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Contraditório e ampla defesa na análise de aposentadorias, reformas e pensões pelos Tribunais de Contas.

A mitigação da Súmula Vinculante nº 3

Contraditório e ampla defesa na análise de aposentadorias, reformas e pensões pelos Tribunais de Contas. A mitigação da Súmula Vinculante nº 3

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Segundo o recente posicionamento do STF, o exercício do contraditório e da ampla defesa dependerá de uma questão temporal relativa à demora, ou não, na apreciação do ato pelos Tribunais de Contas.

Segundo disposição constitucional, é competência do Tribunal de Contas da União "apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, (...) bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório" (artigo 71, III).

No exercício de seu mister, a função do Tribunal de Contas não está adstrita a uma mera chancela do ato administrativo concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão. Cabe à Corte perscrutar todo o ato, verificando, detidamente, todos os elementos que o compõem, sejam os atinentes aos atos administrativos em geral, sejam os específicos ao caso, examinando, dentre outras coisas, a competência da autoridade que o expediu, a consonância com a legislação autorizativa da concessão, a forma como foi editado, o início da vigência, a sua composição e a sua publicação.

Tem por escopo assegurar a manutenção da ordem jurídica como um todo, mas, principalmente, defender o erário de atos ilegais arrimados em máculas das mais diversas origens, como o desconhecimento da lei, a tentativa de favorecimento indevido, a negligência, a imperícia nos cálculos necessários etc.

Ademais, imperioso destacar que o exame realizado pelo Tribunal de Contas sobre as concessões de aposentadorias, reformas e pensões constitui-se em parte integrante e necessária à completude dos atos relacionados. Apenas após a autorização de registro pela Corte de Contas, o ato se aperfeiçoa e passa a surtir todos os necessários efeitos no mundo jurídico, inclusive no que toca ao início do prazo decadencial disposto na Lei 9784/99. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, literalmente:

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. APOSENTADORIA DE MAGISTRADO. NÃO-PREENCHIMENTO DA TOTALIDADE DOS REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DA VANTAGEM PREVISTA NO ART. 184, INC. II, DA LEI N. 1.711/1952. INAPLICABILIDADE DO ART. 250 DA LEI N. 8.112/1990. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA E OFENSA AO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE SALÁRIOS NÃO CONFIGURADAS. 1. O direito à aposentação com a vantagem prevista no inciso II do art. 184 da Lei n. 1.711/1952 exige que o Interessado tenha, concomitantemente, prestado trinta e cinco anos de serviço (no caso do Magistrado-Impetrante, trinta anos) e sido ocupante do último cargo da respectiva carreira. O Impetrante preencheu apenas o segundo requisito em 13.7.1993, quando em vigor a Lei n. 8.112/1990. 2. A limitação temporal estabelecida no art. 250 da Lei n. 8.112/1990 para a concessão da vantagem pleiteada teve aplicação até 19.4.1992, data em que o Impetrante ainda não havia tomado posse no cargo de Juiz togado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. 3. O Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento de que, sendo a aposentadoria ato complexo, que só se aperfeiçoa com o registro no Tribunal de Contas da União, o prazo decadencial da Lei n. 9.784/99 tem início a partir de sua publicação. Aposentadoria do Impetrante não registrada: inocorrência da decadência administrativa. 4. A redução de proventos de aposentadoria, quando concedida em desacordo com a lei, não ofende o princípio da irredutibilidade de vencimentos. Precedentes. 5. Segurança denegada. (MS 25552, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-097 DIVULG 29-05-2008 PUBLIC 30-05-2008 EMENT VOL-02321-01 PP-00075 RT v. 97, n. 876, 2008, p. 118-125) (Grifei)

Nesse cenário, e levando em conta a particularidade da apreciação realizada pela Corte de Contas nos atos de aposentadoria, reforma e pensão, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante, na qual assevera, in verbis:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. (Grifei)

Em sua parte inicial, portanto, não foi além de (re)assegurar o que a Carta Política já incluiu em seu rol de direitos e garantias fundamentais: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (art. 5º, LV).

Em sua parte final, entretanto, inovou ao pontuar que o direito ao contraditório e à ampla defesa não é assegurado perante as Cortes de Contas quando apreciam a legalidade de atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão.

Ressalte-se, todavia, que a súmula abrangeu apenas os atos iniciais de concessão de benefício, não incluindo nesse ponto os atos revisionais, posto que esse exame já recai sobre ato perfeito e acabado já que posterior à primeira análise pelo colegiado. Sobre esse ponto, mais uma vez a Suprema Corte:

APOSENTADORIA - PROVENTOS - ALTERAÇÃO PELO ADMINISTRADOR. Uma vez aperfeiçoado o ato complexo alusivo à aposentadoria, com a homologação pelo Tribunal de Contas, a modificação dos proventos não prescinde da observação do devido processo legal, presente a medula deste último, ou seja, o contraditório. (RE 285495, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/10/2007, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007 PP-00078 EMENT VOL-02301-04 PP-00651 RTJ VOL-00204-01 PP-00377) (Grifei)

O posicionamento do STF partiu da premissa que exigir a oportunização do exercício do contraditório e da ampla defesa nas Cortes de Contas geraria um indevido e indesejado enfraquecimento do controle externo por elas exercido. A questão foi bem sintetizada pelo então Ministro do STF, Octávio Gallotti, nos seguintes termos:

Considerar que o Tribunal de Contas, quer no exercício da atividade administrativa de rever os atos de seu Presidente, quer no desempenho da competência constitucional para julgamento da legalidade da concessão de aposentadoria, (ou ainda na aferição da regularidade de outras despesas) esteja jungido a um processo contraditório ou contencioso, é submeter o controle externo, a cargo daquela Corte, a um enfraquecimento absolutamente incompatível com o papel que vê, sendo historicamente desempenhado pela Instituição desde os albores da República. (SS-AgR 514).

Com base nesse fundamento, em algumas oportunidades o STF negou o acesso ao contraditório e à ampla defesa diante das Cortes de Contas. Senão vejamos:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PENSÃO. TCU: JULGAMENTO DA LEGALIDADE: CONTRADITÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA: FATOS CONTROVERTIDOS. I. - O Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade de concessão de aposentadoria ou pensão, exercita o controle externo que lhe atribui a Constituição Federal, art. 71, III, no qual não está jungido a um processo contraditório ou contestatório. Precedentes do STF. II. - Inaplicabilidade, no caso, da decadência do art. 54 da Lei 9.784/99. III. - Fatos controvertidos desautorizam o ajuizamento do mandado de segurança. IV. - MS indeferido. (MS 25440, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2005, DJ 28-04-2006 PP-00006 EMENT VOL-02230-02 PP-00213 RTJ VOL-00199-02 PP-00676)

Ocorre que, ao contrário do que a edição da súmula vinculante pareceu indicar, o tema não era e nem passou a ser pacífico dentro do STF.

Por diversas vezes o referido colegiado debateu a questão do direito de defesa perante os Tribunais de Contas, algumas vezes entendendo ser necessária a sua oportunização e, em outras, posicionando-se por sua prescindibilidade. Prova disso são os acórdão proferidos no MS 26737 ED e no MS 26085, ambos julgados em 2008 e, portanto, posteriores à edição da súmula vinculante 3.

Enquanto o primeiro deles anota a aplicabilidade da súmula no sentido da desnecessidade do contraditório e do direito de defesa, o segundo aponta, apesar de não colocar de forma expressa, no sentido da necessidade de assegurar o direito de defesa. In verbis:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. IMPETRAÇÃO SIMULTÂNEA DE MANDADO DE SEGURANÇA E DE RECURSO ADMINISTRATIVO COM EFEITO SUSPENSIVO. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. LEGALIDADE DE ATO DE APOSENTADORIA. NÃO-SUJEIÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. 1. O art. 5º, inc. I, da Lei n. 1.533/1951 desautoriza a impetração de mandado de segurança quando o ato coator puder ser impugnado por recurso administrativo provido de efeito suspensivo. 2. Inexistência de erro de fato. Impossibilidade de decretação de nulidade de processo administrativo, no qual pende julgamento de pedido de reexame, sob pena de se desrespeitar a competência constitucional do Tribunal de Contas da União. 3. No julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão, o Tribunal de Contas da União não se sujeita aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Súmula Vinculante n. 3 do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (MS 26737 ED, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2008, DJe-048 DIVULG 12-03-2009 PUBLIC 13-03-2009 EMENT VOL-02352-01 PP-00128)

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE CONSIDEROU ILEGAL APOSENTADORIA E DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS DE PROFESSOR. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. UTILIZAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA OBTENÇÃO DE VANTAGENS EM DUPLICIDADE (ARTS. 62 E 193 DA LEI N. 8.112/90). MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. DESNECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS. INOCORRÊNCIA DE DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO DIREITO ADQUIRIDO. 1. A compatibilidade de horários é requisito indispensável para o reconhecimento da licitude da acumulação de cargos públicos. É ilegal a acumulação dos cargos quando ambos estão submetidos ao regime de 40 horas semanais e um deles exige dedicação exclusiva. 2. O § 2º do art. 193 da Lei n. 8.112/1990 veda a utilização cumulativa do tempo de exercício de função ou cargo comissionado para assegurar a incorporação de quintos nos proventos do servidor (art. 62 da Lei n. 8.112/1990) e para viabilizar a percepção da gratificação de função em sua aposentadoria (art. 193, caput, da Lei n. 8.112/1990). É inadmissível a incorporação de vantagens sob o mesmo fundamento, ainda que em cargos públicos diversos. 3. O reconhecimento da ilegalidade da cumulação de vantagens não determina, automaticamente, a restituição ao erário dos valores recebidos, salvo se comprovada a má-fé do servidor, o que não foi demonstrado nos autos. 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se firmado no sentido de que, no exercício da competência que lhe foi atribuída pelo art. 71, inc. III, da Constituição da República, o Tribunal de Contas da União cumpre os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal quando garante ao interessado - como se deu na espécie - os recursos inerentes à sua defesa plena. 5. Ato administrativo complexo, a aposentadoria do servidor, somente se torna ato perfeito e acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas da União. 6. Segurança parcialmente concedida. (MS 26085, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-01165) (Grifei)

Nesse ponto, convém destacar que apesar de o entendimento sumulado parecer pertinente quando considerado que o Tribunal de Contas, como órgão de fiscalização que é, deve estar munido de elementos que permitam o cumprimento efetivo de seu mister e conseqüente inocorrência de danos ao erário; e, ainda, que é possível considerar que a conduta das referidas Cortes, nesse específico caso, funcionaria frente à Administração pública que editou o ato, e não em face do interessado, razão pela qual não seria necessário que este último fosse ouvido no feito, ainda assim parece que o direito de defesa ultrapassa esses argumentos.

Ora, os beneficiários da previdência pública são os destinatários finais do resultado da análise realizada pelas Cortes de Contas, e é sobre seu patrimônio jurídico que recai o "julgamento" feito por aquele colegiado, sendo ele, o interessado, quem experimentará as conseqüências do julgado. Sendo considerado ilegal o ato de aposentadoria por falta do tempo mínimo de contribuição, por exemplo, é o segurado que deverá abandonar a inatividade e retornar às atividades para complementar o período.

Nesse cenário, tentando harmonizar os ideais do controle externo com o inarredável direito de defesa do indivíduo, é que a Suprema Corte continua repensando o entendimento sumulado, sinaliza no sentido de sua mitigação. Para tanto, em recente julgado entendeu que a sua aplicabilidade dependerá de um fator específico, qual seja, o momento está sendo realizada a atividade das Cortes de Contas.

Se realizada até 5 (cinco) anos da percepção do benefício previdenciário, permaneceria dispensado o contraditório e a ampla defesa. Se ocorrido após esse marco, o direito de defesa estaria assegurado.

Foi o que noticiou o Informativo nº 599, do Supremo Tribunal Federal, acerca da conclusão do julgamento do MS 25116, literalmente:

Prazo para Registro de Aposentadoria e Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa - 6

Em conclusão, o Tribunal, por maioria, concedeu mandado de segurança para anular acórdão do TCU no que se refere ao impetrante e para o fim de se lhe assegurar a oportunidade do uso das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Na situação dos autos, a Corte de Contas negara registro a ato de aposentadoria especial de professor — outorgada ao impetrante — por considerar indevido o cômputo de serviço prestado sem contrato formal e sem o recolhimento das contribuições previdenciárias — v. Informativos 415, 469, 589 e 590. Não obstante admitindo o fato de que a relação jurídica estabelecida no caso se dá entre o TCU e a Administração Pública, o que, em princípio, não reclamaria a audição da parte diretamente interessada, entendeu-se, tendo em conta o longo decurso de tempo da percepção da aposentadoria até a negativa do registro (cinco anos e oito meses), haver direito líquido e certo do impetrante de exercitar as garantias do contraditório e da ampla defesa. Considerou-se, ao invocar os princípios da segurança jurídica e da lealdade, ser imperioso reconhecer determinadas situações jurídicas subjetivas em face do Poder Público. Salientou-se a necessidade de se fixar um tempo médio razoável a ser aplicado aos processos de contas cujo objeto seja o exame da legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões, e afirmou-se poder se extrair, dos prazos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, o referencial de cinco anos. Com base nisso, assentou-se que, transcorrido in albis o prazo qüinqüenal, haver-se-ia de convocar o particular para fazer parte do processo de seu interesse. (MS 25116/DF, rel. Min. Ayres Britto, 8.9.2010) (Grifei)

Portanto, segundo o recente posicionamento do STF, o exercício do contraditório e da ampla defesa dependerá de uma questão temporal relativa à demora, ou não, na apreciação do ato pelos Tribunais de Contas.

Ressalte-se que o informativo subseqüente, nº 600, trouxe decisão do STF reiterando o novo entendimento. Vejamos:

Prazo para Registro de Pensão e Garantias do Contraditório e da Ampla Defesa - 3
Ao aplicar orientação firmada no MS 25116/DF (v. Informativo 599) no sentido de reconhecer a razoabilidade do prazo de 5 anos para que o Tribunal de Contas da União - TCU examine a legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões, o Tribunal, em conclusão de julgamento, por maioria, concedeu parcialmente mandado de segurança. Anulou-se acórdão do TCU no que se refere à impetrante e para o fim de se lhe assegurar a oportunidade do uso das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado contra atos do TCU e do Coordenador-Geral de Recursos Humanos do Ministério dos Transportes, que implicaram o cancelamento da pensão especial percebida pela impetrante — v. Informativos 484 e 590. Tendo em conta que ela vinha recebendo a pensão há quase 10 anos de forma ininterrupta, entendeu-se que o seu benefício não poderia ter sido cessado sem que lhe fosse oportunizada manifestação. Vencidos os Ministros Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, que concediam a ordem totalmente, pronunciando a decadência, e os Ministros Ellen Gracie e Marco Aurélio que a denegavam. (MS 25403/DF, rel. Min. Ayres Britto, 15.9.2010) (Grifei)

O ponto essencial que avulta da questão é a sempre reclamada demora nos procedimentos administrativos e jurisdicionais, preocupação esta que, aliás, culminou na inclusão do inciso LXXVIII ao art. 5º da CF, garantindo a todos a razoável duração do processo.

Questiona-se que, se por alguma razão o reconhecido ato complexo de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão pelo regime próprio da previdência social demora para ser complementado pela análise do Tribunal de Contas competente, se seria razoável impor ao interessado uma infindável insegurança jurídica e, possivelmente, a exclusão de seu benefício anos após o seu recebimento sem que sequer possa apresentar defesa.

Inobstante a pertinência das ponderações da Suprema Corte e da louvável preocupação em repensar um posicionamento que restringia o exercício de um direito fundamental, a solução ora apresentada parece ainda não sem a última nem a mais acertada, já que leva em conta apenas um requisito específico, o tempo, sem que sequer seja tangenciada a questão material que repercuta no processo.

A saída mais razoável, reputo, foi levantada pelo Ministro Carlos Velloso ainda no ano de 1994, no RE 158543, ocasião em que o STF, por sua segunda turma, abordou o cabimento de contraditório e ampla defesa em procedimentos administrativos. Naquela oportunidade, o referido julgador defendeu que a oportunização do contraditório e da ampla defesa dependeria da natureza da questão nodal do feito. In verbis:

Nos casos que tenho apreciado, em que o tema é ventilado, procuro verificar se o ato praticado é puramente jurídico ou se envolve ele questões de fato, em que se exige o fazimento de prova. Porque, se o ato é puramente jurídico, envolvendo, simplesmente, a aplicação de normas objetivas, mesmo não tendo sido assegurado o direito de defesa na área administrativa, pode a questão se examinada em toda sua extensão, no Judiciário, na medida judicial contra o ato apresentada. Neste caso, portanto, não há se falar em prejuízo para o administrado, ou não resulta, do fato de não ter sido assegurada a defesa, na área administrativa, qualquer prejuízo, dado que a questão, repito, pode ser examinada em toda sua extensão, judicialmente. (Grifei)

Apesar de o julgado não tratar especificamente do direito de defesa nos Tribunais de Contas, a saída parece plenamente aplicável ao caso em análise.

De fato, mostra-se necessário tratar de maneiras diferentes situações que divergem entre si: a) se a análise das Cortes de Contas for adstrita a matéria de direito, o contraditório e a ampla defesa são dispensáveis, já que o colegiado seria competente para, de pronto, definir o que fosse devido; b) se, por outro lado, o questionamento envolvesse situações fáticas, a manifestação do interessado seria imperiosa, já que nesse momento seria quem melhor poderia trazer elementos sobre a temática.

Pensando em exemplos concretos, a análise do caso específico sobre o qual controverta o feito parece ainda mais pertinente. Pensemos. Se na análise do Tribunal de Contas é observado um erro nos cálculos dos benefícios, ou a incorreta aplicação de um dispositivo constitucional, a Corte tem o conhecimento e a competência necessários para assentar o que é correto ao ato e, inclusive, entender por sua ilegalidade. Por outro lado, se observa vício em um documento do segurado, ou a não comprovação de um lapso de tempo de serviço, seria o interessado quem melhores condições teria para sanar a irregularidade ou mesmo demonstrar que ela inexiste.

A solução proposta, desta forma, levaria em conta as circunstâncias do caso concreto, notadamente o ponto sobre o qual controversa o Tribunal de Contas na legalidade do ato, não delegando a oportunização do contraditório e da ampla defesa a uma mera questão temporal.

Destarte, o mais recente posicionamento do STF acerca do direito ao contraditório e à ampla defesa no âmbito dos Tribunais de Contas no momento da apreciação de atos de aposentadoria, reforma e pensão poderá ainda não ser o definitivo, posto ser matéria apta a ensejar ainda vindouros debates e possíveis (ou prováveis) alterações no entendimento sumulado, findando, como apontou o Ministro Marco Aurélio Mello no MS 25116, por "temperar" a súmula vinculante 3, ou mesmo por revisá-la.


Referências

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 25116, Relator(s): Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2010, Informativo de jurisprudência nº. 599. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo599.htm>. Acesso em: 30/09/2010.

_______. _______. MS 25403, Relator(s): Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 15/09;2010, Informativo de jurisprudência nº. 600. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo600.htm>. Acesso em 30/09/2010.

_______. _______. MS 25440, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2005, DJ 28-04-2006 PP-00006 EMENT VOL-02230-02 PP-00213 RTJ VOL-00199-02 PP-00676.

_______. _______. MS 25552, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-097 DIVULG 29-05-2008 PUBLIC 30-05-2008 EMENT VOL-02321-01 PP-00075 RT v. 97, n. 876, 2008, p. 118-125.

_______. _______. MS 26085, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2008, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-02 PP-00269 RTJ VOL-00204-03 PP-01165.

_______. _______. MS 26737 ED, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2008, DJe-048 DIVULG 12-03-2009 PUBLIC 13-03-2009 EMENT VOL-02352-01 PP-00128.

_______. _______. RE 158543, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, SEGUNDA TURMA, julgado em 30/08/1994, DJ 06-10-1995 PP-33135 EMENT VOL-01803-04 PP-00767 RTJ VOL-00156-03 PP-01042

_______. _______. RE 285495, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/10/2007, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007 PP-00078 EMENT VOL-02301-04 PP-00651 RTJ VOL-00204-01 PP-00377.

_______. _______. SS 514 AgR, Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/1993, DJ 03-12-1993 PP-26356 EMENT VOL-01728-01 PP-00037.

_______. _______. SÚMULA VINCULANTE 3. Aprovação em 30/05/2007, DJe nº 31, p. 1, em 6/6/2007. DJ de 6/6/2007, p. 1. DOU de 6/6/2007, p. 1.

BRIGUET, Magadar Rosália Costa; VICTORINO, Maria Cristina Lopes; HORVATH JR, Miguel. Previdência social: aspectos práticos e doutrinários dos regimes jurídicos próprios. São Paulo: Atlas, 2007.

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TEIXEIRA, Flávio Germano de Sena. O controle das aposentadorias pelos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Fórum, 2004.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTE, Meiry Mesquita. Contraditório e ampla defesa na análise de aposentadorias, reformas e pensões pelos Tribunais de Contas. A mitigação da Súmula Vinculante nº 3. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2660, 13 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17541. Acesso em: 29 mar. 2024.