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Direito fundamental ao trabalho e implicações no plano processual.

Uma abordagem da competência material da Justiça do Trabalho sob a ótica do acesso à justiça

Direito fundamental ao trabalho e implicações no plano processual. Uma abordagem da competência material da Justiça do Trabalho sob a ótica do acesso à justiça

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RESUMO: Este artigo analisa o direito ao trabalho a partir de uma perspectiva multidimensional, buscando compreender o porquê da existência de uma Justiça especializada, e também a interpretação das regras de competência sob a lente do princípio constitucional do acesso à justiça. Também são analisados alguns julgados de relevância nacional para delimitar a competência da Justiça do Trabalho em conformidade com o direito fundamental ao trabalho.

Palavras-chave: Direito Fundamental. Trabalho. Acesso à justiça. Competência.

ABSTRACT: This article examines the right to work from a multidimensional perspective, trying to understand why the existence of a Justice expert, and also the interpretation of the rules of jurisdiction under the lens of the constitutional principle of access to justice. We also analyzed some judged of national importance to delimit the powers of the Labour Court in accordance with the fundamental right to work.

Keywords: Fundamental Right. Work. Competence.


INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por escopo a análise do direito ao trabalho a partir de uma perspectiva multidimensional, e não apenas sob o crivo de um contrato de trabalho formalizado. A leitura teleológica e sistêmica do direito fundamental ao trabalho, com fundamento no princípio da unidade constitucional, invade searas das mais variadas; auxilia a desvendar o porquê da existência de uma Justiça especializada, e também a interpretação das regras de competência sob a lente do princípio constitucional do acesso à justiça. Ao final, serão analisados alguns julgados de relevância nacional para delimitar a competência da Justiça do Trabalho em conformidade com o direito fundamental ao trabalho.


1. DIREITO FUNDAMENTAL: DISTINÇÕES E DIMENSÕES

Primeiramente, cumpre fazer uma distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais a partir de duas linhas de posicionamento diversas.

Para a primeira corrente, os direitos humanos seriam os direitos naturais, inatos ao homem. Os direitos fundamentais são aqueles direitos naturais que a ordem jurídica de dada comunidade reconheceu como válidos vigentes. Neste sentido, Guerra Filho afirma que,

De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são originalmente direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquele em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de direito interno. [01]

Outra corrente, no entanto, distingue a partir do substrato de legitimação, pois os direitos humanos assentam em documentos internacionais, e os direitos fundamentais na ordem constitucional de determinado país. Nesta posição, Ingo Sarlet aponta:

Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). [02]

Para os fins do presente artigo, a distinção não se faz de todo relevante, pois ambas as categorias têm em comum o traço de efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana, como se verá adiante.

Muito embora o discurso dos direitos humanos seja destacado desde a Antiguidade ou Idade Média, a substantivação do discurso jurídico dá-se na era Moderna, quando o terceiro estado (burguesia) ascende ao poder no século XIX. O regime anterior, absolutista, não representou uma ambiência para efetivação de tais direitos, diante da concentração do poder.

Entretanto, com a cisão da fé, idéias iluministas, contratualistas e acesso ao direito natural por meio da razão; percebeu-se que os indivíduos são titulares de direitos imanentes ao homem, e que o Estado, criado por um contrato social, deve respeitar.

É neste contexto que nasce o Constitucionalismo, inicialmente liberal, que, diferentemente das teorias organicistas anteriores, preza a primazia axiológica do indivíduo sobre a coletividade.

O cenário desta era é marcado pela Revolução Francesa, que imbuída dos ideais de igualdade e liberdade, reconhece formalmente os direitos de primeira dimensão, com propósito e função de limitar o poder estatal. São os chamados direitos de liberdade. Há uma cisão profunda entre o indivíduo e a sociedade. Autonomia da vontade, propriedade e liberdade são dogmas indevassáveis pela figura estatal.

Registre-se que com a separação absoluta entre Direito Público e Privado, e, marcadamente com o surgimento da Revolução Industrial, no século XIX, as relações de trabalho na grande indústria serviam unicamente aos propósitos de expansão do capital.

Este contexto histórico levou à questão social por meio de condições indignas de trabalho. O dogma da autonomia da vontade da era liberal não se justificava, pois o liberalismo econômico era fator de massacre das classes mais desfavorecidas.

Impregnados de consciência coletiva e do espírito gregário dos trabalhadores, passaram a reivindicar em conjunto a intervenção do Estado para humanizar a relação capitalista, pois se percebeu que a liberdade escravizava e a lei seria fator de humanização e libertação. Surgem, assim, os direitos sociais ou prestacionais no seio do Constitucionalismo Social.

A função dos direitos sociais é assegurar condições dignas de existência e tem como principal expoente o Constitucionalismo Social de Weimar de 1919. O Estado passa a atuar cada vez mais nas relações privadas, seja por meio de prestação de atividade no campo da saúde, educação, etc., seja por meio de edição de lei.

Curioso ressaltar que os direitos sociais, desde o seu nascedouro, já detinham como sujeitos passivos entes privados, em especial o empregador. Daí, o seu caráter ambivalente.

É corrente na doutrina a afirmação de que a origem dos direitos sociais se confunde com a própria história do direito do trabalho. Mario de La Cueva destaca:

El derecho del trabajo nace cuando los hombres se dan cuenta del abismo que media entre la realidad social y sua regulación jurídica, o bien, El derecho del trabajo nace cuando perciben los hombres que uno es el principio de la libre determinación de lãs acciones y outra cuestión distinta sua efectividad social, o todavia, uno Es el problema puramente piscológico de la livre determinación de las conducta y outro El problema de poder imponer la voluntad individual em las reclaciones sociales; El régimem del contrato permitia imponer la voluntad del patrono, pero no la del trabajador. [03]

As mutilações ocorridas na segunda guerra mundial, discurso universal dos direitos humanos, déficit de caixa do Welfare State, crise do petróleo da década de 70, escassez de recursos, aliada a uma sociedade complexa e de massas, marcada pela revolução tecnológica e globalização, despertaram a existência de novos direitos de titularidade transindividual, esteados nos ideais de solidariedade e de fraternidade dos cidadãos.

Surgem os direitos de terceira dimensão, cuja função primordial é a construção de uma sociedade democrática, justa e equitativa, em que corpos intermediários ganham destaque. Tem como principal exemplo o direito ao meio ambiente equilibrado.

A distinção entre dimensões por T. J. Marshall, no entanto, é meramente didática. Observa-se, atualmente, a multifuncionalidade dos direitos fundamentais. Quer-se afirmar que um mesmo direito, a um só tempo, cumpre diversas funções no ordenamento jurídico. Basta analisar o direito de propriedade que perpassa por todas as dimensões, uma vez que deve ser respeitado, cumprir sua função social e ambiental.

Marinoni, ao se reportar à multifuncionalidade, registra, com fundamento na doutrina de Alexy, que os direitos fundamentais são estudados tanto pela ótica do direito à defesa, quanto pela ótica dos direitos prestacionais. [04]

Neste raciocínio, enquadra-se o direito ao trabalho, que não basta a mera prestação das parcelas contratuais previstas em lei, mas o respeito, por exemplo, à liberdade de escolha da profissão, à liberdade sindical, à moralidade administrativa no seio das relações de trabalho.

O caráter multidimensional do direito fundamental ao trabalho abarca prestações negativas (respeito à liberdade dos trabalhadores), bem como prestações positivas do patrão e do Estado. Quanto a este último, enquadra-se, em seu dever de proteção (e, portanto, de prestação), a criação de uma Justiça especializada e a compreensão das regras de natureza processual de modo a efetivar o direito fundamental ao trabalho.

Para que um determinado direito seja fundamental é necessário que o mesmo concretize o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 1º, inc. III.

A criação de uma Justiça especializada e a interpretação das normas processuais em conformidade com os direitos fundamentais enaltece a dignidade do cidadão trabalhador, que se sente seguro e protegido pelo Estado em caso de violação aos seus direitos.

A dignidade humana é o epicentro axiológico de toda a ordem jurídica, e pode ser compreendida em suas versões instrumental e material.

Na versão instrumental, tem nítida correlação com a autonomia do cidadão em realizar as suas próprias escolhas e direcionar os rumos de sua vida. Entretanto, isto só é possível se houver a liberdade de escolha (direitos de primeira dimensão), sem interferência indevida dos demais. Para tanto, é necessária a existência de condições mínimas que assegurem sua autonomia, como saúde, educação, moradia (direitos de segunda dimensão). Ademais, diante de um cenário de escassez de recursos e do espírito de solidariedade que pariam sobre o mundo contemporâneo, tais direitos devem ser escolhidos com respeito aos interesses da coletividade.

Na versão autônoma, a dignidade significa o caráter distintivo de condição humana de todo e qualquer cidadão, merecedor de igual respeito e consideração e proteção contra ato degradante. O ser humano é o fim e não pode se equiparar à coisa. Assim portou-se, para fins do presente estudo, a Declaração Filadélfia de 1944 e a Constituição Antroprocêntrica de 1988.

É de se concluir que o direito ao trabalho deriva, igualmente, do epicentro axiológico do ordenamento jurídico, qual seja, a dignidade da pessoa humana, pois diante de uma leitura teleológica, o trabalho deixa de ser instrumento de tortura e necessidade, para ser um veículo de inserção e bem comum do ser humano.

É através do trabalho que o cidadão pode firmar sua autonomia, realizar as suas escolhas, montar seu projeto de vida, ter acesso a condições mínimas de vida, além de inserir-se dignamente na complexa sociedade de massas.

Entretanto, para que o referido direito saia da utopia e tome ares de efetividade, é necessário um aparato estatal que realize adequadamente o controle desta relação em caso de violação, tudo com o escopo de valorizar o trabalho humano e proteger a dignidade do trabalhador brasileiro.


2. DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO: ANÁLISE SOB UMA PERSPECTIVA MULTIDIMENSIONAL

Consoante já sedimentado, o direito fundamental, dado o seu caráter multidimensional não deverá ser estudado sob o aspecto isolado das dimensões ou gerações, sob pena de relegar a retórica as diversas funções que cumpre no ordenamento jurídico.

O discurso atual de direitos fundamentais merece uma análise multidisciplinar e preocupada com a efetividade. Esta tarefa só é possível se o intérprete estudar sob a ótica do princípio da unidade, considerando a constituição como um sistema aberto e coerente de normas e princípios.

Adota-se, para fins didáticos, a classificação proposta por Ingo Sarlet, em sua obra Eficácia dos direitos fundamentais, em que qualquer direito fundamental, inclusive o direito ao trabalho, sob a perspectiva subjetiva, é estudado nas versões direito de defesa e prestacional.

Os direitos de defesa visam o respeito do Estado e da sociedade sob os mesmos, garantindo-se a esfera de liberdade do indivíduo. No conceito do direito fundamental ao trabalho, pode-se destacar o direito à liberdade de trabalho e escolha da atividade profissional (art. 5º, inc. XIII, CF).

Já a versão prestacional demanda a atuação da sociedade ou do Estado, como condição para sua efetividade.

No seio da versão prestacional, destacam-se o direito de proteção (que na relação de trabalho pode ser analisado na ótica da segurança e medicina do trabalho), direito de prestação em sentido estrito (que pode ser tomado como exemplo o dever de adaptabilidade do ambiente de trabalho às pessoas com deficiência) e o direito à organização e procedimento, que merece uma análise em separado por ser o cerne do presente estudo.

Antes de adentrar na temática do direito à organização e procedimento, mister fazer uma breve consideração sob o aspecto multidimensional do direito fundamental ao trabalho, mormente sob o cunho do trabalho decente.

Diante da superexploração do modelo capitalista na era da Revolução Industrial, o Direito do Trabalho existiu e passou a existir para proteção de corpo e alma do trabalhador, pois o trabalho humano não poderia ser mercantilizado, tal como os contratos civis. Este ideal já estava assentado desde 1848, na Revolução de Primavera dos Povos.

O direito fundamental ao trabalho, entretanto, não se perfaz única e exclusivamente mediante a análise das prestações legislativas do Estado, ao estipular um contrato mínimo de observância obrigatória. A formalização do trabalho e respeito aos direitos contratuais mínimos é apenas um dos aspectos da multifuncionalidade do direito fundamental ao trabalho.

Tal como consagrado na Constituição de 1988, no art. 6º, o direito ao trabalho nada mais é do que o direito ao trabalho decente, ou seja, o trabalho deve ser condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia de governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.

O trabalho não é meramente fonte de acumulação de riquezas, mas essencial para inserção social do homem na comunidade e construção de sua narrativa de vida, dignificando-o e elevando à condição de cidadão.

Registra Gabriela Neves Delgado:

Considerando o prisma da dignidade do trabalho é que o homem trabalhador revela a riqueza de sua identidade social, exercendo sua liberdade e consciência de si, além de realizar, em plenitude, seu dinamismo social, seja pelo desenvolvimento de suas potencialidades, de sua capacidade de mobilização ou de se efetivo papel na lógica das relações sociais. [05]

Não é por outra razão que a Constituição da República deu tratamento especial ao trabalho. O art. 1º, inc. IV da CF determina que o valor social do trabalho é fundamento da República. O art. 193 afirma o nosso modo de ser como sociedade funda-se no primado trabalho. O art. 170 determina que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho.

O direito ao trabalho não busca tão somente o acesso ao mercado de trabalho, mas o direito a um trabalho digno, decente, que nos dizeres de José Cláudio Monteiro de Brito Filho,

[...] é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais. [06]

A partir de uma interpretação sistemática, tem-se que o direito do trabalho, em suas múltiplas dimensões, só pode ser efetivado nos moldes da vontade constitucional, se o cidadão tiver acesso à profissionalização, liberdade de escolha de profissão (art. 5º, inc. XIII), formalidade contratual, respeito aos direitos da personalidade e meio ambiente do trabalho hígido e seguro.

De outro giro, não há falar em direito fundamental ao trabalho decente se inexistir um órgão estatal que seja responsável pelo controle de tais relações altamente fraudadas no modelo capitalista.

A constituição de uma Justiça especializada e a instituição de procedimentos céleres é uma extensão do direito fundamental ao trabalho que, na sua análise procedimental e organizacional, requer a instituição de órgãos e regras procedimentais que lhe confiram a maior efetividade possível, consolidando, no plano fático, o princípio da dignidade da pessoa humana trabalhadora.

Igualmente, a operacionalização desta Justiça Especializada deve ser realizada por juízes que tenham como norte de atuação o princípio do acesso à justiça, consubstanciado em um acesso à ordem jurídica justa. Para que alcance a justiça social por meio do processo, é preciso ter em mente que o direito fundamental ao trabalho é um conceito em ebulição constante, e que as normas processuais devem ser repensadas para que realmente seja concretizado este direito tão relevante para a sociedade.

Uma das formas desta efetivação é a interpretação das normas de competência material da Justiça Laboral, de modo a enquadrar em seu seio todas as demandas que reflitam direta ou indiretamente no direito fundamental ao trabalho, assegurando aos trabalhadores jurisdicionados a expectativa legítima de uma tutela efetiva. Aliás, foi este o propósito da Emenda Constitucional n. 45, conforme fundamentos supra.


3. DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO NA VERSÃO DIREITO À ORGANIZAÇÃO E PROCEDIMENTO

A Justiça do Trabalho, dotada de peculiaridades que lhe conferem maior informalidade, celeridade, decorre da versão direito à organização e procedimento do direito fundamental ao trabalho. Nesta versão, engloba o direito a medidas estatais organizatórias e um procedimento que seja efetivo a fim de concretizar o direito fundamental ao trabalho no mais alto grau possível.

Como ressalta Ingo Sarlet, o problema seria respeitante à possibilidade de se exigir do Estado "a emissão de atos legislativos e administrativos destinados a criar órgãos e estabelecer procedimentos, ou mesmo de medidas que objetivem garantir aos indivíduos a participação efetiva na organização e no procedimento". [07]

Aponta Fabio Rodrigues Gomes:

Poderíamos mencionar desde a criação de organizações (i) especializadas no julgamento de demandas envolvendo o trabalho humano (v.g., a estruturação da Justiça do Trabalho e, mais recentemente, a ampliação de sua competência, pela EC n. 45/04) e (ii) aptas a protegerem a integridade física do trabalhador (v.g, as delegacias regionais do trabalho e as CIPAs – comissões internas de prevenção de acidentes), até "procedimentos" legais configurados para evitar aquela funcionalização referida há pouco, com o intuito de violar um outro direito fundamental (e.g, a obrigatoriedade de inquérito judicial para a dispensa por justa causa dos dirigentes sindicais. [08]

Em suma, a criação de uma Justiça Especializada, desde 1934 no Brasil, não representa um mero capricho do legislador ou que as questões trabalhistas devem ser relegadas a segundo plano.

Ao reverso, destaca a necessidade de enaltecer e efetivar a fundamentalidade do direito ao trabalho, que merece proteção especial e efetiva, notadamente diante dos mesquinhos propósitos verificados no capitalismo, que cada vez mais faz tabula rasa da visão humanista do trabalho como meio necessário para o alcance da dignidade humana.

Registra Luciano Athayde Chaves, ao comentar sobre Rui Barbosa:

Sob o prisma do remodelado liberalismo, que Rui denominada Democracia Social, o Estado brasileiro lançou-se à missão de regulamentar o trabalho, fazendo-o mediante a edição de leis protetivas e criação e organismos estatais voltados à fiscalização e modernização das relações de trabalho. Nesse contexto, surgiu o Ministério do Trabalho e, mais adiante, a Justiça do Trabalho. [09]

Certamente, careceria de efetividade se as questões trabalhistas, marcadas por constante transformação e evolução, ficassem sob o julgamento da Justiça comum, o que, por óbvio, impediria o acesso a uma tutela jurisdicional adequada, dada as nuanças que englobam a relação laboral, a qual concentra demandas das mais diversas ordens, desde a saúde psíquica do empregado até o não pagamento de uma gratificação ajustada.

Tem-se que o direito fundamental ao trabalho não pode ser estudado sob o prisma material desconectado de sua versão instrumental e, portanto, de acesso à justiça, pois a inexistência ou insuficiência de um órgão adequado, que lhe assegure a devida efetividade é o mesmo que enunciar os direitos sem concretizá-los.

Além da necessidade de uma Justiça Labora especializada, o direito fundamental ao trabalho, na sua máxima efetivação, prospecta sua eficácia irradiante para a compreensão das normas processuais trabalhistas, em especial as regras de competência, de modo que deve albergar nas lindes da Jurisdição Trabalhista todas as demandas que tenha correlação com a efetivação do direito fundamental ao trabalho, sob pena de infringir a unidade de convencimento e o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

A ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela EC 45/04 teve dois principais objetivos: a) acompanhar as mutações sociais ocorridas na forma de pensar o trabalho, que não mais se convence pelo binômio ordem-subordinação diante da alta complexidade das relações sociais; b) reunir na Justiça do Trabalho todas as causas que reflitam na efetividade do direito fundamental ao trabalho, para que a alienação da capacidade produtiva dos trabalhadores assuma ares mais seguros, permitindo aos jurisdicionados a discussão de seus litígios por um órgão especializado e adequado, garantindo-lhes unidade de convencimento e a confiança legítima que se espera de um Estado que se adjetive como democrático.


4. A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS

O fenômeno da constitucionalização do direito, provocado pela descoberta da dimensão objetiva dos direitos fundamentais e, conseqüente, eficácia irradiante de seus preceitos, traz conseqüências renovadoras aos postulados da ciência processual.

De nada adiantaria interpretar as normas de direito material em conformidade com a Constituição se as normas instrumentais ficassem presas aos rigorismos dos códigos pesados da era liberal. Na realidade, incide a teoria circular dos planos, de modo que direito material e direito processual são verso e reverso da mesma medalha para que seja garantida a tão desejada efetividade dos direitos fundamentais pelo constitucionalismo democrático de 1988.

Infelizmente, tem-se observado, notadamente na interpretação das regras de competência, que os magistrados, inclusive o próprio STF – guardião da Constituição – estão apegados à literalidade da lei, muitas vezes esquecendo-se de que o acesso à ordem jurídica justa (art. 5º, inc. XXXV) só é aferível mediante a prestação de uma tutela jurisdicional adequada, célere, efetiva e segura.

A interpretação da competência da Justiça do Trabalho deve ser filtrada pelo direito fundamental ao trabalho. Conforme já analisado, se o litígio versa sobre alguma matéria que lhe comprometa direta ou indiretamente sua efetividade, não pairam dúvidas que o acesso ao Judiciário só será justo se entregue à Justiça ontologicamente especializada para resolver tais questões, a saber, a trabalhista.

Ou seja, as regras de competência também são interpretadas em conformidade com a supremacia constitucional e os princípios garantísticos do processo previstos na CF, em especial acesso à justiça (art. 5º, inc. XXXV), devido processo legal (art. 5º, inc. art. 5º, LXXVIII), segurança jurídica, isonomia processual, devido processo legal (art. 5º, LIV). E no caso da trabalhista, a interpretação também sofre influência da supremacia material do direito fundamental ao trabalho.

A propósito, destaca Marinoni:

A interpretação de acordo, assim com as técnicas de controle de constitucionalidade, não só devem tomar em consideração a imprescindibilidade de se outorgar plena oportunidade de acesso à justiça, mas também as necessidades de direito material e a própria espécie de tutela do direito material objetivada pela ação. Ou seja, a visualização da suficiência de uma norma processual e de uma técnica processual para a efetividade da ação depende, inevitavelmente, da análise da tutela por ela pretendida no plano do direito material. [10]

As premissas suso expendidas têm aplicação incisiva na interpretação da abrangência da competência material da Justiça do Trabalho, que sempre conviveu com um ranço discriminatório de exigir-se uma lei que atribua especificamente a competência de forma expressa, sem se preocupar se a atividade jurisdicional vai ser adequadamente desenvolvida ou se vai beneficiar o principal destinatário, a saber o jurisdicionado.

Esta visão simplista de encarar a competência da Justiça do Trabalho viola frontalmente o direito fundamental ao trabalho, que necessita de uma Justiça Especializada que albergue as demandas que ponham em xeque a sua fundamentalidade.

Neste sentido, Luciano Athayde Chaves:

O estudo da interpretação e aplicação das normas jurídico-processuais trabalhistas (tal como as demais normas processuais) não se constitui em um conjunto distinto de saberes daquele reservado pela hermenêutica para as normas jurídicas em geral, conquanto seja de grande importância sublinhar a necessidade de se orientar a compreensão das normas processuais em função de seu principal destinatário: o jurisdicionado, ou, nas palavras de Dinamarco, "o consumidor final dos serviços da Justiça. [11]

Se a Justiça do Trabalho foi concebida, em seus primórdios, para garantir uma maior efetividade aos reclamos advindos de uma relação tão cara à sociedade, que é a trabalhista, com o intuito de melhor atender os embates travados a partir da luta incessante entre capital e trabalho, deve, atualmente, o intérprete adotar uma visão expansiva deste ideal, abarcando em seu seio o julgamento das causas que tragam reflexos diretos ou indiretos nesta relação.

É dever do intérprete evoluir na medida em que se evolui a sociedade trabalhadora, sob pena de se relegar ao oblívio a razão de ser do próprio Direito do Trabalho, ou seja, a proteção do trabalhador.

O próprio legislador constituinte percebeu que a relação trabalhista é demasiadamente complexa e mutável, e que as demandas não se cingem ao aspecto do vínculo empregatício, mas todas aquelas oriundas da relação de trabalho, e portanto, relacionadas ao direito fundamental ao trabalho. Não por outra razão que foi promulgada a EC 45/04.

Mesmo assim, impera o tradicionalismo nas instâncias superiores mantêm em relação à Justiça do Trabalho. Chega a causar perplexidade e inquietude na mente daqueles que simplesmente almejam uma proteção ideal às pretensões da parte lesionada, mormente após a EC 45/04.

O intérprete não é meramente a boca da lei, mas a boca da justiça e da segurança, sempre atento às mudanças sociais e novas demandas que, no âmbito do direito trabalhista, - diga-se de passagem -, são muitos.

Basta observar que na passagem do Estado Liberal para o Constitucionalismo democrático, o mundo assistiu a profundas alterações, a saber: passagem do estatuto do emprego para o estatuto da atividade, reestruturação do conceito de subordinação e sua respectiva necessidade de universalização; reestruturação produtiva e exceções à bilateralidade do trabalho; fraudes das mais diferentes espécies com o objetivo de criar novas categorias que desloquem do âmbito protetivo do direito do trabalho; ampliação do conceito de greve; lesões de patamar coletivo; preocupação da comunidade com os direitos da personalidade do trabalhador; globalização; flexibilização, dentre tantas outras que não caberiam em vinte folhas de papel.

Diante de todas as modificações acima elencadas, aliada à constitucionalização do direito processual, e ciente de que a Justiça do Trabalho nada mais é do que a versão organizacional do direito fundamental ao trabalho para garantir-lhe maior efetividade e segurança, indaga-se: é justificável a interpretação que tem minado a competência da Justiça do Trabalho em temas afetos a fundamentalidade do direito ao trabalho, mesmo diante do advento da EC 45/04 que expandiu consideravelmente a ampliação da competência da Justiça Especializada?

Obviamente que não. A EC 45/04 tem nítida relação com a tendência universalizante de que o direito fundamental ao trabalho, tal como garantido no art. 6º, não se perfaz única e exclusivamente por meio de uma relação de emprego bilateral e formalizada, com visão monetizada do tema.

Muito antes disso, o direito fundamental ao trabalho abarca o direito à escolha de uma profissão, em que sejam respeitados os direitos da personalidade e garantindo-lhe o direito à adaptabilidade e o meio ambiente laboral equilibrado. Muito antes do pagamento de um adicional de insalubridade, o Direito do Trabalho preocupa-se, atualmente, com a saúde do empregado e com a sua família em caso de falecimento.

Muito antes das conseqüências indenizatórias de um trabalho ilícito no âmbito da Administração Pública, o Direito do Trabalho moderno quer combater a imoralidade administrativa, a fraude ao concurso público e as relações de precariedade.

Com a devida vênia, parece-me que o STF e outros Tribunais Superiores, ao interpretar a competência da Justiça do Trabalho utilizam a famigerada interpretação literal em tiras, apenas evidenciando a competência laboral caso encontre um artigo que afirme expressamente, detalhadamente que a Justiça especializada é competente para apreciar o tema, esquecendo-se da eficácia irradiante que o direito fundamental ao trabalho prospecta nas normas de competência..

O fenômeno da constitucionalização do direito e mais valia dos direitos fundamentais, que espraiam seus valores e irradiam por todo o ramo jurídico, vinculando o poder público e os particulares, obrigam tais intérpretes a, primeiramente, passear sistematicamente pela constituição e, pensar, cautelosamente acerca da dignidade do trabalhador e a valorização do trabalho (art. 1º), bem como averiguar se, diante dos postulados renovadores do processo (instrumentalidade, efetividade e acesso à ordem jurídica, justa) a justiça do trabalho é a mais adequada para proferir a tutela jurisdicional, fortalecendo o princípio da unidade de convencimento, que nada mais é do que trazer para o âmbito laboral as questões que sejam direta ou reflexamente afetas à matéria trabalhista, garantindo aos jurisdicionados a pacificação da lide com justiça!

O raciocínio acima ressaltado, necessário para efetivação do direito fundamental ao trabalho, gera um quadro de segurança, essencial ao Estado Democrático de Direito, porque inibe o risco de decisões conflitantes, traz a certeza de que o tema está sendo ventilado por uma Justiça especializada e com magistrados muito bem preparados (notadamente após a extinção da representação classista), maior efetividade ao direito postulado por meio de ação judicial, além de trazer a certeza de uma prestação com celeridade (art. 5º, inc. LXXVIII), pois, nesta seara, a Justiça do Trabalho é imbatível.

Vejamos, a propósito, alguns julgados de relevância nacional em que os Tribunais Superiores não reconheceram a competência da Justiça do Trabalho, em contramão ao direito fundamental ao trabalho, notadamente em sua versão organização e procedimento, comprometendo o acesso à justiça.

4.1 Execução em recuperação judicial

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), durante a sessão plenária em que julgaram o Recurso Extraordinário nº 583.955-9, do Rio de Janeiro, decidiram, por maioria, ser "competente a Justiça estadual comum, com exclusão da Justiça do trabalho, para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial.

A interpretação acima destacada vai de encontro aos princípios da celeridade e instrumentalidade, retardando a entrega da tutela jurisdicional, pois visa concentrar em um único juízo a constrição de bens, mesmo que não seja decretada a falência da empresa.

Trata-se de uma interpretação que não coaduna com o direito fundamental ao trabalho, ao qual exige, em caso de violação, a rápida solução da controvérsia e conseqüências pecuniárias, dado o caráter alimentar da dívida trabalhista.

A partir do momento em que o patrão assume os riscos de sua atividade econômica, é direito fundamental do trabalhador o recebimento de seus créditos através da Justiça Laboral, dotada de mecanismos próprios e eficientes para assegurar a rápida entrega da tutela pretendida.

Ademais, a interpretação do Supremo não contempla o acesso à justiça em seu sentido físico, pois retira a demanda para fórum distinto que, na Justiça do Trabalho (art. 651 da CLT), é definido em razão do princípio da comodidade e da hipossuficiencia do empregado, quesitos não verificados no juízo da recuperação judicial.

4.2 Dano em ricochete, acidente de trabalho

O STJ editou recentemente a súmula 366, que determinava ser da competência da Justiça Comum o pedido de indenização perpetrado pela viúva do acidentado. Sabe-se que o acidente do trabalho é um dos casos em que o Direito Constitucional adjetiva de trágico, pois necessariamente perece um bem da vida.

Diante das conseqüências advindas, não pairam dúvidas de que a Justiça do Trabalho é a competente. A um porque a causa de pedir necessariamente decorre de uma relação de trabalho. Muito embora a vítima não seja o empregado, o art. 114 da CF prioriza o aspecto material em detrimento do superado aspecto subjetivo. A dois porque o acesso à ordem jurídica justa só é possível mediante a unidade de convicção dos temas relacionados ao ambiente de trabalho, mediante a prestação de uma tutela jurisdicional adequada e célere. A três porque o direito fundamental ao trabalho requer, dentre tantas outras premissas, um meio ambiente hígido e equilibrado. Não faria sentido uma cisão de competências entre os princípios da prevenção e do poluidor-pagador, quando, na realidade, o meio ambiente do trabalho é indivisível.

Registre-se que o STJ, diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal, cancelou a referida súmula.

4.3 Administração Pública: a questão dos temporários e a ação de improbidade

Por ocasião da Reclamação 7109, o STF entendeu, por maioria, que o desvirtuamento do contrato de trabalho temporário deve ser julgado pela Justiça Comum, por se tratar de um vínculo de natureza administrativa, com espeque na ADI 3395. Tal decisão levou ao cancelamento da OJ 205 da SDI-1 do TST

A EC 45/04 ampliou consideravelmente a competência material da Justiça do Trabalho. Deixou de prestigiar o critério subjetivo (lide entre empregado e empregador) e passou a abarcar toda controvérsia oriunda da relação de trabalho (art. 114, I), o que denota a adoção do critério material (matéria relação de trabalho).

Nos casos de fraude ao concurso público de servidor estatutário ou contratação irregular de trabalhadores temporários , a competência é da Justiça do Trabalho, pois não há falar em adesão vínculo jurídico administrativo (princípio da tipicidade), que para subsunção, necessita a aprovação do concurso público e nomeação ou contratação . O que existe é um desvirtuamento e uma relação contratual meramente privada entre a Administração e o servidor ao arrepio da lei.

Acrescente-se, outrossim, que sob o prisma do acesso à ordem jurídica justa (art. 5º, XXXV), as regras de competência também são interpretadas de acordo com razões de política judiciária e princípios constitucionais. A justiça trabalhista é especializada em fraudes ao vínculo de emprego, além de sua celeridade em face dos demais ramos do poder Judiciário.

Ademais, o art. 6º da Constituição assegura o direito fundamental ao trabalho, direito social cuja concretização demanda o acesso ao mercado de trabalho digno e com ampla oportunidade e igualdade de acesso, mormente na Administração Pública, em face dos princípios do caput do art. 37, em especial impessoalidade, moralidade e eficiência. Por ser direito constitucional social violado, a própria Lei Complementar 75/93 determina a legitimidade do MPT para tutela de tais direitos.

Destaque-se que a ADI 3395 do STF não serve de parâmetro para análise da competência da ação em evidência, uma vez que o Supremo referiu-se apenas às lides decorrentes de direitos e deveres dos servidores estatutários.

Também está clara do ponto de vista constitucional a competência jurisdicional trabalhista para a aplicação das medidas relativas à improbidade administrativa (lei n. 8429/92) - o fato de a improbidade administrativa consistir em instituto residente no campo do direito constitucional/administrativo e a apenação ter natureza cível e política não constitui, em absoluto, óbice à competência da Justiça do Trabalho ao seu manejo, bastando, para tanto, que o conflito original seja uma relação de trabalho (art. 114, I da Constituição).

Conforme salientado acima, o direito fundamental ao trabalho, no âmbito da Administração Pública, exige o respeito aos princípios setoriais, que, se houver desrespeito, atrai a competência da Justiça do Trabalho, como nos casos de assédio moral e fraude ao concurso público.

4.4 Complementação de aposentadoria

Atualmente, discute-se em sede do recurso extraordinário n. 586483 a competência da Justiça do Trabalho para apreciar os conflitos envolvendo plano de previdência complementar privada pelo empregador, como decorrência do contrato de trabalho.

Alega a recorrente violação aos arts. 7º, XXIX, 114, 195, §§ 4º e 5º e 202, § 2º, da Constituição Federal, ao entendimento de que a competência para apreciar a causa seria da Justiça Comum; ter ocorrido a prescrição total, em razão de o pedido de complementação de aposentadoria ser de parcelas jamais paga ao reclamante; bem como inexistir direito às diferenças de complementação de aposentadoria a serem pagas, pois não teria havido prévio recolhimento de contribuições previdenciárias.

Não assiste razão porque o direito fundamental ao trabalho não é analisado de forma estanque, como unicamente o ato de trabalhar. Deve-se aferir o trabalho como mecanismo de democratização de riquezas e de dignificação do homem, a qual só é possível mediante uma aposentadoria justa, que assegure ao trabalhador unidade e segurança, o que lhe estimula a dedicar-se ainda mais ao trabalho atual na certeza de ter uma estabilidade futura.

Todas as obrigações assumidas pelo patrão com o fito de melhorar a condição social do trabalhador (art. 7º, caput), enaltecem a dignidade humana do empregado e concretiza o direito fundamental ao trabalho. Não importa se a parcela será paga antes ou após o término do pacto.

A tendência do STF em deslocar a competência para Justiça comum representa mais um retrocesso social.


CONCLUSÃO

A existência de uma Justiça especializada para julgamento das lides oriundas da relação de trabalho, nos termos do art.114 da Constituição, deriva da versão organizacional do direito fundamental ao trabalho previsto nos arts. 6º e 7º da Constituição Federal.

Os planos material e processualmente são umbilicalmente ligados, de modo que as controvérsias oriundas do direito fundamental ao trabalho devem ser concentradas na Justiça do Trabalho, sob pena de ferir a unidade de convencimento e o próprio direito dos destinatários da jurisdição em obter uma tutela jurídica justa, célere e adequada.

Diante do fenômeno da constitucionalização dos direitos fundamentais, a eficácia irradiante do direito ao trabalho decente também deverá inspirar as regras que definam a competência material da Justiça Especializada, que, mesmo diante da vontade constitucional de ampliar e efetivar institucionalmente o direito ao trabalho, por meio da EC 45/04, tem recebido interpretações restritivas dos Tribunais.

O retrocesso social não se verifica unicamente com a eliminação de direitos consagrados, mas com a frustração da expectativa dos jurisdicionados em ter suas demandas julgadas pela Justiça que lhes seja a mais competente.

Por fim, concorda-se com as palavras de Gerson Marques Lima, ao afirmar que faltam pessoas mais especializadas da carreira trabalhista na Suprema Corte que, cada vez mais, tem minguado a competência da trabalhista, fazendo tabula rasa da vis expansiva do direito fundamental ao trabalho na sociedade contemporânea.


REFERÊNCIAS

BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho decente. São Paulo: LTr, 2004.

CHAVES, Luciano Athayde (org). Curso de Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.

DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São. Paulo: LTr, 2006.

DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano del Trabajo. 3 ed. México D. F.: Editorial Porrua, 1949.

GOMES, Fábio Rodrigues. O Direito Fundamental ao Trabalho: perspectivas histórica, filosófica e Dogmático-Analítica. São Paulo: Lumen Juris, 2008.

GUERRA FILHO, Willis Santiago (Coord.). Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. v. 1. (Teoria Geral do Processo). 3 ed. São Paulo: RT, 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.


Notas

  1. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos Fundamentais, Processo e Princípio da Proporcionalidade. In:GUERRA FILHO, Willis Santiago (Coord.). Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais, 1997, p. 12.
  2. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 35-36. 
  3. DE LA CUEVA, Mario. Derecho Mexicano del Trabajo. 3 ed. México D. F.: Editorial Porrua, 1949, p. 266-267.
  4. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. v. 1. (Teoria Geral do Processo). 3 ed. São Paulo: RT, 2008.
  5. DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São. Paulo: LTr, 2006. p.241.
  6. BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho decente. São Paulo: LTr, 2004. p.129.
  7. SARLET, Ingo Wolfang. Op. cit. p. 195.
  8. GOMES, Fábio Rodrigues. O Direito Fundamental ao Trabalho: perspectivas histórica, filosófica e Dogmático-Analítica. São Paulo: Lumen Juris, 2008. p. 424.
  9. CHAVES, Luciano Athayde (org). Curso de Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p.6.
  10. MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p.231.
  11. CHAVES, Luciano Athayde. Op. cit. p.22.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ACCIOLY, Gustavo Tenorio. Direito fundamental ao trabalho e implicações no plano processual. Uma abordagem da competência material da Justiça do Trabalho sob a ótica do acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2616, 30 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17282. Acesso em: 10 maio 2024.