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Considerações sobre o recurso adesivo

Considerações sobre o recurso adesivo

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O recurso adesivo ou subordinado tem cabimento na hipótese de sucumbência recíproca em que uma das partes, até então conformada com a decisão judicial prolatada, diante do recurso interposto pela parte contrária, opta por também impugná-la. Ou seja, perante o recurso de uma parte sucumbente, a outra vem a recorrer também, mas de modo adesivo.

Cumpre observar que o recurso subordinado não é uma espécie de recurso. Chega-se a conclusão com a simples observação do artigo 496 do Código de Processo Civil, no qual consta o rol taxativo de recursos cíveis previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de um modo de interposição de recurso. Em regra, não é nada além do recurso que a parte já poderia ter interposto contra a decisão que agora resolve atacar.

Nas palavras de Frederico Marques [01], seria, "o incidente que surge em caso de sucumbência recíproca, no procedimento recursal instaurado por um dos litigantes, em virtude de exercer também a outra parte, posterior e subordinadamente o direito de recorrer".

Ocorre sucumbência recíproca quando autor e réu são parcialmente vencedores e vencidos em suas pretensões. Difere da sucumbência parcial no sentido de que nesta uma das partes consegue apenas parcela do que pleiteava, sem que a parte contrária também tenha conseguido fração do que se ansiava conquistar.

Tem por objetivo evitar que o litigante até então conformado com a tutela jurisdicional, recorra pelo simples receio de que a parte contrária recorra e tenha sucesso em seu pleito.

O recurso subordinado é dotado de peculiaridades, quais sejam:

a. Seu prazo não é comum ao do recurso principal. Deve, ao contrário, ser apresentado no tempo dedicado ao oferecimento de contra-razões, alegações essas que poderão ou não ser prestadas, sem influir no exame de mérito do recurso adesivo.

b. Não cabe no caso de reexame necessário. É da essência do recurso adesivo que a parte que recorra desse modo não espere que o outro litigante venha a se insurgir contra a decisão. No reexame necessário, essa expectativa não tem qualquer sentido.

c. Em relação à Fazenda Pública e ao Ministério Público [02], apesar de contabilizarem o dobro do prazo legal para recorrer (art. 188/CPC), não gozam do mesmo benefício para contra-arrazoar. E nos termos do CPC (art. 500), o recurso adesivo deverá ser interposto no prazo que a parte tem para responder ao recurso. Sendo assim, poder-se-ia concluir que Fazenda Pública e MP não gozam do dobro do prazo para recorrer subordinadamente. Todavia, não é esse o entendimento mais adequado. Os prazos em dobro para Fazenda e MP não visam a dar-lhes um benefício gratuito, mas, ao contrário, a deixá-los em posição de igualdade com o particular. Isso porque a quantidade de demandas submetidas a esses agentes processuais é enorme, e o atendimento aos prazos legais tornaria sua tarefa muito mais árdua, comprometendo sobremaneira o bem público, objetivo primeiro de suas atuações processuais. Nessa linha, José Carlos Barbosa Moreira [03], Fredie Didier Jr., Leonardo José Carneiro da Cunha [04] e Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. PRAZO EM DOBRO DA FAZENDA PÚBLICA PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADESIVO. INDEPENDÊNCIA DO ATO PROCESSUAL DE RESPOSTA DO RECURSO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO. I - O prazo em dobro para interposição do recurso adesivo decorre da conjugação do art. 500, I c/c art. 188, ambos do Código de Processo Civil. II - O recurso adesivo não está condicionado à apresentação de contra-razões ao recurso principal, porque são independentes ambos os institutos de direito processual, restando assegurado, pela ampla defesa e contraditório constitucionais, tanto o direito de recorrer, como o de responder ao recurso. III - Embargos rejeitados. [05]

d. Terceiro prejudicado submetido à coisa julgada material pode recorrer adesivamente. No caso, esse novo ator processual poderia ter sido um terceiro interveniente no processo, na qualidade de assistente litisconsorcial. Não o fez. Todavia, em rara exceção à regra de que a decisão judicial só afetará a esfera jurídica daqueles que participaram da relação processual, esse terceiro sofrerá efeitos da decisão. Daí seu interesse em recorrer. Mas essa posição não é pacífica. Segundo parte da doutrina [06], a lei refere-se apenas a autor e réu, ficando subentendido que a somente estes foi dada essa capacidade.

e. Ministério Público agindo como custos legis não pode recorrer adesivamente. Entendemos que o MP agindo nessa qualidade não sucumbe e não possui disponibilidade sobre o direito discutido. Se houve inobservância da lei (objetivo de sua participação processual), deveria ter agido de imediato, logo após a decisão, e não aguardado o recurso de uma das partes. Do contrário, considerando-se que nenhuma das partes recorra, a ilegalidade subsistirá produzindo efeitos e sendo passível de desconstituição, somente, por uma eventual ação rescisória, nos termos do art. 485, IV/ CPC. O tema também gera discussão entre os autores [07].

f. Para que o recurso subordinado seja conhecido, imperioso se faz que o recurso principal (ou independente), tenha sido conhecido. Do contrário, ambos serão desconsiderados e a decisão transitará em julgado do modo em que foi proferida (salvo no caso em que o recorrente principal apele e seja atendido pelo tribunal imediatamente superior ou pelo próprio juízo prolator da decisão, nos termos do art. 296/CPC).

g. A matéria do recurso adesivo não precisa estar vinculada ao que foi atacado pelo recurso principal. Isso ocorre por simples conseqüência lógica: em caso de sucumbência recíproca, cada litigante recorrerá da parte da decisão em que sucumbiu.

h. Não é admissível para todos os recursos, apenas na apelação, nos embargos infringentes, no recurso extraordinário e no recurso especial (art. 500, II / CPC). Segundo Cunha e Didier [08], será cabível também no recurso ordinário constitucional, quando fizer as vezes de apelação nas ações propostas por Município ou pessoa residente no Brasil em face de Estado estrangeiro ou organismo internacional.

i. A parte que teve o seu recurso independe inadmitido não pode se valer do recurso adesivo, porquanto haveria ofensa à coisa julgada ao se permitir nova análise de matéria já decidida. Todavia, se não recorreu autonomamente, embora já tivesse demonstrado o interesse de fazê-lo, poderá se valer do recurso adesivo. Acerca da matéria, STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSOS AUTÔNOMO E ADESIVO INTERPOSTOS PELA MESMA PARTE. ART. 500, DO CPC. PRECLUSÃO CONSUMATIVA.

1. O inconformismo veiculado no recurso adesivo não pode apreciar incidenter tantum eventual violação de lei quanto à inadmissão do recurso especial por força do requisito do prequestionamento.

2. A exegese jurisprudencial aplica-se ainda que o apelo não tenha sido recebido por error in judicando, porquanto o raciocínio inverso reabriria preclusão já consumada sem prejuízo de o recurso adesivo fazer as vezes de recurso de agravo, notoriamente, nesse momento processual, intempestivo.

3. O recurso adesivo é inadmissível pela parte que já interpusera apelo autônomo, ainda que não conhecido, ante a ocorrência de preclusão consumativa.

4. Recurso Especial Desprovido. [09]

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO ADESIVO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 500 DO CPC. CABIMENTO. PERDA DE PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO AUTÔNOMO: IRRELEVÂNCIA.

1. O art. 500 do CPC estabelece os requisitos objetivos que ensejam a interposição de recurso adesivo.

2. Conquanto fique patente a manobra da recorrente para contornar a perda de prazo para interposição de recurso de apelação autônomo, preenchidos os requisitos legais do art. 500 do CPC, não pode o Tribunal deixar de analisar o recurso adesivo.

3. Antigo precedente da Quarta Turma desta Corte que não se coaduna com o dispositivo legal violado.

4. Recurso especial provido. [10]

j. Haverá contra-razões do recurso adesivo. Apesar de ser um recurso subordinado ao recurso principal, já apontamos que as matérias tratadas em um e outro podem ser diversas. Dessa forma, em atenção ao contraditório e à ampla defesa, após conhecer do recurso adesivo, caberá ao juiz abrir prazo para que a outra parte (recorrente no principal e recorrida no adesivo) apresente contra-razões ao subordinado.


REFERÊNCIAS

  1. CÂMARA. Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 14 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, v. 2.
  2. DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da Cunha. Curso de Direito Processual Civil. 3 ed. Salvador: Podium, 2007, v.3.
  3. MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1987, v.3.
  4. MOREIRA. José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v.5.
  5. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº. 171543 – RS. Rel. Min. Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julg.: 16.06.2000. DJ de 14.08.2000, p. 159. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 17 jun. 2008.
  6. _______. Recurso Especial nº 864579 – SP. Rel. Min. Eliana Calmon. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julg.: 08.05.2007. DJ de 29.05.2007, p. 276. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 27 jun. 2008.
  7. _______. Recurso Especial nº 739632 – RS. Rel. Luiz Fux. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julg.: 15.05.2007. DJ de 11.06.2007, p. 268. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/>. Acesso em: 27 jun. 2008.

NOTAS

  1. MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 1987, v.3, p. 221.
  2. Ressalte-se que aqui falamos do MP atuando como parte. Sua atuação como custos legis será analisada adiante.
  3. MOREIRA. José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v.5, p. 323.
  4. CUNHA, Leonardo José Carneiro da Cunha; DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 3 ed. Salvador: Podium, 2007, v.3, p. 85.
  5. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 171543 – RS. Rel. Min. Nancy Andrighi. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julg.: 16.06.2000. DJ de 14.08.2000, p. 159.
  6. Nessa corrente: Alexandre Freitas Câmara e Barbosa Moreira. Conosco, ratificando a faculdade de recorrer adesivamente ao terceiro prejudicado: Frederico Marques, Fredie Didier Jr.
  7. Nsse sentido: Alexandre Freitas Câmara e Barbosa Moreira. Em sentido contrário, pela possibilidade do MP recorrer adesivamente: Frederico Marques e Fredie Didier Jr.
  8. CUNHA; DIDIER. Op.cit. 2007, p. 83.
  9. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 739632 – RS. Rel. Luiz Fux. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julg.: 15.05.2007. DJ de 11.06.2007, p. 268.
  10. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 864579 – SP. Rel. Min. Eliana Calmon. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julg.: 08.05.2007. DJ de 29.05.2007, p. 276.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTE, Meiry Mesquita. Considerações sobre o recurso adesivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2650, 3 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17537. Acesso em: 28 mar. 2024.