públicos de ensino da União, dos Estados e dos Municípios.

E, de fato, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20.12.1996), aprovada 8 (oito) anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, facultou aos entes federativos em seu art. 33, I a opção pelo estabelecimento do sistema confessional de ensino religioso, cujos conteúdos seriam ministrados por docentes ou orientadores credenciados pelas respectivas autoridades eclesiásticas, senão veja-se:

"Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou

II – interconfessional, resultante de acordo com as diversas entidades religiosas que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa."

No entanto, a notória incompatibilidade existente entre o texto do art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases e os princípios consagrados na Constituição Federal de 1988 culminaram, sete meses após sua promulgação, com a alteração do dispositivo pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997, cuja redação eliminou as referências em torno do modelo confessional constantes da versão originária e impôs expressamente a vedação ao estabelecimento de ensino religioso para fins de proselitismo, nos seguintes termos:

"Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores."

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso."

Cumpre destacar, nesse diapasão, que a exposição de motivos referente ao Projeto de Lei a originar a Lei nº 9.475/97 (PL nº 2.757/97), de autoria do Deputado Nelson Marchezan, fez expressa menção ao fato de que o modelo educacional consagrado na Constituição Federal de 1988 tem por objetivos precípuos o desenvolvimento da personalidade dos alunos e a preparação destes últimos para o pleno exercício da cidadania em um ambiente de respeito pelas mais diversas concepções ideológicas e filosóficas. Sendo assim, ainda segundo a exposição de motivos em tela, a orientação emanada da Carta Magna nesse particular impossibilitaria a adoção de modelos de ensino religioso pautados pela doutrinação eclesiástica dos discentes:

"A ninguém é dado desconhecer que o objetivo básico da educação é a plena formação e desenvolvimento do educando. Isto encontra-se consagrado em nossa Carta Magna e na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

Consideramos, pois, o ensino religioso como um componente curricular de vital importância para a formação da personalidade de nossas crianças, jovens e adolescentes. Se a ´educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores´(art. 22 da Lei nº 9.394/96), o ensino religioso há que ser oferecido pelo Estado, pois este tem o dever constitucional de assegurar a todos o direito fundamental à educação, como condição indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana (art. 205 da CF).

É preciso ressaltar que o ensino religioso não deve ser confundido com doutrinação religiosa. Hoje, os especialistas em educação consideram que o ensino religioso contribui para a construção de valores éticos e morais, indispensáveis para a formação de uma consciência cívica e cidadã dos educandos. Em nossa sociedade, marcada ainda por condutas anti-éticas e amorais, o ensino religioso pode se constituir em elemento capaz de contribuir para o exercício da solidariedade, da tolerância e do respeito mútuo que devem pautar as relações sociais."

A exposição de motivos subjacente ao Projeto de Lei nº 2.757/97 não só denota a inconstitucionalidade subjacente à redação anteriormente conferida ao art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, como também confirma de maneira cristalina o sentido e o alcance dos princípios constitucionais a regerem o ministério do ensino na rede oficial e, por conseguinte, o caráter marcantemente laico e pluralista deste último.

Do exposto até então, observa-se que o conteúdo histórico-institucional dos princípios do pluralismo ideológico e da liberdade religiosa a integrar a Constituição Federal de 1988, bem assim as diretrizes constantes de seus artigos 206, III e 210, caput, a orientarem o oferecimento da educação nos estabelecimentos oficiais, não compactuam com a possibilidade de que a estrutura e os agentes a serviço do Estado sejam utilizados como vetores de difusão de crenças determinadas, tal como acaba ocorrendo quando o ensino religioso é ministrado segundo o modelo confessional.

Sendo assim, tem-se que o único modelo de ensino religioso admitido pela Constituição Federal é o ecumênico, conquanto este último tem por nota distintiva o ministério das ideias centrais comuns às correntes religiosas existentes na sociedade, de forma destituída de proselitismo em favor de qualquer crença ou doutrina e, principalmente, de modo a conferir aos discentes a possibilidade de optarem livremente pela filosofia de vida que melhor lhes convém.


CONCLUSÃO. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 11 DO ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL.

Diante das considerações formuladas nos tópicos anteriores, a demonstrarem de plano o sentido histórico-institucional dos princípios do pluralismo ideológico e da liberdade de crença, bem assim a presença de tal configuração no texto da Constituição Federal de 1988, observa-se que o permissivo constante do art. 11, § 1º, do Decreto nº 7.107, de 11.2.2010, a conter o "Estatuto Jurídico da Igreja Católica", não se mostra em conformidade com as diretrizes pluralistas e democráticas da Carta Magna vigente a pautarem o ministério do ensino religioso nos estabelecimentos oficiais.

De fato, a possibilidade de que o ensino religioso nas instituições públicas seja oferecido exclusivamente de acordo com as orientações da Igreja Católica ou com as diretrizes emanadas de outras confissões, ainda que de forma facultativa, tal como previsto no sobredito dispositivo, acabará por permitir que tais crenças venham a ocupar o espaço público representado pelo ambiente escolar no sentido de promover a catequese dos discentes.

Em se materializando tal situação, os alunos do ensino fundamental ministrado nos estabelecimentos oficiais serão privados de uma visão ecumênica a respeito das noções gerais a permearem das orientações religiosas presentes na sociedade, em prejuízo à formação de sua consciência e, consequentemente, ao seu "pleno desenvolvimento" como pessoa e ao "preparo para o exercício da cidadania", na forma vislumbrada pelo art. 205 da Constituição Federal.

Em um Estado Democrático de Direito, marcado pela convivência entre mais distintas orientações ideológicas e pelo igual respeito a ser conferido a elas pelas entidades oficiais, não há espaço para que crenças determinadas, seja a Católica ou qualquer outra, ocupem o espaço público como se este último fosse uma extensão dos locais destinados ao culto.

Se há interesse por parte dos pais em promover a catequese de seus filhos com base nas diretrizes de uma crença determinada, o local apropriado para o atendimento a tal desígnio far-se-á representado pelas igrejas e escolas dominicais. Os estabelecimentos educacionais públicos, no contexto de uma sociedade plural e multifacetária, são espaços destinados à convivência democrática e igualitária entre as mais distintas orientações filosóficas e religiosas, em que os alunos serão preparados para exercerem plenamente sua liberdade de consciência com vistas à escolha, no futuro, da concepção de vida que melhor lhes convier.


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Notas

  1. A constitucionalidade do "Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil" chegou a ser questionada em sede de controle concentrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quando da proposição da ADI nº 4.319/CE. O feito, contudo, foi sumariamente arquivado pelo então relator, Ministro Joaquim Barbosa, em 4.3.2010, haja vista a ilegitimidade ativa da entidade proponente (Convenção de Ministros das Assembleias de Deus Unidas do Estado do Ceará – COMADUEC).
  2. As modalidades "confessional" e "ecumênica" do ensino religioso são conceituadas por William Soares dos Santos da seguinte forma:
  3. "O ensino religioso confessional – Nesta forma de condução o trabalho é feito seguindo-se uma linha religiosa específica que deixa de lado outras religiões.

    ensino religioso ecumênico – Nesta forma de condução o foco são as posturas éticas, e o estudo de princípios religiosos que venham ao encontro dessas posturas."

    Ainda segundo o autor, haveria, ainda, o chamado "ensino religioso fenomenológico", caracterizado pelo "estudo antropológico, comparado e, algumas vezes, crítico da religião." SANTOS. William Soares dos. Ensino Religioso em Escolas Públicas: Uma pesquisa etnográfica. Dialogia, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 109-121, 2009.

  4. "Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
  5. (…)

    III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino."

    (…)

    "Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

    § 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental."

  6. BOBBIO. Norberto. A Era dos Direitos. Trad: COUTINHO. Carlos Nelson.11ª Edição. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.
  7. Ao comentar os chamados "casos difíceis", Ronald Dworkin contesta a ideia de que o sentido e o alcance dos dispositivos abstratos do ordenamento jurídico devem ser formulados "discricionariamente" pelas autoridades responsáveis pela aplicação e concretização do direito. Em contraposição a tal conceito, o autor norte-americano formula a tese de que tais preceitos configuram "instituições autônomas" dotadas de conteúdos estabelecidos historicamente que, por sua vez, asseguram aos cidadãos verdadeiros direitos (institutional rights) a serem descobertos, nos casos concretos, de acordo com a reconstrução crítica de tais instituições à luz das situações específicas postas ao conhecimento dos intérpretes.
  8. No original: "Once a autonomous institution is estabilished , such that participants have institutional rights under distinct rules belonging to that institution, then hard cases may arise that must, in the nature of the case, be supposed to have an answer. (…) If the decision in a hard case must be a decision about the rights of the parties, then an official´s reason for that judgement must be the sort of reason that justifies recognizing or denying a right. He must bring to his decision a general theory of why, in the case of his institution, the rules create or destroy any rights at all, and he must show what decision that general theory requires in a hard case."DWORKIN. Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978. p. 104-105.

  9. ZAGREBELSKY. Gustavo. Trad: CARBONELL. Miguel. Historia y Constitución. Madrid: Trotta, 2005. p. 89-91.
  10. O processo de concretização do direito à liberdade religiosa, iniciado com a reforma, é sintetizado por Fábio Portela Lopes de Almeida da seguinte forma:
  11. "Essa situação levantou um novo problema jurídico-teórico, já que defensores de religiões distintas passaram a disputar, pelo poder político, o domínio religioso que deveria prevalecer em cada Estado, em cada cidade e sobre cada indivíduo. A perspectiva de uma sociedade antes unificada por uma única religião compartilhada por todos à luz do princípio segundo o qual a religião do rei é a religião de todos (...), se tornou insuficiente, no século XVIII, para lidar politicamente com uma situação de composição multireligiosa que comportava, ao menos, dois grupos de credos distintos – o católico e o protestante. Moldar o indivíduo a partir de valores compartilhados pela comunidade passou a ser insuficiente num ambiente de diversidade religiosa. A partir desse momento histórico, uma complexa relação entre diversidade cultural e igualdade começou a se desenvolver e a produzir uma nova base de legitimação do poder, fundada não mais na autoridade eclesiástica ou nas tradições culturais, mas num consenso abstrato e em constante tensão com as várias possibilidades de acomodação da diferença, que está nas bases do desenvolvimento do liberalismo político. (...) Foi a partir daí que teve origem algo parecido com a noção moderna de liberdade de consciência e de pensamento. Como Hegel sabia muito bem, o pluralismo possibilitou a liberdade religiosa, algo que certamente não era a intenção de Lutero, nem de Calvino." ALMEIDA. Fábio Portela Lopes de. Liberalismo Político, Constitucionalismo e Democracia. A Questão do Ensino Religioso nas Escolas Públicas. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008, p. 27.

  12. SORIANO. Ramón. Historia Temática de los Derechos Humanos. Sevilla: Editorial MAD, 2003, p. 70.
  13. Segundo Ramón Soriano, "la Paz de Aubsburgo (1555) supone el reconocimiento de la tolerancia religiosa limitada em Alemania, según el princípio de la cantonalización de las religiones: se conceden a los príncipes la libertad de profesar su religión, que será la religión de los súbditos de su territorio: el jus reformandi de los príncipes, expresado en las fórmulas jurídicas "cujus regios, eius religio" y "ubi unus dominus, ibi uma sit religio". El derecho de los príncipes a imponer su religión en su circunscripción territorial entraña, a su vez, el derecho de los súbditos a abandonar el territorio del príncipe para trasladarse a otro donde se observe su religión: el beneficium emigrationis."
  14. Já o Édito de Nantes, por sua vez, "confirma concesiones anteriores hechas a los protestantes, permite a los protestantes libertad de conciencia general y libertad de culto limitada, crea tribunales separados para catolicos y protestantes, otorga cien plazas más de seguridad y exige la devolución a la Iglesia Católica de los bienes secularizados en el trascurso de las guerras." Idem, p. 71-72.

  15.  
  16. Ao comentar a fundação de Providence (Rhode Island), Ramón Soriano destaca que a implantação da liberdade religiosa plena no contexto norte-americano somente foi possível na medida em que as referidas colônias não se encontravam imersas nos graves conflitos de crença vivenciados no continente europeu no Século XVI. Assim, segundo o autor, "en primer lugar, los pobladores de las colonias americanas son hombres de profundas convicciones religiosas, entre las que se encuentra la libre profesión de fe, y que han tenido que conquistar su propria libertad habiendo sufrido muchos de ellos la intolerancia en sus países de origen. En segundo lugar, afortunadamente las religiones americanas están tan ayunas de explotación material como de contaminaciones ideológicas; no tienen los pioneros que cruzan el Atlántico el freno de intereses religiosos ya constituídos. Ambas circunstancias facilitaron la permisión de una amplia libertad de religión, unida a la libertad de creencias en general." Idem, p. 86-87.

  17. CARBONELL. Miguel. Una Historia de los Derechos Fundamentales. México: Porrúa/UNAM/CNDH, 2005. p. 30-36.
  18. Ao comentar o referido itinerário, Gregorio Peces-Barba Martínez destaca que a consolidação dos direitos fundamentais, com o advento do iluminismo, partilha de quatro traços elementares, quais sejam: a secularização, o naturalismo, o racionalismo e o individualismo, descritos pelo autoe espanhol nos seguintes termos:
  19. "Los esfuerzos del hombre moderno irán cristalizando en una cultura propia que desembocará en la Ilustración, y de la que entresacamos los cuatro rasgos decisivos para la construcción de la filosofía de los derechos fundamentales: son la secularización, el naturalismo, el racionalismo y el individualismo. Son ya los de la sociedad liberal, pero que se empiezan a preparar en los siglos XVI y XVII. Son identificadores de lo nuevo, y explican la larga y decidida oposición de la Iglesia Católica a la idea de los derechos e influen y son influidos a la vez por las relaciones económicas, la nueva organización del poder, el impulso del humanismo y de la Reforma, por la nueva idea de Ciencia y por la nueva forma de entender el Derecho.

    a)LA SECULARIZACIÓN.

    Se produce frente a las características de la sociedad medieval, y supondrá la mundanización de la cultura, que contrapone la progresiva soberanía de la razón y el protagonismo del hombre orientado hacia un tipo de vida puramente terrenal, al orden de la revelación y de la fe, basado en la autoridad de la Iglesia.

    (…)

    b)EL NATURALISMO.

    El naturalismo es consecuencia de la secularización, y supone la vuelta a la naturaleza. Frente a la explicación trascendente del mundo procedente de la mentalidad religiosa, es un intento de explicación inmanente que se extiende al arte, a la literatura, a la ciencia, y también a las normas sociales y al Derecho.

    (…)

    c)EL RACIONALISMO.

    El racionalismo supone la confianza plena en el valor de la razón como instrumento de conocimiento, y servirá para dominar la naturaleza, para descubrir sus regularidades y sus leyes, tanto en el campo de la naturaleza física como en el de la vida social humana.

    (…)

    d)EL INDIVIDUALISMO.

    Es un rasgo que está influido y potenciado por los demás, y que también influye en ellos y en todo caso, es la característica más definidora del tiempo moderno. Representa la forma propia de actuación del hombre burgués que quiere protagonizar la historia, frente a la disolución del indivíduo em las realidades comunitarias o corporativas medievales." MARTÍNEZ. Gregorio Peces-Barba. Curso de Derechos Fundamentales. Teoría General. Madrid: Universidad Carlos III / Boletín Oficial del Estado, 1995. p. 127-132.

  20. LÓPEZ. Pablo Nuovo. La Constitución Educativa del Pluralismo. Una Aproximación desde la Teoría de los Derechos Fundamentales. La Coruña: UNED/Netbiblio, 2009. p. 72.
  21. No original: "He who shall examine with care the American constitutions will find nothing more fully or more plainly expressed than the desire of their framers to preserve and perpetuate religious liberty, and to guard against the slightest approach towards inequality of civil or political rights based upon difference of religious belief. (…) They could not fail to perceive also that the union of Church and State was, if not wholly impacticable in America, certainly opposed to the spirit of our institutions, and that any domineering of one sect over another was repressing to the energies of the people, and must necessarily tend to discontent and disorder.
  22. (…)

    These constitutions, therefore, have not estabilished religious toleration merely, but religious equality; in that particular being far in advance not only of the mother coutry, but also of much of the colonial legislation, which, though more liberal than that of other civilized countries, was still connected with features of discrimination based upon religious belief.

    (…)

    Those things which are not lawful under any of the American constitutions may be stated thus:

    1.Any law respecting an establishment of religion. The legislatures have not been left at liberty to effect a union of Church and State, or to establish preferences by law in favor of any one religious denomination or mode of worship.

    (…)

    2.Compulsory support, by taxation or otherwise, of religious instruction. Not only is no one denomination to be favored at the expense of the rest, but all support of religious instruction must be entirely voluntary.

    3.Compulsory attendance upon religious worship. Whoever is not led by choice or a sense of duty to attend upon the ordinances of religion is not to be compelled to do so by the State. The State will seek, so far as practicable, to enforce the obligations and duties which the citizen may owe tio his fellow-citizen, but those which he owes to his Maker are not to be enforced by the admonitions of the conscience, and not by the penalties of human laws." COOLEY. Thomas. A Treatise on the Constitutional Limitations Which Rest Upon the Legislative Power of the United States of the American Union. Boston: Little, Brown and Company, 1868. p. 467-469.

  23.  
  24. Eis o teor da oração em comento: "Almighty God, we acknowledge our dependence upon Thee, and beg Thy blessings upon us, our teachers, and our country."

  25. No original: "We think that, by using its public school system to encourage recitation of the Regents prayer, the state of New York has adopted a practice wholly inconsistent with the Establishment Clause. There can, of course, be no doubt that New York ´s program of daily classroom invocation of God´s blessings as prescribed in the Regent´s prayer is a religious activity. It is a solemn avowal of divine faith and supplication for the blessings of the Almighty. The nature of such a prayer has always been religious, none of the respondents has denied this.
  26. (…)

    The petitioners contend, among other things, that the state laws requiring or permitting use of the Regent´s prayer must be struck down as a violation of the Establishment Clause because that prayer was composed by governmental officials as a part of governmental program to further religious beliefs. For this reason, petitioners argue, the State´s use of the Regent´s prayer in its public school system breaches the constitutional wall of separation between Church and State. We agree with that contention, since we think that the constitutional prohibition against laws respecting an establishment of religion must at least mean that, in this country, it is no part of the business of government to compose official prayers for any group of the American people to recite as a part of religious program carried on by government.

    (…)

    There can be no doubt that New York´s state prayer program officialy establishes the religious beliefs embodied in the Regent´s prayer. (…) Neither the fact that the prayer may be denominationally neutral nor the fact that its observance on the part of the students is voluntary can serve to free it from the limitations of the Establishment Clause, as it might from the Free Exercise Clause, of the First Amendment, both of which is operative against the States by the virtue of the Fourteenth Amendment. Altought these two clauses may, in certain circunstances, overlap, they forbid two quite different kinds of governmental encroachment upon religious freedom. The Establishment Clause (…) does not depend upon any showing of direct governmental compulsion and is violated by the enactment of laws which establish an official religion whether those laws operate directly to coerce nonobserving individuals or not. (…) When the power, prestige and financial support of government is placed behind a particular religious belief, the indirect coercive pressure upon religious minorities to conform to the prevailing officialy approved religion is plain." ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: 370 U.S. 421 (1962).

  27. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: 374 U.S. 203 (1963).
  28. SCHWABE. Jürgen. Trad: HENNIG. Beatriz et alii. Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2005. p. 368-373.
  29. É o que propugna Ronald Dworkin ao assentar que a aplicação dos dispositivos legais a versarem sobre princípios nos chamados "casos difíceis" impõe ao intérprete a perquirição não só em torno do conteúdo histórico-institucional dos referidos preceitos, mas também dos propósitos e das intenções que conduziram o legislador à inclusão da norma em questão em um dado ordenamento jurídico.
  30. No original: " Legal argument, in hard cases, turns on contested concepts whose nature and function are very much like the concept of the character of a game. These include several of the substantive concepts through which the law is stated, like the concepts of a contract and of a property. But they also include two concepts of much greater relevance to the present argument. The first is the idea of the ´intention´ or ´purpose´ of a particular statute or statutory clause. This concept provides a brisdge between the political justification of the general idea that statutes create rights and those hard cases that asks what rights a particular statute has created. The second is the concept of principles that ´underlie´ or are ´embedded´ in the positive rules of law. This concept provides a bridge between the political justification of the doctrine that like cases should be decided alike and those hard cases in which is unclear what the general doctrine requires.

    These concepts together define legal rights as a function, though a very special function, of political rights. If a judge accepts the settled practices of his legal system – if he accepts, that is, the autonomy provided by its distinct constitutive and regulative rules – then he must, according to the doctrine of political responsability, accept some general political theory that justifies these practices. The concepts of legislative purpose and common law principles are devices for applying that general political theory to controversial issues about legal rights." DWORKIN. Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978. p. 105.

  31. A fim de justificar o regime instituído pela Constituição Imperial de 1824, José Antonio Pimenta Bueno esclarece que "quando (…) o culto não se encerra só no santuário do coração e da consciência, quando passa a ser externo, a manifestar pùblicamente o seu pensamento, a sua crença, ou seja pelo ensino, ou prédica, ou pelas cerimônias, ritos ou preces em comum, quando não se trata mais sòmente da liberdade de consciência, e sim da liberdade do culto, então tem lugar a intervenção do legítimo e indisputável direito do poder social, já para manter e defender a sociedade, já para proteger, ou simplesmente tolerar ou não êstes ou aquêles cultos e seus Ministros."
  32. Por tal razão, e ainda segundo Pimenta Bueno, "o nosso artigo constitucional [art. 5º] começou por declarar que a religião católica apostólica romana é, e continuará a ser, a religião do Estado, pois que felizmente ela é a religião, senão de todos, pelo menos da quase totalidade dos brasileiros. Assim, o seu culto não só interno, como externo, constitui um dos direitos fundamentais dos brasileiros; é a religião nacional, especialmente protegida; os que não a professam não podem ser deputados da nação. Constituição art. 95, § 3º. O imperador antes de aclamado jura mantê-la, art. 103." BUENO. José Antonio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958. p. 23-24.

  33. A chamada "questão religiosa" é explicada por Gabriela Nunes Ferreira da seguinte forma:
  34. "A partir da segunda metade do século XIX, sob o pontificado de Pio IX, a Igreja Católica passou a promover uma política cada vez mais rígida e integrista, buscando reorganizar a instituição e fazer frente ao mundo moderno. Na encíclica Quanta Cura, no Syllabus de Pio IX e no Concílio Vaticano I, a Igreja tomou uma posição de maior centralização em torno do Vaticano, afirmou a infalibilidade papal (superioridade do papa sobre os concílios) e procurou fazer valer, no terreno religioso, uma estrita ortodoxia.

    (…)

    conflito que ficou conhecido como a "Questão Religiosa" teve início a partir da decisão do bispo de Olinda, D. Frei Vital Gonçalves de Oliveira, de fazer valer no Brasil as disposições do Vaticano condenando a maçonaria: em 27 de dezembro de 1872, ordenou ao vigário da paróquia de Santo Antônio, em Recife, que exortasse um membro da Irmandade do Santíssimo Sacramento a abjurar a maçonaria, sob pena de ser expulso da Irmandade. (…) Ocorre, no entanto, que as disposições papais contra a maçonaria não haviam sido submetidas ao governo imperial para beneplácito. Em parte com base nesse fato, a Irmandade apresentou recurso à Coroa, devidamente encaminhado à Seção do Império do Conselho de Estado, [que] em 23 de maio (…) decidiu pelo provimento do recurso.

    (…)

    Enquanto isso, já em março de 1873, o bispo do Pará, D. Antônio de Macedo Costa, solidarizava-se com o bispo de Olinda e seguia seu exemplo, mandando expulsar das irmandades aqueles que se recusassem a deixar a maçonaria. Pouco tempo depois, subiram ao Conselho de Estado três recursos das irmandades interditas." FERREIRA. Gabriela Nunes. Igreja e Estado no Império: a questão religiosa. In: MOTA. Carlos Guilherme; FERREIRA. Gabriela Nunes. Os juristas na formação do Estado-Nação brasileiro. 1850-1930. Saraiva/Fundação Getúlio Vargas, 2010. p. 187-190.

  35. Conforme assinala Gabriela Nunes Ferreira, "o conflito entre poder civil e poder eclesiástico, na década de 1870, abriu espaço para a discissão mais ampla acerca do projeto de separação entre a Igreja e o Estado no Brasil, ao mesmo tempo em que os movimentos abolicionista e republicano questionavam todos os fundamentos da ordem social e política imperial." Idem, p. 196.
  36. Assim preconizava o art. 72, § 3º, da Constituição Federal de 1891:
  37. "Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, á segurança individual e à propriedade nos termos seguintes:

    (…)

    § 3º. Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum."

  38. "Art. 72.
  39. (...omissis...)

    § 6º. Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos."

  40. CAVALCANTI. João Barbalho Uchôa. Constituição Federal Brasileira (1891). Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2002. p. 313.
  41. Nesse sentido, Alexandre Brasil Fonseca ressalta que "foi a Constituição de 1934 que selou a aproximação entre Igreja Católica e o Estado brasileiro após a ruptura ocorrida com a Proclamação da República e a decretação da separação Igreja-Estado em 1891. O Brasil presenciava a ascensão de um estado autoritário e de uma igreja que finalmente recuperava acesso ao poder após 40 anos de uma república laica, com ares positivistas. Três concessões caracterizavam a união: 1) proibição do divórcio e o reconhecimento do casamento religioso pela lei civil; 2) permissão do ensino religioso nas escolas públicas; 3) possibilidade do Estado financiar escolas, seminários, hospitais ou qualquer outra instituição pertencente à Igreja Católica que tratassem do ´interesse coletivo´" FONSECA. Alexandre Brasil. Estado e Ensino Religioso no Brasil. Disponível em: http://www.gper.com.br/documentos/estado_ensino_religioso_no_brasil.pdf.
  42. "CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1934 - Art 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais."
  43. " CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1937 - Art 133 - O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos."

    " CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946 - Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:

    (...)

    V - o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável."

    "CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 - Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana.

    (...)

    § 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas:

    (...)

    IV - o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio."

    "EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1/69 - Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola.

    (...)

    § 3º A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas:

    (...)

    V - o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio."

  44. "CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1891 – Art. 11. É vedado aos Estados, como à União:
  45. (…)

    2º) Estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos."

    "CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1934 – Art. 17. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

    (…)

    II – estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;

    III – ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo."

    "CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1937 – Art. 32. É vedado á União, aos Estados e aos Municípios:

    (…)

    b) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos."

    "CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946 – Art. 31 – À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:

    (…)

    II – estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício;

    III – ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo."

    "CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967 e EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1/69 – Art. 9º. À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:

    (…)

    II – estabelecer cultos religiosos ou igrejas; subvencioná-los. Embaraçar-lhes o exercício; ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público, notadamente nos setores educacional, assistencial e hospitalar."

  46. DICKIE. Maria Amélia Schmidt. O Ensino Religioso no Brasil. Disponível em: http://www.nigs.ufsc.br/ensinoreligioso/docs/mesas/ER_no_Brasil_Maria_Amelia.pdf.
  47. Nesse sentido, Samir de Araújo Casseb assevera que "durante as décadas de 80 e 90, o Brasil, já imerso no âmbito da redemocratização, passa por um processo de rupturas com as concepções político-sociais e culturais vigentes, gerando incertezas e possibilidades quanto aos vários aspectos da sociedade brasileira. Neste cerne, a educação e o Ensino Religioso voltam a ser pontos de novas discussões e polêmicas.
  48. No contexto do início das discussões para a constituinte, em 1985, à instalação do Fonaper, em 1995, o Ensino Religioso passa por várias discussões entre professores, estudiosos, pesquisadores da área, sistemas de ensino, universidades, representantes de diversas tradições religiosas, políticos, enfim, a sociedade civil como um todo atenta para a natureza, permanência ou não, e identidade do Ensino Religioso nas escolas brasileiras."CASSEB. Samir Araújo. Ensino Religioso: Legislação e seus Desdobramentos nas Salas de Aula do Brasil. Disponível em: www.wflt.org/pdf/038.pdf.

  49. Veja-se, a propósito, e conforme destaca Willis Santiago Guerra Filho, que "em nosso ´Preâmbulo´ (…) os constituintes de 88 escreveram que se reuniram com a determinação de ´instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais, individuais etc.´ Com isto, houve manifestação inequívoca do ´titular da soberania´, o povo brasileiro, a quem os constituintes representavam, no sentido de que se abandonasse completamente o Estado ditatorial a que se viu submetido durante três décadas, e se ingressasse, então, numa ordem política diametralmente oposta, plenamente democrática. O primeiro artigo da Constituição de 1988 define, assim, a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, e elenca os princípios sob os quais ela se fundamenta. Todo o restante do texto constitucional pode ser entendido como uma explicitação do conteúdo dessa fórmula política."
  50. Assim, ainda segundo o autor, "enquanto manifestação de uma opção básica por determinados valores, característicos de uma ideologia, a fórmula política inserida na Constituição se apresenta como um programa de ação a ser partilhado por todo integrante da comunidade política, e por isso, responsável a um só tempo pela sua mobilidade e estabilidade." GUERRA FILHO. Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4ª Edição. São Paulo: RCS Editora, 2005. p. 15-17.

  51. No que concerne ao processo que antecedeu a promulgação da Constituição Espanhola de 1978, culminado com a derrocada da ditadura franquista, Antonio Perez Luño assevera que "[uno] no debe olvidarse que la extensión y ambigüedad de nuestra tabla de derechos y libertades responde a las proprias condiciones en que se forjó. De una parte, el tránsito desde el autoritarismo a la democracia, con el consiguiente deseo de se plasmar constitucionalmente el mayor número de libertades anteriormente proscritas; de otra, la propria ambigüedad de las circunstancias políticas que han acompañado el proceso de transición. Ello explica porqué el constituyente de 1978 pusiera especial énfasis en ampliar al máximo la relación de derechos fundamentales, queriendo anticipar así una respuesta a los cahiers de doléances de la sociedad española, deseosa de vivir en un régimen de libertad tras haber soportado un largo período de dictadura. Resulta, por tal motivo, comprensible que las fuerzas políticas que más directamente concurrieron a la redacción del texto constitucional llegaran a un fácil consenso o compromiso sobre la necesidad de atribuir a los derechos fundamentales un protagonismo prioritario en el nuevo sistema jurídico-político conformado por la Ley superior de 1978." LUÑO. Antonio Enrique Perez. Los Derechos Fundamentales. Octava Edición. Madrid: Tecnos, 2005. p. 56.
  52. SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 61-65.
  53. SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 24ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 143-145.
  54. ALMEIDA. Fábio Portela Lopes de. Liberalismo Político, Constitucionalismo e Democracia. A Questão do Ensino Religioso nas Escolas Públicas. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008. p. 159-160.
  55. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: 370 U.S. 421 (1962).
  56. SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O Direito de Religião no Brasil,in, Revista Nacional de Direito e Jurisprudência. Ano 3, nº 34. Outubro/2002. p. 60, 61.

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EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. Da inconstitucionalidade do art. 11 do Estatuto Jurídico da Igreja Católica do Brasil. . O ensino religioso ecumênico nas escolas públicas como exigência histórica dos princípios do pluralismo e da liberdade de crença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2611, 25 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17251. Acesso em: 26 abr. 2024.