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A origem do Federalismo brasileiro

A origem do Federalismo brasileiro

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Sumário:I – Introdução. II – Conceito de federação. III - O nascimento do federalismo. IV - III – O nascimento do federalismo no Brasil. V – Conclusão.


I - Introdução

É indiscutível que a maneira pela qual o Estado organiza o seu território e estrutura o seu poder político depende da natureza e da história de cada país. A forma de organização do Estado – se unitário, federado ou confederado – reflete a repartição de competências, que leva em consideração a composição geral do país, a estrutura do poder, sua unidade, distribuição e competências no respectivo território.

No caso específico do federalismo, identificam-se dois tipos básicos. O primeiro é o federalismo por agregação que tem por característica a maior descentralização do Estado, no qual os entes regionais possuem competências mais amplas, como ocorre nos Estados Unidos da América do Norte (EUA). O segundo, é o federalismo por desagregação, onde a centralização é maior. O ente central recebe a maior parcela de poderes, como é o caso da federação brasileira.


II – Conceito de federação

O Estado Federal é conceituado como uma aliança ou união de Estados. A própria palavra federação, do latim foedus, quer dizer pacto, aliança. Montesquieu, em seu clássico "O Espírito das Leis", escreveu que a república federativa é uma forma de constituição que possui todas as vantagens internas do governo republicano e a força externa da monarquia. Segundo o filósofo, essa "forma de governo é uma convenção segundo a qual vários Corpos políticos consentem em se tomar cidadãos de um Estado maior que pretendem formar. É uma sociedade de sociedades, que formam uma nova sociedade, que pode crescer com novos associados que se unirem a ela."

Ao conceituar federação, Kelsen escreveu que apenas o grau de descentralização diferencia um Estado unitário dividido em províncias autônomas de um Estado federal.

Segundo o ilustre doutrinador, o Estado federal caracteriza-se pelo fato de o Estado componente possuir certa medida de autonomia constitucional. O órgão legislativo de cada Estado componente tem competência em matérias referentes a constituição dessa comunidade, de modo que modificações nas constituições destes Estados podem ser efetuadas por estatutos dos próprios Estados componentes.

Por seu turno, no Estado unitário relativamente descentralizado as províncias autônomas não possuem autonomia constitucional. Sua norma fundamental é prescrita pela constituição do Estado unitário como um todo e só pode ser modificada por meio de uma modificação nessa constituição. As unidades possuem apenas competência para a legislação provincial, dentro do que a constituição do Estado unitário prescrever. A legislação em matérias da constituição é totalmente centralizada, ao passo que, no Estado federal, ela é centralizada apenas de modo incompleto, ou seja, até certo ponto, ela é descentralizada.

Portugal e Espanha são exemplos de estados unitários descentralizados. Em Portugal os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autônomas. O artigo 225 da Constituição Portuguesa estabelece que devido às suas características geográficas, econômicas, sociais e culturais essas unidades possuem autonomia político-administrativa, a qual será exercida dentro dos limites da Constituição Portuguesa e sem afetar a integridade e a soberania do Estado Português.

Já o sistema espanhol é mais flexível que o português. O art. 137 da Constituição da Espanha estabelece que o Estado organiza-se em municípios, províncias e comunidades autônomas. Todos possuem autonomia para gestão de seus interesses. Especificamente em relação às comunidades autônomas, o art. 147 prevê que a norma institucional básica destas unidades será elaborada dentro dos limites da Constituição espanhola e farão parte do ordenamento jurídico do Estado espanhol. No art. 148 a Carta da Espanha enumera as matérias sujeitas à competência das comunidades autônomas.

Dallari ensina que, em qualquer época da história humana, encontram-se referências a alianças entre Estados. Segundo o doutrinador, alguns autores defendem que o primeiro exemplo dessa união total e permanente foi a Suiça. Três Cantões celebraram em 1291 um pacto de amizade e de aliança, formando a Confederação Helvética.

Apesar disso, conforme Dallari, o Estado Federal nasceu com a Constituição dos EUA, em 1787, quando as treze colônias se uniram em um só país para fazer frente às metrópoles da época. Muito embora a Confederação Helvética tenha sido formada em 1291, permaneceu restrita quanto aos objetivos e ao relacionamento entre os participantes até o ano de 1848, quando a Suíça se organizou como Estado Federal.

Em resumo, pode-se afirmar que o Estado Federal é aquele que permite maior grau de descentralização do poder, pois se organiza mediante a coexistência de mais de um centro de poder detentor de autonomia política, administrativa e legislativa. O pressuposto do federalismo é a repartição de responsabilidades governamentais de modo a assegurar a integridade do Estado nacional frente às inúmeras disputas e desigualdades regionais.


III – O nascimento do federalismo

O federalismo não nasce da mesma forma em todos os países. Cada Estado tem uma história que caracteriza o seu tipo de federação. Kelsen escreve que só é possível reconhecer um Estado federal pelo conteúdo de sua constituição positiva concreta, no caso de a essência do Estado federal ser concebida com um grau particular e uma forma específica de descentralização. A partir desse ponto de vista, Kelsen pontua que o modo de criação do Estado é irrelevante: quer tenha ele passado a existir por meio de um tratado internacional (estabelecendo a constituição federal) entre Estados até então soberanos, i.e., Estados Subordinados apenas à ordem jurídica internacional, ou pelo ato legislativo de um Estado unitário transformando-se em Estado federal através do aumento do seu grau de descentralização.

Ao analisar o contexto histórico dos dezesseis países que adotaram o federalismo, José Luiz Quadros de Magalhães identificou três matrizes segundo o nível das relações intergovernamentais entre os entes federados: "a) o federalismo dual, modelo original dessa forma de organização elaborada e implementada nos EUA; b) o federalismo centralizado, transformação do modelo dual em que as unidades subnacionais se tornam, praticamente, agentes administrativos do governo central, como no período das medidas de intervenção do New Deal e; c) o federalismo cooperativo, em que as unidades subnacionais e o governo nacional têm ação conjunta e capacidade de autogoverno, como na Alemanha."

José Afonso da Silva ensina que o grau de descentralização do poder é fixado na Constituição de cada Estado. O autor denomina de federalismo centrípeto, se a concepção constituinte inclinar-se pelo fortalecimento do poder central; de federalismo centrífugo, se a Constituição fixar-se na preservação do Poder Estadual e Municipal; e, finalmente, de federalismo de cooperação, se o constituinte optar pelo equilíbrio de forças entre o poder central e local.

Nas Resoluções de Kentucky de 1798 e 1799, Thomas Jefferson estabelece a importância da descentralização do poder, num federalismo centrífugo, como instrumento de reconhecimento, valorização e institucionalização da formação natural de comunidades, verbis:

KENTUCKY RESOLUTIONS OF 1798 AND 1799

[THE ORIGINAL DRAFT PREPARED BY THOMAS JEFFERSON.]

1. Resolved, That the several states composing the United States of America are not united on the principle of unlimited submission to their general government; but that, by compact, under the style and title of a Constitution for the United States, and of amendments thereto, they constituted a general government for special purposes, delegated to that government certain definite powers, reserving, each state to itself, the residuary mass of right to their own self-government; and that whensoever the general government assumes undelegated powers, its acts are unauthoritative, void, and of no force; that to this compact each state acceded as a state, and is an integral party; that this government, created by this compact, was not made the exclusive or final judge of the extent of the powers delegated to itself, since that would have made its discretion, and not the Constitution, the measure of its powers; but that, as in all other cases of compact among powers having no common judge, each party has an equal right to judge for itself, as well of infractions as of the mode and measure of redress.

IV – O nascimento do federalismo no Brasil

As Constituições brasileiras de 1891, 1937, 1946, 1967 e 1988 afirmaram a forma republicana do Estado. No entanto, o desenvolvimento do processo histórico da estrutura política do Estado brasileiro revela um processo cíclico de centralização do poder. A forma unitária do Estado monárquico é a gênese de uma tradição política centralizadora, que mitigou todas as iniciativas de descentralização.

Durante o período colonial o Brasil foi dividido administrativamente em capitanias, as quais foram transformadas em províncias em 1821. Com a independência, a Constituição de 1824 manteve as mesmas divisas entre as províncias e não alterou os seus poderes. De fato, a Carta de 1824 previa que os governos das Províncias seriam seriam presididos por pessoas nomeadas pelo Imperador

e que todo cidadão tinha o direito de intervir nos negócios da sua localidade, nas Câmaras dos Distritos e no Conselho Geral da Província

. As Câmaras dos Distritos tinham a competência de gerir a economia dos municípios.

Por seu turno, os Conselhos Gerais das Províncias tinham competência para aprovar normas específicas para gerir os negócios da Província.

Em 1831, D. Pedro I abdica do trono, em meio ao movimento das elites agrárias regionais contra o excessivo centralismo do monarca. A movimentação pela maior descentralização e a criação de um regime provincial continuou até que em 1834, por intermédio de Ato Adicional, foi aprovada a Lei n.º 16, de 12/8/1834, que emendou a Constituição do Império para criar uma Monarquia representativa. Adaptando princípios federalistas, os Conselhos Gerais das Províncias foram substituídas por Assembleias Legislativas

. Essa mudança aumentou a descentralização do Estado brasileiro, garantindo às Províncias funções executivas e legislativas. Alguns historiadores chegaram a conceber, em face da evidente descentralização após 1834, o surgimento de um "Império Federado".

Com a Proclamação da República em 1889, os movimentos contrários à política do governo imperial foram definitivamente vitoriosos. O Governo Provisório expediu o Decreto nº 1, de 15/11/1889, instituindo a federação, transformando as antigas Províncias em Estados membros e criando os "Estados Unidos do Brazil".

O Governo Provisório obrigou nos arts. 6º e 7º do Decreto n.º 1, de 1889, as antigas Províncias transformadas em Estados membros a integrar a nova federação.

Posteriormente, a Constituição de 1891 trouxe no art. 1º a República Federativa como forma de governo e a regra da união perpétua e indissolúvel dos Estados membros. A Carta também instituiu o patrimônio de cada unidade federativa e adotou na repartição constitucional de competências a técnica de poderes enumerados e reservados. Os poderes dos Estados membros em matéria tributária foram fixados na Constituição, porém permitiu-se aos entes no art. 65 exercer "todo e qualquer poder, ou direito que lhes não for negado por clausula expressa ou implicitamente contida nas clausulas expressas da Constituição" . A Carta de 1891 manteve a obrigação dos Estados membros de formarem a federação brasileira, independentemente da vontade das populações locais, e previu, no art. 6º, a possibilidade de intervenção da União nos entes federados para garantir à força a manutenção da federação.

Nos anos 30, durante o período Vargas, observou-se a volta do centralismo, com a restrição da autonomia administrativa e política dos Estados membros. O Decreto n.º 19.398, de 11/11/1930, dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais, cassou os mandatos de todos os Governadores e Prefeitos e nomeou interventores em cada Estado membro. O Decreto também previu a competência dos Interventores Estaduais para nomear os Interventores nos municípios. Dos atos dos Interventores Estaduais só cabia recurso ao Presidente da República. interessante observar que apesar de todo o centralismo, o Decreto n.º 19.398 fez questão de manter em vigor as Constituições e as Leis Estaduais, de reforçar a autonomia financeira dos Estados membros e de garantir que a nova constituição a ser elaborada manteria o sistema federativo.

Outorgada por Getúlio Vargas, a Constituição de 1937 manteve no art. 21 a competência remanescente dos Estados membros e ampliou as hipóteses de intervenção da União nos entes federados. Havia, também, um dispositivo que previa a transformação do Estado membro em território da União se não fosse capaz de arrecadar receita suficiente para manutenção dos seus serviços, por três anos consecutivos.

A Constituição de 1946 devolveu formalmente a autonomia administrativa e política aos Estados membros. Isso, no entanto, foi novamente afetado pelo Golpe Militar de 1964. A Constituição de 1967/1969 construiu um federalismo meramente nominal, pois a competência da União era de tal forma dilatada que pouco restava para os Estados federados.

Sobre a Constituição de 1988, José Afonso da Silva escreve que a nova Carta buscou resgatar o princípio federalista e estruturou um sistema de repartição de competências que tentou refazer o equilíbrio das relações entre o poder central e os poderes estaduais e municipais.

No entanto, a par de resgatar o princípio federalista, a Constituição de 1988 centralizou na União a maioria das competências. Com efeito, o rol dos artigos 21 e 22 é tão extenso que deixa pouca margem para os Estados membros.

Além disso, o art. 25 previu que os Estados membros "organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem", observados os princípios da Constituição. Quanto a isso, a doutrina identifica dois tipos de normas presentes nas Constituições Estaduais, as de reprodução obrigatória e as de imitação.

As normas de reprodução obrigatória são aquelas cuja inserção na Constituição Estadual é compulsória. Nesse caso, a tarefa do constituinte estadual limita-se a inserir aquelas normas no ordenamento constitucional do Estado membro, por um processo de transplantação. Já as normas de imitação representam aquelas cujo conteúdo é idêntico às das regras constitucionais federais, mas não há obrigatoriedade de sua reprodução nas Constituições dos Estados membros. Nesses casos a adesão é voluntária.

O problema reside no fato de que o conceito jurídico de norma de reprodução obrigatória é indeterminado e que a jurisprudência acaba por determinar no caso concreto. Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os limites constitucionalmente estabelecidos para o poder constituinte estadual determinam que um núcleo central da Constituição Federal seja obrigatoriamente reproduzido na Constituição do Estado membro.

O voto do Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento da Reclamação n.º 370-1/MT, resumiu bem esse problema, verbis:

59. No Brasil, a escalada centralista iniciada com a Constituição de 34, acentua-se nas posteriores, ainda quando se faça completa abstração das fases de paroxismo unitarista dos regimes autoritários de 37 e 67/69, para só levar em conta os textos democratizantes de 46 e 88.

60. Essa tendência progressiva de centralização se revela em duas dimensões básicas, paralelas, mas de sentido coincidente: não apenas na multiplicação dos temas reservados a legislação federal, mas também na crescente substituição da imposição, ao respeito dos ordenamentos locais de princípios gerais de conteúdo elástico, pela antecipação, no próprio texto da Constituição Federal, do trato normativo, denso e minudente, de matérias antes deixadas, em linha de principio, a organização autônoma do Estado-membro.

61. Nessa linha constante de substituição do mecanismo clássico - que restringia os preceitos substanciais da "constituição total" ao enunciado de princípios gerais limitativos da autonomia estadual -, pela técnica contemporânea — que, antecipadamente, subtrai, da esfera de auto-organização estadual, setores cada vez mais amplos de temas substancialmente locais, que o contribuinte federal direta e densamente regula — é que se situa a fonte da multiplificação, nos documentos constitucionais do Estado-membro, de preceitos de simples reprodução de formas federais de recepção compulsória pelas unidades federadas.


V - Conclusão

O federalismo nos EUA não surgiu como no Brasil. Naquele país a federação teve origem centrífuga, pois garantiu a maioria das competências dos Estados. As colônias britânicas aliaram-se, declararam-se independentes e celebraram entre si um tratado internacional, em 1777, criando uma Confederação e União Perpétua para preservar a independência. O tratado, no art. 10, reservava aos Estados tudo o que não fosse expressamente outorgado aos Estados Unidos, verbis: "Art. X. The power not delegated to the United States by the Constitution, nor prohibited by it to the states, are reserved to the states respectively or to the people".

O artigo 2º do referido Tratado previa ainda a possibilidade de dissolver o vínculo Confederativo pelo exercício do direito de secessão, verbis: "Art. II. Each state retains its sovereignty, freedom and independence, and every Power, Jurisdiction and right, which is not by this confederation expressly delegated to the United States, in Congress assembled."A confederação só desapareceu com a ratificação da Constituição Republicana de 1789 que criou a federação e extinguiu a possibilidade de secessão.

No Brasil, ao contrário dos EUA, partiu-se de uma ordem centralizada, que era o Estado unitário do período imperial, para uma ordem federativa de divisão de poderes e competências em 1889, num processo centrípeto. A conversão do Estado unitário em Estado federado foi um processo lento e gradual. Houve uma adaptação dos princípios e instituições federalistas, de modo a manter os interesses e privilégios das elites agrárias, industriais e burocráticas, que organizaram a independência e controlavam o Império.

A ideia de descentralização administrativa no Brasil era antiga e retrocedia ao início da colonização. Os Forais de Capitania já previam a possibilidade de se adquirir "direitos, foros, tributos e coisas que na dita terra se hão de pagar". Como se observa, as reivindicações de descentralização do poder tinham suporte na realidade administrativa brasileira. Chegamos mesmo a ter uma monarquia com ares de federação, com o Ato Adicional de 1837.

Apesar disso, a experiência brasileira sempre foi marcada por um forte centralismo, que provocava a dependência dos entes subnacionais ao governo central. O discurso de Rui Barbosa no Congresso Nacional, intitulado "Organização das Finanças Republicanas", proferido em 1890, resume bem o pensamento dos formadores da federação brasileira, verbis:

Senhores, não somos uma federação de povos até ontem separados, e reunidos de ontem para hoje. Pelo contrário, é da união que partimos. Na união nascemos. Na união se geraram e fecharam os olhos nossos pais. Na união ainda não cessamos de estar. Para que a união seja a herança de nossa descendência, todos os sacrifícios serão poucos. A união é, talvez, o único benefício sem mescla, que a monarquia nos assegurou. E um dos mais terríveis argumentos, que a monarquia ameaçada viu surgir contra si, foi o de que o seu espírito centralizador tendia a dissolver a união pela reação crescente dos descontentamentos locais. Para não descer abaixo do Império, a República, a Federação, necessita de começar mostrando-se capaz de preservar a União, pelo menos tão bem quanto ele. Quando, sob as últimas trevas do regímen extinto, começou a alvorecer entre nós a aspiração federalista, o mais poderoso espantalho agitado pela realeza contra ela era a desintegração da pátria, a dissolução da nossa nacionalidade pelo gênio do separatismo inerente, segundo os seus inimigos, à forma federativa. Esse receio foi o grande embaraço, que obstou por longo tempo o bom êxito das esperanças republicanas; e, se hoje o rumo de nossos primeiros passos não desvanecer essas apreensões; se as primeiras medidas adotadas pelo Congresso não demonstrarem que o mais firme dos nossos propósitos é manter inteira, incólume, indivisível, sob um forte governo nacional, a grande pátria brasileira, então a república terá sido a mais dolorosa de todas as decepções para os amigos do país.

A Constituição Federal de 1988 definiu no art. 3º a base do Estado federativo brasileiro, a partir de uma matriz cooperativa de repartição de competências, em que coexistem competências privativas, concorrentes e suplementares entre os entes federados, tanto nos aspectos legislativos, quanto nos aspectos administrativos e tributários.

Miguel Reale ensina que na construção do Estado Brasileiro o legislador pátrio concebe três círculos distintos de ação que se completam e se integram, "formando, no seu todo, a República Federativa do Brasil, segundo os princípios do chamado federalismo cooperativo, ou integrado".

Sobre o conceito de autonomia, a Ministra Carmem Lúcia ensina que o termo, em sua etimologia, significa "a faculdade conferida ou reconhecida a uma entidade de criar as suas próprias normas. Daí o entendimento mais comumente aceito no Direito de constituir autonomia a capacidade política de uma entidade para governar-se a si mesma segundo leis próprias, criadas em esfera de competência definida por um poder soberano".

Todavia, não basta a previsão constitucional de um federalismo cooperativo. Para que estados e municípios tenham real autonomia política, é necessário que possuam autonomia administrativa e financeira. Em outras palavras, a existência real da autonomia depende da existência de recursos suficientes e não sujeitos a condições, para que possam desempenhar suas atribuições. Sem recursos suficientes a autonomia existirá apenas no papel.

O Ministro Celso Mello, no julgamento da ADI 507-3/DF, ensinou que no modelo federal de Estado existe um antagonismo entre a tendência à centralização e o movimento de descentralização e, em razão disso, o Estado federal não se apresenta uno e nem uniforme. Conforme o Ministro o "Estado Federal exprime, no plano da organização jurídica, a síntese que decorre de dois movimentos que se antagonizam: a tendência à unidade ou à centralização, que se rege pelo princípio unitário, e a tendência à pluralidade, ou à descentralização, que se funda no princípio federativo. Do maior ou menor equilíbrio entre esses dois princípios, resultará, em cada hipótese, um modelo diverso de Estado Federal, quer caracterizado por um grau de maior centralização, quer tipificado por um coeficiente de maior descentralização relativamente ao exercício do poder político".

Se por um lado a Constituição de 1988 significou a possibilidade de fortalecimento de um pacto federativo, por outro também é verdade que as instituições, por conivência ou por incapacidade, não foram capazes de frear a voracidade centralista da União. Não se vê no Poder Central vontade política de criar um equilíbrio federativo efetivo, que estabeleça a capacidade financeira dos 27 Estados membros e dos 5.507 Municípios brasileiros, de maneira a criar um padrão mínimo de igualdade na prestação dos serviços.

Essa voracidade centralista tem sua expressão maior na fixação dos tributos e na repartição das receitas. Com efeito, a Carta de 1988 adotou o critério de fixar em rol taxativo os tributos que Estados e Municípios podem instituir e cobrar. Já para a União a Constituição reservou no artigo 154 a competência residual de criar outros impostos além dos relacionados no art. 153. Como se não bastasse, a Carta submeteu os impostos estaduais e municipais a regramento a ser editado pela União, conforme se observa no art. 155, incisos III e IV do § 1º, incisos IV, V e XII do § 2º e § 6º, e no art. 156, § 3º.

Visando corrigir as desigualdades regionais do Brasil e atendendo ao federalismo cooperativo prescrito no art. 3º, a Constituição previu nos arts. 157 a 162 a repartição de receitas como maneira de dividir o produto da arrecadação de forma equilibrada entre os diversos entes da federação. A Carta estabeleceu a distribuição de percentuais da receita da União com o Imposto de Renda (IR), com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e com a contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no § 4º do art. 177.

A fórmula de partilha das receitas tributárias criada pelo constituinte originário não funcionou. A União, num processo iníquo, foi substituindo os impostos que é obrigada a repartir com Estados e Municípios por contribuições que não estão sujeitas a essa partilha. Essas contribuições, muitas vezes, possuem identidade de fatos geradores de impostos de Estados e Municípios, contrariando a repartição de competências da Constituição. Com isso, criou-se um desequilíbrio em prol da União, que passa a deter a primazia na Federação brasileira, o que conduz a uma tendência crescente de supressão da autonomia dos Estados e Municípios e de centralização de poder, em evidente desrespeito ao pacto federativo.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), observam-se duas coisas, a saber.

Primeiro, a União arrecada cerca de 70% dos tributos no Brasil. Em 2008, os tributos federais totalizaram R$ 739,68 bilhões (70%), os estaduais R$ 270,12 bilhões (25,56%) e os municipais R$ 46,84 bilhões (4,43%). Em 2009, a proporção não se alterou. Os tributos federais representaram 69,54% (R$ 759,88 bilhões) do total arrecadado, enquanto os tributos estaduais representaram 25,88% (R$ 282,73 bilhões) e os municipais 4,58% (R$ 50,05 bilhões).

Segundo, o potencial arrecadatório das contribuições é muito maior do que o dos impostos federais. De acordo com dados do IBPT, em 2008 a União arrecadou com contribuições 60% a mais do que arrecadou em impostos. Em 2009, essa proporção aumentou para 76%, conforme se observa na tabela abaixo:

Tributos federais

2008

2009

Impostos

269,28

258,15

Contribuições

430,04

454,57

Fonte: IBPT

Depreende-se dessa análise que se tem no Brasil um federalismo que tende ao centralismo ou, como dizem alguns, um federalismo unitário, pois a falta clareza quanto às competências, vez que estas se entrelaçam ou se superpõem, permite à União abocanhar cada vez mais competências. Com isso, o ente Central estabelece cada vez mais condições que precisam ser cumpridas pelos Estados membros.

É essencial conferir aos Estados e Municípios a capacidade de formular e implementar políticas públicas. Sem equilíbrio entre autonomia política/administrativa e autonomia financeira, a ideia de pacto federativo é vazia, ou, como diriam alguns, um "federalismo a brasileira".


NOTAS DE FIM

Montesquieu. O Espírito das Leis, Segunda Parte, Livro Nono, Capítulo I, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 141, título original: "L´Esprit des lois".

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, trad. Luis Carlos Borges, Ed. Martins Fontes, 2000, p. 453, título original: "General Theory of Law and State".

Artigo 6.º (Estado unitário)

1. O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonômico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.

2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio.

(...)

Artigo 225.º (Regime político-administrativo dos Açores e da Madeira)

1. O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares.

2. A autonomia das regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses. 3. A autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição.

Artículo 137.

El Estado se organiza territorialmente en municipios, en provincias y en las Comunidades Autónomas que se constituyan. Todas estas entidades gozan de autonomía para la gestión de sus respectivos intereses.

(...)

Artículo 147.

1. Dentro de los términos de la presente Constitución, los Estatutos serán la norma institucional básica de cada Comunidad Autónoma y el Estado los reconocerá y amparará como parte integrante de su ordenamiento jurídico.

2. Los Estatutos de autonomía deberán contener: a) La denominación de la Comunidad que mejor corresponda a su identidad histórica. b) La delimitación de su territorio. c) La denominación, organización y sede de las instituciones autónomas propias. d) Las competencias asumidas dentro del marco establecido en la Constitución y las bases para el traspaso de los servicios correspondientes a las mismas.

3. La reforma de los Estatutos se ajustará al procedimiento establecido en los mismos y requerirá, en todo caso, la aprobación por las Cortes Generales, mediante ley orgánica.

Artículo 148.

1. Las Comunidades Autónomas podrán asumir competências en las siguientes materias:

1º Organización de sus instituciones de autogobierno.

2º Las alteraciones de los términos municipales comprendidos en su territorio y, en general, las funciones que correspondan a la Administración del Estado sobre las Corporaciones locales y cuya

transferencia autorice la legislación sobre Régimen Local.

3º Ordenación del territorio, urbanismo y vivienda.

4º Las obras públicas de interés de la Comunidad Autónoma en su propio territorio.

5º Los ferrocarriles y carreteras cuyo itinerario se desarrolle íntegramente en el territorio de la Comunidad Autónoma y, en lós mismos términos, el transporte desarrollado por estos medios o por cable.

6º Los puertos de refugio, los puertos y aeropuertos deportivos y, en general, los que no desarrollen actividades comerciales.

7º La agricultura y ganadería, de acuerdo con la ordenación general de la economía.

8º Los montes y aprovechamientos forestales.

9º La gestión en materia de protección del medio ambiente.

10º Los proyectos, construcción y explotación de los aprovechamientos hidráulicos, canales y regadíos de interés de la Comunidad Autónoma; las aguas minerales y termales.

11º La pesca en aguas interiores, el marisqueo y la acuicultura, la caza y la pesca fluvial.

12º Ferias interiores.

13º El fomento del desarrollo económico de la Comunidad Autónoma dentro de los objetivos marcados por la política económica nacional.

14º La artesanía.

15º Museos, bibliotecas y conservatorios de música de interés para la Comunidad Autónoma.

16º Patrimonio monumental de interés de la Comunidad Autónoma.

17º El fomento de la cultura, de la investigación y, en su caso, de la enseñanza de la lengua de la Comunidad Autónoma.

18º Promoción y ordenación del turismo en su ámbito territorial.

19º Promoción del deporte y de la adecuada utilización del ocio.

20º Asistencia social.

21º Sanidad e higiene.

22º La vigilancia y protección de sus edificios e instalaciones. La coordinación y demás facultades en relación con las policías locales en los términos que establezca una ley orgánica.

2. Transcurridos cinco años, y mediante la reforma de sus Estatutos, las Comunidades Autónomas podrán ampliar sucesivamente sus competencias dentro del marco establecido en el artículo 149.

Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 2ª ed., Ed. Saraiva, 1998, p. 141.

KELSEN, Hans , ob. cit. p. 461.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de (coord.). Pacto Federativo, Ed. Mandamentos, Belo Horizonte, 2000, p. 186.

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, São Paulo, 2006, p. 99/102.

Tradu

o livre: Que os diversos Estados que compõem os Estados Unidos da América não estão unidos pelo princípio da submissão limitada a seu governo geral. Apenas por convenção, debaixo do estilo e título de uma Constituição para os Estados Unidos e as suas Emendas à mesma, fixou-se um governo geral com propósitos especiais, delegando a esse governo certos poderes determinados, reservando a cada Estado para si mesmo o resíduo dos direitos para seu próprio governo. Quando o governo central assume poderes não delegados, suas leis carecem de autoridade, são nulas e sem força legal. Cada Estado surge como Estado e como parte integrante; Que este governo, criado por este pacto, não foi instituído como juiz final da extensão dos poderes a ele delegados, uma vez que teria feito a seu critério, e não ao da Constituição, a medida das suas competências; mas que, como em todos os outros casos de pacto entre os poderes que não possuem juízo comum, cada parte tem um direito igual para julgar por si mesmo, bem como das infrações e do modo de medida de compensação.

Art. 165. Haverá em cada Provincia um Presidente, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover, quando entender, que assim convem ao bom serviço do Estado.

Art. 71. A Constituição reconhece, e garante o direito de intervir todo o Cidadão nos negocios da sua Provincia, e que são immediatamente relativos a seus interesses peculiares.

Art. 72. Este direito será exercitado pelas Camara dos Districtos, e pelos Conselhos, que com o titulo de - Conselho Geral da Provincia - se devem estabelecer em cada Provincia, aonde não, estiver collocada a Capital do Imperio.

Art. 167. Em todas as Cidades, e Villas ora existentes, e nas mais, que para o futuro se crearem haverá Camaras, ás quaes compete o Governo economico, e municipal das mesmas Cidades, e Villas.

Art. 81. Estes Conselhos terão por principal objecto propôr, discutir, e deliberar sobre os negocios mais interessantes das suas Provincias; formando projectos peculiares, e accommodados ás suas localidades, e urgencias.

Art. 1.º O direito reconhecido e garantido pelo art. 71 da Constituição será exercitado pelas Camaras dos Districtos e pelas Assembléas, que, substituindo os Conselhos Geraes, se estabeleceráõ em todas as Provincias com o titulo de Assembléas Legislativas Provinciaes.

Art. 9.º Compete ás Assembléas Legislativas Provinciaes propôr, discutir, e deliberar, na conformidade dos arts. 81, 83, 84, 85, 86, 87 e 88 da Constituição.

Art. 10. Compete ás mesmas Assembléas legislar:

§ 1.° Sobre a divisão civil, judiciaria, e ecclesiastica da respectiva Provincia, e mesmo sobre a mudança da sua Capital para o lugar que mais convier.

§ 2.º Sobre instrucção publica e estabelecimentos proprios a promovel-a, não comprehendendo as faculdades de Medicina, os Cursos Juridicos, Academias actualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrucção que para o futuro forem creados por lei geral.

§ 3.º Sobre os casos e a fórma por que póde ter lugar a desapropriação por utilidade municipal ou provincial.

§ 4.º Sobre a policia e economia municipal, precedendo propostas das Camaras.

§ 5.º Sobre fixação das despezas municipaes e provinciais, e os impostos para elas necessarios, com tanto que estes não prejudiquem as imposições geraes do Estado. As Camaras poderão propôr os meios de occorrer ás despezas dos seus municipios.

§ 6.º Sobre repartição da contribuição directa pelos municipios da Provincia, e sobre a fiscalização do emprego das rendas publicas provinciaes e municipaes e das contas da sua receita e despeza. As despezas provinciaes serão fixadas sobre orçamento do Presidente da Provincia, e as municipaes sobre orçamento das respectivas Camaras.

§ 7.° Sobre a creação e suppressão dos empregos municipaes e provinciaes, e estabelecimento dos seus ordenados. São empregos municipaes e provinciaes todos os que existirem nos municipios e provincias, á excepção dos que dizem respeito a administração, arrecadação, e contabilidade da Fazenda Nacional; administração da guerra e marinha, e dos correios gerais; dos cargos de Presidente da Provincia, Bispo, Commandante Superior da Guarda Nacional, membro das Relações e tribunaes superiores, e empregados das Faculdades de Medicina, Cursos Juridicos e Academias, em conformidade da doutrina do § 2.º deste artigo.

§ 8.º Sobre obras publicas, estradas e navegação no interior da respectiva Provincia, que não pertenção á administração geral do Estado.

§ 9.° Sobre construcção de casas de prisão, trabalho e correção, e regímen delas.

§ 10. Sobre casas de soccorros publicos, conventos e quaesquer associações politicas ou religiosas.

§ 11. Sobre os casos e a fórma por que poderão os Presidentes das Provincias nomear, suspender e ainda mesmo demitir os empregados provinciais.

Art.11. Tambem compete ás Assembléas Legislativas Provinciaes:

§ 1.º Organizar os Regimentos internos sobre as seguintes bases: 1.ª Nenhum Projecto de Lei ou Resolução poderá entrar em discussão sem que tenha sido dado para ordem do dia, pelo menos vinte quatro horas antes; 2.º Cada Projecto de Lei, ou Resolução, passará pelo menos por tres discussões; 3.º De uma a outra discussão não poderá haver menor intervallo do que vinte e quatro horas.

§ 2.° Fixar, sobre informação do Presidente da Provincia, a Força policial respectiva.

§ 3.° Autorizar as Camaras Municipaes e o Governo Provincial para contrahir emprestimos, com que occorão ás suas respectivas despezas.

§ 4.º Regular a Administração dos bens provinciaes. Uma Lei Geral marcará o que são bens provinciaes.

§ 5.º Promover, cumulativamente com a Assembléa e o Governo Geraes, a organização da estatistica da Provincia, a catechese, e civilisação dos indigenas, e o estabelecimento de colonias.

§ 6.° Decidir, quando tiver sido pronunciado o Presidente da Provincia, ou quem suas vezes fizer, se o processo deva continuar, e elle ser, ou não, suspenso do exercicio de suas funcções, nos casos em que pelas Leis tem lugar a suspensão.

§ 7.º Decretar a suspensão, e ainda mesmo a demissão do Magistrado, contra quem houver queixa de responsabilidade, sendo elle ouvido, e dando-se-lhe lugar á defeza.

§ 8.º Exercer, cumulativamente com o Governo Geral, nos casos e pela forma marcados no § 35 do art. 179 da Constituição, o direito que esta concede ao mesmo Governo Geral.

§ 9.º Velar na Guarda da Constituição e das Leis na sua Provincia, e representar á Assembléa e ao Governo Geraes contra as Leis de outras Provincias que offenderem os seus direitos.

Art. 1.º Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brasileira – a Republica Federativa.

Art. 2.º As provincias do Brazil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil.

Art. 3.º Cada um desses Estados, no exercicio de sua legitima soberania, decretará oportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locais.

Art. 6.º Em qualquer dos Estados, onde a ordem publica for perturbada, e onde faltem ao governo local meios efficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranquilidade publicas, effectuará o Governo Provisorio a intervenção necessaria para, com apoio da força publica, assegurar o livre exercicio dos direitos dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas.

Art. 7.º Sendo a Republica Federativa Brazileira a forma de governo proclamada, o Governo Provisorio não reconhece nem reconhecerá nenhum governo local contrario á forma republicana, aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamento definitivo do voto da nação, livremente expressado pelo suffragio popular.

Art. 1

A Nação Brazileira adopta como fórma de governo, sob o regimen representativo, a Republica Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitue-se, por união perpetua e indissoluvel das suas antigas provincias, em Estados Unidos do Brazil.

Art. 64. Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territorios. cabendo à União sómente a porção de territorio que for indispensavel para a defesa das fronteiras, fortificações, construcções militares e estradas de ferro federaes. Paragrapho unico. Os proprios nacionaes, que não forem necessarios para serviços da União, passarão ao dominio dos Estados, em cujo territorio estiverem situados.

Art. 9º E' da competencia exclusiva dos Estados decretar impostos: 1º Sobre a exportação de mercadorias de sua propria producção; 2º Sobre immoveis ruraes e urbanos; 3º Sobre transmissão de propriedade; 4º Sobre industrias e profissões.

§ 1º Tambem compete.exclusivamente aos Estados decretar: 1º Taxa de sello quanto aos actos emanados dos seus respectivos governos e negocios de sua economia; 2º Contribuições concernentes aos seus telegraphos e correios.

§ 2º E' isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a producção dos outros Estados.

§ 3º Só é licito a um Estado tributar a importação de mercadorias estrangeiras quando destinadas ao consumo no seu territorio, revertendo, porém, o producto do imposto para o Thesouro Federal.

§ 4º Fica salvo aos Estados o direito de estabelecerem linhas telegraphicas entre os diversos pontos de seus territorios, e entre estes e os de outros Estados que se não acharem servidos por linhas federaes, podendo a União desaproprial-as, quando for de interesse geral.

Art. 10. E' prohibido aos Estados tributar bens e rendas federaes, ou serviços a cargo da União, e reciprocamente.

(...)

Art. 63. Cada Estado reger-se-ha pela Constituição e pelas leis que adoptar, respeitados os principios constitucionaes da União.

(...)

Art. 66. E' defeso aos Estados: 1º Recusar fé aos documentos publicos de natureza legislativa, administrativa, ou judiciaria da União, ou de qualquer dos Estados; 2º Rejeitar a moeda, ou a emissão bancaria em circulação por acto do Governo Federal; 3º Fazer, ou declarar guerra entre si e usar de represálias; 4º Denegar a extradição de criminosos, reclamados pelas justiças de outros Estados, ou do Districto Federal, segundo as leis da União, por que esta materia se reger (art. 34, n. 22).

Art. 65. E' facultado aos Estados: 1º Celebrar entre si ajustes e convenções sem caracter politico (art. 45, n. 16); 2º Em geral todo e qualquer poder, ou direito que lhes não for negado por clausula expressa ou implicitamente contida nas clausulas expressas da Constituição.

Art. 6

O Governo Federal não poderá intervir em negocios peculiares aos Estados, salvo: (...) 2º Para manter a fórma republicana federativa;

Art. 2

confirmada, para todos os efeitos, a dissolução do Congresso Nacional das atuais Assembléias Legislativas dos Estados (quaisquer que sejam as suas denominações), Câmaras ou assembléiás municipais e quaisquer outros orgãos legislativos ou deliberativas, existentes nos Estados, nos municípios, no Distrito Federal ou Território do Acre, e dissolvidos os que ainda o não tenham sido de fato.

Art. 11. O Governo Provisório nomeará um interventor federal para cada Estado, salvo para aqueles já organizados; em os quais ficarão os respectivos presidentes investidos dos Poderes aquí mencionados.

§ 1º O interventor terá, em cada Estado, os proventos, vantagens e prerrogativas, que a legislação anterior do mesmo Estado confira ao seu presidente ou governador, cabendo-lhe exercer, em toda plenitude, não só o Poder Executivo como tambem o Poder Legislativo.

§ 2º O interventor terá, em relação à Constituição e leis estaduais, deliberações, posturas e atas municipais, os mesmos poderes que por esta lei cabem ao Governo Provisório, relativamente à Constituição e demais leis federais, cumprindo-lhe executar os decretos e deliberações daquele no território do Estado respectivo.

§ 3º O interventor federal será exonerado a critério do Governo Provisório.

§ 4º O interventor nomeará um prefeito para cada município, que exercerá aí todas as funções executivas e legislativas, podendo o interventor exonerá-lo quando entenda conveniente, revogar ou modificar qualquer dos seus atos ou resoluções e dar-Ihe instruções para o bom desempenho dos cargos respectivos e regularização e eficiência dos serviços municipais.

§ 5º Nenhum interventor ou prefeito nomeará parente seu, consanguíneo ou afim, até o sexto grau, para cargo público no Estado ou município.

§ 6º O interventor e o prefeito, depois de regularmente, empossados, ratificarão expressamente ou revogarão os atos ou deliberações, que eles mesmos, antes de sua investidura, de acordo com a presente lei, ou quaisquer outras autoridades; que anteriormente tenham administrado de fato o Estado ou o município, hajam praticado.

§ 7º Os interventores e prefeitos manterão, com a amplitude que as condições locais permitirem, regime de publicidade dos seus atos e dos motivos que os determinarem, especialmente no que se refira à arrecadação e aplicação dos dinheiros públicos, sendo obrigatória a publicação mensal do balancete da Receita e da Despesa.

§ 8º Dos atos dos interventores haverá recurso para o Chefe do Governo Provisório.

Art. 4º Continuam em vigor as Constituições Federal e Estaduais, as demais leis e decretos federais, assim como as posturas e deliberações e outros atos municipais, todos; porem, inclusive os próprias constituições, sujeitas às modificações e restrições estabelecidas por esta lei ou por decreto dos atos ulteriores do Governo Provisório ou de seus delegados, na esfera de atribuições de cada um.

(...)

Art. 9º É mantida a autonamia financeira dos Estados e do Distrito Federal.

(...) 

Art. 12. A nova Constituição Federal manterá a forma republicana federativa e não poderá restringir os direitos dos municípios e dos cidadãos brasileiros e as garantias individuais constantes da Constituição de 24 de fevereiro de 1891.

Art. 21. Compete privativamente ao Estado: I - decretar a Constituição e as leis por que devem reger-se; II - exercer todo e qualquer poder que lhes não for negado, expressa ou implicitamente, por esta Constituição.

Art. 9º. O Governo Federal intervirá nos Estados, mediante a nomeação pelo Presidente da Republica, de um Interventor, que assumirá no Estado as funcções que pela sua Constituição competirem ao Poder Executivo, ou as que, de accordo com as conveniencias e necessidades de cada caso, lhe forem attribuidas pelo Presidente da Republica:

a) para impedir invasão imminente de um paiz estrangeiro no territorio nacional, ou de um Estado em outro, bem como para repellir uma ou outra invasão;

b) para restabelecer a ordem gravemente alterada, nos casos em que o Estado não queira ou não possa fazel-o;

c) para administrar o Estado, quando, por qualquer motivo, um dos seus poderes estiver impedido de funccionar;

d) para reorganizar as finanças do Estado que suspender, por mais de dois annos consecutivos, o serviço de sua divida fundada, ou que, passado um anno do vencimento, não houver resgatado emprestimo contrahido com a União;

e) para assegurar a execução dos seguintes principios constitucionaes; 1 - forma republicana e representativa de governo; 2 - governo presidencial; 3 - direitos e garantias asseguradas na Constituição;

f) para assegurar a execução das leis e sentenças federaes.

Paragrapho unico. A competencia para decretar a intervenção será do Presidente da Republica, nos casos, das letras a, b e c; da Camara dos Deputados, no caso das letras d e e; do Presidente da Republica, mediante requisição do Supremo Tribunal Federal, no caso da letra f.

Art. 8º. A cada Estado caberá organizar os serviços do seu peculiar interesse e custealos com seus proprios recursos. Paragrapho unico. O Estado que, por tres annos consecutivos, não arrecadar receita sufficiente á manutenção dos seus serviços, será transformado em territorio até o restabelecimento de sua capacidade financeira.

DA SILVA, José Afonso, ob. cit. p. 102.

DA SILVA, José Afonso, ob. cit. p. 102.

ADI nº 2.076/AC: "CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente". (Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento: 15.8.2002 - Plenário, DJ de 8/8/2003, p. 86)

HYPERLINK "http://www.stf.jus.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?PROCESSO=507&CLASSE=ADI&cod_classe=504&ORIGEM=IT&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M" \t "_blank"

ADI 507

: "O poder constituinte outorgado aos Estados-membros sofre as limitações jurídicas impostas pela Constituição da República. Os Estados-membros organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem (CF, art. 25), submetendo-se, no entanto, quanto ao exercício dessa prerrogativa institucional (essencialmente limitada em sua extensão), aos condicionamentos normativos impostos pela CF, pois é nessa que reside o núcleo de emanação (e de restrição) que informa e dá substância ao poder constituinte decorrente que a Lei Fundamental da República confere a essas unidades regionais da Federação." (Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14/2/1996, Plenário, DJ de 8/8/2003.) No mesmo sentido:

HYPERLINK "http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=601131&idDocumento=&codigoClasse=504&numero=2113&siglaRecurso=&classe=ADI"

ADI 2.113

, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 21/8/2009.

Rcl 370 / MT - MATO GROSSO -

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Julgamento:  09/04/1992 - Publicação: DJ 29/6/2001, p.35.

Tradu

o livre: "O Estado reterá sua soberania, liberdade e independência, e cada poder, jurisdição e direitos, que não sejam delegados expressamente por confederação para os Estados Unidos, reunidos em Congresso"

Proferido na sessão de 16/11/1890, disponível em: www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/p_a2.pdf

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

REALE, Miguel, in Lições Preliminares de Direito, 25ª edição, 22ª tiragem, 2001 p. 99.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. República e federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira, Belo Horizonte, Ed. Del Rey, 1997, p. 180.

ADI 507-3/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14/2/1996, Plenário, DJ de 8/8/2003.

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores.

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores.

§ 1.º O imposto previsto no inciso I: (...); III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...); IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; (...); XII - cabe à lei complementar: a) definir seus contribuintes; b) dispor sobre substituição tributária; c) disciplinar o regime de compensação do imposto; d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços; e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a"; f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados; h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.

(...)

§ 6º O imposto previsto no inciso III: I - terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal; II - poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização.

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

(...)

§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior; III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma: a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal; b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios; c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer; d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;

II - do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, dez por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados.

III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.

Título: Carga tributária brasileira 2009 e revisão dos períodos anteriores. Autores: Gilberto Luiz do Amaral, João Eloi Olenike, Letícia Mary F. do Amaral e Fernando Steinbruch. Elaborado em 2 de fevereiro de 2010. Disponível em: www.ibpt.com.br/img/_publicacao/13854/186.pdf


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Alexis Sales de Paula e. A origem do Federalismo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2642, 25 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17486. Acesso em: 29 mar. 2024.