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Os entraves constitucionais à aplicação do princípio da liberdade no sistema sindical brasileiro

Os entraves constitucionais à aplicação do princípio da liberdade no sistema sindical brasileiro

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O sistema sindical de Vargas gerou graves consequências, como a unicidade sindical, a divisão dos trabalhadores em categorias, o poder normativo da Justiça do Trabalho e a contribuição sindical compulsória.

RESUMO

A organização sindical brasileira, considerada de cunho autoritário mesmo após a Constituição de 1988, teve suas raízes fundadas na filosofia corporativista de Getúlio Vargas; assim, enquanto no restante do mundo, principalmente nos países de orientação capitalista liberal, o sindicalismo desenvolvia-se sob o primado da liberdade, no Brasil, o sindicato sofreu forte influência autocrática. Este sistema sindical implantado na era Vargas gerou graves consequências ao sindicalismo brasileiro, como a manutenção da unicidade sindical, da divisão dos trabalhadores em categorias, do poder normativo da Justiça do Trabalho e da contribuição sindical compulsória. A unicidade sindical constitui afronta ao princípio da liberdade sindical, pois somente permite a criação de um único sindicato representante de categoria em determinado território, impedindo o Brasil de ratificar a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A divisão dos trabalhadores em categorias favorece o sistema de unicidade, pois é o que delimita a abrangência subjetiva da representação sindical, descabendo esta classificação em um cenário de liberdade sindical. Por sua vez, o poder normativo da Justiça do Trabalho, nascido da vontade do Estado corporativista de eliminar qualquer conflito de classes, é também prejudicial à liberdade sindical, pois restringe a negociação coletiva, entrando em aparente conflito com a Convenção nº 98 da OIT. Por fim, a contribuição sindical obrigatória, condição para a existência da unicidade sindical, retira do sindicato a responsabilidade de contrapartida diante dos seus representados, uma vez que independe destes para existir. Todos esses elementos contrariam o espírito democrático intencionado pela Constituição de 1988, porém permanecem em pleno vigor no cenário jurídico nacional.


INTRODUÇÃO

O presente artigo é um estudo sobre os principais institutos remanescentes da época da implantação das bases jurídicas do sindicalismo no Brasil, os quais atravancam a atuação do princípio da liberdade sindical, consagrado em convenções internacionais adotadas pela maioria dos países democráticos.

Neste contexto, é de fundamental importância a análise das razões de manutenção do atual sistema jurídico de sindicalismo adotado no País, perpassando pelo desenvolvimento do sindicato no contexto internacional e, obrigatoriamente, pela filosofia corporativista que inspirava o Estado Novo de Vargas, o qual normatizou e fundou as bases do sindicato brasileiro. Verificam-se, no mesmo diapasão, algumas conveniências históricas que justificaram o desinteresse dos governos ulteriores a Vargas em modificar o modelo de sindicato implantado por este.

Buscou-se, após, demonstrar que o monismo ou a unicidade sindical, sistema vigente no Brasil, considerado incompatível com o princípio da liberdade, sobreviveu à onda democrática impingida pela Constituição da República de 1988, e quais as repercussões que este fenômeno gera nas classes laborativas profissionais.

Ainda dentro do contexto da unicidade sindical, procurou-se evidenciar como o modelo de categorias, seguindo a proposta corporativista da era Vargas, ao compartimentar as classes de trabalhadores em balizamentos preestabelecidos, favoreceu a existência do sistema monista de sindicalismo.

Em continuidade, a pesquisa pretendeu demonstrar que subsiste no Judiciário Trabalhista brasileiro o instituto do poder normativo, que obstaculiza a negociação coletiva ao substituir a vontade das partes por uma decisão que cria direitos, malgrado a imensa importância dada pela Organização Internacional do Trabalho à livre negociação coletiva, como uma das condições para a plena liberdade sindical. Introduz-se, neste ponto, a intenção do legislador constituinte derivado de mitigar este instituto, ao trazer ao mundo jurídico o requisito do "comum acordo" para o ajuizamento de dissídios coletivos de natureza econômica, através da Emenda Constitucional n. 45/2004.

Em seu crepúsculo, o trabalho expõe a contribuição sindical obrigatória, principal fonte de receita das entidades sindicais, outro instituto símbolo do corporativismo da era Vargas, que permaneceu no universo jurídico pátrio por dicção expressa da Carta Magna de 1988. Demonstra-se como a referida contribuição, por ser compulsória, é interdependente para com a unicidade sindical, e, além de tornar questionável a legitimidade da representação sindical, retira do dirigente dos sindicatos a responsabilidade sobre os rumos da entidade diante dos membros da categoria.

O estudo do tema e das questões analisadas em torno deste justifica-se pelo fato de que o modelo jurídico sindical brasileiro, tido como retrógrado pela quase unanimidade dos doutrinadores, poderia garantir mais e melhores direitos trabalhistas aos seus titulares caso se livrasse de sua tradição autocrática – com inspiração corporativista –, coadunando-se com o princípio da liberdade sindical na organização das entidades de representação profissional e patronal. Outrossim, destaca-se a flagrante necessidade de se incutir no ordenamento jurídico pátrio a noção de responsabilidade das direções classistas, hodiernamente suprimida pelos mecanismos jurídicos autoritário-corporativistas remanescentes na Carta de 1988. Afinal, a inserção no cenário jurídico brasileiro do princípio da liberdade sindical, tal como previsto nas Convenções nos 87 e 98 da Organização Internacional do Trabalho, traria imensos avanços democráticos aos titulares de direitos trabalhistas, bem como estaria em convergência com os demais princípios constitucionais, assegurando uma maior homogeneidade da Carta Magna e, consequentemente do sistema jurídico brasileiro.

A pesquisa que precedeu este trabalho teve como ponto de partida o pressuposto de que a configuração jurídica atual do sistema de organização sindical brasileiro, tendo mantido a mesma estrutura básica da época de sua criação, está em contradição com os princípios constitucionais democráticos, bem como impediu que o Brasil ratificasse as principais Convenções internacionais sobre liberdade sindical.

Visando um trabalho objetivo, cujo objeto de estudo seja bem delineado, o presente artigo dedica-se, especificamente, ao conjunto de regramentos e princípios do Direito do Trabalho e Sindical brasileiros e do próprio modelo de organização do sistema sindical adotado no País, e sua contradição diante do espírito democrático da Constituição da República de 1988. Sobre tal tema há vasta manifestação doutrinária, contando-se ainda com as normas jurídicas que regulamentam e dão forma ao modelo sindical brasileiro, e as Convenções internacionais que o Brasil se viu impedido de ratificar ante este modelo.


CAPÍTULO I

RAZÕES DE MANUTENÇÃO DA ATUAL ORGANIZAÇÃO SINDICAL BRASILEIRA

É consenso que a organização sindical brasileira é considerada de cunho autoritário e sob forte influência estatal, mesmo após a promulgação da Carta Magna de 1988. Com toda a certeza, o advento da Constituição Cidadã significou imenso avanço no processo de democratização do sindicato no Brasil. Contudo, as associações coletivas de trabalho brasileiras ainda trazem em si o ranço do corporativismo.

É de suma importância analisar a manutenção do sistema de organização sindical brasileiro, que se manteve extremamente próximo de suas origens, até a Constituição de 1988, e, após, como dito, ainda manteve alguns traços autoritários.

Para tanto, cumpre estudar, ainda que muito superficialmente, as origens do sindicalismo no mundo e como este fenômeno se desenvolveu no Brasil.

Pode-se dizer com segurança que a associação de trabalhadores para a defesa de interesses coletivos surgiu com a consolidação do capitalismo, acompanhado de seu baseamento ideológico, o liberalismo. De fato, o surgimento do sindicato, tal como concebido hodiernamente, está fixado na Inglaterra, no contexto de desenvolvimento da revolução industrial e da sociedade capitalista, daí espalhando-se para o restante da Europa Ocidental, norte dos Estados Unidos e, tempos depois, para outras partes do mundo (DELGADO, 2007).

O corolário do liberalismo era a autodeterminação individual, podendo o homem dispor completamente de sua vontade para estabelecer praticamente qualquer forma de contratação, sendo vedada a interferência estatal no conteúdo da avença entre particulares.

Aproveitando-se desta filosofia, a classe burguesa industrial estabelecia condições precárias de trabalho, baixíssima remuneração, jornadas excessivas, em ambientes muitas vezes insalubres e/ou perigosos, sem descanso semanal regular nem diferenciação entre o trabalho masculino, feminino e infantil, tudo contando com a plena "concordância" da outra parte do contrato, somando-se a leniência do aparato Estatal.

É que, de seu lado, o trabalhador não tinha muita opção a não ser aceitar as condições extremamente desfavoráveis impostas pelo patronato, pois a necessidade de obter o pão-de-cada-dia ainda era premente. Era se submeter à exploração desumana ou recorrer à mendicância, à prostituição, ao crime.

Tudo isso, relembre-se, baseado em uma propalada (e demagógica, diga-se de passagem) liberdade individual de contratação, sagrada conquista das revoluções burguesas. Os que se libertaram do jugo absolutista não se davam conta – ou não queriam admitir abertamente – que submetiam aqueles que laboravam para o incremento de sua riqueza à mesma humilhação que sofreram seus ancestrais.

Essa liberdade – no frio conceito liberalista – acabou se tornando elemento escravizador dos hipossuficientes, pois era apenas formal, distanciando-se cada vez mais da realidade. O Estado, de sua parte, abstinha-se completamente de intervir, vez que, fazer isso significava uma violação da liberdade de contratar, inadmissível pela ideologia liberal. Segundo Segadas Vianna (MARANHÃO, SÜSSEKIND, VIANNA, 1987, p. 32):

Em nome da liberdade, que não podia sofrer restrições sob o pretexto da autonomia contratual, abstinha-se, entretanto, o legislador de tomar medidas para garantir uma igualdade jurídica que desaparecia diante da desigualdade econômica. O nível de capacidade legal de agir, de contratar, em que se defrontavam operário e patrão, ambos iguais porque ambos soberanos no seu direito, cedia e se tornava ficção com a evidente inferioridade econômica do primeiro em face do segundo. Se a categoria de cidadão colocava os dois no mesmo plano de igualdade, não impedira essa igualdade, como alguém observou, que o cidadão-proletário, politicamente soberano no Estado, acabasse, economicamente, escravo na fábrica.

Na mesma linha, ensina Luis Ivani de Amorim Araújo (ARAÚJO, 1995, p. 12):

Com a liberdade de escolher o trabalho, surgiu o choque entre os que eram economicamente fortes contra os que eram débeis. E veio a fome, com o desemprego. O operário continuou a ser escravo – apesar da aparente liberdade e igualdade. Livrara-se da aristocracia de sangue para cair no jugo impiedoso da plutocracia. A opressão era a mesma, mudando apenas os opressores. Os que possuíam uma situação econômica melhor ou superior ao outro contratante, podiam impor a sua vontade, o que importava à parte economicamente mais fraca em aceitar as imposições do mais forte ou recusá-las e ficar impossibilitada de viver num mundo em que as competições e a luta pela vida eram verdadeiros dogmas.

Assim, como se pode supor, o sindicato, antes mesmo do nascimento formal do Direito do Trabalho, advém como forma de resistência coletiva – visto que a resistência individual mostrou-se inócua – frente à massificação do mundo do trabalho nas fábricas.

A título de observação, pode-se afirmar que o Direito Coletivo do Trabalho surgiu antes mesmo do Direito Individual. É que as normas de proteção individual do contrato de trabalho e do trabalhador – aqui, excluindo-se o panorama brasileiro, por enquanto – tiveram origem nas reivindicações dos grupos de trabalhadores que, sufocados pela exploração desenfreada, pressionaram, a duras penas, a classe industrial e mesmo o Estado por melhores condições de vida e labor.

Uma vez surgidos da luta por seus direitos, os sindicatos dos países capitalistas centrais se fortaleceram através da luta e conquista de mais e mais direitos e, após um primeiro período de proibição e até mesmo de criminalização de suas atividades – tidas como "sedição" ou "conspiração" –, foram logo reconhecidos, tolerados e legitimados como associações de representação de trabalhadores. Posteriormente, em uma fase de maior afirmação sindical, traçou-se o reconhecimento do direito de coalizão e livre organização.

É claro que o desenvolvimento do sindicalismo, em termos de liberdade de atuação e autonomia organizacional, em cada país, não poderia se divorciar do desenvolvimento da respectiva sociedade em que se insere. A fim de melhor ilustrar a afirmação supra, recorre-se novamente aos ensinamentos de Maurício Delgado (DELGADO, 2007, p. 1357):

A evolução sindical nos países capitalistas centrais demonstra uma clara linha de coerência entre o processo de democratização daquelas sociedades e Estados com o reconhecimento e resguardo dos direitos e princípios da livre e autonômica associação sindical. Essa mesma linha evolutiva demonstra, porém, que as regressões políticas autoritárias eventualmente ocorridas em países europeus sempre se fizeram acompanhar do implemento de regras jurídicas inviabilizadoras ou restritivas desses princípios e direitos sindicais – o nazi-fascismo e o corporativismo são exemplar prova de tais conclusões.

Realmente, a evolução do pensamento democrático repercutiu diretamente na forma de existência dos sindicatos, sendo eventualmente reprimidos por conta de períodos autoritários de exceção, mas logo libertados com o retorno da democracia.

Assim se deu o desenvolvimento dos sindicatos nos países capitalistas centrais. No Brasil, porém, a história foi outra.

Dificultoso conceber que o sindicalismo no Brasil tenha se desenvolvido no mesmo ritmo e pujança dos países centrais, pois a história econômica daqueles é completamente divorciada da brasileira.

Enquanto a Inglaterra vivia o princípio da revolução industrial, o Brasil era colônia, com economia – atrelada ao domínio português – baseada na exploração da monocultura, com o escravismo sendo a esmagadora expressão de uma "classe trabalhadora" nacional.

Depois, quando se estava consolidando o capitalismo nos países centrais, e lá começavam a surgir as primeiras associações de trabalhadores, o Brasil, em que pese não ser mais colônia portuguesa, tinha as suas bases econômicas na monocultura cafeicultora, dominada por uma restrita oligarquia, e sustentada, ainda, no trabalho escravo.

Destarte, quando o sindicalismo internacional já se encontrava praticamente consolidado, no Brasil dava-se ainda os primeiros passos de seu surgimento, pois, somente no quartel final do século XIX a escravidão foi extirpada do contexto nacional. E, como se sabe, só se pode falar em associação de trabalhadores para fins de reivindicação de direitos em um cenário de trabalho livre.

Porém, da mesma forma que o cenário para a implantação do sindicalismo fora o setor industrial urbano, e considerando que no Brasil recém saído do regime imperial, a indústria era deveras incipiente, o sindicalismo pátrio era igualmente esparso. Relata Maurício Delgado (DELGADO, 2007, p. 1358) que

As primeiras associações de trabalhadores livres mas assalariados, mesmo que não se intitulando sindicatos, surgiram nas décadas finais do século XIX, ampliando-se a experiência associativa ao longo do início do século XX. Tratava-se de ligas operárias, sociedades de socorro mútuo, sociedades cooperativas de obreiros, enfim diversos tipos de entidades associativas que agregavam trabalhadores por critérios diferenciados. Na formação e desenvolvimento dessas entidades coletivas teve importância crucial a presença da imigração européia, que trouxe idéias e concepções plasmadas nas lutas operárias do velho continente.

No caso brasileiro, o desenvolvimento do sindicalismo nos moldes europeus era ainda deveras prejudicado, além do fato de a economia concentrar-se no setor rural, mas também pela imensidão do território, no qual, sem sistemas comunicação e transporte eficientes, impossibilitavam a articulação para a formação de associações de classe fortes. Comentando sobre o assunto, e fazendo referência ao Tratado de Versailles, de 1919, que criou a Organização Internacional do Trabalho, leciona Arnaldo Süssekind (SÜSSEKIND, 1995, p. 362):

Condições histórico-sociológicas explicam a fragilidade do sistema sindical de então: uma economia preponderantemente rural, que contou com o trabalho escravo até 1888, num território de dimensões continentais sem intercomunicação adequada, não poderia ensejar a organização de sindicatos poderosos, capazes de lutar, com êxito, pela aprovação de leis sociais concernentes aos princípios consagrados em Versailles. Sindicatos fortes pressupõem intenso espírito sindical e este constitui um dado sociológico que emana das grandes concentrações de trabalhadores, de difícil configuração nas atividades rurais.

Neste cenário de sindicalismo em fase de desenvolvimento, ocorreu a Revolução de 1930, sob o comando de Getúlio Vargas, fato histórico determinante para o sindicalismo no Brasil.

Adotando uma ideologia claramente fascista, que desaguou na importação do modelo corporativista italiano, Vargas, aproveitando-se da organização insipiente dos sindicatos, legitimou-os, trabalhando para que fossem verdadeiros braços do Estado em meio às lideranças obreiras.

Para um trabalhador, organizar um sindicato – associação de luta coletiva – era praticamente traçar seu destino na empresa. Vargas acabou por legitimar este direito, atrelando, porém, o sindicalista ao Estado, seu domínio. Era, forçoso dizer, a manifestação clara da cultura do favor: concessão estatal em troca da dominância institucional.

Este controle estatal se manifestava através de mecanismos legais, tais como a necessidade de concessão de carta de reconhecimento, a ser expedida pelo Ministro do Trabalho – pelo Poder Executivo, portanto –, a fim de tornar possível a atuação sindical (vide art. 520 da Consolidação das Leis do Trabalho).

Da mesma forma, foi fundamental para o domínio de Vargas a implantação da unicidade sindical, isto é, a proibição de existência de mais de um sindicato representativo de determinada categoria em um certo território. De fato, seria extremamente difícil o controle estatal sobre uma categoria se os trabalhadores daquele espaço geográfico pudessem criar livremente novos sindicatos a cada vez que se sentissem oprimidos ou titerizados pelo governo.

Na verdade, este domínio era velado. O que exsurgia dos decretos e dos discursos varguistas era o grande fortalecimento do sindicato, com a transferência para ele de prerrogativas estatais (a título de exemplo, o antigo imposto sindical). Informa o mestre Mozart Victor Russomano (RUSSOMANO, 1998, p. 32):

As estatísticas da época indicam que, promulgado o decreto em março de 1931, no mês de junho do mesmo ano, haviam sido expedidas mais de quatrocentas cartas a sindicatos de trabalhadores e mais de setenta a sindicatos de empresários. Abria-se uma fase nova, na qual, entretanto, era visível – como foi dito, com seriedade e entusiasmo, pelos mais autorizados intérpretes da época – a intenção de retirar o sindicato da esfera privada, para considerá-lo pessoa de direito público, investida de poderes inerentes ao Estado.

Entretanto, a intenção, historicamente comprovada, era manter a "paz social" através do controle das classes de trabalhadores. Estas, classificadas, categorizadas, ordenadas, separadas e organizadas ao bel prazer do Estado, podendo atuar somente entre as balizas legais que este lhe permitia, e, enfim, contando na mais das vezes, com lideranças pelegas, garantiam o sossego do estadista, que poderia "tocar o barco" dos seus domínios sem grandes aborrecimentos.

Na filosofia autoritária do fascismo, a liberdade de associação era sinônimo de instabilidade social, pois, se descoberta a opressão camuflada a que eram submetidas, lideranças libertárias poderiam tentar retomar o poder – como, aliás, os líderes nazi-fascistas haviam feito, em nome de uma cínica proteção do povo.

Contudo, a cultura sindical implantada por Vargas entranhou profundas raízes nas classes associativas brasileiras, as quais introjetaram este modus operandi ao longo dos anos. Todo o arcabouço do sindicalismo varguista sobreviveu ao seu supremo patrono, espraiando-se pelas décadas subsequentes.

Impossível não se referir, aliás, à fortíssima contribuição do regime estabelecido pelo Golpe de 1964 para a consolidação da perversão do sindicalismo no Brasil.

Pode-se afirmar com segurança que a cultura sindical de Vargas foi extremamente conveniente para o regime totalitário iniciado em 1964 pelo setor militar. É que, com a forte repressão impingida aos líderes sindicais que lutavam de fato por melhores condições para as suas categorias, bem como por uma maior liberdade de atuação e reivindicação, o caminho ficou livre para o fortalecimento de lideranças sindicais títeres, isto é, que não causavam agitação política, aceitando de bom grado o pouco bocado que lhes era oferecido, agindo, novamente, como braços do governo entre as classes profissionais.

Bom observar que era bastante simples para o governo de exceção identificar e desqualificar as lideranças sindicais verdadeiras perante a opinião pública, pois, considerando os movimentos reivindicatórios (greves, paralisações e passeatas, por exemplo), bastava estigmatizar os que os promoviam como "agitadores", "subversivos", "comunistas" e até mesmo "terroristas", e, sob o método do medo, afastar a massa ignara do conhecimento do principal objetivo do sindicato, que é a luta por melhores condições laborativas.

Até os dias de hoje este ranço permanece, eis que a primeira reação do público em geral diante de uma greve ou movimento similar é de aversão, repúdio, sem nem mesmo querer tomar conhecimento do porquê nem do que é reivindicado.

É claro que, como se sabe, a opressão não se limitava à simples desqualificação midiática desses líderes sindicais; o caráter violento e perverso da ditadura militar acabava redundando em prisões ilegais, torturas, desaparecimentos e assassinatos (quase sempre travestidos de "morte em tiroteio contra a polícia", "atropelamento" etc.). Enfim, o que interessava era a eliminação definitiva das "ameaças ao país".

Com os líderes fora do caminho, abriu-se espaço para os títeres. E cada vez menos a comunidade de trabalhadores via o sindicato como meio de luta (esta era considerada pelo senso comum como inútil, impossível, errada, ou até mesmo surreal). O sindicato tornou-se uma incógnita para o trabalhador, pois existia – isto era inegável –, mas para quê? O sindicato, para o trabalhador, se parecia cada vez mais com o governo: somente se fazia presente para arrancar dinheiro, sendo que todo ano seu contracheque vinha descontado o imposto sindical. Esse, por sua vez, se assemelhava com os impostos governamentais: só "enchiam a barriga" de corruptos aproveitadores, mas nada havia que se pudesse fazer contra.

Assim como acontecia com o governo, o aspecto democrático do sindicato estava perdido, embora ainda existisse formalmente. E isto favoreceu a permanência longeva de um mesmo grupo de dirigentes sindicais, os quais, naturalmente, sentiam-se donos da entidade. Pior, eram vistos pela categoria como detentores deste status. Obviamente, isto arrefeceu ainda mais o interesse do trabalhador pelo sindicato, eis que sabia que estava "por sua própria conta", não podendo contar com a associação para lhe auxiliar.

Muitas vezes, o sindicalista, sem mesmo tomar conhecimento de seu papel, assume uma posição de poder, puro e simples. Poder sobre a categoria, que fique claro. Estando a cultura do modo de agir da classe política nacional arraigada no senso comum popular, o exercício deste poder é expressado pela prática descarada do clientelismo, do paternalismo, do favor.

Um dos traços característicos deste poder é a confusão entre espaços público e privado. Ora, o espaço da atuação sindical é público, no sentido em que interessa não apenas à diretoria da entidade sindical (que é – ou deveria ser – transitória), mas sim à toda a coletividade de trabalhadores da mesma categoria. Contudo, incorporando novamente a cultura que sempre foi praticada pelos detentores do poder no Brasil, muitos sindicalistas, pervertendo o mandato que lhes foi outorgado, sentem-se donos do sindicato e quiçá da categoria como um todo.

E, fazendo uso do "seu" poder, recorrem, como já aventado, à deplorável prática do clientelismo, do paternalismo e do favor, como bem expressa Mériti de Souza (SOUZA, 1999, p. 116):

A tática do clientelismo, em sociedades como a brasileira, é a de ampliar a sua clientela, colocando o maior número possível de clientes, numa estratégia diferente da adotada nas sociedades tradicionais, onde os eleitos se reduzem a poucas e definidas pessoas. O patrono, ao se utilizar das instituições e máquinas democrático-representativas, detém o monopólio dos benefícios, podendo administrá-los, orientado pela demanda. Ele mantém um número grande de clientes em potencial, mantidos nessa condição pela esperança de, no futuro, virem a usufruir dos benefícios patronais. Assim, a manipulação da clientela é eficaz e pode durar muito tempo, pois mantém um grande número de eventuais clientes na esperança de serem agraciados com os favores do patrono.

É dessa forma clientelista que o sindicato foi sendo visto pela sociedade e, mais ainda, pelos membros da categoria. O sindicato era, muitas das vezes, uma forma de trocar favores por benefícios, ou, ainda, uma instituição paternalista, que dava esmolas (aqui no sentido figurado, querendo significar indicações de empregos, cestas básicas e outras pequenas benesses) em troca de sua permanência no poder. A conscientização da categoria quanto ao real papel do sindicato seria, portanto, um verdadeiro veneno para esse tipo de sindicalista.

Com o fim do regime ditatorial militar, culminando na promulgação da Carta Magna de 1988, um sensível avanço se verificou para a democratização do sindicalismo brasileiro. Porém, a cultura trabalhada pelos governos anteriores e impingida ao senso comum popular já estava por demais entranhada no pensamento nacional. E não se modifica a cultura e os costumes de um povo com um simples traço de caneta.

Deste modo, setores representativos deste sindicalismo tradicional brasileiro conseguiram sem qualquer dificuldade a permanência das principais bases corporativistas que davam forma ao modelo surgido na época de Vargas. Isto é, no art. 8º da Constituição de 1988 estão presentes a unicidade sindical, a contribuição obrigatória descontada em folha (uma nova versão do imposto sindical), a divisão em categorias, a obrigatoriedade da participação do sindicato na negociação coletiva. Por outro lado, o principal avanço verificado foi a proibição de intervenção do Estado nas entidades sindicais.

Todos esses fatores histórico-sociológicos se conformam para desenhar o atual quadro do sindicato e do sindicalismo no Brasil.


CAPÍTULO II

A UNICIDADE SINDICAL BRASILEIRA

A liberdade sindical é um princípio fundamental para o Direito Coletivo do Trabalho, tendo sido objeto, inclusive, da Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho. A referida Convenção, em seu artigo 2º, dispõe que "Trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem prévia autorização, organizações de sua própria escolha e, sob a única condição de observar seus estatutos, a elas se filiarem".

A Convenção nº 87 da OIT foi criada no longínquo ano de 1948; e, como se pode supor, nunca foi ratificada pelo Brasil.

As razões para o absenteísmo do Brasil frente a este diploma internacional, acolhido pela imensa maioria dos países democráticos, é cristalina: desde a época de Vargas, o sindicalismo brasileiro vive sob o signo da unicidade sindical, isto é, a proibição de existência de mais de um sindicato representativo de determinada categoria em um certo território.

Correlacionando a liberdade sindical em contraposição à unicidade, escreveu Mozart Victor Russomano (RUSSOMANO, 1998, p. 65-66):

Não se pode falar em liberdade sindical absoluta sem se admitir que exista, em determinado sistema jurídico, sindicalização livre, autonomia sindical e – em nosso juízo – pluralidade sindical. Por outras palavras: a liberdade sindical pressupõe a sindicalização livre, contra a sindicalização obrigatória; a autonomia sindical, contra o dirigismo sindical; a pluralidade sindical, contra a unicidade sindical. (...) Se tomarmos a liberdade sindical no seu conceito mais amplo, necessariamente encontraremos, no fundo deste instituto, aquelas três ideias básicas, sem as quais não existe liberdade plena, nem para o sindicato, nem para os trabalhadores que nele encontram os pulmões da sua vida profissional.

Assim, importa verificar a presença no sindicalismo brasileiro do triplo aspecto do princípio da liberdade sindical, colocado pelo mestre Russomano.

Quanto à sindicalização livre, considerada como o direito do indivíduo de filiar-se, permanecer e retirar-se da entidade sindical, tem-se que, bem ou mal, sempre foi garantida no sistema brasileiro, desde a época de Vargas, muito embora claro fosse o incentivo à sindicalização por parte do Estado, ao estabelecer certos privilégios aos trabalhadores filiados (vide art. 544 da CLT). Contudo, repita-se, a filiação nunca foi obrigatória. Hodiernamente, a Constituição de 1988 garante a liberdade de associação (art. 5º, XX) e, tratando especificamente sobre o tema, dispõe que "ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato" (art. 8º, V).

Quanto à autonomia sindical, considerada como o direito do sindicato de ser "o senhor único de suas deliberações, não podendo ficar submetido ao dirigismo exercido por forças externas ou poderes estranhos à sua organização interna" (RUSSOMANO, 1998, p. 70), tem-se que sua supressão foi uma das grandes marcas do sindicalismo varguista. Conforme já dito supra, a filosofia corporativista implicava em submeter o sindicato ao controle – ainda que indireto – do Estado, como forma de transformá-lo em um braço dentre as lideranças laborativas. Sobre como a autonomia sindical é tanto fundamental quanto natural à existência de um sindicato livre, ensina o doutrinador italiano Giuliano Mazzoni (MAZZONI, 1972, p. 66):

Expressão deste particular direito de autodeterminação, originário do sindicato, é o modo de organização interna do grupo profissional que, no ato de constituição, estabelece antes sua esfera de ação profissional e territorial; e, sobre essa base, determina no estatuto os fins e os órgãos internos (cuja competência e atribuições são então reguladas), fixando, ademais, as normas imprescindíveis a uma vida associativa eficaz. E que este direito de autoconstituição e autodeterminação do sindicato seja um direito natural e insuprimível (tanto dos indivíduos como dos grupos), prova-o a história do sindicalismo, rica em exemplos e ensinamentos que demonstram como a proibição mesmo rigorosa, por parte de normas cogentes do Estado, resulta inútil e perigosa, quando em choque com necessidades espontâneas e evidentes do homem e do corpo social.

Embora execrada pelo regime de Vargas, a autonomia sindical foi garantida pela Carta Magna de 1988, a qual proíbe à lei a exigência de autorização do Estado para a criação de sindicato, bem como veda ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical (art. 8º, I).

No que concerne à obrigatoriedade do registro da entidade sindical, já é cediço que este atualmente não é elemento de intervenção estatal, mas sim se presta à instrumentalização do monismo sindical – uma vez registrado certo sindicato, nos moldes legais, outra entidade ulterior não poderá sofrer o registro no mesmo território e no âmbito da mesma categoria do primeiro; daí a relevância deste cadastro, regulado pelo Ministério do Trabalho.

Finalmente, quanto ao terceiro aspecto da liberdade sindical, a pluralidade sindical, tem-se que este nunca existiu de fato no contexto brasileiro. A unicidade quase sempre se fez presente no ordenamento jurídico pátrio, a se observar a exceção da Constituição de 1934, a qual garantia a pluralidade sindical. Contudo, logo após, primeiro com o estado de sítio de 1935 e, definitivamente, através da Carta de 1937, a pluralidade foi abolida, vigendo, desde então, a unicidade sindical.

Foi dito anteriormente que o princípio da unicidade sindical era de fundamental importância para o sistema de sindicalismo pretendido por Getúlio Vargas, na medida em que possibilitaria o controle do Estado e limitaria a atuação independente de grupos de trabalhadores eventualmente dissidentes da política praticada pela entidade sindical.

Por razões já explanadas no Capítulo anterior, a unicidade sindical foi mantida pela Constituição de 1988 (art. 8º, II). Somente um sistema assim poderia garantir a permanência no poder – e sobrevivência em um regime democrático – das velhas "oligarquias" sindicais. De fato, mantendo-se a estrutura antiga e arraigada, é virtualmente impossível deixar de impingir no trabalhador a impressão de "mais do mesmo".

A unicidade ou monismo sindical é fruto da vontade despótica do Estado corporativista, que insiste em regular os movimentos sociais trabalhistas e fiscalizar as negociações coletivas. A decisão de formar ou não um sindicato único em certo território deve partir dos grupos interessados, sendo incoerente com um regime democrático tal determinação partir do Poder Público. Sobre isso, diz Alcione Niederauer Corrêa (CORRÊA, 1983, p. 121):

É falsa a opinião, contrária à liberdade sindical, de que ela deve surgir de uma vontade heterônoma à própria classe ou profissão. As conquistas sociais se fazem autênticas quando brotadas das legítimas aspirações dos grupos sociais, não apenas como produto artificial do Estado. A nosso ver, inexiste liberdade sem direito de livre associação, permitindo que as diversas tendências, ocorrentes dentro da categoria profissional, possam, inicialmente, agrupar-se, num movimento determinado pela afinidade de princípios e interesses comuns. Não há liberdade quando se entrega ao trabalhador uma opção restrita de ou sindicalizar-se, participando de uma organização que não corresponde aos princípios que ele adota, ou ficar alheio ao movimento sindical.

De fato, o monismo (ou unicidade) gera o grande risco de alijar trabalhadores do movimento sindical, pois estabelece modelos rígidos de sindicatos preexistes, restando ao obreiro aliar-se a este modelo ou não; em fazendo a segunda escolha, estará praticamente excluído do sistema sindical.

A Constituição de 1988, chamada "Cidadã", assegurou o direito de livre associação (art. 5º, XVII – "é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar"), subtendendo-se nesta garantia a liberdade não apenas de ingressar ou sair de entidades pré-constituídas, mas também de criar novas associações para fins pacíficos, presente a comunhão de interesses de seus participantes.

No que tange a esta liberdade de formar sindicato único, em contraposição à obrigatoriedade disto, por imposição do Estado, comenta Mozart Victor Russomano (RUSSOMANO, 1998, p. 74-75):

No regime de pluralidade sindical, ao contrário, o trabalhador tem o privilégio de escolher, entre diferentes sindicatos, aquele que melhor afine com suas ideias e aspirações, bem como, se for o caso, de dissentir dos sindicatos existentes e fundar outros sindicatos, amparado na minoria dissidente, uma vez preenchidos os requisitos da lei local. Pode ocorrer que, no regime da pluralidade sindical, os interessados convenham em que é necessária a existência de um só sindicato. No primeiro caso, o sindicato único – oficial ou oficializado – se torna presa fácil das pressões estranhas ao sindicalismo ou dos grupos políticos. Pode, inclusive, ser deturpado pelo malabarismo partidário. No segundo caso, a unidade sindical resulta, como fenômeno natural, do movimento espontâneo das opiniões trabalhistas. E isso lhe dá extraordinária força de ação e reação.

Assim, é incoerente e discrepante para com o espírito da Lei Maior a manutenção da unicidade sindical. Sua existência não se justifica ante aos objetivos democráticos da Constituição; apenas se explica seu ingresso na Carta pela força dos grupos interessados na perpetuação do status quo do deficiente sistema de organização sindical brasileiro.

De fato, a própria norma que proíbe a intervenção do Estado nos sindicatos (art. 8º, I) é dissonante da regra que estabelece o monismo sindical (art. 8º, II). Ora, enquanto a primeira propõe a ideia de liberdade sindical, a norma seguinte tolhe esta proposição, em uma contradição absurda. Esta incongruência foi percebida por Eduardo Gabriel Saad logo na aurora da vigência da atual Constituição (SAAD, 1989, p. 177):

Em seus primórdios, o sindicato único, se era dotado de direitos e prerrogativas excepcionais, de outro lado estava o Poder Público armado de poderes para coibir qualquer abuso que ele praticasse. Havia uma certa lógica nesse sistema de pesos e contrapesos. (...) Mantendo o unitarismo sindical e despojando o Poder Público da faculdade legal de reprimir possíveis excessos de uma entidade sindical ou política, o legislador não houve com bom senso. Conservando o unitarismo sindical, deveria preservar os controles legais de suas atividades, embora abrandando-os aqui e acolá. Haveria mais lógica na sua conduta se abrisse as portas ao pluralismo sindical e suprimisse, por completo, a ação fiscalizadora ou inibidora, por parte do Estado, das atividades das organizações sindicais.

O que demonstra o insigne doutrinador é que unicidade sindical sempre se encontra de braços dados com intervenção estatal e vice-versa, eis que a própria unicidade já é uma forma brutal de intervenção. Daí a incongruência: não há que se falar em monismo sindical em Estado não-intervencionista, como ocorre no sistema brasileiro. E, por consequência, como demonstrado, nunca existirá plena liberdade sindical enquanto este quadro persistir.

2.1 – CATEGORIAS PROFISSIONAIS: SISTEMA DE FAVORECIMENTO À UNICIDADE SINDICAL

Conforme dito acima, a unicidade sindical é resquício do Estado corporativista; assim também é a divisão dos trabalhadores em categorias.

A CLT, texto-mor da filosofia varguista, considera membros de uma mesma categoria profissional aqueles trabalhadores ligados pela similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas (art. 511).

O conceito corporativista de categoria surge novamente da sanha daquele modelo estatal de controlar e regular os mais comezinhos movimentos sociais, compartimentando-os e classificando-os.

O modo como a divisão da classe trabalhadora em categorias profissionais favorece à unicidade sindical é clara. É a definição da categoria que delimitará a abrangência subjetiva – isto é, no que tange às pessoas componentes – do sindicato único. E assim, tal configuração possibilitou o controle estatal, sabendo o Poder Público a qual sindicato estava, literalmente, enquadrado determinado trabalhador. E foi no sentido de regular esses aspectos que se desenhou a Consolidação das Leis dos Trabalho. Segundo Carlos Alberto Chiarelli (CHIARELLI, 1990, p. 17):

Proibiu o consolidador o exercício da plena liberdade criativa, indispensável para fazer espontânea e consequentemente, mais realista a representação classista. Estabeleceu-se, por lei, a modelagem prévia, a matriz a ser usada, como paradigma, e da qual o afastar-se significaria ilegalizar a proposta sindical. Este não floresceria como resultado de vocações voluntárias, naturalmente agrupadas e coesas, de quantos sentindo necessidades comuns e aspirações similares, buscassem vincular-se, num compromisso recíproco, no campo das relações de produção e particularmente de emprego. Precisaria haver obediência a padrão que o molde imperativo da lei, há muito e de maneira estratificada, estabelecera, pela vontade do Estado, esquecido da dinâmica vibrante e múltipla, criatura e criadora, da convivência social.

Em um cenário de plena liberdade sindical, a reunião de trabalhadores em entidades sindicais ocorre pela espontaneidade de sua vontade, e não simplesmente porque preenchem requisitos autorizadores impostos por decreto estatal. Poderia até mesmo ocorrer de trabalhadores reunirem-se por conta da similitude de condições de vida, como reza a CLT, porém isso deve ser oriundo de um legítimo desejo daquele grupo, e não por previsão legal.

Aliás, o ideal seria mesmo a unidade dentro da pluralidade; ou seja, sendo assegurada a liberdade de se criar tantos quantos sindicatos quiserem, dentro da mesma base territorial, chegar-se à unidade de ações – e, portanto, a um fortalecimento no seu atuar – por conta do amadurecimento da classe, pela compreensão de que a unidade, consciente e harmonicamente obtida, oferecerá resultados mais satisfatórios. Mas não porque ordenada pelo Estado, mas "como fruto da composição espontânea de interesses, que pressupõem, antes dela, a pluralidade" (CHIARELLI, 1990, p. 26).

A discrepância do modelo de categorias é verificada facilmente, tendo em vista muitas vezes o trabalhador nem saber a que categoria pertence. Obviamente, não fora consultado quanto aos seus objetivos enquanto trabalhador; da mesma forma, não se interessou em tomar conhecimento de seu sindicato, pois este não representa sua vontade real – apenas existe porque fora fundado primeiro por um outro grupo de pessoas anos e anos atrás.

Acerca da conexão inexorável entre o monismo sindical e o sistema obrigatório de categorias, bem como a contraposição de ambos à liberdade sindical, escreveu Hugo Gueiros Bernardes (BERNARDES, 1983, p. 76):

Encontramos certa antinomia entre a necessidade de eliminar exigências de enquadramento sindical e a de obedecer a critérios de identidade, similaridade ou conexidade para definir a representatividade dos sindicatos em relação a uma hipotética ‘categoria’. Se a isto aduzirmos a proposta de plena liberdade entre a organização sindical do tipo vertical e a do tipo horizontal (atividades econômicas ou profissões), teremos que concluir que as ‘categorias’ devem surgir do próprio movimento associativo, sem nenhum condicionamento prévio da lei ou da Administração Pública, muito menos da classe patronal. Mas, se assim for, está irremediavelmente prejudicada a recomendação do monismo sindical (...), tornando-se irrecusável o pluralismo.

Destarte, a classificação em categorias é fundamental à existência do monismo sindical que, por sua vez, como já explanado, é extremamente prejudicial à formação democrática da sociedade nacional. Impede, a título de exemplo, a formação de sindicato por empresa, em que um grupo de trabalhadores reúnem-se para fazer frente a um empregador, mesmo que não exerçam atividades. Ou mesmo impede a formação de sindicato por região, isto é, a reunião de trabalhadores de certa região, independentemente das profissões e ofícios envolvidos.

Contudo, o art. 511 da CLT, nascido sob a determinação corporativista de Vargas, limita a associação apenas àqueles que exercem a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares e conexas. A contrariedade, portanto, da classificação em categorias com o princípio da liberdade sindical é evidente. Malgrado tal constatação, é de se observar que este modelo foi agasalhado pela Carta de 1988, a qual, inobstante de espírito democrático, adotou a unicidade sindical.


CAPITULO III

PODER NORMATIVO DO JUDICIÁRIO TRABALHISTA E LIBERDADE SINDICAL

Ao se abordar os entraves para uma democratização do sindicalismo praticado no Brasil, impossível não tocar na questão do poder normativo da Justiça do Trabalho, isto é, na competência material de criar normas gerais e abstratas destinadas às categorias profissionais e econômicas, respeitadas as disposições legais e convencionais mínimas de proteção ao trabalho (LEITE, 2007).

Este tipo de competência entra em franco conflito com o princípio da liberdade sindical, analisado em amplo aspecto, eis que restringe a negociação coletiva. E o faz porque a negociação coletiva ampla e livre nunca foi lugar comum na cultura sindicalista brasileira.

Em verdade, o poder normativo foi forma de o Estado corporativista controlar os conflitos coletivos e, reflexamente, afastar a responsabilidade do dirigente sindical sobre as decisões e rumos da classe que representa – representa, relembre-se por força legal, por conta da unicidade sindical, mas não pela vontade uníssona da classe. Conforme assevera Carlos Henrique Bezerra Leite (LEITE, 2007, p. 1032):

No âmbito do direito laboral pátrio, sabe-se que o tradicional sistema processual coletivo do trabalho recebeu forte influência da Carta del Lavoro, apresentando-se, por isso mesmo, ultrapassado e incapaz de solucionar satisfatoriamente os novos e cada vez mais complexos conflitos trabalhistas de massa. Entre os inúmeros fundamentos que empolgam essa afirmação, podemos destacar a opinião corrente de que a função anômala do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, como criador de normas heterônomas gerais e abstratas aplicáveis às categorias profissionais e econômicas e que produzirão efeitos nas relações individuais de trabalho, inibe ou desencoraja a desejável solução democrática da autocomposição dos conflitos coletivos adotada em quase todas as democracias contemporâneas.

Realmente, a liberdade de negociação (indubitavelmente, um dos aspectos da liberdade sindical) é aviltada quando o Judiciário substitui as partes, estabelecendo condições e regras que poderiam constar de modo diverso em instrumento coletivo, eliminando, portanto, a negociação e outras formas de solução de conflitos. O recurso do dissídio coletivo é no mais das vezes utilizado por entidades sindicais profissionais sem poder para mobilizar as categorias que representam, "conquistando as condições de trabalho que necessitam, o que as enfraquece ainda mais, em círculo vicioso só traz prejuízos aos trabalhadores" (BRITO FILHO, 2000, p. 282).

De outro ponto de vista, a solução jurisdicional normativa também serve ao patronato como eficiente contra-ataque à melhor arma reivindicatória à disposição do trabalhador: a greve. Este instrumento, importantíssimo para a luta por melhores condições de trabalho, tem sua força drenada, ao ser suprimido pelo pleito normativo. Nos sábios dizeres de Mozart Victor Russomano (CABANELLAS, RUSSOMANO, 1979, p. 153):

O reconhecimento da competência normativa do Poder Judiciário para julgar conflitos coletivos de natureza econômica reduz a importância da negociação intersindical (limitada à condição de fase prévia de solução do conflito) e opõe um freio ao desenvolvimento da greve, que é uma contingência violenta da luta de classes, ao subordiná-la à decisão do juiz.

E é acompanhado por José Claudio Monteiro de Brito Filho, que acrescenta, com certo radicalismo (BRITO FILHO, 2000, p. 283):

Para nós, a solução jurisdicional é meio de solução de conflitos econômicos que não pacifica, de fato, o conflito, e pouco contribui para a melhoria das relações entre o capital e o trabalho. A greve, por outro lado, é instrumento de pressão que não pode ser descartado, não só por razões históricas, mas por ser instrumento comprovadamente eficaz (...). O primeiro deveria ser, então, abandonado, até para não prejudicar o exercício do direito de greve.

O sindicalista da classe profissional geralmente sente-se desconfortável em enfrentar o patronato na mesa de negociação, em parte pela falta da prática da autonomia de atuação, de outra parte por conta do próprio costume arraigado da cultura da submissão ao patrono. Em uma perspectiva histórico-sociológica, oriunda do liberalismo iberista, que fundou o substrato cultural do latino-americano, contrariar diretamente o patrão – ser dotado de inata superioridade –, seria um sacrilégio, algo contra a natureza do homem, enfim, algo, de certo modo, errado de se fazer.

Some-se a isso o desejo do Estado corporativista, que, frise-se, instituiu o modelo sindical brasileiro, de rejeitar ou negar os conflitos privados – os coletivos, primordialmente – por não admitir seus desdobramentos autônomos, e, por conta disso, também não construía formas institucionais para seu processamento. "Os canais eventualmente abertos pelo Estado tinham o efeito de funcionar, no máximo, como canais de sugestões e pressões controladas, dirigidas a uma vontade normativa superior, distanciada de tais pressões e sugestões" (DELGADO, 2007, p. 1.375). Ou seja, a normatização jurídica teria de ser sempre oriunda fundamentalmente da vontade estatal, e não da criatividade autônoma dos grupos sociais.

Assim, é mais confortável ao sindicalista entregar a solução do conflito ao Estado, através do Judiciário, ao invés de resolvê-lo entre seus pares e adversários; desta forma, se por um acaso a decisão não for totalmente satisfatória, "a culpa não é dele". E este aspecto também se aplica às entidades sindicais patronais. De ambas as partes, é gritante a busca por uma transferência de responsabilidade, conforme demonstra Wagner Giglio (GIGLIO, 1986, p. 61):

Ao se submeter à decisão do Poder Judiciário, os empregadores, assim como os órgãos sindicais, se eximem da responsabilidade perante a população e, do ponto de vista psicológico, se livram da acusação de seus associados, de terem sido derrotados ou de terem feito um mau acordo.

Uma outra questão importante a ser aventada é a contradição do instituto do poder normativo com a Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho, que trata da aplicação dos princípios do direito de sindicalização e negociação coletiva. Diferentemente da Convenção nº 87, citada outrora, a de nº 98 foi ratificada pelo Brasil, estando em pleno vigor no ordenamento jurídico pátrio desde 1953. Em seu artigo 4, a referida Convenção dispõe:

Artigo 4. Medidas apropriadas às condições nacionais serão tomadas, se necessário, para estimular e promover o pleno desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, mediante acordos coletivos, termos e condições de emprego.

Pelo texto convencional, há de se verificar a enorme importância que a OIT confere à livre negociação. E que instituto seria mais impeditivo a essa liberdade de negociação coletiva que o poder normativo da Justiça do Trabalho?

Esta competência anômala do Judiciário Trabalhista trava o desenvolvimento da maturidade do sindicalismo no Brasil, pois, como já dito, impede que os dirigentes sindicais tenham plena responsabilidade pelas decisões que tomam, ou poderiam tomar. É de fato muito cômodo, se uma negociação chegar a impasse de difícil solução, simplesmente transferir o encargo do resultado a um terceiro, ainda mais se este goza de presunção de legitimidade, de forte arcabouço técnico e de segurança jurídica nas suas decisões. Nesse sentido, ensina Mozart Victor Russomano (RUSSOMANO, 1998, p. 292):

A negociação coletiva não encontrou, facilmente, no Brasil, um desenvolvimento histórico apreciável, porque, em lugar de ir à mesa de debates (os sindicatos operários sobretudo) preferem ajuizar ações de dissídio coletivo, obtendo – de uma Justiça do Trabalho reconhecidamente generosa no uso de sua competência normativa – decisão com força de res iudicata, asseguradora às respectivas categorias profissionais das melhores condições de trabalho possíveis.

Porém, o que deve ser levado em conta para a garantia de mais e melhores direitos aos trabalhadores representados pela entidade sindical não é somente a correção técnica dos termos do contrato coletivo, mas sim seu conteúdo, que interessará somente aos que vivem em similares condições de trabalho.

Os envolvidos nas querelas coletivas conhecem melhor suas necessidades e desejos do que um julgador distante da sua realidade sócio-laborativa. É um embaraçoso contrassenso entregar a solução dos conflitos coletivos a um estranho; por mais qualificado que seja este estranho, ele sempre será um terceiro na relação, pois nunca esteve imiscuído no dia-a-dia da vida no local de trabalho.

Então, que medidas o Estado Brasileiro, como signatário da Convenção nº 98 da OIT, estaria tomando para para estimular e promover o pleno desenvolvimento e utilização de mecanismos de negociação voluntária?

A Emenda Constitucional nº 45/2004 houve, talvez, com o objetivo de incentivar a negociação coletiva, trazendo maior responsabilidade aos dirigentes sindicais, ao estabelecer o requisito do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo. Ou seja, somente frustrada, em último nível, a negociação coletiva, poderia haver submissão da demanda ao Judiciário e, ainda assim, se ambos concordassem. A nova redação do art. 114, §2º, da Lei Maior, aproximaria o Judiciário Trabalhista da figura do árbitro, uma vez que implementa o quadro de as duas partes, de vontades convergentes, escolherem um terceiro para a solução de um conflito o qual não foi passível de autocomposição.

É claro que não se defende o total afastamento do Judiciário dos conflitos coletivos, o que seria, diga-se de passagem, violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CRFB). Pelo contrário, o que se debate é a função anômala do Tribunal do Trabalho de criar normas sobre condições específicas de trabalho, substituindo o papel negociador das entidades sindicais, como bem afirmou acima, e continua afirmando, Carlos Henrique Bezerra Leite (LEITE, 2007, p. 1035):

Vale dizer, se uma das partes não concordar com a propositura do DC de natureza econômica, a Justiça do Trabalho deverá extinguir o processo, sem resolução de mérito, por inexistência de acordo entre as partes. Além disso, certamente haverá cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca da constitucionalidade do novel §2º do art. 114 da CF introduzido pela EC n. 45/2004, pois há entendimento de que essa regra fere o princípio da inafastabilidade do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), mas também há quem entenda que o dissídio coletivo de natureza econômica implica a criação de direito novo (interesse para a constituição de novas formas de trabalho), e não lesão a direito subjetivo preexistente, ou seja, o princípio constitucional não seria violado porque não se trata de hipótese de lesão ou ameaça a direito subjetivo, e sim de interesse da categoria na criação de direito novo.

Desta forma, conforme se infere das palavras do renomado processualista, quiçá seja o novel requisito do "comum acordo" uma sinalização do legislador constituinte derivado no sentido de corrigir falhas do passado, e represente um animus de avançar em definitivo para o abandono dos resquícios corporativistas que ainda impregnam o Poder Judiciário brasileiro, porém o tema ainda deve ser objeto de muitas discussões no meio jurídico.


CAPÍTULO IV

A CONTRIBUIÇÃO SINDICAL OBRIGATÓRIA E A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE

O sindicato é uma associação civil, e como qualquer entidade atuante no âmbito privado da sociedade, independentemente de ter fins lucrativos ou não, depende de uma receita para não perecer. No caso do sindicato no Brasil, a sua principal fonte de sustento é a contribuição sindical obrigatória.

A contribuição sindical, que já foi denominada imposto sindical, até 1966, é devida anualmente para todos os membros da categoria (independentemente de filiação), sendo disciplinada nos arts. 578 a 610 da CLT, correspondendo a um dia de trabalho para os empregados (art. 580, I), a um percentual fixo para os trabalhadores autônomos e profissionais liberais (art. 580, II) e a importância proporcional ao capital social da empresa, para os empregadores (art. 580, III).

É assim, com sustentáculo legal, que se dá o custeio das entidades sindicais brasileiras, e é assim o único modo de garantir a existência de sindicatos em um sistema de unicidade sindical. Inexistindo a liberdade de se criar novos sindicatos, tendo o trabalhador de se conformar com o sindicato único, é extremamente difícil para este aceitar uma real e legítima representação por parte da entidade sindical preexistente. Daí o desinteresse em contribuir voluntariamente, e daí a necessidade de, para a sustentação deste sistema, a contribuição ter de ser compulsória.

Aliás, a unicidade sindical e a contribuição sindical compulsória são duas faces da mesma moeda; os dois institutos são interdependentes. Sem a contribuição compulsória, o sindicato único ruirá, por conta da falta de interesse em contribuir da grande maioria dos trabalhadores, que não se sentem legitimamente representados. Por outro lado, inexistindo a unicidade, a contribuição compulsória não tem razão de ser: uma vez formado o sindicato pela vontade real e legítima dos seus associados, estes terão grande interesse em mantê-lo, contribuindo voluntariamente, e não de maneira obrigatória.

Isto, sem se falar na afronta que este instituto representa ao princípio da liberdade sindical, pois enquanto existir a contribuição sindical compulsória, decorrente de lei, que independe da vontade do trabalhador ou da empresa de pagá-la ou não, se estará aviltando o referido princípio, já que mesmo os não-sindicalizados são obrigados a pagar tal exação.

No quadro sindical brasileiro é a falta de interesse da categoria que alimenta os sindicatos não-representativos e, por vezes, submissos às manobras empresariais e governamentais (e, por isso, chamados "pelegos"), que, por sua vez, não têm o menor interesse em conscientizar a categoria, até mesmo por receio de que seu lugar seja tomado. E esses falsos líderes sindicais fazem isso pois são sustentados pela contribuição que, por ser compulsória, chega aos cofres do sindicato sem o menor esforço. É um verdadeiro círculo vicioso. Neste diapasão, Sérgio Pinto Martins, em obra dedicada ao estudo das contribuições sindicais, comenta (MARTINS, 1998, p. 26):

O sindicato dos trabalhadores arrecadava, praticamente sem qualquer esforço, a contribuição dos operários, correspondente a um dia de serviço por ano, em relação a todos os integrantes da categoria. Não precisava angariar novos sócios ou prestar bons serviços, perpetuando também os dirigentes ‘pelegos’ na diretoria dos sindicatos, pois as assembleias normalmente eram vazias e não havia interesse em que novos associados viessem reivindicar cargos na diretoria. Com isso, mantinha-se a mesma diretoria por vários anos a fio. (...) Na verdade, o que ocorre ainda hoje, é a existência de sindicatos de assembleias vazias e cofres cheios, em virtude da arrecadação das contribuições sindicais.

, na maior parte das vezes inexiste autenticidade na representação sindical. Muitas vezes – melhor dizendo, na maioria das vezes – o trabalhador nem sabe a que sindicato "pertence". Sim, pois no sistema monista – oriundo, repise-se do corporativismo de Vargas – através de um de seus sustentáculos, que é o conceito de categoria, o trabalhador não tem qualquer escolha a não ser pertencer obrigatoriamente a uma classe preestabelecida. Basta se enquadrar naquela categoria, e já estará sendo representado por uma entidade preestabelecida, independentemente de o trabalhador conhecê-la ou não. Como uma representação assim pode pretender ser legítima, ter o mínimo de autenticidade? Sérgio Pinto Martins prossegue (MARTINS, 1998, p. 28-29):

A contribuição sindical, entretanto, é um resquício do corporativismo de Getúlio Vargas. Permite a organização e a manutenção de sindicatos sem a menor autenticidade, que não prestam e não têm interesse em prestar serviços aos associados, apenas na manutenção da direção por certas pessoas com o objetivo de obter estabilidade no emprego. Não há necessidade de prestar serviços ou de conseguir associados para o sindicato, pois a contribuição sindical já custeia todas as suas despesas, ainda havendo sobras. É desnecessário aumentar o quadro de associados da agremiação, porque caso contrário haverá outras pessoas tentando participar da diretoria, o que não interessa aos pelegos e àqueles que pretendem perpetuar-se no poder sindical.

De fato, com muita argúcia diz o doutrinador que pouco importa ao dirigente agradar a categoria, pois não depende da vontade desta para manter o sindicato, que o sustenta. Poder-se-ia falar de contestação de tais dirigentes através das eleições sindicais; contudo, os trabalhadores descontentes com o desconto compulsório em seus contracheques raramente têm o ânimo de se organizar sem o respaldo de ter o direito de criar uma associação legítima, contestatória do sindicato que os desagradam. E quando se organizam em chapa opositora, e são vencedores, invariavelmente incidem nos mesmos vícios dos antigos dirigentes. O poder é algo como um entorpecente para o homem, e quando ele é quase absoluto, como ocorre nas direções sindicais, é quase impossível livrar-se do vício; a tentação de perpetuação no poder é praticamente irresistível.

Assim, todo esse sistema acaba por cooperar fortemente para a desunião dos trabalhadores, por não proporcionar, o Estado, subsídios formais de modos diversos de representação profissional. E provavelmente é esta desunião por envidar esforços para uma atuação em comum que contribui para a ineficiência da maioria das entidades sindicais. Sobre a necessária escapatória deste modelo, disserta José Claudio Monteiro de Brito Filho (BRITO FILHO, 2000, p. 16):

Não há sindicalismo em condições de agir. Não há, também, união. É que esta, em sistema que prega o sindicato único, que não abre espaço para outras formas de representação de trabalhadores, não pode, em condições razoáveis, existir. Como falar em união, se esta só pode ocorrer, no plano jurídico, que é onde os conflitos são resolvidos, por meio de um sindicato debilitado e ineficiente? Sendo os problemas gerados por um modelo de organização dos trabalhadores que não dá mais resultados, é imperioso achar uma forma de possibilitar melhor representação dos interesses dos trabalhadores, quer pela alteração do modelo de sindicalização existente, quer pela busca de novas formas de representação.

Todos esses aspectos apontam para a grave questão da responsabilidade das entidades sindicais ante seus representados. Isto é: a obrigatoriedade de sustentar financeiramente o sindicato termina por eximi-lo de prestar contas aos membros da categoria – não apenas no sentido contábil, mas também na esfera das ações sociais relevantes para a elevação da qualidade de vida e condições trabalho em geral dos representados, bem como na condução da filosofia da própria entidade sindical como instituição.

Por outro lado, a entidade sustentada por contribuições voluntárias vê-se cobrada e obrigada à contrapartida, devendo responder aos seus representados; caso não atenda satisfatoriamente às expectativas dos contribuintes, acabará perdendo associados e perecerá.

O resultado disso é que em um sistema sem contribuição compulsória somente sobrevivem as entidades sindicais que realmente se desdobram para lutar pelos direitos dos associados – estes sim, legitimamente representados, pois contribuem voluntariamente para a existência de suas associações.

Porém, o modelo sindical brasileiro, principalmente por causa do respaldo oferecido pelo custeio obrigatório, independentemente de associação, reafirme-se, força ao contrário, faz com que as direções das entidades sindicais, ao invés de desejarem atrair grande número de associados, satisfaçam-se com uma quantidade mínima. Para este fenômeno, José Claudio Monteiro de Brito Filho oferece explicação (BRITO FILHO, 2000, p. 153):

Nosso modelo de organização sindical faz com que os dirigentes das entidades sindicais rejeitem quantidade muito grande de sócios. É que, na unicidade sindical, a única resistência que pode ser oferecida é a interna, e, quanto mais sócios tiver o sindicato, maior a possibilidade que essa resistência apareça. Por outro lado, como em nosso modelo, no setor privado, existe a contribuição sindical, além de os sindicatos cobrarem – irregularmente – outras contribuições dos não associados, é possível auferir receita sem que se precise de sócios em grande número.

E o que se verifica, com o sistema de financiamento sindical imperativo, é exatamente isto: o afastamento em massa dos trabalhadores em relação aos sindicatos. Com efeito, a perversidade deste modelo transfere para fora da classe trabalhadora "a sorte de suas organizações e representações institucionais, impedindo a efetiva dominância dos trabalhadores sobre suas ações coletivas" (DELGADO, 2007, p. 120). É, assim, um sistema paradoxal: o sindicato existe para defender interesses, mas independe do interesse dos representados para existir.

A gestão democrática das entidades sindicais – que deveria ser um dos primados da Constituição Cidadã de 1988 – tem como condição sine qua non o controle dos representados sobre a entidade representante, mas esbarra, ironicamente, conforme explanado, no próprio Texto Constitucional que deveria defendê-la.


CONCLUSÃO

A pesquisa desenvolvida tomou como pressuposto que a configuração jurídica do atual sistema de organização sindical brasileiro, mantendo, fundamentalmente, a mesma estrutura básica – de inspiração corporativista – do período histórico de seu advento, estaria em contraposição ao espírito da Constituição Cidadã de 1988, muito embora este mesmo título tenha mantido expressamente os institutos que sustentam o referido sistema. Por conta destes institutos (quais sejam: a unicidade sindical, a divisão das classes profissionais em categorias, o poder normativo da Justiça do Trabalho e a contribuição sindical compulsória), o Brasil teria ficado impedido de ratificar importantes convenções da Organização Internacional do Trabalho, que institucionalizam o princípio da plena liberdade sindical.

Com o fito de introduzir a análise do tema, foi de fundamental importância abordar, ainda que perfunctoriamente, as origens do sindicalismo no mundo e como este fenômeno se desenvolveu no Brasil, para tentar inferir as razões da manutenção da estrutura básica do sindicato no Brasil desde os seus primórdios. Foi possível concluir que a filosofia corporativista de sindicalismo implantada na era Vargas permaneceu vigente no País, sendo conveniente aos governos autoritários que se seguiram, conseguiu sem qualquer dificuldade, através de seus setores representativos, a inserção na Carta Constitucional de 1988 dos seus principais sustentáculos, os quais foram objeto de análise nos tópicos subsequentes.

No que concerne à unicidade sindical, a pesquisa mostrou que este instituto, acompanhado pari passu pelo conceito de categoria, é uma das bases da organização sindical brasileira, e, não obstante, o maior entrave à liberdade sindical, vez que esta configuração pressupõe a existência de sindicatos de representação compulsória, bastando ao trabalhador enquadrar-se na correspondente categoria. Isto é, exibiu-se a obstaculização do princípio da liberdade sindical, tendo em vista que ao trabalhador é vedado escolher qual entidade sindical o representa.

Abordando o poder normativo da Justiça do Trabalho, buscou-se apresentar esta competência anômala como outro entrave à liberdade sindical, tomada, desta feita, em um aspecto diferente, isto é, no que diz respeito à livre negociação coletiva. De fato, a pesquisa demonstrou que o poder normativo retira a lide – e a consequente solução desta – das mãos das entidades sindicais divergentes, prejudicando o amadurecimento de uma cultura de negociação e resolução autônoma dos conflitos. Contudo, o trabalho também mostra que a Emenda Constitucional nº 45/2004 procurou mitigar este instituto ao estabelecer o requisito do "comum acordo" para o ajuizamento de dissídios coletivos.

No que diz respeito à contribuição sindical compulsória, principal fonte de sustento dos sindicatos, inolvidável no sistema sindical brasileiro, demonstrou-se ser este mais um entrave, estabelecido pela própria Constituição, ao emprego da liberdade sindical no ordenamento jurídico pátrio, na medida em que obriga mesmo os não-sindicalizados. De outro ângulo, abordou-se a relevante questão da responsabilidade do dirigente sindical frente aos seus representados, a qual inexiste em um sistema monista e com contribuição sindical compulsória, uma vez que o sindicato não tem de realizar contraprestação em benefícios reais aos representados para subsistir.

Assim, em suma, o trabalho como um todo pôde afirmar a demonstração de como o Brasil ficou impedido de ratificar as principais convenções internacionais que abordam o princípio da liberdade sindical, justamente por insistir neste modelo de sindicato. Evidente também ficou a imensa discrepância entre a configuração jurídica do atual sistema de organização sindical brasileiro, que se conservou no molde corporativista de seus primórdios, e os princípios constitucionais democráticos – em que pese a supressão do dirigismo sindical institucionalizado. Finalmente, concluiu-se que esta incongruência, assentada no próprio Texto Constitucional é extremamente prejudicial à homogeneidade do sistema jurídico pátrio e, sobretudo, à democratização do sindicalismo brasileiro.


BIBLIOGRAFIA

ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Direito do Trabalho – crítica e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995.

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SARDINHA, Pablo Fernandes dos Reis. Os entraves constitucionais à aplicação do princípio da liberdade no sistema sindical brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2657, 10 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17579. Acesso em: 19 abr. 2024.