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Hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo

Hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo

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Estudam-se as principais hipóteses de responsabilidade civil do transportador aéreo, nomeadamente extravio de bagagens, "overbooking", acidentes aéreos, cancelamento e atrasos de vôos.

Resumo: O presente trabalho possui como objetivo analisar as principais hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo, nomeadamente o extravio de bagagens, o overbooking, os acidentes aéreos, o cancelamento e atrasos de vôos, bem como o famigerado "apagão aéreo". Da análise dos distintos diplomas aplicáveis a essas situações, constatou-se que o extravio de bagagens está sujeito ao regime previsto no Código de Defesa do Consumidor, não havendo limitação do quantum indenizatório; no overbooking, como o vôo nem chegou a iniciar, deve-se aplicar o CDC, uma vez que o Código Brasileiro de Aeronáutica não traz normas específicas sobre esta matéria; nas situações de cancelamento e atrasos de vôos, a regulamentação deve estar sujeita à disciplina prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica, enquanto o denominado "apagão aéreo" está sujeito ao CDC, prevendo uma responsabilidade baseada no risco. Desse modo, independentemente de quem seja a culpa, surgirá o dever de indenizar os consumidores lesados. Nada impede que, posteriormente, essas companhias aéreas busquem o ressarcimento do valor pago ou dos prejuízos diretamente sofridos do responsável último pelo dano, a União. Por fim, nas situações de acidentes aéreos, a responsabilidade do transportador aeronáutico é objetiva, devendo ser aplicado tanto o CC-02 quanto o CDC.

Palavras-chave: responsabilidade civil; transportador aéreo; extravio de bagagens; overbooking; acidentes aéreos; cancelamento e atrasos de vôos; "apagão aéreo".


1. Introdução

A responsabilidade civil do transportador aéreo é um tema hodierno e bastante útil para a sociedade moderna. Atualmente, o avião é o principal meio de transporte, sendo considerado também o mais seguro do mundo. Apesar dessa segurança, muitos acidentes e problemas envolvendo este meio de transporte ainda são bastante frequentes. É o que ocorre, por exemplo, nos casos de overbooking, extravio de bagagens, cancelamento e atraso de vôos, acidentes com aeronaves e, mais recentemente, no famigerado "apagão aéreo".

Estas são as questões mais recorrentes e importantes em torno do tema. As primeiras já foram, e ainda são, bastante debatidas na doutrina e na jurisprudência, enquanto a última, recente na história da aviação brasileira, ainda precisa ser analisada de forma mais profunda e coesa.

Todas essas questões devem ser analisadas em pormenor. Convém que os consumidores estejam atentos aos seus direitos e às obrigações que devem ser cumpridas pelas companhias aéreas nessas situações. É esse o objetivo do presente trabalho: elucidar os leitores sobre um tema bastante atual, examinando as suas diversas nuances e, em consequência, determinar as obrigações que competem às companhias aéreas e os direitos que podem ser exigidos pelos passageiros.


2. Extravio de Bagagens

Antes de adentrarmos no tema em análise, convém esclarecer que o contrato de transporte encontra-se previsto nos artigos 730 e seguintes do CC-02, sem equivalente no CC-16. O artigo 732 do CC-02 estabelece que aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais.

Desse modo, a responsabilidade civil do transportador aéreo é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Convenção de Varsóvia, que foi parcialmente alterada pelo Protocolo de Haia e introduzido no ordenamento brasileiro pelo Decreto 56.463/65, bem como por outras legislações especiais, desde que não contrariem as disposições do diploma civil.

Também é necessário mencionar a diferença entre vôos aéreos nacionais e internacionais, e os seus respectivos regimes jurídicos de regulação.

Segundo Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 180): Pelo artigo 1° da Convenção, considera-se transporte internacional aquele que tem como ponto de partida e ponto de destino, haja ou não interrupção de transporte, ou baldeação, dois pontos de destino de países diversos, ou mesmo o de um só deles, havendo escala em outros países (território sujeito à soberania, suserania, mandato ou autoridade de outro Estado, seja ou não contratante) Para a caracterização como vôo internacional é irrelevante ser a transportadora nacional ou estrangeira; o que define o transporte internacional são os pontos de partida e destino ou eventual escala em outro país. O transporte doméstico, entre pontos dentro do território nacional, é regulado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica.

Enquanto os vôos nacionais são disciplinados pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, os vôos internacionais são regidos pela Convenção de Varsóvia. Porém, para a abordagem do presente tema, pouco importará essa diferenciação, eis que o Código Brasileiro de Aeronáutica abarcou quase na sua totalidade o disposto na Convenção.

O extravio de bagagens será estudado com base na Convenção de Varsóvia. Tudo que se falar ao seu respeito poderá ser utilizado também para o Código Aeronáutico.

O artigo 22 da Convenção dispõe que, no transporte de mercadorias, ou de bagagem despachada, a responsabilidade do transportador se limita à quantia de duzentos e cinqüenta francos por quilograma, salvo declaração especial de "interesse na entrega", feita pelo expedidor no momento de confiar ao transportador os volumes, e mediante o pagamento de uma taxa suplementar eventual. Neste caso, fica o transportador obrigado a pagar até à importância da quantia declarada, salvo se provar ser esta superior ao interesse real que o expedidor tinha na entrega.

Quanto aos objetos que o viajante conservar sob sua guarda, estabelece que a sua responsabilidade se limita à quantia de cinco mil francos por viajante.

Há, contudo, que se ter alguma cautela, uma vez que, em 1990, surgiu o Código de Defesa do Consumidor, assegurando, em seu artigo 6°, inciso VI, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos. Em seu artigo 51, inciso I, dispõe que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.

Diante da análise destes dois diplomas legais, verifica-se um evidente conflito de normas. Enquanto a Convenção de Varsóvia limita o valor indenizatório relativo à responsabilidade do transportador, o CDC garante a efetiva indenização dos prejuízos causados, não limitando o quantum reparatório. Ademais, o diploma consumerista repudia de forma expressa qualquer cláusula que atenue a responsabilidade do fornecedor de serviços.

O CDC não revogou integralmente a Convenção de Varsóvia, nem o Código Brasileiro de Aeronáutica, apesar de ser uma lei mais recente. Haverá, no entanto, uma suspensão dos dispositivos daqueles diplomas quando for evidente a antinomia entre o CDC e os mesmos. [01]

No entanto, alguma doutrina ainda sustenta que nos conflitos entre lei interna e tratado, prevalece o tratado, tornando impossível a aplicação da lei consumerista neste âmbito.

Antes de se chegar a uma resposta concreta sobre qual das leis é a mais adequada, é preciso esclarecer que a Convenção de Varsóvia foi estabelecida em 12 de outubro de 1929, numa época em que os transportes aéreos eram pouco desenvolvidos. Nesse período, tornava-se necessário o aparecimento de normas que não criassem dificuldades ao avanço deste recente setor.

Como o transporte aeronáutico não era o meio mais seguro, procurava-se uma lei que limitasse o valor das indenizações causadas pelos acidentes ocorridos. Desse modo, foi elaborada a Convenção de Varsóvia, que apenas indeniza totalmente os passageiros nos casos em que se configura dolo ou culpa grave.

Atualmente, esse tipo de regra já não se pode considerar compatível com a vida moderna, até porque o avião é considerado o meio de transporte mais seguro do mundo. Apesar dessa incompatibilidade, a Convenção continua em vigor no território brasileiro.

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, foi elaborado em 11 de setembro de 1990, quando há muito o setor aeronáutico já se consolidava como o meio de transporte mais procurado e seguro do mundo.

O artigo 1° deste diploma é bastante claro ao dispor que o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. Por serem as suas disposições de ordem pública e de interesse social, pode-se considerar que a normas previstas na lei 8.078/90 são cogentes, não podendo ser afastadas pela vontade das partes.

Também por ter sido elaborada nos termos do artigo 5°, inciso XXXII, do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal e do artigo 48 de suas Disposições Transitórias, não pode ser submetida a um patamar inferior relativamente à Convenção de Varsóvia. Apesar disso, alguns doutrinadores continuam a insistir que, quanto ao tema em análise, o tratado continua a se soprepor ao CDC. Ora, caso este entendimento fosse o mais correto, o tratado também acabaria por se sobrepor à Constituição Federal.

Diante de tais considerações, torna-se claro que a Convenção de Varsóvia encontra-se ultrapassada quanto à fixação do quantum indenizatório relativo ao extravio de bagagens. Portanto, os limites de indenização estabelecidos em suas normas não mais prevalecem, uma vez que são incompatíveis com o regime do Código de Defesa do Consumidor.

Nas hipóteses de extravio de babagens, a determinação do montante a ser pago a título de indenização encontra-se deferido ao CDC, e não à Convenção de Varsóvia. Além da lei 8.078/90 ser uma lei especial, na medida em que regula todas as relações de consumo, também é lei posterior relativamente à Convenção, tendo sido publicada 1990 e entrado em vigor em 13 de março de 1991, enquanto a Convenção foi publicada em 1929 e inserida no ordenamento brasileiro em 24 de novembro de 1931.

Além do mais, também convém ressaltar que o CDC encontra-se expressamente amparado pela Constituição Federal, conforme disposto no artigo. 5º, inciso XXXII da Carta Magna.

Quanto ao referido tema, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu igual posicionamento, eliminando quaisquer dúvidas que ainda podiam subsistir: O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República — incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil (Supremo Tribunal Federal. RE 172.720-9. Relator Min. Marco Aurélio. Publicado em 06/02/96).

Também o Tribunal de Justiça de São Paulo dispõe no mesmo sentido: Indenização. Responsabilidade civil. Transporte aéreo. Extravio da bagagem. Ressarcimento. Limitação prevista na Convenção de Varsóvia. Inaplicabilidade. Declaração do conteúdo e pagamento de tarifa compatível. Orientação inexistente no bilhete de passagem. Verba devida. Fixação por arbitramento. Recurso provido (Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 43.874-4. Relator Desembargador Laerte Nordi. Publicado em 12/8/97).

Com o mesmo entendimento o julgado do Superior Tribunal de Justiça: Prevalece o entendimento na Seção de Direito Privado "de que tratando-se de relação de consumo, em que as autoras figuram inquestionavelmente como destinatárias finais dos serviços de transporte, aplicável é à espécie o Código de Defesa do Consumidor (Superior Tribunal de Justiça. REsp 538.685. Relator Min. Raphael de Barros Monteiro. Publicado em 16/2/2004).


3. Overbooking

Para que as consequências jurídicas quanto à prática do overbooking sejam melhor compreendidas, é necessário proceder a uma análise crítica sobre a sua origem e o seu conceito. Após esse primeiro exame, será estudada a reparação de danos nas situações em que se configura o seu exercício, que, apesar de ter uma razão de ser, não pode ficar imune à responsabilidade civil.

Até o início da década de 1990, quando a regulação do transporte aéreo ainda era muito marcada pela interferência governamental, que controlava as ofertas e os preços das passagens aéreas, verificava-se um baixo aproveitamento dos assentos oferecidos em vôos regulares, assim considerados aqueles que operam independentemente do número de passagens reservadas. Nessa época, convivia-se sem maiores problemas com os denominados no-show, isto é, os passageiros que reservam bilhetes, mas que não comparecem no momento do embarque.

Porém, a partir dessa mesma década, uma série de fatores contribuiram para que a prática de reserva de passagens se tornasse prejudicial às companhias aéreas. Com a diminuição da interferência governamental, a introdução de tarifas reduzidas, a globalização e a maior liberdade na concorrência, a procura por esse meio de transporte se tornou maior que a oferta de lugares, representando o no-show um verdadeiro prejuízo para essas empresas.

Desse modo, as transportadoras aéreas passaram a adotar a prática do overbooking, isto é, a venda de passagens com reserva em número superior aos assentos disponíveis nas aeronaves.

Apesar de atuar com o objetivo de evitar ou de, pelo menos, minimizar os prejuízos advindos com os no-show, frequentemente comparecem para embarque os passageiros com reservas em quantidade superior à capacidade da aeronave, impossibilitando os excedentes de viajarem e, consequentemente, gerando prejuízos de ordem moral e material para os mesmos.

Segundo Helio de Castro Farias, Secretário Geral da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial, depois da adoção, com sucesso, de overbooking como medida protetora contra o no-show, muitas empresas aéreas passam a usar o overbooking também para otimizar o aproveitamento econômico da aeronave, não apenas em relação aos assentos ocupados mas igualmente para priorizar as passagens cuja tarifa contribui para gerar melhor lucratividade ("yield"). Para a mesma classe são comercializados bilhetes de passagem com preços diferenciados (tarifa de excursão, de grupo, ponto a ponto e outras) e com regras específicas, as quais produzem variados resultados econômicos; dessa forma o bilhete que corresponde à melhor lucratividade tem prioridade sobre os outros que passam a ser mascarados de overbooking (Disponível em: http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1605.htm).

Alguns poderiam entender que para os casos de overbooking seria possível a aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica, o qual prevê que a transportadora contratual deverá arcar com as despesas de transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, sem prejuízo da responsabilidade civil.

No entanto, essas hipóteses devem ser aplicadas para os casos de interrupção ou atraso do transporte. Para o passageiro que ficou sem embarcar por conta do overbooking, o vôo nem chegou a iniciar, não configurando as situações elencadas no referido dispositivo legal.

Quanto ao no-show, o Código Brasileiro de Aeronáutica não obriga o transportador a revalidar ou reembolsar o seu bilhete, mas também não aplica qualquer tipo de penalidade a esse tipo de passageiro.

Ademais, sempre que se configurava o overbooking, as companhias aéreas buscavam enquadrar a situação nos dispositivos da Convenção de Varsóvia, tratando o assunto também como "atraso do vôo" e, portanto, recaindo na problemática descrita anteriormente.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro refutou esse argumento: As limitações, no plano da composição dos danos decorrentes do descumprimento do contrato de transporte aéreo constantes da Convenção de Varsóvia e adotadas no direito interno nacional pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, não se podem sobrepor aos termos da Carta Constitucional de 1988, mormente no que diz respeito ao ressarcimento do dano moral, expressamente assegurado como garantia individual (art. 5°,V e X da Constituição Federal) pelo que não foram elas recepcionadas pela ordem constitucional vigente. Demais disso, havendo nosso sistema constitucional afastado a primazia dos tratados e convenções internacionais sobre as normas de direito interno, estabelecendo a equivalência entre ambos, as regras limitadoras de indenização contidas na Convenção de Varsóvia não se aplicam em face da norma de direito interno que dispõe de forma diversa, visto como posterior, devendo a transportadora, face à responsabilidade presumida constitucionalmente para as concessionárias de serviço público, arcar com a indenização equivalente à completa reparação do dano (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível n° 4401/00. Desembargador Carlos Raymundo Cardoso. Publicado em 02/08/2000).

Não há dúvidas de que o contrato de transporte aéreo celebrado no Brasil seja regido pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, no entanto, esse diploma não traz normas específicas sobre o overbooking e o no-show, eis que entrou em vigor no ano de 1986, antes mesmo que essa prática tomasse a amplitude que atualmente tem.

Não obstante a existência de tal lacuna, o artigo 5º, inciso XXXII, da CF, determina que o Estado promova a defesa do consumidor, o que nos leva a concluir que a solução se encontra na lei 8.078/90, mais especificamente no artigo 46 e seguintes da legislação extravagante.

Nesse mesmo sentido, segue a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: Civil. Código de defesa do consumidor. Danos morais. Empresa de viagem. Pacote turístico. Deficiência na prestação de serviço. Overbooking no hotel. Traslado hotel-aeroporto não cumprido. Aborrecimentos. Angústias e desconfortos suportados pelo recorrente. Dano moral configurado na espécie dos autos. Dever de indenizar configurado. Sentença parcialmente reformada. 1. a empresa fornecedora de serviço tem o dever de indenizar o consumidor pela má prestação de serviço, nos termos do art. 6º, inc. Vi c/c art. 14, ambos do CDC (Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Acórdão 221835. Relator Alfeu Machado. Publicado em 29/08/2005. Disponível em http://www.tjdft.jus.br).

O artigo 22 do CDC assevera que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Nesse sentido a lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, considera serviço adequado aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

O Código de Defesa do Consumidor ainda estabelece que, em casos de descumprimento dessas obrigações, as pessoas jurídicas serão compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados. Portanto, o passageiro que foi prejudicado pela prática do overbooking pode requerer a devolução do valor pago pela passagem, ou ser incluído no vôo seguinte para o mesmo destino pela mesma empresa, bem como pode pedir o endosso do bilhete e embarcar em outra companhia.

A transportadora também será responsável pelas despesas com alimentação, transporte e comunicação. Havendo necessidade de o passageiro esperar o dia seguinte para o embarque, deverá arcar com os gastos relativos à hospedagem e despesas pessoais do mesmo. Todos esses compromissos devem ser assumidos pelas empresas aéreas sem prejuízo de eventuais indenizações por danos morais e materiais.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça: É cabível o pagamento de indenização por danos morais a passageiro que, por causa de overbooking, só consegue embarcar no dia seguinte à data designada, tendo em vista a situação de indiscutível constrangimento e aflição a que foi submetido, decorrendo o prejuízo, em casos que tais, da prova do atraso em si e da experiência comum (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 521.043-RJ. Relator Ministro Castro Filho. Publicado em 12/08/03. Disponível em www.stj.jus.br).

Em outro julgado, o STJ seguiu o mesmo entendimento: o impedimento de vôo por causa de overbooking é causa de dano extrapatrimonial que deve ser indenizado (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 481.931-MA. Relator Ministro Cesar Asfor Rocha. Publicado em 26/11/2004).

No mesmo sentido está a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal: I - Inobstante a infraestrutura dos modernos aeroportos ou a disponibilização de hotéis e transporte adequados, tal não se revela suficiente para elidir o dano moral quando o atraso no vôo se configura excessivo, a gerar pesado desconforto e aflição ao passageiro, extrapolando a situação de mera vicissitude, plenamente suportável. II - Diversamente do atraso de vôo decorrente de razões de segurança, que, ainda assim, quando muito longo, gera direito à indenização por danos morais, a prática de overbooking, constituída pela venda de passagens além do limite da capacidade da aeronave, que é feita no interesse exclusivo da empresa aérea em detrimento do direito do consumidor, exige sanção pecuniária maior, sem, contudo, chegar-se ao excesso que venha a produzir enriquecimento sem causa (Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 211.604-SC. Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior. Publicado em 26/03/1999).

Qualquer cláusula contratual que limite a responsabilidade das empresas aéreas pelos danos causados ao passageiro será considerada nula. Os órgãos de defesa do consumidor consideram, inclusive, que ela será tida como abusiva.

As discussões quanto à prática do overbooking não devem ficar restritas ao cabimento ou não de indenizações, principalmente às relativas ao dano moral, devendo também abranger o quantum da reparação. É preciso saber qual o justo valor capaz de ressarcir o passageiro prejudicado e, ao mesmo tempo, penalizar as companhias aéreas, estimulando-as a agirem com mais cuidado no momento de fixar os percentuais de sobre-reserva e, assim, diminuir os riscos de surgimento do overbooking.

Nessas situações, o valor atribuído a título indenizatório deve ser avaliado e arbitrado pelo magistrado, a quem competirá instruir todo o processo. Às partes restará apenas sugerir a quantia que achar mais razoável e demonstrar, em juízo, por quais motivos deseja o deferimento do pleito.

No momento da aferição do valor devido, deve-se atentar, portanto, para essa dúplice função da indenização: a reparação dos efeitos danosos causados à vítima em decorrência de tal ato e o desestímulo à repetição da conduta danosa, obrigando as companhias aéreas a terem mais cautela e respeito para com os consumidores.

Nessa mesma linha de pensamento, convém citar a decisão proferida pelo STJ: [...] não obstante o grau de subjetivismo que envolve o tema da fixação da indenização, uma vez que não existem critérios determinado e fixos para a quantificação do dano moral, reiteradamente, tem-se pronunciado essa Corte no sentido de que a reparação do dano deve ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro modo, enriquecimento indevido (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 588.172-RJ. Relator Ministro Castro Filho. Publicado em 14/02/2005).


4. Cancelamento e Atrasos Aéreos

Os cancelamentos e atrasos aéreos são, essencialmente, regulados pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, não havendo qualquer tipo de incompatibilidade, nesta matéria, com o que dispõem a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor.

Nas hipóteses de cancelamento de vôos, o art. 229 do CBA estabelece que o passageiro tem direito ao reembolso do valor já pago do bilhete se o transportador vier a cancelar a viagem. Desse modo, o passageiro não está obrigado a marcar um novo dia e horário para efetivar a sua viagem, podendo, simplesmente, pedir o valor equivalente ao bilhete.

É muito comum a ocorrência de atrasos nos transportes aéreos. Se, em decorrência de tal acontecimento, houver prejuízo para qualquer dos passageiros, a companhia aérea será objetivamente responsabilizada, com exceção, é claro, das situações em que há culpa exclusiva da vítima ou em que o atraso se dá por motivo de caso fortuito ou de força maior.

O Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor – Procon, em seu site na internet, elenca três modalidades de atrasos superiores a quatro horas, previstos no Código Brasileiro de Aeronáutica: o atraso de partida; o atraso de escala; e o atraso de conexão (http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=331).

O CBA prevê em seu art. 230 que em caso de atraso da partida por mais de quatro horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro o preferir, o valor do bilhete de passagem. Este dispositivo se refere ao denominado atraso de partida, em que o passageiro não consegue embarcar na aeronave e, consequentemente, não efetua a viagem ao local de destino.

O atraso escala ocorre quando o avião faz escala em um determinado aeroporto, havendo atraso para o embarque no vôo seguinte. É o que dispõe o art. 231 do CBA: Quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a quatro horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço.

Há também o denominado atraso de conexão, em que o passageiro deixa de embarcar no vôo seguinte devido ao atraso com o primeiro avião. Neste caso, ocorre uma interrupção na viagem, devendo ser aplicado o disposto no supracitado art. 231, cabendo ao passageiro optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço.

Em todas essas modalidades de atraso, aplica-se o parágrafo único do já referido art. 231, devendo todas as despesas decorrentes da interrupção ou atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correr por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil.

Segundo informa o Procon, independentemente da modalidade e do tempo de atraso, caso o passageiro sofra prejuízos, há a possibilidade de ajuizar uma ação indenizatória por danos morais e patrimoniais. É este o entendimento do Código de Defesa do Consumidor e do Código Brasileiro de Aeronáutica.

Dessa forma, o atraso superior a quatro horas constitui apenas um requisito para que o passageiro possa exigir o embarque em outro vôo ou a devolução do valor da passagem. Porém, seja qual for o tempo de atraso, se, em decorrência dele, o consumidor sofreu prejuízos, como a perda de uma diária em hotel, de uma reunião de trabalho ou de um compromisso importante, pode pleitear uma ação indenizatória, visando ao ressarcimento do dano sofrido.

O Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor também informa que se o passageiro optar por deixar o aeroporto, convém exigir um documento por escrito da empresa constando que naquele horário está deixando o aeroporto. Caso isso não seja possível, o consumidor pode usar como prova do atraso o ticket do estacionamento, a fatura de uma lanchonete do aeroporto, ou o documento de entrada e saída do hotel.

O Procon ainda dispõe sobre como proceder em diversas situações de espera, como as que ocorrem na fila do check in, na sala de embarque e dentro da aeronave. Todas essas informações são de grande valia para o caso de o passageiro vir a acionar a empresa por eventual dano causado, pois havendo atraso, raramente as companhias aéreas emitem outro bilhete com o novo horário, e as que emitem, normalmente, retêm o bilhete anterior.

Se a espera ocorre na fila do check in, o consumidor deve ficar bastante atento, uma vez que o bilhete emitido pela empresa aérea apenas possui a data e o horário do vôo, não refletindo o horário em que o passageiro realmente embarcou na aeronave. Diante deste fato, convém sempre guardar as faturas de compras feitas em lojas ou lanchonetes do aeroporto, bem como o ticket do estacionamento ou o recibo do táxi.

Quando a espera ocorre na sala de embarque, o Procon dá os seguintes conselhos aos passageiros lesados: Nem sempre as salas de embarque possuem lanchonetes que emitem tickets com data de horário. Para documentar esse tipo de espera na sala de embarque você pode fazer uma carta de próprio punho, em duas vias, solicitando informações sobre o atraso e pedir para os funcionários da empresa aérea receberem, colocando nome, horário e função. Caso haja recusa em receber, peça a duas testemunhas (podem ser outros passageiros) que o recebam, colocando seu nome, RG, telefone e endereço. Anote também o nome do funcionário, e faça sua descrição na carta. Toda vez que um funcionário vier prestar informações, pergunte-lhe o nome, anotando-o, bem como o horário da informação prestada. Sempre faça sua descrição. Você pode, também, entregar a carta em um dos postos da ANAC (SAC – Serviço de Aviação Civil), ou nos postos da Infraero.

Por fim, quando a espera ocorre já no interior da aeronave, para fazer prova do atraso, convém que o consumidor também atue da forma acima transcrita. É aconselhável sempre anotar os nomes e as funções dos funcionários que prestam as informações, bem como o telefone e o endereço de outros passageiros que poderão servir como testemunhas numa eventual ação indenizatória.


5. Apagão Aéreo

A crise verificada no setor aéreo brasileiro se prolongou durante longos meses, desde o acidente ocorrido, em 29 de setembro de 2006, com a companhia aérea Gol e o jato executivo Legacy, pertencente a uma empresa americana. Nesse drástico acidente, foram vitimadas 154 pessoas, revelando falhas no controle do espaço aéreo nacional, sobretudo dos controladores do Cindacta-1, Primeiro Centro Integrado de Defesa e Controle de Tráfego Aéreo, que controla as regiões do Centro-Oeste e Sudeste do país.

Foi através desse acidente que começaram a surgir revelações quanto às péssimas condições dos aparelhos de controle do setor aéreo, bem como do número insuficiente de controladores, das jornadas excessivas de trabalho e dos baixos salários. Diante das repercussões ocorridas em torno desse incidente, os controladores de vôo iniciaram a chamada operação-padrão, uma espécie de ensaio para o início de uma greve, passando a controlar cada vez menos vôos em todos os aeroportos do país.

O caos que surgiu logo em seguida ficou marcado pelas longas filas enfrentadas pelos passageiros para a realização do check-in, do grande número de pessoas nas salas de embarque e do atraso nos vôos de diversas companhias aéreas, nacionais ou estrangeiras. Não há dúvida de que todos esses problemas provocam prejuízos para os passageiros que contratam com essas empresas aéreas, sejam eles de cunho material ou moral.

Ao esperarem longas horas pelo embarque do seu vôo, ou até mesmo serem informados do seu cancelamento, muitos passageiros perdem compromissos importantes, principalmente aqueles de ordem profissional, bem como despendem valores em alimentação e hospedagem, além de enfrentarem angustiantes esperas para a decolagem.

Convém, ainda, ressaltar que as companhias aéreas também podem sofrer com os atrasos e cancelamento de vôos, uma vez que todos esses problemas geram gastos extras e receitas menores para as mesmas.

Diante de tal quadro situacional, pode-se dizer que existem três partes envolvidas: os passageiros, as companhias aéreas e a União, por meio da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da Força Aérea Brasileira (FAB), também conhecida como Aeronáutica, e da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária (INFRAERO).

Os passageiros figuram como verdadeiros consumidores, eis que, a partir do momento em que celebram um contrato de transporte com a companhia aérea, passam a figurar em um dos pólos da relação jurídica contratual. A União, por sua vez, é responsável pelo controle aéreo. É ela, através das suas agências, que irá coordenar a decolagem e aterrissagem de vôos nos diversos aeroportos do Brasil.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), agência reguladora federal submetida a um regime autárquico especial e vinculada ao Ministério da Defesa, possui as seguintes atribuições: regular e fiscalizar as atividades de aviação civil, excepcionando-se o tráfego aéreo e a investigação de acidentes, cujas responsabilidades são do Comando da Aeronáutica e do Ministério da Defesa; assegurar que o transporte aéreo seja realizado dentro dos padrões mínimos de segurança; e garantir condições mínimas da infra-estrutura aeroportuária.

A Aeronáutica tem caráter militar, constituindo uma das três forças armadas do Brasil. Tem como principais funções orientar, coordenar e controlar as atividades de aviação civil; prover a segurança da navegação aérea; e estabelecer, equipar e operar, diretamente ou mediante concessão, a infra-estrutura aeroespacial, aeronáutica e aeroportuária.

Há, ainda, a Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária (INFRAERO), empresa pública federal brasileira de administração indireta, vinculada ao Ministério da Defesa e responsável pela administração dos principais aeroportos do país.

É inegável que a responsabilidade por danos causados aos passageiros é, em grande parte, das companhias aéreas, no entanto, como bem informa Rui Stoco (2001, p. 220): outras vezes, o acidente decorre da má atuação dos operadores e controladores de vôo ou da administração do aeroporto. Trata-se, evidentemente, de responsabilidade extracontratual, decorrente de ato ilícito.

O ordenamento jurídico disciplina todas essas questões, observando a regra que rege as diversas relações jurídicas abrangidas pela responsabilidade civil, qual seja, o princípio neminem laedere, segundo o qual a ninguém é dado o direito de lesar a outrem, devendo os danos provocados serem devidamente reparados.

A União é a verdadeira responsável pelos danos causados aos consumidores e empresas de aviação, uma vez que detém o controle do espaço aéreo nacional, do qual dependem o embarque e desembarque das aeronaves pertencentes às diversas companhias aéreas que atuam no território brasileiro.

No entanto, o descaso com que muitas dessas empresas agem em relação aos passageiros, negando-lhes informações e assistência, não fica alheio à responsabilidade civil. Poucos são aqueles que recebem auxílio para alimentação e hospedagem, restando aos demais a longa espera nos próprios aeroportos, onde passam, inclusive, a dormir.

Todas esses fatores envolvem aspectos econômicos e políticos. O objetivo do presente trabalho é, no entanto, apresentar o tema do ponto de vista jurídico, principalmente no âmbito das relações de consumo. Desse modo, é preciso fazer uma análise crítica sobre o que estabelecem a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Brasileiro de Aeronáutica.

De acordo com artigo 5º, V, da Constituição Federal é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem". Na mesma linha de entendimento segue o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6°, VI: são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

A lei 8.078/90 estabelece que, nesses casos, a responsabilidade das companhias aéreas é objetiva, não sendo necessário a aferição da culpa da transportadora para que os passageiros sejam ressarcidos por eventuais atrasos no embarque das aeronaves. Esse entendimento decorre da natureza da atividade desenvolvida pelas empresas aeronáuticas, que é baseada na teoria do risco.

Segundo Rizzatto Nunes, a responsabilidade objetiva tem relação direta com o risco da atividade empresarial. O empreendedor tem o direito de estabelecer-se com seu negócio (no caso, o transporte aéreo) explorando o mercado de consumo. Essa exploração lhe dá o direito ao sucesso, quando afere lucros, mas também ao fracasso, suportando perdas. O cálculo que ele faz em relação à exploração de sua atividade, é um cálculo voltado a prevenir os riscos de seu negócio para maximizar os lucros e diminuir as perdas (NUNES, Rizzatto. Atrasos aéreos: entenda seus direitos. Disponível em http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1706793-EI6594,00.html. Acesso em 8 de maio de 2010).

Desse modo, independentemente de quem seja a culpa, se dos controladores de vôo ou das próprias companhias aéreas, se houver nexo de causalidade entre o dano provocado e o mau serviço prestado, surgirá para o transportador aeronáutico o dever de indenizar os consumidores lesados.

Nada impede, todavia, que, posteriormente, através de uma ação regressiva, essas companhias aéreas busquem o ressarcimento do valor pago ou dos prejuízos diretamente sofridos do responsável último pelo dano, a União, uma vez que, de acordo com o artigo 21, XII, alínea c, da Constituição Federal, compete a ela a exploração, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão da navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária.

Para essas situações não se deve levar em consideração o disposto no artigo 14, § 3°, II, do Código de Defesa do Consumidor, que trata de uma das hipóteses de exclusão de responsabilidade, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Quanto aos passageiros, não há dúvidas de que não têm qualquer culpa nos eventos danosos provocados. E o terceiro a que se refere a lei diz respeito a todo aquele que não participa da relação jurídica de consumo. Desse entendimento, pode-se afirmar que, para fins do disposto em lei, terceiro não pode ser considerado os controladores de vôos ou as agências responsáveis pela coordenação do espaço aéreo, eis que os serviços prestados pelas companhias aéreas têm relação direta com aqueles.

Apesar das restritas hipóteses previstas no artigo 14 do CDC, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, também considerou o caso fortuito e a força maior causas excludentes da responsabilidade do transportador aéreo pela deficiente prestação dos seus serviços. Nesses casos, cabe à empresa aérea demandada demonstrar a ocorrência do caso fortuito ou da força maior, eis que, por força da lei 8.078/90, se opera a inversão do ônus da prova, bem como se trata de fato extintivo do autor, conforme prevê o artigo 333 do Código de Processo Civil (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70018563221. Décima Segunda Câmara Cível. Publicado no dia 13/06/2007)

No mesmo sentido segue o Código Brasileiro de Aeronáutica, dispondo que o transportador não será responsável pelo atraso se ocorrer motivo de força maior ou for comprovada a determinação da autoridade aeronáutica, que será responsabilizada.

No entanto, o artigo 231 desse mesmo diploma legal assevera que quando o transporte sofrer interrupção ou atraso em aeroporto de escala por período superior a 4 (quatro) horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço. E continua em seu parágrafo único: todas as despesas decorrentes da interrupção ou atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correrão por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil.

Ademais, é dever das companhias aéreas prestarem assistência aos passageiros, mediante o pagamento de despesas com alimentação e hospedagem, bem como com o transporte de ida e volta do hotel. Convém ressaltar, entretanto, que tal obrigação não as isenta da responsabilidade civil que possuem em relação aos consumidores, servindo apenas para minimizar a situação. Nada impede que o passageiro prejudicado ajuíze uma ação para pagamento da indenização devida.

Diante do disposto, pode-se dizer que as empresas aéreas serão responsabilizadas pelos prejuízos causados aos passageiros em decorrência dos atrasos nos vôos e pela falta de assistência prestada aos mesmos. A lei determinou desta forma objetivando amenizar os transtornos sentidos pela parte mais frágil dessa relação jurídica contratual, os consumidores.

Porém, o famigerado "apagão aéreo" possui como último responsável a União, através do Ministério da Defesa, da Aeronáutica e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), uma vez que a autorização para pouso e decolagem das aeronaves depende dos controladores de vôo, que, por sua vez, são considerados prepostos deste ente federal.

De acordo com Luiz Augusto Haddad Figueiredo: Neste contexto, observa-se os artigos 6º, X, e 22, do CDC, que asseguram ao consumidor o direito de receber a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos (no caso a administração, gerenciamento e fiscalização do transporte aéreo), sob pena de se carrear ao próprio poder público a reparação dos prejuízos ocasionados. Essa obrigação de reparar é solidária, podendo o consumidor, à sua escolha, exigir o total da indenização de qualquer de seus ofensores, inclusive da União. Até mesmo a agência de turismo que vendeu e organizou a viagem pode vir a ter de pagar pelos danos sofridos com o atraso do vôo (Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/52949,1).

Em relação às agências de turismo, convém tecer algumas breves considerações sobre a sua responsabilidade em todo este contexto. Não há dúvidas de que incide, neste caso, o CDC, pois o passageiro que contrata os serviços desse tipo de agência é consumidor final do denominado "pacote turístico". Normalmente, existe entre eles um contrato de adesão, sendo considerada nula qualquer cláusula que exonere de responsabilidade a agência de viagem.

Sobre essa questão, Gustavo Tepedino (2001, p. 229) possui o seguinte entendimento: [...] parece inegável que, uma vez definida a autonomia causal do contrato de turismo, a responsabilidade do operador ou da agência de viagem independe das cláusulas estipuladas em cada um dos contratos que integram o pacote turístico, cabendo ao consumidor acionar qualquer um dos fornecedores dos serviços, solidariamente responsáveis pela sua segurança e pelo atendimento do programa de turismo que lhe foi vendido. O operador responsabiliza-se pelo bom êxito do pacote, para isso é contratado, sem prejuízo da responsabilidade contratual fixada em cada um dos serviços que o compõe e do direito de regresso que eventualmente poderá exercer contra outros agentes, co-responsáveis pelos serviços desenvolvidos no curso da relação contratual.

Em decorrência dessa responsabilidade solidária que o poder público também possui, se o consumidor ajuizar uma ação diretamente contra a transportadora aérea, esta poderá exigir daquele a restituição, ou a repartição, do valor relativo aos eventuais prejuízos com que arcou. A propositura dessa ação em via regressiva independe da aferição de culpa.

A ação judicial para reparação dos danos sofridos, proposta diretamente contra a transportadora aérea, também nas hipóteses em que esta agir com total descaso para com os seus passageiros, deve ser ajuizada na justiça estadual ou nos juizados especiais estaduais, se, neste último caso, a causa não ultrapassar o valor de quarenta salários mínimos. Caso a demanda seja proposta contra a União, em decorrência de prejuízos causados pelo atraso nos vôos, a competência para o julgamento da lide passa a ser da Justiça Federal.

Apesar de toda essa problemática ser relativamente recente, já existem julgados que seguem essa mesma linha de raciocínio, como se pode notar pela decisão proferida no 4º Juizado Especial Cível da Comarca de João Pessoa (Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Processo nº 2002006061715-6, 4º Juizado Especial Cível da Capital, Juíza Daniella Cristhine Ramalho Costa. Publicado em 09/03/2007).

A demanda versava sobre um pedido de indenização por danos morais provenientes da falta de assistência da transportadora aérea para com um passageiro, que teve de suportar, durante 10 horas no aeroporto de São Paulo, pelo embarque da aeronave até à capital da Paraíba.

A juíza que prolatou a sentença considerou improcedentes as alegações da empresa aérea de que o atraso no embarque dos passageiros se deu exclusivamente pela crise do setor aeronáutico, o famoso "apagão aéreo", que repercutiu generalizadamente por todos os aeroportos do país. Argumentou que essa justificativa não era capaz de isentá-la da responsabilidade que possui para com os consumidores do seu serviço. Deste modo, condenou a demandada ao pagamento do valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de indenização por danos morais.


6. Conclusão

O presente trabalho buscou analisar as principais hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo. Primeiramente, verificou-se que, nas hipóteses de extravio de bagagens, a responsabilidade prevista na Convenção de Varsóvia é tarifada, enquanto o Código de Defesa do Consumidor não estabelece qualquer limitação para o quantum reparatório. Da análise dos referidos diplomas, concluiu-se que o CDC suspendeu parcialmente a Convenção, não devendo ser aplicada a taxa indenizatória prevista na mesma.

Em seguida, constatou-se que as normas previstas no Código Brasileiro de Aeronáutica devem ser aplicadas para os casos de interrupção ou atraso do transporte. Na hipótese de overbooking, o vôo nem chegou a iniciar, devendo aplicar-se o CDC, e não o CBA. Este não traz normas específicas sobre o assunto, uma vez que entrou em vigor no ano de 1986, antes mesmo que essa prática tomasse a amplitude que atualmente tem.

A lacuna presente no CBA pode ser facilmente superada quando se analisa o artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, o qual determina a defesa do consumidor pelo Estado. A solução, portanto, encontra-se na lei 8.078/90, mais especificamente nos artigos 46 e seguintes da legislação extravagante.

Posteriormente, foram examinadas as situações relativas ao cancelamento e ao atraso de vôos. Na hipótese de cancelamento, o Código Brasileiro de Aeronáutica dispõe que o passageiro tem direito ao reembolso do valor já pago do bilhete. Nas situações em que o atraso ocorre por período superior a quatro horas, o passageiro pode optar pelo endosso do bilhete ou pela imediata devolução do preço. Neste último caso, todas as despesas decorrentes da interrupção ou atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correm por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil.

Relativamente ao que se denomina por "apagão aéreo", constatou-se que a União é a verdadeira responsável pelos danos causados aos consumidores e empresas de aviação, uma vez que detém o controle do espaço aéreo nacional. Todavia, o descaso com que muitas empresas aéreas agem em relação aos passageiros, negando-lhes informações e assistência, não deve ficar alheio à responsabilidade civil.

A lei 8.078/90, que rege os direitos e garantias dos consumidores, estabelece que, nesses casos, a responsabilidade do transportador aéreo é objetiva. Independentemente de quem seja a culpa, se dos controladores de vôo ou das próprias companhias aéreas, se houver nexo de causalidade entre o dano provocado e o mau serviço prestado, surgirá para o transportador aéreo o dever de indenizar os consumidores lesados. Nada impede, todavia, que, posteriormente, através de uma ação regressiva, essas companhias aéreas busquem o ressarcimento do valor pago ou dos prejuízos diretamente sofridos do responsável último pelo dano, a União.

Por fim, foram abordados os principais pontos relativos aos acidentes aéreos. Concluiu-se que, nestas hipóteses, a responsabilidade é objetiva, devendo ser aplicado tanto o Código Civil quanto o CDC. Mesmo que o acidente tenha sido causado por algum defeito na pista de pouso, ou por falha mecânica, ou, até mesmo, por erro do piloto, a responsabilidade do transportador não é ilidida. Pode acontecer, entretanto, que o acidente tenha ocorrido por culpa de terceiro. Neste caso, a responsabilidade continua sendo objetiva, porém a empresa aérea terá o direito de regresso contra o terceiro causador do ilícito.

Diante de todas essas considerações, é possível afirmar que, mais uma vez, o ordenamento jurídico avançou e buscou se adequar às novas exigências da sociedade moderna. A responsabilidade civil do transportador aéreo, como um tema atual e relevante que é, merece destaque no sistema normativo pátrio. O direito brasileiro demonstra o grande apreço que possui pelos consumidores, que são a parte mais frágil nas relações consumeristas, tratando esta responsabilidade como objetiva e estabelecendo critérios não limitativos para o quantum indenizatório.


Notas

01.Carlos Mário da Silva Velloso, ao escrever sobre os tratados na jurisprudência do STF, esclareceu que a antiga jurisprudência deste Tribunal se posicionava pela prevalência do primado do direito internacional sobre o direito interno. Atualmente, o Supremo não entende mais dessa forma, posicionando-se no sentido de que existe uma paridade entre o tratado e a lei federal: O voto mais importante foi do Ministro Leitão de Abreu, voto que, segundo Rezek (1984, p. 472), melhor equacionou a controvérsia. Segundo Leitão de Abreu, a lei posterior não revoga o tratado anterior, "mas simplesmente afasta, enquanto em vigor, as normas do tratado com ela incompatíveis", pelo que "voltará ele a aplicar-se, se revogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele consubstanciadas". Prevaleceu, na verdade, o entendimento de Leitão de Abreu [...] (VELLOSO, 2005, p 36 e 37).


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PEREIRA, Mariana Sena Vieira Paupério. Hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2705, 27 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17916. Acesso em: 28 mar. 2024.