Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/17340
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A imprescritibilidade da ação de ressarcimento em decorrência da prática de ato ilícito que causa prejuízo ao erário por improbidade administrativa

A imprescritibilidade da ação de ressarcimento em decorrência da prática de ato ilícito que causa prejuízo ao erário por improbidade administrativa

Publicado em . Elaborado em .

No confronto da Constituição com a Lei nº 8.429/92, as ações de ressarcimento estão sujeitos aos prazos prescricionais para os ilícitos praticados por agentes públicos?

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 2 PATRIMÔNIO PÚBLICO. 2.1 Considerações gerais sobre o patrimônio público. 2.2 Patrimônio Público em sentido estrito. 3 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 3.1 Noções gerais sobre improbidade administrativa. 3.2 Improbidade administrativa que causa lesão ao erário. 3.3 Recuperação do patrimônio público. 4 INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO . 4.1 Conceito e regras gerais referentes à prescrição . 4.2 A prescrição no Direito Administrativo. 5 A IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO DE RESSARCIMENTO NAS HIPÓTESES DE ILÍCITOS QUE CAUSEM PREJUÍZO AO ERÁRIO. 5.1 A ressalva de imprescritibilidade prevista no §5º do art. 37 da Constituição Federal. 5.2 O posicionamento do STJ precursor da interpretação . 5.3 O Posicionamento do STF. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS


1.INTRODUÇÃO

A Lei nº 8.429/92, conhecida como a Lei Geral de Improbidade Administrativa, dispõe sobre as condutas e sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de prática de ato de improbidade no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e estabelece a punição de tais agentes pela prática de atos ímprobos.

No mesmo instrumento normativo, em seu art. 23, ficam estabelecidos os prazos prescricionais para a propositura de ações destinadas a levar a efeito as sanções nele previstas. Disciplina que deverá ser obedecido o lapso prazal de cinco anos para buscar a punição de tais agentes públicos e, decorrendo tal prazo, fulminada a pretensão pelo instituto da prescrição.

Já a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, normatiza, no § 5º, que serão estabelecidos por lei os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que ocasionem prejuízos ao erário, ressalvando as correlatas ações de ressarcimento.

Com base numa interpretação sistemática, levando-se em conta o dispositivo constitucional que excepciona as situações de ações de ressarcimento da regra estabelecida no art. 37 que prevê a existência de prazos prescricionais para os ilícitos praticados por agentes públicos, surgiram questionamentos acerca da extensão de tal exceção, em confronto com os prazos estipulados na legislação infraconstitucional, a exemplo da Lei n° 8429/92.

Parte da doutrina, a exemplo de grandes nomes como Elody Nassar, Ada Pellegrini Grinover e Washington de Barros Monteiro defendem a prescritibilidade, com base na eleição do princípio da segurança nas relações jurídicas e a necessidade de sua estabilização. Por outro lado, José Afonso da Silva, Maria Sylvia Zanella de Pietro, Manoel Gonçalves Ferreira Filho dentre outros entendem imprescritível a interposição de ação para busca do ressarcimento ao erário, tendo em vista que a redação do dispositivo constitucional é expresso neste sentido.

Assim, a presente pesquisa pretende aprofundar nas teses desenvolvidas pela doutrina especializada e na jurisprudência e buscar a solução para o tema, uma vez que, como supracitado, a interpretação do dispositivo constitucional gerou varias conclusões, como por exemplo, que diante da ressalva estabelecida no art. 37, §5º da CF, quanto às ações de ressarcimento ao erário, o prazo prescricional seria de dez anos, pois a ausência de previsão legal ocasiona a aplicabilidade do art. 206 do C.C.

Ocorre que, de início, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se pela imprescritibilidade e o Supremo Tribunal Federal encampou a referida tese, conforme se observa no Mandando de Segurança 26210. Atualmente, percebe-se o posicionamento reiterado de ambas as Cortes quanto ao tema que se pretende discorrer, sendo este o entendimento que se defende no presente trabalho.

No primeiro capítulo, discorre-se acerca das noções de patrimônio público, seu alcance e natureza, aclarando acerca do instituto em sentido estrito, consistente nos bens e valores economicamente mensuráveis. Em seguida, trata-se do tema da improbidade administrativa, expondo, em linhas gerais, suas características principais e após, discorrendo de forma mais específica sobre a modalidade de improbidade que causa lesão ao erário. Finaliza-se a abordagem examinando a recuperação do patrimônio público, estabelecendo-se um paralelo entre ressarcimento ao erário.

No quarto capítulo, aborda-se o instituto da prescrição em linhas gerais e sua incidência em diversos ramos do direito, mais especificamente na seara civil e tributária. Após, trata-se do mesmo instituto diretamente ligado ao Direito Administrativo, demonstrando as nuances e particularidades de sua aplicação nesse ramo próprio. Por fim, no capítulo último, o tema da imprescritibilidade da ação de ressarcimento nas hipóteses de ilícitos que causem prejuízo ao erário examina-se a partir do § 5º do art. 37 da Constituição Federal, utilizando-se do entendimento majoritário da doutrina especializada, expondo ainda o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, com ênfase na compreensão externada no Mandado de Segurança nº 26210.

Para a investigação proposta realiza-se pesquisa teórica, por meio da coleta de dados em organismos relacionados ao estudo, análise e interpretação de textos legislativos e constitucionais, de jurisprudência, de direito comparado, bem como de bibliografia especializada sobre Direito Constitucional e Direito Administrativo. Utilizam-se ainda Notas Técnicas e Pareceres elaborados pela AGU, bem como o entendimento dos tutores do curso de Pós Graduação em Direito Público da UnB como material de estudo, pois são diretamente aplicadas nas teses jurídicas defendidas pela Administração Pública Federal.


2PATRIMÔNIO PÚBLICO

2.1.Considerações gerais sobre patrimônio público

Patrimônio encerra a noção de conjunto de bens e direitos, de natureza móvel ou imóvel, de natureza corpórea ou incorpórea, que podem ser dispostos na forma da lei, englobando ainda atributos morais e sociais. [01]

Já a Lei nº 4717/65, conhecida como a Lei de Ação Popular, em seu art. 1º, elucida que "consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico", pertencentes à União, Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração indireta.

Em complemento, a Lei nº 8.429/92 revela que os atos de improbidade administrativa praticados em face de entidade que "receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual" também se submetem a sua aplicação. Assim, ampliou a noção de patrimônio publico, incluindo as entidades não pertencentes a estrutura estatal originária, mas que dela recebam auxílio.

Dessa forma, conclui Fernando Rodrigues Martins que patrimônio público configura como o conjunto de bens, dinheiro, valores, direitos e créditos pertencentes aos entes públicos, por meio da administração direta, indireta ou fundacional, "cuja conservação seja de interesse público e difuso, estando não só os administradores, como também os administrados, vinculados a sua proteção e defesa." [02]

E ainda assevera o mesmo autor que a noção de patrimônio público encerra todo tipo de situação em que a Administração estiver envolvida, inclusive sua própria moral como objeto a ser resguardado pela sociedade e pelos agentes públicos, submetendo-se aos valores da probidade e honestidade, afastando práticas corruptas e imorais. Tal interpretação emana da própria Lei de Improbidade Administrativa, que busca a proteção da Administração em seu sentido mais amplo, protegendo-a da concussão, prevaricação, malversação e toda sorte de ilícitos.

Atualmente, patrimônio público e moralidade ganharam status de direitos humanos, pois uma vez tutelados por documentos de cunho internacional, projetam proposições dirigidas ao ser humano e desvincula-se de uma ordem constitucional específica.

Nesta linha de raciocínio, Fernando Rodrigues cita a aprovação pelo Congresso Nacional Brasileiro, através do Decreto Legislativo 152, de 25.06.2002, posteriormente promulgada pelo Decreto Presidencial 4.410, de 07.10.2002 da Declaração de Caracas (Convenção Interamericana Contra a Corrupção). Nele, reconhece-se que "a corrupção solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos" e que o combate a corrupção "reforça as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e deterioração da moral social." [03]

Uma vez incorporado o documento de ordem internacional ao ordenamento jurídico pátrio, ganham suas disposições equivalência a emenda constitucional, a exemplo da Convenção Interamericana contra a Corrupção e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, ambas tendo o Brasil como signatário. Ainda no entendimento do Doutor Fernando Martins, conclui-se que tais documentos internacionais de combate a corrupção, formulados com vistas à proteção direta do patrimônio público e da moralidade administrativa, transbordam da órbita meramente contratualista entre os Estados pactuantes. Nesse momento, positivados direitos humanos na Carta Magna "em normas gerais e abstratas, transforma-os em direitos fundamentais e permite que a política, mediante a sua forma moderna de Estado, com todo seu aparato burocrático-funcional, venha emprestar-lhes coercibilidade efetiva em nossa vida cotidiana." [04]

Assim, a noção de patrimônio público abrange não somente sua vertente econômica, mas se atrela a tutela de valores principiológicos resguardados constitucionalmente a serem verificados tanto pelos agentes públicos, administradores e administrados, na concretização dos postulados estabelecidos pelas normas constitucionais e legais.

2.2.Patrimônio Público em sentido estrito

Conforme alertado anteriormente, a noção de patrimônio público, além de alcançar os elementos de valor econômico, encontra informação advinda também de princípios ausentes de tangibilidade financeira, mas de valia ética ou moral. Dessa forma, o acervo público abrange essa gama de bens e valores, mensuráveis ou não economicamente, de que sejam titulares as pessoas jurídicas de direito público, de administração direta ou indireta.

São partes desse acervo, segundo o entendimento de Fernando Rodrigues Martins [05], os bens públicos, o erário público, os direitos e o patrimônio moral. De acordo com o professor Célio Rodrigues da Cruz, a noção de patrimônio público pode ser verificada em dois sentidos. De forma ampla, ao abranger em seu conceito os elementos expostos na Lei de Ação Popular; ou restritamente, noção adstrita ao "conjunto de bens e direitos de valor econômico pertencente ou vinculado aos entes da Administração Pública direta e indireta." [06] Neste último sentido, encontra-se verificada a expressão erário.

Sendo assim, erário público seria uma parcela do patrimônio público, exprimível através do aspecto financeiro, concretizado através dos dinheiros e valores do Estado. Dessa forma, a expressão erário carrega consigo a própria noção de tesouro público. No plano econômico, a função do erário carrega consigo a função de meio de troca, unidade de conta (expressão numérica dos ativos e passivos) e reserva de valor, como meio para acumulação de valores para aquisições futuras.

Já os bens públicos, segundo o Código Civil Brasileiro, são os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, sendo todos os outros particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Nos dizeres de Fernando Rodrigues Martins, bem público será todo bem móvel, imóvel ou semovente "de que sejam titulares as pessoas jurídicas de direito público – tanto da Administração direita quanto indireta- caracterizados por uma relação jurídica administrativa e com destinação pública específica (afetação)". [07]

Marçal Justen Filho [08] alerta que tais bens se submetem ao regime jurídico de direito público, o que ocasiona restrição às faculdades de uso, fruição e disponibilidade de tais bens, sendo um instrumento para o desempenho das funções públicas e conferindo identidade ao Estado. Sua titularidade estatal proporciona a promoção da satisfação dos direitos fundamentais do povo, bem como possibilita a fruição democrática e adequada.

De acordo com o nosso Código Civil, os bens públicos podem ser classificados em bens de uso comum, de uso especial e dominicais. Os primeiros serão utilizados concorrentemente por toda a comunidade. Os de uso especial destinam-se a utilização para cumprimento das funções públicas e os dominicais são empregados para fins econômicos.

Alerta Marçal que tal classificação demonstra insuficiência na medida em que o legislador desconsiderou, em sua classificação, a relevância dos bens móveis e dos direitos. Além disso, a partir da Constituição Brasileira de 1988, outra categoria de bens surgiu, de titularidade do povo, mas não de seu uso comum, consistente no meio ambiente e recursos naturais, bens que merecem especial proteção e que, apesar de serem de propriedade da sociedade, poderá ter seu uso ou fruição interditado.

Sendo assim, a noção de patrimônio público, em sentido estrito, pode ser expressa através de seu aspecto economicamente mensurável, consistente no conjunto de bens e valores de titularidade estatal. Tal conjunto será objeto de proteção especial, tendo em vista sua titularidade pública, e seu desvio, perda, malbaratamento configurará hipótese de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, que será explanado posteriormente.


3IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

3.1 Noções gerais sobre improbidade administrativa

O art. 4º da Lei nº 8.429/92 dispõe que "os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato de assuntos que lhe são afetos". Tal determinação foi consagrada, de início, no Texto Constitucional Brasileiro, em seu artigo 37, caput.

Segundo Waldo Fazzio Júnior [09], o intuito do legislador ordinário, ao repetir os preceitos expostos na Constituição Federal, é dar ao comando a força de concretização própria das regras, num plano mais estreito e objetivo, transformando a diretriz idealista e abstrata disposta na Carta Magna em comando pragmático e concreto.

Colhe-se que nem a Constituição Federal nem a LGIA (Lei Geral de Improbidade Administrativa) conceituam o que se entende por ato de improbidade administrativa. Determinam a observância dos princípios constitucionais aos agentes públicos, mas não revelam claramente o significado e alcance de tal improbidade. Mas percebe-se a tendência em se aproximar os conceitos de moralidade e probidade, em certos momentos, como se sinônimo fossem. Também se conclui que a improbidade administrativa aparece como um obstáculo à eficácia constitucional, na medida em que nega assistência e zelo aos parâmetros da Carta Constitucional.

Segundo José Afonso da Silva, a improbidade seria uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem. [10]

Para Pedro Roberto Decomain [11], ato de improbidade administrativa seria qualquer ofensa aos princípios norteadores consignados na Constituição Federal, mesmo que dele não surja dano patrimonial ao erário, a exemplo do desrespeito ao princípio da eficiência, que poderá fazer surgir ato ímprobo sem necessariamente ocasionar perdas financeiras ao patrimônio público.

O dever geral de probidade, destinado concretamente aos agentes públicos através da Lei nº 8.492/92, gera a obrigação de que os princípios constitucionais administrativos sejam ativamente cuidados e velados, tendo em vista a natureza dos bens tutelados. É inegável a existência de interesse difuso da sociedade de que sejam observadas a probidade administrativa e a integridade do patrimônio público, tendo em vista a potencialidade de projeção social dos atos que contra elas atentem.

Quanto ao elemento subjetivo da improbidade administrativa, a doutrina e jurisprudência já dissonaram bastante a respeito do tema. Waldo Fazzio Júnior relata que o dolo ou a culpa devem ser verificados para ocorrência da improbidade administrativa, esclarecendo que a modalidade culposa só será possível no caso de improbidade que importa em lesão ao erário, prevista no art. 10 da LGIA. Nos casos do art. 9° e 11, o dolo é inafastável. [12]

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o referido entendimento, que caminha no mesmo sentido do supracitado doutrinador, unificando o posicionamento da Primeira e Segunda Turmas de Direito Público daquela Corte. Colaciono:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11 DA LEI 8.429/92). ELEMENTO SUBJETIVO. REQUISITO INDISPENSÁVEL PARA CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PACIFICAÇÃO DO TEMA NAS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 168/STJ. PRECEDENTES DO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO CONHECIDOS.

1. Os embargos de divergência constituem recurso que tem por finalidade exclusiva a uniformização da jurisprudência interna desta Corte Superior, cabível nos casos em que, embora a situação fática dos julgados seja a mesma, há dissídio jurídico na interpretação da legislação aplicável à espécie entre as Turmas que compõem a Seção.

É um recurso estritamente limitado à análise dessa divergência jurisprudencial, não se prestando a revisar o julgado embargado, a fim de aferir a justiça ou injustiça do entendimento manifestado, tampouco a examinar correção de regra técnica de conhecimento.

2. O tema central do presente recurso está limitado à análise da necessidade da presença de elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa por violação de princípios da Administração Pública, previsto no art. 11 da Lei 8.429/92. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois a Primeira Turma entendia ser indispensável a demonstração de conduta dolosa para a tipificação do referido ato de improbidade administrativa, enquanto a Segunda Turma exigia para a configuração a mera violação dos princípios da Administração Pública, independentemente da existência do elemento subjetivo.

3. Entretanto, no julgamento do REsp 765.212/AC (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.6.2010), a Segunda Turma modificou o seu entendimento, no mesmo sentido da orientação da Primeira Turma, a fim de afastar a possibilidade de responsabilidade objetiva para a configuração de ato de improbidade administrativa.

4. Assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que, para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a presença de conduta dolosa, não sendo admitida a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa.

5. Ademais, também restou consolidada a orientação de que somente a modalidade dolosa é comum a todos os tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), e que a modalidade culposa somente incide por ato que cause lesão ao erário (art. 10 da LIA).

6. Sobre o tema, os seguintes precedentes desta Corte Superior: REsp 909.446/RN, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 22.4.2010; REsp 1.107.840/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 13.4.2010; REsp 997.564/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 25.3.2010; REsp 816.193/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.10.2009; REsp 891.408/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 11.02.2009; REsp 658.415/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 3.8.2006. No mesmo sentido, as decisões monocráticas dos demais integrantes da Primeira Seção: Ag 1.272.677/RS, Rel. Herman Benjamin, DJe de 7.5.2010; REsp 1.176.642/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Dje de 29.3.2010; Resp 1.183921/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Dje de 19.3.2010.

7. Portanto, atualmente, não existe divergência entre as Turmas de Direito Público desta Corte Superior sobre o tema, o que atra a incidência da Súmula 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado".

8. Embargos de divergência não conhecidos.

(EREsp 875163 / RS, EMBARGOS DE DIVERGENCIA EM RECURSO ESPECIAL 2009/0242997-0, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 30/06/2010).

A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 37, § 4º afirma que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

Em seqüência, a Lei nº 8429/1992 estabeleceu três categorias de improbidade, elegendo como critério o bem jurídico atingido. Na seção I do capítulo II trata dos atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito; na Seção II, atos de improbidade que causam prejuízo ao erário e na Seção III, atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Por pertinência com o tema a ser abordado, será aprofundado o estudo na categoria de improbidade que causa lesão ao erário.

3.2 Improbidade administrativa que causa lesão ao erário

A Lei de Improbidade Administrativa, em seu Art. 10, elucida que ações ou omissões que proporcionem perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades citadas no artigo 1° do mesmo diploma normativo configuram ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário.

No art. 10 da LGIA, percebe-se a eleição do aspecto objetivo da improbidade, ou seja, o desfalque ao patrimônio publico econômico e os prejuízos decorrentes da ação ímproba. Qualquer ação que afete a integridade do patrimônio público configurará ato de improbidade administrativa. Percebe-se a preocupação com o efeito do ato sobre o patrimônio público, consistente no desfalque, desvio, apropriação, malbaratamento e perda, podendo ser ocasionado por conduta omissiva ou comissiva.

A LGIA ocupou-se em proteger, nesta modalidade de improbidade, o erário público, consistente nos dinheiros e haveres estatais, bem como os bens públicos, numa acepção mais restrita da noção de patrimônio público. Neste momento, voltou-se a atenção para o aspecto econômico-financeiro do patrimônio, tutelando sua faceta monetária.

Ainda, nesta modalidade, o beneficiário do ato de improbidade não será o agente público, mas sim um terceiro, estranho a administração pública, utilizando-se de artifício facilitador promovido por agente, ocasionando o enriquecimento deste terceiro, em conseqüente lesão ao erário publico. Sendo assim, não é necessária a ocorrência de locupletamento por parte do agente, mas somente a lesão ao erário público. Existindo ainda tal enriquecimento, observa-se a ocorrência da improbidade que importa enriquecimento ilícito, exposta no artigo 9. da LGIA.

No mesmo artigo, encontram-se elencadas condutas que geram lesão ao patrimônio público, mas tal rol não é exaustivo, pois outros atos não expressos no enunciado podem ser nele subsumidos, tendo em vista a utilização do vocábulo "notadamente" em sua redação.

Sendo assim, de acordo com a LGIA, em seu artigo 10, são considerados atos de improbidade administrativa que causam lesão ao erário as seguintes condutas:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

Segundo, Waldo Fazzio Júnior, as modalidades lesivas ao erário podem ser reunidas da seguinte forma: facilitação de percepção de vantagem indevida (inciso I), possibilitação que terceiro obtenha vantagem (inciso II), doação ilegal (inciso III), permissão do uso de pessoal e da máquina administrativa (inciso IV), permissão para realização de negócio superfaturado (inciso V) gestão irresponsável (incisos VI, VII, IX, X, XI), lesão decorrente de licitação (inciso VIII), permissão para que terceiro de aproprie de valores públicos (inciso XII), facilitação no uso de valores públicos por terceiro (inciso XIII), gestão associada e rateio de consórcio público irregulares ( incisos XIV, XV).

Resta alertar ainda que a conduta que ensejar a perda patrimonial de entidade pública deverá ser ilegal, pois, atuando o agente público dentro dos ditames legais, o ensejamento de perdas patrimoniais publicas decorrentes desse agir não configurarão atos ímprobos.

Salienta ainda Fernando Rodrigues que, através da leitura do caput do art. 10, elencam-se as condutas que ensejariam perda patrimonial, consistentes no desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação. Mas, nos incisos do mesmo artigo, colhe-se a informação de que o descumprimento de obrigações legais são aptas a gerar a presunção da ocorrência de prejuízo, sem comprovação do dano.

Alerta ainda Carina Bellini [13] que a prática de ato de improbidade, na maior parte das vezes, acarretará seu enquadramento nas três modalidades de improbidade previstas na LGIA, tendo em vista ser difícil imaginar-se a prática de um ato que, lesionando o patrimônio público, não acarrete o enriquecimento ilícito do agente e não atente contra os princípios da administração pública

3.3 Recuperação do patrimônio público

A LGIA tem seu campo de incidência principal na preservação do patrimônio público e na persecução dos responsáveis por danos causados a seu acervo material ou moral.

Carina Bellini Cancela [14], embasando-se no objeto tutelado pela Lei de Improbidade e levando em conta a natureza de tal objeto, revela que recuperação do patrimônio público é expressão abrangente, na medida em que alberga sua persecução numa acepção mais ampla, indo além dos valores econômicos e alcançando os bens e direitos de valor artístico, cultural, histórico e estético, de cunho imaterial e moral inclusive.

Já o ressarcimento ao erário encerra a noção de busca dos valores econômico-financeiros lesionados por ato de improbidade administrativa, sendo assim uma espécie de recomposição patrimonial.

A LGIA prevê, em seu Art. 12, II, que o ressarcimento se dará de forma integral, com a perda dos bens e valores incrementados de forma ilícita ao patrimônio do agente. Ainda, neste caso, advém em conjunto a aplicação das penas de perda da função publica, suspensão de direitos políticos, pagamento de multa, proibição de contratar com o poder publico ou receber benefícios fiscais ou creditícios.

A recomposição do patrimônio público será buscada através da interposição de ação civil por improbidade administrativa, a ser proposta pelo Ministério Publico ou pelo órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica interessada. Com a finalidade de se possibilitar o ressarcimento integral do dano ocasionado, o art. 7. da LGIA permite que seja interposto pedido cautelar de indisponibilidade dos bens do indiciado aptos a assegurarem o completo ressarcimento do dano.

A interposição da ação de improbidade administrativa deverá guardar observância aos prazos prescricionais disciplinados no art. 23 da LGIA, consistentes em 05 anos, caso ajuizada em face de agente político, detentor de mandato, cargo em comissão ou função de confiança; e, quanto aos detentores de cargo efetivo, devem ser observados os lapsos prazais estabelecidos na legislação correlata.


4.INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO

4.1 Conceito e regras gerais referentes à prescrição

A prescrição é instituto jurídico previsto no nosso Código Civil, a partir do art. 189. Disciplina que, uma vez "violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206".

Nos dizeres de Câmara Leal, "a prescrição pressupõe um direito efetivo que pereceu por não ter sido proposta a ação que lhe correspondesse. Assim, tem por objeto as ações, sendo uma exceção oposta ao exercício da ação". [15]

Deixando o titular de exercer seu direito de ação no lapso prazal estabelecido, é atingido pela prescrição, que tem função de penalizá-lo por sua inércia e negligência.

Processualmente, trata-se de exceção, pois se revela como meio de defesa de forma indireta, oposta à pretensão postulada pelo autor e garantindo um direito ao réu, sem negar ao autor seu direito material, mas neutralizando seus efeitos. [16]

De início, tal fenômeno atinge todas as pretensões e ações, independente de sua natureza, sendo a imprescritibilidade uma exceção. A prescrição traz em si a noção de segurança jurídica, uma vez que, ao conferir prazo para seu exercício, elimina a possibilidade de poder exercê-lo a qualquer tempo. Percebe-se que há um interesse de ordem social em tal regulação, tendo em vista não ser permitido que as pendências fiquem eternamente em aberto ao deleite do autor, que poderia se utilizar de tal benefício de maneira inadequada.

O Código Civil, no artigo 206, estabelece o lapso prazal prescricional e alerta, no art. 205, que corre em 10 anos, quando a lei não fixar prazo menor. Colaciono:

Art. 206. Prescreve:

§ 1o Em um ano:

I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;

II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;

IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;

V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.

§ 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.

§ 3o Em três anos:

I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;

II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;

III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;

IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

V - a pretensão de reparação civil;

VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;

VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:

a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;

b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;

c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;

VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;

IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.

§ 5o Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;

III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

Assim, regra geral, os prazos prescricionais estabelecidos pelo Código Civil variam entre 1 a 5 anos e, no caso de ausência de delimitação expressa legal, tal prazo será fixado em 10 anos. Este será aplicado subsidiariamente, quando a lei não houver fixado prazo menor.

Como demonstrado e anteriormente referido, a prescritibilidade é regra em nosso ordenamento, como forma de garantia da segurança e por razões de interesse social. A imprescritibilidade torna-se, assim, exceção.

Devido a essa construção principiológica que permeia a importância do instituto da prescrição, percebe-se que a imprescritibilidade revela-se reservada a poucas situações, expressamente delimitadas na legislação civil, como a exemplo dos artigos 1297, 1320 e 1327 do Código Civil; na Constituição Brasileira, art. 5º XLII e XLIV ou através de entendimento jurisprudencial, a exemplo da Súmula 149 do STF que preleciona ser imprescritível a ação de investigação de paternidade, excetuando a ação de petição de herança.

Com base nesse intróito, já se consegue visualizar que tal compreensão dificulta a conclusão da imprescritibilidade que se pretende defender nesse breve estudo, mormente pela extensão bibliográfica colhida que defende a regra da prescritibilidade das ações de ressarcimento nas hipóteses de ilícitos que causem prejuízo ao erário, aplicando-lhe o decênio conferido aos casos omissos relatados no art. 205 do Código Civil Nacional.

4.2 A prescrição no Direito Administrativo

A prescrição em Direito Administrativo encontra raízes na Constituição Federal e no Código Civil. A Carta Magna apresenta-se como tronco normativo de onde emanam os galhos dos outros ramos do direito. Dessa forma, na Constituição, acabam por encontrar-se Direito Público e Privado e dela retiram suas origens.

O direito administrativo, pelo fato de ter sofrido forte carga privatista em sua gênese, num primeiro momento, rompeu de forma generalizada com o Direito Civil, no intuito de garantir sua total autonomia e de se firmar como ramo dotado de objeto, princípio e institutos próprios, vinculado à noção de ramo de Direito Público.

Posteriormente, o "impressionante crescimento dos serviços públicos induziu o Estado a buscar, nos repertórios do Direito Privado, conceitos, institutos e formas jurídicas capazes de dar mais agilidade a Administração Estatal". Assim, apesar da preponderância das normas públicas no Direito Administrativo, alguns aspectos da teoria civilista acabaram por ser aproveitados na doutrina administrativista, dentre estes, a prescrição. [17]

Segundo Elody Nassar, "as normas gerais sobre prescrição, ou seja, as atinentes a renúncia, a oportunidade para alegá-la, a decretação de ofício pelo magistrado, as causas impeditivas ou suspensivas (em determinadas circunstâncias) e as interruptivas, são tidas como princípios gerais, abrangendo relações jurídicas disciplinadas no âmbito do poder público".

A prescrição, na seara administrativa, é matéria de direito material e atinge o jus puniendi estatal, impossibilitando o poder de punir a qualquer tempo do Estado. Segundo Elody Nassar, a prescrição administrativa se opera nos casos de perda do prazo para recorrer de decisão administrativa, dirigida ao administrado e ao servidor público; perda do prazo para a revisão dos próprios atos pela Administração, operando, dessa forma, em desfavor da Administração e perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas, prazo que corre também em desfavor do Estado.

Foi adotado, nesse ramo do Direito, o prazo prescricional de 05 anos como regra, tanto em favor como contra a administração. Como regra, a seu favor, tal prazo encontra-se estabelecido no Decreto n. 20.910, de 06 de janeiro de 1932 que preleciona, em seu art.1º, que "as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem".

Como exemplo de prazos prescricionais estabelecidos no Direito Público, cita-se o Código Tributário Nacional, art. 168, 173 e 174; Decreto Lei n. 3.365 de 21-06-1941, art. 10; Lei n. 4.069 de 11-06-1962; Lei n. 4.717, de 29-06-1965, art.21; Lei n. 6.838 de 29-10-1980, art. 1º; Lei n. 8.078 de 11-09-1990, art. 27; Lei n. 9.873 de 23-11-1999; Lei n. 8.112 de 11-12-1990, art.142; Lei n. 8.429, de 02-06-1992, art.23; Lei n. 9.494 de 10-09-1997, art. 1-C; Lei n. 9.636 de 15-05-1998, art. 47; Lei n. 9.784 de 29-01-1999, art. 54. Frise que em todos os diplomas supracitados, o prazo fixado estipulado é de cinco anos.

Tal prazo aplica-se a todas as pretensões formuladas em face da Fazenda Publica, estando abrangidos neste conceito a União, Estados, Municípios, Autarquias, Fundações, entidades e órgãos paraestatais, conforme dita o art. 2º do Decreto Lei n. 4.597/1942.

Leonardo José Carneiro da Cunha esclarece que tal prazo, a despeito de ser por vezes referido como prescricional, terá caráter decadencial a depender da natureza da ação a ser postulada. Em se tratando de ação condenatória, verifica-se a ocorrência da prescrição, caso se escoe o lapso prazal de cinco anos. Mas, se a ação possui natureza constitutiva, exsurge a decadência [18].

O Superior Tribunal de Justiça, através da Sumula nº 85, declarou que "nas relações de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior a propositura da ação".

Neste caso, nas situações de trato sucessivo, em que todo mês se renova a violação do direito da parte, como nos casos de pretensões formuladas para pagamento de vantagens pecuniárias, a omissão da Administração ou o não pronunciamento expresso acerca do pedido formulado, faz com que a prescrição não fulmine toda a pretensão, mas somente as que se venceram antes dos últimos cinco anos.

Como pronunciado quanto a prescrição no âmbito civil, a prescrição configura como regra dentro do direito administrativo sancionador, em respeito ao princípio da segurança jurídica, implícito no princípio da legalidade, da proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada. [19]


5 PRESCRIÇÃO NAS HIPÓTESES DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO

5.1 A imprescritibilidade da ação de ressarcimento nas hipóteses de ilícitos que causem prejuízo ao erário

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, disciplina, em seu § 5º que "a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento."

Com base numa interpretação sistemática, levando-se em conta o dispositivo constitucional que excepciona as situações de ações de ressarcimento da regra estabelecida no art. 37 que prevê a existência de prazos prescricionais para os ilícitos praticados por agentes públicos, surgiram questionamentos acerca da extensão de tal exceção, em confronto com os prazos estipulados na legislação infraconstitucional, a exemplo da Lei n° 8429/92.

O Código Civil, no artigo 206, estabelece o lapso prazal prescricional e alerta, no art. 205, que corre em 10 anos, quando a lei não fixar prazo menor.

Assim, poder-se-ia concluir que, diante da ressalva estabelecida no art. 37, §5º da CF, quanto às ações de ressarcimento ao erário, o prazo prescricional seria de 10 anos, pois a ausência de previsão legal ocasiona a aplicabilidade do art. 206 do C.C. Tal entendimento é encampado por grande parte da doutrina, podendo ser citados Elody Nassar, Ada Pellegrini Grinover e Washington de Barros Monteiro. Fábio Medina Osório argumenta que até o crime de homicídio submete-se a prazo prescricional, não havendo assim razão para que uma ação por danos materiais ao erário ganhasse tratamento diverso. [20]

No mesmo sentido entende o professor Geoges Louis Hage Humbert, que preleciona que o entendimento a ser dado ao dispositivo nº 37 da Constituição Federal, em seu § 5º, baseia-se na ressalva quanto à legislação aplicada ao caso e não a inaplicabilidade da prescrição nos casos de ação de ressarcimento ao erário. Continua explicitando que duas seriam as legislações aplicáveis, uma aos agentes que pratiquem ilícitos causadores de prejuízo ao erário e outra que verse especificamente sobre a respectiva ação de ressarcimento. [21]

Os doutrinadores que defendem a prescritibilidade elegem o princípio da segurança jurídica, bem como a necessidade de estabilização das relações, em prol da pacificação social. Mais especificamente Georges Louis alerta que "a proteção ao patrimônio público pecuniariamente considerado não veicula bem jurídico superior à moralidade e probidade administrativa". [22]

Ocorre que, no grau de proteção que alcançou a moralidade e patrimônio público, com status de direito fundamental incorporado ao ordenamento pátrio e importância internacional disposta em tratados e convenções, ao tema não poderia ser disposto tratamento ordinário, aplicando-lhe a regra do prazo decenal.

Alguns doutrinadores acompanham tal entendimento, dentre eles encontram-se José Afonso da Silva, Maria Sylvia Zanella de Pietro, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Pedro Roberto Decomain e Diógenes Gasparini que preleciona que, pelo art. 37, §5º da CF, "os ilícitos administrativos prescrevem nos prazos estabelecidos em lei, mas não prescreve o direito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública ao ressarcimento do dano que seu agente, com dolo ou culpa, causou a terceiro, e a obrigou, nos termos do art. 37, §6º, da Lei Maior, a ressarci-lo" [23].

Celso Ribeiro Bastos [24] expõe seu entendimento pela imprescritibilidade, mas elabora críticas ao comando constitucional, que, pela clareza de seu conteúdo, passo a citar:

Este parágrafo é susceptível de abordagem sob três óticas diferentes no que respeita a responsabilidade: a penal, a funcional e a civil. Com relação às duas primeiras, a Constituição quer deixar claro que é a lei que fixará os prazos prescricionais dos ilícitos praticados pelos agentes, que o texto não esclarece explicitamente, mas que se dessumem serem públicos, não importa de que categoria: se servidor, se contratado, ou até mesmo se político.

Todos estão sujeitos aos prazos tanto penais quanto administrativos, que a lei determinar pelos ilícitos que causarem prejuízo ao erário. Note-se que no caso de atentado ao direito penal a competência normativa será da União. Já se de infração administrativa se cuidar, a lei poderá ser tanto federal, quanto estadual ou municipal, visto que cuida ela de matéria de natureza administrativa.

No que tange aos danos civis, o propósito do texto é de tornar imprescritíveis as ações visando ao ressarcimento do dano causado. É de lamentar-se a opção do constituinte por essa exceção a regra da prescritibilidade, que é sempre encontrável relativamente ao exercício de todos os direitos.

Dessa forma, seguindo a corrente que garante a imprescritibilidade da ação de ressarcimento por danos ao erário, Carina Bellini [25] expõe seu entendimento sobre o tema, alertando acerca da possibilidade de manejamento da ação de ressarcimento dentro do lapso prazal de cinco anos, onde se tutela a recomposição de forma mais ampla, ou após este prazo, de maneira mais estrita.

Inicialmente, as ações de improbidade administrativa propriamente ditas devem ser interpostas no prazo estabelecido no art. 23 da LGIA, ou seja, em cinco anos. Mediante a interposição da referida ação, busca-se a reparação de forma ampla, com a suspensão dos direitos políticos do agente ímprobo, a perda da função pública e ainda a proibição de contratar com o poder público.

Ocorre que, uma vez esgotado tal prazo qüinqüenal, resta ainda a possibilidade de se pleitear o ressarcimento ao erário. O objeto da referida ação será mais restrito, uma vez que exclui a possibilidade de se aplicar as demais penalidades dispostas no art. 12 da LGIA, mas resguarda ao menos a reparação em seu aspecto econômico.

5.2 O posicionamento do STJ precursor da interpretação

Ocorre que, a despeito de toda a controvérsia que vinha enfrentando o tema, o Superior Tribunal de Justiça manifestava-se pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário desde 2006, conforme entendimento colacionado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DESNECESSIDADE. CABIMENTO DA AÇÃO.LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. BENEFÍCIO CONCEDIDO DE FORMA IRREGULAR. DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL. OMISSÃO NA LEGISLAÇÃO DA AÇÃO CIVIL. PRAZO VINTENÁRIO.

I - Descabido o litisconsórcio passivo com o Prefeito e vereadores que, à época, teriam aprovado a Lei Municipal que culminou por conceder benefício de forma irregular à ré na ação civil movida pelo Ministério Público Estadual, por não se subsumir à hipótese do art. 47 do CPC, sendo partes somente a benefíciária e a Prefeitura.

II - É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de ser o Ministério Público legítimo para propor ação civil pública na hipótese de dano ao erário, uma vez que se apresenta como defesa de um interesse público.

III - A ação de ressarcimento de danos ao erário não se submete a qualquer prazo prescricional, sendo, portanto, imprescritível.

IV - Recurso improvido. (REsp 810785 / SP, DJ 25/05/2006 p. 184)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO

DE DANOS AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. IMPRESCRITIBILIDADE.

I - A ação de ressarcimento de danos ao erário não se submete a qualquer prazo prescricional, sendo, portanto, imprescritível. (REsp 810785/SP, Rel. MIn. FRANCISCO FALCÃO, DJ 25.05.2006 p. 184).

II - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

(REsp 705715 / SP DJe 14/05/2008).

Atualmente, é entendimento pacífico nesta Corte Superior tal posição, conforme se observa nos seguintes julgados: REsp 1107833 / SP; Rel. Min. Mauro Campbell Marques; Segunda Turma; DJe 18/09/2009, REsp 631.679 / RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9/03/2009, REsp 718321 / SP, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 19/11/2009.

No REsp 1120117 / AC, o supracitado Tribunal ressaltou a imprescritibilidade da reparação do dano material ambiental salientando que, para especificação de prazos prescricionais, necessária a distinção quanto ao bem jurídico tutelado. Se possui natureza privada, submete-se aos prazos estipulados nas ações indenizatórias, mas se o bem jurídico é indisponível, considera-se imprescritível o direito à reparação.

5.3 O posicionamento do STF

Já o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se acerca da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário em sede de Mandado de Segurança nº 26210, noticiado através do Informativo n° 518, nas seguintes linhas:

O Tribunal, por votação majoritária, indeferiu mandado de segurança impetrado contra decisão do Tribunal de Contas da União - TCU que condenara a impetrante a pagar determinado montante, a título de devolução de valores, em decorrência do descumprimento da obrigação de retornar ao País após o término da concessão da sua bolsa de estudos no exterior. Na linha da orientação fixada no MS 24519/DF (DJU de 2.12.2005) - no sentido de que o beneficiário de bolsa de estudos no exterior, às expensas do Poder Público, não pode alegar o desconhecimento de obrigação prevista em ato normativo do órgão provedor, e de que o custeio dessas bolsas de estudo é justificável na medida em que ao País sejam acrescidos os frutos resultantes do aprimoramento técnico-científico dos nacionais beneficiados -, entendeu-se não haver direito líquido e certo da impetrante. Considerou-se que, no momento em que solicitara a bolsa de estudos para o exterior, e preenchera o formulário com essa finalidade, que tem natureza contratual, assumira o compromisso de cumprir com os deveres a ela atribuídos em razão dessa concessão, dentre os quais o de retornar ao Brasil quando concluísse o curso de doutorado, sob pena de ressarcir os recursos públicos que recebera (Resolução 114/91, item 3 e Resolução Normativa 5/87, item 5.7). Afastou-se, também, a apontada prescrição, ao fundamento de incidir, na espécie, o disposto na parte final do art. 37, § 5º, da CF ("A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento."). O Min. Cezar Peluso fez ressalva quanto à interpretação do art. 37, § 5º, da CF, por julgar estar-se diante de uma exceção, a ser interpretada restritivamente, à previsão de prescrição para ilícitos, que não se aplicaria ao caso, por não haver ilícito. Reputou, entretanto, não configurado o caso típico de prescrição, podendo a matéria ser rediscutida na ação própria de cobrança. Vencido o Min. Marco Aurélio que concedia a ordem por vislumbrar a ocorrência da prescrição. [26]

No referido julgamento, o Ministro Relator citou as lições de Jose Afonso da Silva, ao defender que a administração perde a possibilidade de apurar e apontar a responsabilidade do agente ao não fazê-lo dentro do lapso prazal deferido para tal fim, fulminando o jus persequendi pela ocorrência da prescrição. Mas o direito ao ressarcimento pelos danos causados por tal agente restará preservado, pois permanece protegido o direito da administração buscar a recomposição do erário a qualquer tempo, tendo em vista a exceção colhida no art. 37, § 5º, in fine.

Após o referido posicionamento, O STF vem se manifestando reiteradamente neste sentido, conforme se observa nos 463451 / TO – TOCANTINS, Publicação DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009; 527880 AgR / MG - MINAS GERAIS, Publicação DJe-195 DIVULG 15/10/2009 PUBLIC 16/10/2009; 576051 / SP - SÃO PAULO, Publicação DJe-170 DIVULG 09/09/2009 PUBLIC 10/09/2009.

O Constituinte originário, na Carta Magna de 1988, expressamente disciplinou acerca da imprescritibilidade nos casos do art. 5 º, nos seguintes termos:

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

(...)

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

Ocorre que o art. 37 da Constituição Republicana Brasileira somente afastou a aplicabilidade da regra geral dos prazos prescricionais quanto às ações de ressarcimento, mas não esclareceu o alcance da referida ressalva e nem a fez de maneira expressa, como agiu quanto à imprescritibilidade referente aos crimes de racismo e das ações que apurem a atuação de grupos armados em desfavor do Estado Brasileiro.

No momento em que se posicionou a Suprema Corte pela imprescritibilidade das referidas ações de ressarcimento, elevou à posição sobranceira o interesse público, dando-lhe alcance e proporções maiores que aquelas garantidas ao postulado da segurança jurídica, bem protegido quando se trata do instituto da prescrição.

Na medida em que se deparam, no campo hermenêutico, os princípios possivelmente aplicáveis ao caso concreto, resta ao interprete sopesá-los e mensurar, a luz do princípio da proporcionalidade, acerca da medida de sua aplicabilidade. No caso concreto, estabeleceu-se a necessidade de sopesamento entre os princípios da segurança jurídica e da proteção do interesse publico.

Na colisão entre princípios, a forma de aplicação seria sua harmonização e não o simples abandono de um pelo outro. A regra hermenêutica se diferencia nos conflitos principiológicos, pelo status que possuem na ordem jurídica.

Segundo os ensinamentos de Robert Alexy, o princípio da proporcionalidade pode ser contemplado em três princípios parciais: a) da adequação, b) da necessidade ou do meio mais benigno e c) da proporcionalidade em sentido estrito. [27]

Daí que o entendimento do STF se mostra consentâneo com o princípio da proporcionalidade, no instante em que definir como imprescritível a ação de ressarcimento ao erário parece adequada, pois o meio utilizado revela uma finalidade clara de interesse público com significativa preocupação com os recursos financeiros do Estado. Necessária, visto que a medida parece ser a menos gravosa, pois eleger a prescritibilidade nestes casos poderia claramente criar benefícios aos agentes públicos ímprobos. Proporcional em sentido estrito, porquanto no sopesamento entre tais princípios, o meio restritivo para atender a segurança jurídica se revela nebuloso, enquanto que a limitação sofrida pela impossibilidade de recomposição patrimonial do erário público busca claramente o alcance do interesse público.

No caso posto em equilíbrio, haveria a necessidade de se privilegiar um princípio que garante a persecução do patrimônio público, que beneficiaria a coletividade e o erário, ou, de outro lado, a segurança processual, configurada na possibilidade de desaparecer a possibilidade de perseguição de valores pertencentes ao patrimônio público, a todos pertencentes, sem que a sociedade houvesse disposto de tais valores.

No momento em que houve a necessidade de se sopesarem tais princípios, o Supremo Tribunal Federal, a meu ver de forma acertada, valorou os princípios que refletem coletivamente, desprivilegiando aqueles que conservam os direitos particulares, de forma direta.

Tal reflexão decorre, necessariamente, da nova ordem constitucional, mais especificamente do direito ao privilégio dos direitos coletivos, atinentes a toda a sociedade, trazendo consigo uma nova preocupação, baseada em preceitos diferentes do antigo paralelo público versus privado.

O novo olhar constitucional direciona-se para os novos paradigmas que foram estabelecidos com as emendas constitucionais, estabelecendo-se atualmente a necessidade de consideração e relevo dos fatores individual versus coletivo. Com base neste fato, além da solução dada basear-se no sopesamento entre princípios, fez o STF o cotejo entre o art. 189 do CC, que garante o perecimento do direito de exercício de uma pretensão e a Lei n° 8429/92.

O privilégio pelo interesse coletivo acabou por interferir e guiar o julgamento, que restou por afastar a aplicação de norma expressa no Código Civil, em seu artigo 189 e seguintes, num exercício hermenêutico atual a sistemático.

Dessa forma, conclui-se que a imprescritibilidade atinge a ação de ressarcimento dos danos ao erário, sendo a necessidade de sua recomposição preservada do decurso do tempo.


6.CONCLUSÃO

A partir da exposição do assunto, com analise da doutrina e da jurisprudência acerca do tema consistente na imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário por ato de improbidade administrativa, percebe-se a importância que se confere a proteção do erário público como instrumento de efetivação de políticas públicas.

A perseguição do patrimônio público e de sua integridade, não somente em seu aspecto econômico como também em seus atributos morais e sociais, tornou-se garantia fundamental de tal monta que, a partir dos argumentos expostos no presente trabalho, permite-se concluir pela necessidade de sua tutela máxima, com a disposição de instrumentos que garantam eficácia em sua persecução.

Nesse aspecto, a imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário encontra-se disposta como mais uma maneira de se garantir a integridade do patrimônio público e todo seu acervo, possibilitando que agentes públicos que proporcionem, por ato omissivo ou comissivo, a perda ou dilapidação patrimonial venham a sofrer, a qualquer tempo, a busca dos valores econômico-financeiros lesionados por ato de improbidade administrativa.

Conclui-se da argumentação defendida que a necessidade de recuperação do erário público ganhou tamanha relevância que se conferiu, constitucionalmente, a exceção da imprescritibilidade no ajuizamento de ações judiciais que visem sua recomposição. A despeito de toda a controvérsia inicial que permeou o tema, o entendimento do Supremo Tribunal Federal veio encerrar a polêmica e informar os limites expressos no art. 37 da Carta Constitucional Brasileira.

Tal interpretação, segundo as linhas defendidas no presente trabalho, elegeu a integridade do patrimônio público como princípio de posição sobranceira no ordenamento jurídico, na medida em que acabou por aplicá-lo em detrimento da segurança jurídica conferida através do instituto da prescrição.

Dessa forma, conforme abordado nesta breve pesquisa, o ressarcimento ao erário, quando lesionado por ato de improbidade administrativa, poderá ser pleiteado a qualquer tempo, não se submetendo aos prazos prescricionais estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal, nem naqueles previstos na legislação civil.

Por fim, a imprescritibilidade prevista no art. 37 da Constituição Federal Brasileira, in fine, contempla o direito de apurar e constituir o crédito, bem como o direito de exercer a pretensão da cobrança. Assim, a recuperação do patrimônio público, em seu aspecto econômico, poderá ser tutelada a qualquer momento, independente de respeito a prazo prescricional qüinqüenal ou decenal.

A exceção a regra da prescritibilidade garante a recomposição ao erário público, em observância ao princípio da moralidade e eficiência no trato do acervo coletivo, elevando a necessidade da tutela de tais bens jurídicos posição de destaque na ordem constitucional e legal brasileira.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert Teoria de Los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Vladés. 2. ed. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997.

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a Constituição do Brasil. 3º Volume, Tomo III. São Paulo: Saraiva, 1992.

CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da prescrição e da decadência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959.

CANCELLA, Carina Bellini. Ação de improbidade administrativa como instrumento de recuperação do patrimônio público [2009] não publicado.

CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos fundamentais. In: Sampaio, José Adércio Leite. Jurisdição constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

CRUZ, Célio Rodrigues da. Constituição e cobrança de créditos da Fazenda Pública Federal. [2009] não publicado.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2007.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

HUMBERT, Georges Louis Hage. Prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário. In: Revista Bimestral de Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, 2009, Ano XI, nº 55.

JÚNIOR, Waldo Fazzio. Atos de improbidade administrativa. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do Patrimônio Público. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

NASSAR, Elody. Prescrição na Administração Pública. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

OSÓRIO, Fábio Medina, Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

PAZZAGLINI FILHO. Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

SOUZA. Motauri Ciocchetti. Interesses difusos em espécie. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

TOLOSA FILHO. Benedicto de. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2003.


Notas

  1. MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do Patrimônio Público. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009., p. 43.
  2. Ibid., p. 45.
  3. Martins, 2009, p.54.
  4. CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos fundamentais. In: Sampaio, José Adércio Leite. Jurisdição constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.50.
  5. MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do Patrimônio Público. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 151.
  6. CRUZ, Célio Rodrigues da. Constituição e cobrança de créditos da Fazenda Pública Federal. [2009] não publicado, p.01
  7. MARTINS, op.cit.,p. 125.
  8. FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 900.
  9. JÚNIOR, Waldo Fazzio. Atos de improbidade administrativa. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 37
  10. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004,p. 604.
  11. DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007.
  12. JÚNIOR, 2008, P.81.
  13. CANCELLA, Carina Bellini. Ação de improbidade administrativa como instrumento de recuperação do patrimônio público [2009] não publicado.
  14. CANCELLA,2009.
  15. CÂMARA LEAL, Antônio Luís da. Da prescrição e da decadência, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 397.
  16. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 384.
  17. NASSAR, Elody. Prescrição na Administração Pública. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 27
  18. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2007, p. 67
  19. Nassar, 2009, p. 39
  20. OSÓRIO, Fábio Medina, Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
  21. Humbert, 2009. HUMBERT, Georges Louis Hage. Prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário. In: Revista Bimestral de Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, 2009, Ano XI, nº 55.
  22. Ibid., p. 209.
  23. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 198.
  24. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a Constituição do Brasil. 3º Volume, Tomo III. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 167.
  25. Cancella, 2009.
  26. Brasil, Supremo Tribunal Federal. MS 26210/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2008. (MS-26210)
  27. ALEXY, Robert Teoria de Los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Vladés. 2. ed. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997, p. 111-115

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Gabriela Pereira. A imprescritibilidade da ação de ressarcimento em decorrência da prática de ato ilícito que causa prejuízo ao erário por improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2623, 6 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17340. Acesso em: 27 abr. 2024.