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Política de renúncia de receita.

Relações entre benefícios fiscais e desenvolvimento sócio-econômico no estado da Paraíba

Política de renúncia de receita. Relações entre benefícios fiscais e desenvolvimento sócio-econômico no estado da Paraíba

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No Brasil, a política de renúncia de receita resulta em ações que quase nunca são controladas nem têm seus resultados monitorados.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Renúncia de receita e políticas públicas de desenvolvimento. 3. Resultados da pesquisa: 3.1. Análise das renúncias de receitas em valores absolutos e relativos; 3.2. Regressões lineares entre índices das renúncias de receitas e indicadores sócio-econômicos: 3.2.1. Indicadores sociais; 3.2.2. Análise das regressões lineares: 3.2.2.1. Produto interno bruto da Paraíba; 3.2.2.2. Renda média; 3.2.2.3. População ocupada; 3.2.2.4. Grau de informalidade; 3.2.2.5. Coeficiente de Gini. Conclusões. Referências bibliográficas.

RESUMO. A desoneração tributária da atividade econômica privada pode ser efetuada através de uma política de incentivos fiscais, legalmente denominada de renúncia de receita. A renúncia de receita, quando instituída em forma de política pública, é capaz de fomentar a atividade econômica e, consequentemente, o desenvolvimento sócio-econômico. Porém, no Brasil e, em especial, na Paraíba, a política de renúncia de receita resulta em ações que quase nunca são controladas nem têm seus resultados monitorados. Dentro deste contexto, o objetivo geral da pesquisa foi analisar como a política de renúncia de receita tem afetado o desenvolvimento sócio-econômico do Estado da Paraíba. A pesquisa teórico-empírica adotou os métodos de procedimento comparativo e estatístico. Para coleta de dados a pesquisa fez uso da técnica de pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa mostrou que, no período de 2001 a 2006, as receitas do ICMS na Paraíba sequer apresentaram o crescimento vegetativo esperado, ou seja, proporcional ao crescimento do PIB. Mesmo assim, o Estado da Paraíba abdicou de parcela considerável de suas receitas: as renúncias do ICMS em relação ao ICMS arrecadado variaram no período entre 6,40% a 13,19%. Por outro lado, as regressões lineares efetuadas entre índices tributários e indicadores sócio-econômicos não são representativas, exceto quanto ao indicador coeficiente de Gini, que apresentou forte relação linear negativa com a variável renúncias fiscais orçadas. Por isso, é possível afirmar que inexiste no Estado da Paraíba uma política de renúncia de receita destinada ao desenvolvimento sócio-econômico local.

PALAVRAS-CHAVE: Política tributária, renúncia de receita, desenvolvimento sócio-econômico.

ABSTRACT. Tax exemption in private economic activity can be carried out through a tax incentive policy, legally known as revenue renounce. When enforced as a public policy, revenue renounce may spur economic activity and then socioeconomic development. In Brazil, however, especially in the State of Paraíba, the revenue renounce policy has resulted in actions almost never controlled without monitored results. Considering this reality, the primary aim of this research was to analyze its effect on the socioeconomic development in the State of Paraíba. Methods with comparative and statistic procedures were adopted by the theoretical-empirical research. To collect data, the study used the bibliographical and documental technique of research. The study showed that the 2001-2006 ICMS revenues in Paraíba did not even present any vegetative growth as expected, or rather, a growth proportional to that of GPD. Despite this figure, the State of Paraíba renounced a considerable part of its revenues: the ICMS renounces compared to ICMS revenues then ranged from 6,40% to13,19%. On the other hand, the linear regressions that occurred between tributary indexes and socioeconomic indicators are not significant, except for Gini coefficient indicator which presented a strong negative linear relationship with the variable fiscal budgeted renounces. Thus, we can assure that the State of Paraíba hasn’t had any revenue renounce designed for the local socioeconomic development.

KEYWORDS: Tributary policy; Revenue renounce; socioeconomic development.


1 INTRODUÇÃO

A desoneração tributária da atividade econômica privada pode ser efetuada através de uma política de incentivos fiscais, legalmente denominada de renúncia de receita. Tal política tem demandado maiores preocupações, na medida em que são evidenciadas ofensas formais e materiais à sociedade. Só em casos especiais é socialmente aceitável a concessão de benefícios fiscais: primeiro, porque cerca de 2/3 da carga tributária brasileira recaem sobre as pessoas físicas, através de tributos diretos e tributos indiretos; segundo, porque a concessão à atividade econômica privada de benefícios fiscais redunda em diminuição de disponibilidades financeiras do Estado para gastos sociais.

A desoneração tributária também demanda maiores preocupações em relação ao princípio da publicidade dos atos do Poder Público, em especial porque as informações acerca dos recursos públicos renunciados são inacessíveis à parcela considerável da sociedade. Com muito zelo, apesar da inexpressiva efetividade, a Constituição Federal de 1988 determina:

Art. 165 [...]

§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

É interessante apontar que, via de regra, a concessão de benefícios fiscais à iniciativa econômica privada é efetuada de forma graciosa, sem qualquer contrapartida social, como a redução de preço dos bens, mercadorias e serviços, ou o aumento dos postos de trabalho. Esta conduta estatal representa, na verdade, mera transferência de recursos da sociedade para a atividade privada. Este fenômeno pode ser denominado de privatização dos tributos, ou seja, toda a coletividade contribui financeiramente com recursos individuais que serão destinados à atividade econômica privada, como se esta, por si só, não fosse capaz de gerar riquezas.

Por outro lado, é corrente, entre aqueles que defendem a atual política de renúncia de receita, a idéia de que a diminuição da carga tributária irá redundar em incremento na arrecadação tributária, como se este milagre pudesse se operar: reduz-se a carga tributária e multiplicam-se as receitas tributárias. Essa discussão é antiga. Por exemplo, em consulta ao Conselho de Estado [01], datada de 26 de abril de 1867, realizada pela Comissão de Orçamento acerca da criação e aumento de impostos, o problema é colocado nos seguintes termos:

Duas são as razões em que se fundou a Comissão para propor tal redução: 1º - porque dela não é dado esperar senão aumento da Receita, por entender com artigos de consumo geral; 2º - para seguirmos o exemplo adotado em diversos países. É, porém, averiguado que a diminuição de impostos nos artigos gerais traz sempre após si aumento do produto dos mesmos impostos?

Se assim fosse, quando um imposto de 30% lançado sobre tais artigos fosse reduzido a 20%, o produto seria necessariamente maior do que no primeiro caso; se o imposto fosse ainda reduzido de 20 a 10%, o produto seria também maior que no caso de 20 e muito maior do que no de 30; reduzindo o imposto a 5, o produto dele seria necessariamente maior ainda; de modo que, admitido como verdadeiro o princípio em que se fundou a Comissão, chegar-se-ía ao estranho resultado que o imposto tocaria o seu máximo, quando a taxa se reduzisse a zero.

A partir da idéia equivocada de que a redução de tributos redunda, necessariamente, em desenvolvimento econômico e social, o discurso corrente, inclusive o oficial, propaga a idéia de que a presença do Estado na tutela de interesses sociais se torna desnecessária, posto que o desenvolvimento econômico, por si só, proporcionará condições materiais para o desenvolvimento social. É claro que uma política de renúncia de receita responsável pode aliar benefícios fiscais, desenvolvimento econômico e social. Infelizmente, a atual política de renúncia de receita, ao que tudo indica, representa mera transferência de recursos financeiros da sociedade à iniciativa privada, que associada à imprevidência fiscal do Estado (gasta-se mais do que se arrecada) resulta em uma conjuntura financeira que, mais cedo ou mais tarde, afetará diretamente a sociedade.

A renúncia de receita proporciona aos governos instrumento de fomento a setores ou atividades econômicas, cujos resultados possam ser socialmente partilhados, tais como a geração de emprego e renda ou surgimento de outras atividades econômicas secundárias. É um mecanismo que, quando manejado com responsabilidade, traz maior distribuição de renda, riqueza e desenvolvimento a regiões menos favorecidas. É evidente que a natureza da política de renúncia de receita é extrafiscal.

Tanto a natureza fiscal quanto a extrafiscal da tributação necessita ter íntima relação com o principal objetivo da atividade financeira do Estado: o de promover o bem-estar social. Será sempre prudente analisar as renúncias de receita pelo critério vantagens/desvantagens que a desoneração trará para a sociedade. Quando a política de renúncia de receita traz benefícios sociais relevantes, é imprescindível que ela seja utilizada como instrumento para a operacionalização de políticas públicas de desenvolvimento. Caso contrário, as renúncias de receita representam mero instrumento de transferência de recursos da sociedade para a atividade econômica privada.

Diante deste quadro, coloca-se, então, o seguinte problema: como a política renúncia de receita estadual tem afetado o desenvolvimento sócio-econômico do Estado da Paraíba, no recorte temporal de 2001 a 2006?

O problema da pesquisa parte de um conhecimento prévio que, ao ser confrontado com a teoria existente e a realidade concreta, se mostra incapaz de explicar as incoerências entre a política de renúncia de receita no campo de incidência do ICMS e os péssimos indicadores sócio-econômicos do Estado da Paraíba.

O presente trabalho se enquadra em dois gêneros de pesquisa: teórica e empírica. Para Demo [02], a pesquisa teórica se dedica "[...] a formular quadros de referência, a estudar teorias, a burilar conceitos", enquanto a pesquisa empírica está "[...] dedicada a codificar a face mensurável da realidade social".

Quanto aos métodos de procedimento, a pesquisa adotou, conforme classificação de Marconi e Lakatos [03], o método comparativo, para a pesquisa teórica; e o método estatístico, para a pesquisa empírica. Através do método comparativo, a pesquisa procurou explicar se, no recorte temporal de 2001 a 2006, a política de renúncia de receita foi capaz de alterar o quadro sócio-econômico do Estado da Paraíba. Dentro deste contexto, buscou-se identificar relações entre questões sócio-econômicas e o aumento das renúncias de receita no campo de incidência do ICMS, de forma a esclarecer os comportamentos convergentes ou divergentes entre política de renúncia de receita e crescimento econômico, pobreza, distribuição de renda e desigualdade social.

O método comparativo também tem a pretensão de identificar se o argumento que fundamenta a renúncia de receita é compatível com os resultados sócio-econômicos do Estado da Paraíba. Neste sentido, o discurso, inclusive o oficial, justifica o tratamento diferencial à atividade econômica com base na premissa de que o desenvolvimento econômico, por si só, é capaz de alterar a realidade social e econômica do Estado.

Por outro lado, o método estatístico, segundo Marconi e Lakatos [04]:

[...] significa redução de fenômenos sociológicos, políticos, econômicos etc. a termos quantitativos e a manipulação estatística, que permite comprovar as relações dos fenômenos entre si, e obter generalizações sobre sua natureza, ocorrência ou significado.

Com a devida vênia, contrariando a citação acima, não nos encanta a idéia de estabelecer relações de causa e efeito ou generalizações a partir de levantamentos meramente quantitativos. O dado numérico, por si só, não permite a compreensão de fenômenos sociais. Há que ter uma referência teórica que justifique os resultados numéricos obtidos, por isso, com muita propriedade, Demo [05] afirma:

Toda sensação de evidência não provém [...] do dado, mas do quadro teórico em que é colhido. Para quem estiver mal aparelhado em termos de referencial técnico ou deste falto – se isto fosse possível – qualquer dado nada diz.

A coleta de dados quantitativos, através da pesquisa documental (fontes primárias), teve fundamento em documentos e fontes estatísticas oficiais, relativos à renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, à arrecadação do ICMS, ao PIB, à renda, à pobreza e à desigualdade social no Estado da Paraíba, disponíveis em órgãos oficiais, como Secretaria da Receita Federal (SRF), Secretaria do Tesouro Nacional (STN), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão (SEPLAN) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

É importante salientar que os dados oficiais carregam, em si, uma preocupação ideológica que muitas vezes falseiam a realidade. A esse respeito, Demo [06] afirma:

[...] o dado é muito mais um produto do que um achado. Nos dados do IBGE não está pura e simplesmente a realidade brasileira, mas uma forma de interpretá-la, certamente mais "oficial" do que real. Isto explica por que do mesmo dado se pode fazer interpretações diferentes e mesmo contraditórias.

Também é possível afirmar que dados não-oficiais padecem do mesmo mal: estão eivados de tendências ideológicas. Assim sendo, na pesquisa empírica desenvolvida neste trabalho optou-se, sempre, por indicar tendências estatísticas, nunca relações deterministas de causa e efeito.

A pesquisa empírica teve o recorte temporal relativo ao período de 2001 a 2006. O período analisado coincide, invariavelmente, com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, também chamada de Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõe, em seu art. 14, sobre a renúncia de receita dos entes federados. A escolha do recorte temporal levou também em consideração o fato de os dados primários necessitarem refletir realidades econômicas, políticas e sociais semelhantes, sem desvirtuamento dos resultados obtidos. No período, as alterações na política de renúncia de receita no campo de incidência do ICMS são claramente identificáveis. Saliente-se, também, que no período analisado o país despendeu grandes esforços ao controle inflacionário, permitindo o confronto de valores econômicos sem possíveis erros de valoração.

De forma a possibilitar a realização de regressões lineares, foram propostos para a pesquisa empírica três índices da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS. Através das regressões lineares é possível identificar a existência ou não de relações lineares, bem como o grau de correlação e de determinação dessas relações, entre os índices das renúncias de receita no campo de incidência do ICMS e os dados sócio-econômicos da Paraíba. Os índices da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS estão explicitados no quadro abaixo.

Índices

Fórmula

Objetivo

Índice 1

ICMS x 100

PIB

Apurar, percentualmente, o total do PIB absorvido pelo Estado através do ICMS.

Índice 2

RF ICMS x 100

PIB

Apurar, percentualmente, o total do PIB renunciado (ICMS) pelo Estado.

Índice 3

(RF ICMS) x 100

ICMS

Apurar, percentualmente, o total das receitas tributárias do ICMS renunciado pelo Estado.

Onde,

ICMS é montante de ICMS arrecadado no Estado da Paraíba,

PIB é o produto interno bruto do Estado da Paraíba,

RF ICMS é o total de renúncias de receita no campo de incidência do ICMS.


2 RENÚNCIA RECEITA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO

A renúncia de receita, quando instituída em forma de política pública, é capaz de fomentar setores e atividades que trazem consigo desenvolvimento econômico e social. Porém, no Brasil e, em especial, na Paraíba, a política de renúncia de receita resulta em ações que quase nunca são controladas nem tem seus resultados aferidos. É prática corrente dos gestores públicos divulgarem as vantagens que a renúncia de receita proporciona à sociedade, porém as ferramentas para avaliação, controle e programação não são conhecidas pela sociedade.

Embora a Constituição Federal e as normas infraconstitucionais disponham a respeito da avaliação da efetividade e da eficácia na renúncia de receita, os instrumentos de controle são insuficientes, sendo uma tarefa árdua conhecer os montantes renunciados, os beneficiários diretos das renúncias e os objetivos do planejamento estatal.

Sobre a renúncia de receita, expressamente a Lei de Responsabilidade Fiscal previu:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

[...]

A política de renúncia de receita deve ser utilizada com a devida previdência sócio-econômica. Sobre os gestores públicos recaem as responsabilidades de planejar as políticas públicas de forma coerente e eficaz, observando sempre a máxima proficiência na relação entre gastos indiretos e ganhos sócio-econômicos. A desoneração tributária é uma mera atividade instrumental que pode proporcionar o crescimento sócio-econômico de regiões, de atividades ou setores econômicos que dificilmente teriam a potencialidade de se desenvolver devido a questões outras, tais como mão-de-obra desqualificada, distanciamento dos mercados consumidores, ausência de infra-estrutura, dentre outras. Nestas situações, exige-se a atuação estatal com a finalidade de fomentar a atividade econômica privada. Contudo, os resultados concretos indicam que o modelo atual de renúncia de receita não se apresenta como capaz de alterar a realidade sócio-econômica. Os resultados obtidos, apesar de restritos a Paraíba, representam muito bem a realidade dos Estados-membros da federação.


3 RESULTADOS DA PESQUISA

3.1 ANÁLISE DAS RENÚNCIAS DE RECEITAS EM VALORES ABSOLUTOS E RELATIVOS

A tabela 1 apresenta os valores nominais do PIB [07], das receitas públicas [08], das receitas do ICMS [09] e das renúncias do ICMS [10] previstos nas leis orçamentárias, relativos ao período de 2001 a 2006. Todos os dados são relativos ao Estado da Paraíba.

Tabela 1 – Dados do PIB, da Receita Pública, do ICMS arrecadado e da Renúncia de receita no campo de incidência do ICMS (em R$ milhão)

Ano

PIB a preços correntes

Receita Pública

ICMS

Renúncia de receita do ICMS (orçada)

2001

10.271,93

2.316,79

899,73

70,53

2002

12.433,90

2.509,79

914,66

58,57

2003

14.157,83

2.863,41

1.007,20

132,83

2004

15.022,40

3.120,24

1.139,71

74,11

2005

16.868,64

3.998,92

1.317,46

188,95

2006

19.953,46

4.549,17

1.521,43

114,44

Fonte: IBGE, IPEA, SEPLAG, AL.

Da tabela 1 apreende-se apenas a evolução dos montantes de cada uma das variáveis em questão, o que por si só é irrelevante. Mas, a tabela 1 ressalta um problema grave nas leis orçamentárias: o descuido com a exata previsão dos montantes renunciados. Neste sentido, os valores previstos nas leis orçamentárias da Paraíba mostram que os valores variam de forma desordenada, sem critérios e sem justificativas. Por exemplo, a lei de diretrizes orçamentária e a lei orçamentária anual de 2002 não contemplam qualquer justificativa para a redução das renúncias do ICMS, que passou de R$ 70,5 milhões para R$ 58,5 milhões. Da mesma forma, a lei de diretrizes orçamentária e a lei orçamentária anual de 2003 não apresentam qualquer fundamento para o brusco aumento das renúncias do ICMS, que passou de R$ 58,5 milhões para 132,8 milhões, incremento anual de 127%.

O gráfico 1 apresenta os valores nominais do PIB, das receitas públicas e da arrecadação do ICMS.

Gráfico 1 – Valores nominais do PIB, das receitas públicas e do ICMS (em R$ milhão)

No período analisado, as receitas públicas tiveram um aumento superior ao das receitas do ICMS. Por exemplo, em 2001 o ICMS representava 38,84% do total das receitas públicas e em 2006 este percentual cai para 33,44%, redução de 5,4%. Tal fato indica que outras receitas passaram a ter maior relevância na composição das receitas públicas, especialmente as transferências constitucionais da União, que resulta em maior dependência financeira da Paraíba em relação à União.

O gráfico 2 mostra a variação real acumulada, descontado o deflator implícito [11] do período, do PIB, das receitas públicas e do ICMS.

Gráfico 2 – Variação real acumulada do PIB, das receitas públicas e do ICMS

O gráfico 2 mostra que, no período analisado, o PIB e as receitas públicas tiveram incremento real acumulado de 25,66% e 27,02%, respectivamente. Em sentido contrário, as receitas do ICMS apresentaram um incremento real acumulado de apenas 9,39%, no mesmo período. O gráfico aponta certa dificuldade na elevação das receitas do ICMS, posto que estas sequer apresentaram o crescimento vegetativo esperado, ou seja, proporcional ao crescimento do PIB. Esta tendência pode indicar um menor esforço do Estado em obter receitas próprias, dentro de sua competência tributária. por outro lado, o Estado conta com as transferências constitucionais que colocam os gestores públicos estaduais em privilegiada situação, na qual, independentemente de qualquer esforço institucional, recebem da União quantias consideráveis de recursos.

O gráfico 3 apresenta a evolução nominal da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS.

Gráfico 3 – Montantes nominais orçados da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS (em R$ milhão)

Os montantes orçados das renúncias do ICMS evidenciam a falta de planejamento dos gestores públicos (Poder Executivo) e até mesmo dos agentes políticos (Poder Legislativo) na questão das renúncias receitas no Estado da Paraíba. Não existe absolutamente nenhuma tendência de crescimento ou decréscimo nos importes de desonerações fiscais, indicando o caráter absolutamente aleatório das previsões orçamentárias. A questão não é apenas a falta de tendência – visível no gráfico acima – com a existência de saltos e quedas bruscas de um ano para outro, mas principalmente a absência das medidas de compensação, às quais a Lei Complementar n° 101/2000 faz menção e que devem constar nos orçamentos.

Não há critério coerente que justifique a previsão orçamentária das renúncias de receitas no campo de incidência do ICMS, por exemplo, no montante de R$ 58,5 milhões, em 2002, e de R$ 132,8 milhões, em 2003. Na verdade, o gráfico 3 ressalta a inexistência de qualquer ação governamental minimamente dirigida a um fim determinado. Contrariamente ao discurso oficial, os dados indicam que falta à Paraíba uma política pública de renúncia de receita com a finalidade, por exemplo, de desenvolvimento sócio-econômico local.

3.2 REGRESSÕES LINEARES ENTRE ÍNDICES DAS RENÚNCIAS DE RECEITAS E INDICADORES SÓCIO-ECONÔMICOS

A tabela 2 apresenta os índices da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS propostos na pesquisa e que almejam, respectivamente: i) apurar, percentualmente, o total do PIB absorvido pelo Estado através do ICMS; ii) apurar, percentualmente, o total do PIB renunciado (ICMS) pelo Estado; e iii) apurar, percentualmente, o total das receitas tributárias do ICMS renunciado pelo Estado.

Tabela 2 – Índices da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS

Ano

Índice 1 (ICMS/PIB)

Índice 2

(RFICMS/PIB)

Índice 3

(RFICMS/ICMS)

2001

8,76%

0,69%

7,84%

2002

7,36%

0,47%

6,40%

2003

7,11%

0,94%

13,19%

2004

7,59%

0,49%

6,50%

2005

7,81%

0,62%

7,90%

2006

7,62%

0,57%

7,52%

O gráfico 4 apresenta os índices ICMS/PIB e RFICMS/PIB.

Gráfico 4 – Índices ICMS em relação ao PIB e renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB

Depreende-se que as receitas do ICMS em relação ao PIB (ICMS/PB), no período analisado, manteve-se em patamares superiores a 7,0%, dentro da média nacional. O mesmo gráfico indica que o montante de renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação PIB (RFICMS/PIB) variou, no período analisado, entre 0,47% a 0,94%. As curvas dos índices ICMS/PB e RFICMS/PIB apresentam tendências distintas, o que indica a dissociação entre montante arrecadado do ICMS e valores orçados da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS. Embora não representem percentuais tão elevados em relação ao PIB, o total de renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, no período de 2001 a 2006, alcança o montante de R$ 640 milhões. Deve ser frisado que este montante não representa a realidade, já que inexistem dados oficiais sobre os valores efetivamente realizados.

O gráfico 5 apresenta o índice renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado (RFICMS/ICMS).

Gráfico 5 – Índice renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado

A renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado (RFICMS/ICMS) varia entre 6,40% a 13,19%. Com isto, fica evidenciado que o Estado deixa de arrecadar quantias significativas do seu tributo mais relevante. É importante salientar que essa política de renúncia de receita indiscriminada, sem planejamento, repercute também nos Municípios, já que estes são destinatários da cota-parte de 25% das receitas do ICMS, conforme determinação constitucional (transferência constitucional).

De posse das ilações retiradas das tabelas e gráficos, percebe-se que não existe, efetivamente, um planejamento orçamentário para a concessão de benefícios fiscais no Estado da Paraíba. Além disso, a falta de informações sólidas e centralizadas inviabiliza qualquer tentativa de se projetar uma política eficaz de desenvolvimento com assento nas desonerações tributárias.

3.2.1 Indicadores sociais

Os indicadores sociais são dados que nos permitem avaliar objetivos, valores e programas de ação. O estudo científico dos fenômenos sociais, especialmente quando comparados períodos distintos, permite a formulação de modelos matemáticos que revelem, através de um indicador, a realidade social. Segundo Jannuzzi [12]:

Um indicador social é uma medida em geral quantitativa dotada de significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para formulação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão se processando na mesma.

Reduzir um fenômeno social a um indicador não implica detalhar os aspectos subjetivos ou as causas e conseqüências desse fenômeno. Apenas serve como uma evidência empírica do fenômeno observado, sendo impossível esgotar a realidade de um fenômeno social em um número ou índice.

Hoje em dia, existe um consenso sobre os critérios de seleção dos aspectos que melhor retratam o estado social de uma nação, já se podendo falar de um conjunto mínimo de indicadores sociais. Tal conjunto é composto por informações sobre as características da população, a dinâmica demográfica, o trabalho, a renda, a saúde, a justiça e segurança pública, a educação e as condições de vida das famílias. Para o desenvolvimento desta pesquisa foram escolhidos os indicadores de renda média, população ocupada, grau de informalidade e coeficiente de Gini. Os indicadores são apresentados na tabela.

Tabela 3 – Indicadores sociais da Paraíba

Ano

Renda média

(R$ de jan 2002)

População ocupada

(pessoa)

Grau de informalidade (%)

Coeficiente de Gini

2001

294,62

1.347.098

66

0,597

2002

291,47

1.489.451

69

0,601

2003

266,70

1.493.252

66

0,568

2004

270,46

1.515.713

69

0,595

2005

299,82

1.582.081

68

0,581

2006

327,84

1.651.306

69

0,565

Fonte: IBGE, IPEA.

A Renda média indica a média da soma das rendas [13] de todos os trabalhadores, calculada no universo das pessoas que declararam estar ocupadas na semana de referência. Representa a divisão entre o somatório da renda per capita de todos os indivíduos pelo total de indivíduos. Os valores são apurados através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo IBGE. Já a População ocupada indica o número de pessoas que declararam estar ocupadas [14] na semana de referência.

Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, o IPEADATA apresenta três diferentes definições do grau de informalidade [15]. Nesta pesquisa, o grau de informalidade corresponde ao resultado da seguinte divisão: (empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria) / (trabalhadores protegidos + empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria). Representa a percentagem dos trabalhos informais com relação à soma de todos os trabalhos, formais e informais.

O coeficiente de Gini [16] mede o grau de desigualdade na distribuição de renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula). O coeficiente é calculado com base na PNAD, realizada pelo IBGE. O coeficiente de Gini apresenta problemas metodológicos que o impede de expressar alterações na renda dos extremos da distribuição de renda. Ele reflete com mais precisão o que ocorre em termos distributivos de distribuição de renda média, sendo menos afinado quanto à desigualdade associada à riqueza ou pobreza extrema.

3.2.2 Análise das regressões lineares

Na presente pesquisa foram efetuadas regressões lineares entre variáveis da renúncia de receita e indicadores sócio-econômicos. As variáveis independentes são: i) arrecadação do ICMS em relação ao PIB; ii) renúncia de receita no campo de incidência do ICMS (R$ milhões) (montantes orçados); iii) arrecadação do ICMS em relação ao PIB (%); iv) renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB (%) ev) renúncia de receita no campo do ICMS em relação ao ICMS arrecadado (%). Já as variáveis dependentes são: i) PIB a preços correntes; ii) Renda média; iii) População ocupada; iv) Grau de informalidade e v) Coeficiente de Gini. A seguir são descritos os resultados mais relevantes.

3.2.2.1 Produto interno bruto da Paraíba

A regressão linear efetuada entre a variável independente renúncia de receita no campo de incidência do ICMS e a variável dependente PIB a preços correntes, no período e 2001 a 2006,apresenta coeficiente de determinação igual a 0,334. O resultado indica que as duas variáveis não estão significativamente relacionadas, ou seja, a alteração no montante da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS não corresponde a variações lineares no PIB a preços correntes da Paraíba. O gráfico 6 mostra o diagrama de dispersão entre as variáveis e o coeficiente de determinação r².

Gráfico 6 – Correlação linear entre renúncia de receita no campo de incidência do ICMS e PIB a preços correntes

Pela análise do gráfico e com o resultado obtido na regressão linear é possível anotar que a política de renúncia de receita prevista nas leis orçamentárias da Paraíba não apresenta relação linear com o incremento do PIB. Note-se que os dados estão bastante dispersos no gráfico, não existindo tendência de aproximação com a reta representativa. É importante frisar que uma das justificativas para a utilização dessa política é que ela traria um maior desenvolvimento à região, com aumento da riqueza produzida. Porém, o que a análise estatística nos revela é que não existe relação entre os montantes renunciados e o crescimento do PIB na Paraíba.

3.2.2.2 Renda média

A regressão linear entre a variável independente arrecadação do ICMS em relação ao PIB e a variável dependente renda média apresenta coeficiente de determinação igual a 0,084. Logo, depreende-se não haver relações significativas entre as variáveis em questão. Resultados semelhantes foram obtidos nas regressões lineares entre as variáveis independentes renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado e a variável dependente renda média, cujos coeficientes de determinação foram, respectivamente, 0,003; 0,127 e 0,179.

As análises das regressões indicam a inexistência de relações lineares entre as variáveis numéricas. Com o resultado das regressões é possível afirmar que o incremento da arrecadação do ICMS e a renúncia de receita no campo de incidência do ICMS não correspondem à elevação linear da renda média dos trabalhadores.

3.2.2.3 População ocupada

As regressões lineares entre as variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo do ICMS em relação ao ICMS arrecadado e a variável dependente população ocupada apresentaram coeficientes de determinação 0,302; 0,245; 0,060 e 0,009, respectivamente. Como se percebe, não é possível identificar relações lineares entre as variáveis em questão. Isto significa que a incremento da arrecadação do ICMS e a renúncia de receita no campo de incidência do ICMS não correspondem à elevação linear no indicador população ocupada na Paraíba.

3.2.2.4 Grau de informalidade

Os resultados da regressão linear entre as variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado e a variável dependente grau de informalidade apresentaram, respectivamente, coeficientes de determinação de 0,122; 0,102; 0,752 e 0,527.

Nas duas primeiras e na quarta regressões inexistem relações lineares entre as variáveis independentes e as dependentes. Porém, a variável renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB apresentara fraca relação linear negativa com a variável grau de informalidade.

O gráfico 7 traz o diagrama de dispersão entre a variável independente renúncia fiscal do ICMS em relação ao PIB e a variável dependente grau de informalidade.

Gráfico 7 – Correlação linear entre renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB e grau de informalidade

A análise do gráfico 7 indica que existe uma fraca relação linear negativa entre renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB e grau de informalidade, no período de 2001 a 2006. Contudo, não é possível afirmar, tratando-se de uma análise estatística, que exista relação de causa e efeito entre as variáveis avaliadas. O gráfico 7 não diz que o aumento na renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB é responsável pela queda no grau de informalidade na Paraíba. Mas, é possível afirmar que existe uma tendência estatística entre variações da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB redução linear do grau de informalidade no mercado de trabalho.

3.2.2.5 Coeficiente de Gini

Os coeficientes de determinação obtidos nas regressões lineares entre as variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB e renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado e a variável dependente coeficiente de Gini foram os seguintes: 0,155; 0,296; 0,371, respectivamente. Todas as regressões efetuadas indicam a inexistência de relações lineares entre as variáveis. A desigualdade, mensurado pelo coeficiente de Gini, não apresenta a tendência estatística de variações lineares em relação às variáveis arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB e renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado. Contudo, a pesquisa identificou um resultado estatístico relevante entre os valores nominais orçados da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS e o coeficiente de Gini. O coeficiente de determinação obtido na regressão linear entre essas duas variáveis foi de 0,916, ou seja, existe uma forte relação linear negativa. O gráfico 8 apresenta o diagrama de dispersão entre a variável independente renúncia de receita no campo de incidência do ICMS (valores nominais orçados)e a variável dependente coeficiente de Gini.

Gráfico 8 – Correlação linear entre valores nominais orçados da renúncia receita no campo de incidência do ICMS e coeficiente de Gini

Conforme se vislumbra no gráfico, existe uma pequena dispersão entre os pontos das variáveis e a reta representativa. Está claro, através da avaliação do gráfico e da regressão, que as variações nos montantes orçados da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS guarda forte relação linear negativa com as variações do coeficiente de Gini. Antes de comemorar o resultado aqui encontrado, é preciso lembrar que os montantes orçados da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS apresentam variações anuais bruscas, conforme apresentado no gráfico 3. Isso quer dizer que esta variável não apresenta tendência, seja positiva ou negativa, capaz de indicar a existência de uma política pública minimamente coordenada a fim de reduzir a desigualdade de renda. Contudo, apesar da ausência de uma política de renúncia de receita, a relação linear demonstrada através do gráfico 8 indica que os montantes orçados da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS e o coeficiente de Gini tendem a uma variação proporcional e inversa, ou seja, um incremento nos montantes orçados da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS coincide com a redução do coeficiente de Gini. O contrário também é verdade, ou seja, uma redução nos montantes orçados da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS coincide com o aumento do coeficiente de Gini.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sacrifício financeiro individual destinado ao pagamento de tributos é, antes de tudo, um dever fundamental atribuído a todos os agentes privados inseridos na sociedade. É com este sacrifício que o Estado cumpre suas atividades destinadas à satisfação das demandas coletivas. Porém, a atividade de tributar deve vir acompanhada de justiça, para que uns não suportem um ônus maior do que outros. Assim, à idéia de tributação justa segue o princípio da capacidade contributiva, no qual as pessoas devem pagar tributos na proporção dos seus haveres. Mas, a política tributária possui outra natureza tão ou mais importante que a mera arrecadação de tributos: a política de renúncia de receita que possibilita a desoneração tributária de determinadas atividades e setores produtivos a fim de, por exemplo, fomentar a atividade econômica.

O problema central da política de renúncia de receita no Brasil não se concentra na dispensa de receitas públicas, mas na ausência de mecanismos exatos de controle das desonerações fiscais concedidas, via benefícios como isenções, anistias e remissões, dentre outros. Sem controle, a renúncia de receita muito se aproxima da mera transferência de recursos públicos à iniciativa privada. É o que pode ser chamado de privatização dos tributos, com sacrifício financeiro de toda a sociedade, destinada a compor a riqueza privada. Claro que isto só é possível através do odiável comportamento do gestor público de sonegar informações à sociedade sobre a política de renúncia de receita. Por outro lado, a atual política de transferência de recursos públicos da sociedade à iniciativa privada só pode ser perfeitamente concretizada com a redução do Estado do Bem-Estar. Por isso, deve-se questionar a veracidade do atual discurso que propaga a idéia de que a tutela social do Estado é incompatível como o desenvolvimento econômico. Ao que tudo indica, a incompatibilidade decorre da invertida agenda de prioridades do Estado, que destina à atividade econômica privada recursos públicos e ainda suaviza o ônus tributário incidente sobre a mesma. Tal comportamento estatal encontra guarida em discurso muito bem elaborado que apregoa a necessidade de estimular financeiramente a atividade privada através "mimos" tributários, de tal forma que esta possa desenvolver-se sem as garras do Estado. A realidade tem indicado que este caminho é extremamente danoso. De um lado, o Estado abre mão de suas receitas tributárias e, consequentemente, fica impossibilitado financeiramente de desenvolver programas sociais com recursos próprios; de outro, o desenvolvimento econômico pouco contribui socialmente.

Dentro deste contexto, a política de renúncia de receita do Estado da Paraíba é emblemática e expressa, de forma nítida, a realidade brasileira. Por exemplo, no período de 2001 a 2006, os montantes da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, previstos nas leis orçamentárias, apresentam-se sem qualquer critério lógico, com variações negativas e positivas bruscas. Neste sentido, a pesquisa mostra que a leis orçamentárias de 2002 não justificam a redução da renúncia de receita do ICMS, que passou de R$ 70,5 milhões para R$ 58,5 milhões. O mesmo ocorre em 2003, que apresenta um aumento brusco da renúncia receita do ICMS, passando de R$ 58,5 milhões para 132,8 milhões, incremento anual de 127%. Os valores renunciados anualmente não apresentam qualquer critério lógico que possam indicar a existência de uma ação estatal fundamentada em uma finalidade a ser perseguida pelo gestor público, como, por exemplo, o desenvolvimento econômico, o aumento da renda ou a diminuição das desigualdades, dentre outras possibilidades. Além disso, a valoração aleatória da renúncia de receita impossibilita qualquer avaliação objetiva da mesma, deixando transparecer a existência de mero mecanismo de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada. Aliás, a falta de transparência nesta seara é a regra nacional. Falta ao gestor público demonstrar suas verdadeiras intenções, expressa através de uma política pública de renúncia de receita passível de avaliação e controle. A própria sociedade queda-se paralisada diante dos vultosos montantes renunciados, deixando de exercer o controle social sobre gestores públicos e empresas beneficiadas.

Os resultados da pesquisa também mostraram que, no período de 2001 a 2006, as receitas públicas apresentaram incremento real acumulado (27,02%) compatível com o crescimento do PIB paraibano (25,66%), diferentemente das receitas do ICMS, que apresentaram um incremento real acumulado de apenas 9,39%. Este dado indica que as receitas do ICMS na Paraíba sequer apresentaram o crescimento vegetativo esperado, ou seja, proporcional ao crescimento do PIB. Ficou evidenciado que, no período analisado, as receitas públicas tiveram um aumento superior ao das receitas do ICMS. Por exemplo, em 2001 o ICMS representava 38,84% do total das receitas públicas e em 2006 este percentual cai para 33,44%, redução de 5,4%, o que indica que outras receitas passaram a ter maior relevância na composição das receitas públicas, especialmente as transferências constitucionais. Mesmo diante do pífio incremento real acumulado das receitas do ICMS, o Estado da Paraíba abdicou de parcela considerável de suas receitas. Por exemplo, as renúncias do ICMS em relação ao ICMS arrecadado variaram, no período de 2001 a 2006, entre 6,40% a 13,19%.

A pesquisa quantitativa também indica que as regressões lineares efetuadas entre índices tributários e indicadores sócio-econômicos não apresentam resultados representativos. Em relação a variável independente renúncia de receita no campo de incidência do ICMS e a variável dependente PIB, no período e 2001 a 2006,apresenta coeficiente de determinação igual a 0,334, inexistindo, portanto, relação linear entre as variáveis numéricas. O resultado indica que as alterações nos montantes da renúncia de receita no campo de incidência do ICMS não correspondem a variações lineares no PIB da Paraíba. Assim, é possível anotar que a política de renúncia de receita no campo de incidência do ICMS não se apresenta como mecanismo apropriado para o incremento nos importes do produto interno bruto. Aliás, uma das justificativas para a utilização dessa política é que ela traria um maior desenvolvimento à região, com aumento da riqueza produzida. Porém, os dados nos revelam, através da análise estatística, que não existe relação entre os montantes renunciados e o crescimento do PIB na Paraíba.

Já em relação ao indicador renda média, as regressões lineares indicam a inexistência de relações lineares com variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado. Com os resultados das regressões é possível afirmar que o indicador social renda média não é afetado pelo aumento da arrecadação do ICMS, nem pela renúncia de receita.

O indicador pessoas ocupadas também não apresenta qualquer relação linear com variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado. O indicador grau de informalidade apresenta fraca relação linear negativa com apenas a variável independente renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB, no período de 2001 a 2006. A partir do modelo linear proposto, 75,20% das variações no grau de informalidade podem ser explicadas através da variável independente renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB. Assim, observa-se uma tendência de variações proporcionais e negativas entre renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB e grau de informalidade no mercado de trabalho.

O indicador coeficiente de Gini não apresenta relações lineares com as variáveis independentes arrecadação do ICMS em relação ao PIB, renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao PIB e renúncia de receita no campo de incidência do ICMS em relação ao ICMS arrecadado. Porém, com relação à variável renúncia de receita no campo de incidência do ICMS percebe-se uma forte relação linear negativa com o coeficiente de Gini.

Por tudo isso, é possível afirmar que inexiste no Estado da Paraíba uma política de renúncia de receita destinada ao desenvolvimento sócio-econômico. Pelo contrário, o que se observa é a incoerência, a inexistência de planejamento e de critérios para outorga de benefícios.


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Notas

  1. CASTRO, Augusto Olympio Viveiros. História tributária do Brasil. p. 158.
  2. DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. p. 13.
  3. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. P. 106-108.
  4. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. p. 108.
  5. DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. p. 141-142.
  6. DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. p. 141.
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  9. Disponível em: http://siaf.cge.pb.gov.br/CGE/siafweb/. Acesso em: 09/02/2009.
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  13. JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores sociais no Brasil. p. 15.
  14. Série histórica disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=382863663&Tick
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  16. Série histórica disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=382863663&Tick
  17. =1233948383375&VAR_FUNCAO=Ser_Temas%281413839210%29&Mod=S. Acesso em: 06/02/2009.

  18. Série histórica disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=382863663&Tick=
  19. 1233948383375&VAR_FUNCAO=Ser_Temas%281413839210%29&Mod=S. Acesso em: 06/02/2009.

  20. Série histórica disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?SessionID=382863663&Tick=

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Autores

  • Alexandre Henrique Salema Ferreira

    Alexandre Henrique Salema Ferreira

    Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

    é autor dos livros: - Planejamento tributário no campo de incidência do ICMS.Editora: EDUEP e -Política tributária e justiça social: relações entre tributação e os fenômenos associados à pobreza.Editora: EDUEP

    Textos publicados pelo autor

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  • Renato Santiago da Costa

    Renato Santiago da Costa

    Graduado em Engenheira Civil pela Universidade Federal de Campina Grande, graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba e Pesquisador-bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UEPB).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Alexandre Henrique Salema; COSTA, Renato Santiago da. Política de renúncia de receita. Relações entre benefícios fiscais e desenvolvimento sócio-econômico no estado da Paraíba. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2629, 12 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17392. Acesso em: 26 abr. 2024.