Comentários acerca da apuração da denúncia anônima em sede de Direito Administrativo Disciplinar
Comentários acerca da apuração da denúncia anônima em sede de Direito Administrativo Disciplinar
Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira Filho
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Há diversas correntes sobre o cabimento ou não da apuração, por intermédio de Processo Administrativo Disciplinar, de fatos narrados em peças de denúncia anônima. Para melhor esclarecer trazemos à colação os principais textos legislativos sobre o tema.
A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em seu art. 144 prescreve que:
Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.
Os atos do processo administrativo federal são disciplinados, outrossim, na Lei nº 9.784, de 1999, a qual exige a identificação do interessado ou de quem o represente, bem como a indicação do domicílio do autor e o local para recebimento de intimações (ver art. 6º), diz a LPAF:
Art. 6º O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:
(...)
II – identificação do interessado ou de quem o represente;
III – domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações;
(...)
Dada a relevância do princípio da legalidade, deve ser observado também o contido na Lei Federal nº 8.429, de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) a qual exige que a denúncia será escrita ou reduzida a termo e assinada, contendo a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento (art. 14, § 1º).
Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.
§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento.
§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do art. 22 desta lei.
§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.
Nessa esteira, vem a Constituição da República e veda expressamente o anonimato (art. 5, inciso IV, CR). E, com base na Carta Magna, diversos autores de renome rechaçam a denúncia apócrifa, como os doutos José Afonso da Silva e Celso Antonio Bandeira de Mello, máxime pela razão de que, em se provando a inocência dos acusados, não seria possível a responsabilização penal, cível e administrativa de quem denunciou.
Além da restrição de ordem legal e constitucional, pela qual não se pode alargar demasiadamente o caráter informal da denúncia anônima, a peça apócrifa vem eivada sempre de cunho de vingança pessoal ou política que conspurca o trabalho investigativo, prejudicando a atuação da Administração, mormente porquanto o denunciante não se identifica.
O Supremo Tribunal Federal também tem se manifestado neste sentido, como se extrai do voto do Ministro Carlos Velloso no MS n. 24405 – DF:
"Convém registrar que, protegido o denunciante pelo sigilo, isso pode redundar no denuncismo irresponsável, que constitui comportamento torpe."
Embora pareça irrelevante, a identificação do denunciante é crucial para a elucidação dos fatos, identificação das personagens envolvidas e demais pormenores da apuração disciplinar, além da possível responsabilização do denunciante em se verificando que praticou o ilícito de denunciar caluniosamente quem sabia ser inocente, apenas por vingança ou motivos pessoais.
Em que pese a legislação impor várias restrições à denúncia apócrifa, é concebido que é possível a apuração dos fatos nela narrados, através de sindicância investigativa, para que em encontrando, a Administração Pública, prova ou indícios de que houve a prática de irregularidades, possa ser processado o infrator.
Ademais, a Administração sempre que apura tendo como libelo a denúncia anônima, procede com cautela e com base na lei, haja vista o princípio da legalidade estrita que rege o direito administrativo.
Dessarte, a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é taxativa ao determinar a apuração de irregularidades, ainda que estas não estejam cabalmente comprovadas.
Reza o art. 143 do Estatuto que:
Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
O Superior Tribunal de Justiça já pacificou a matéria, consignando legal o princípio administrativo da autotutela. No escólio abaixo da lavra do Exmo. Min. Paulo Gallotti, no Mandado de Segura/DF, nº 2005.01.18274-0, temos a seguinte conclusão:
1. A autoridade administrativa, ciente da prática de qualquer irregularidade no serviço público, deve, de ofício, por mandamento legal, determinar a apuração dos fatos imediatamente (...). Inteligência do art. 143 da Lei n. 8.112/90.
Diante do exposto, consignada a nossa posição quanto à figura processual da denúncia anônima, entendemos que o fato de ser a mesma de caráter apócrifo não obsta que a Administração a investigue, com cautela e obedecendo ao devido processo legal, para não ferir o direito subjetivo individual.
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
OLIVEIRA FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de. Comentários acerca da apuração da denúncia anônima em sede de Direito Administrativo Disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2691, 13 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17826. Acesso em: 28 mar. 2024.