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Análise da evolução dos efeitos conferidos à decisão do mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal

Análise da evolução dos efeitos conferidos à decisão do mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal

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INTRODUÇÃO

O mandado de injunção é um dos instrumentos jurídicos de tutela constitucional dos direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais mais significativos. Ainda hoje, contudo, esse instituto causa bastante inquietação na doutrina e jurisprudência brasileiras.

Embora existam doutrinadores que afirmem ter sido esse instrumento "importado" do direito estrangeiro, mormente do inglês, do norte americano e do alemão, consideramos que ele foi uma criação da Constituição Federal brasileira de 1988.

O equívoco quanto a sua origem ocorre, muitas vezes, em virtude da expressão "injunção", pois que, tanto no direito inglês, como no norte americano, há instituto denominado writ of injuction.

Uma análise mais cuidadosa, no entanto, revela-nos que, na verdade, as injunções do direito inglês e norte americano estão mais próximas do mandado de segurança brasileiro que do mandado de injunção, haja vista serem medidas judiciais que impõem um não fazer (são ordens judiciais editadas em cada caso por equidade). Assemelham-se do mandado de injunção, destarte, apenas no tocante à denominação. [01]

No Direito alemão, o Verfassungsbeschwerde é um instrumento processual contra as omissões legislativas inconstitucionais parciais, nos casos em que a Lei, violando o princípio da isonomia, reconhece certos privilégios a apenas determinadas pessoas, grupos ou categorias, não mencionando outros que estão em situação semelhante. Esse remédio se destina à defesa de particulares contra a violação (comissiva ou omissiva) dos seus direitos fundamentais ou assemelhados, desde que já esgotadas as instâncias ordinárias, salvo se houver possibilidade de prejuízo grave ou irreparável para o autor.

Não obstante existam certas semelhanças entre esse remédio e mandado de injunção brasileiro, os institutos não são idênticos. Para a utilização do mandado de injunção, conforme veremos, não é necessário o prévio esgotamento das vias processuais ordinárias e o perigo de dano irreparável à vítima da violação. Além disso, a ação constitucional brasileira viabiliza o exercício de qualquer direito constitucional obstado em decorrência de omissão legislativa inconstitucional total, enquanto o remédio alemão destina-se a solução de omissões parciais apenas.

Importa ressaltar, ademais, que a idéia de criação dessa ação constitucional não é recente, sobretudo porque a ineficácia dos direitos consagrados pelas Constituições brasileiras é um problema grave, além de extremamente antigo.

Com efeito, os textos constitucionais, sobretudo após o advento do Estado Social, sempre apresentaram abundante rol de direitos cuja eficácia plena dependia, em sua maioria, da posterior elaboração de normas infraconstitucionais e, por isso, revelava-se fundamental a ulterior participação do legislador.

Na prática, contudo, as normas regulamentadoras dificilmente eram editadas e os direitos não se concretizavam. É relevante ressaltar, ainda, que, por vivermos numa democracia, não há possibilidade de obrigar-se juridicamente o Poder Legislativo a elaborar leis. Destarte, conquanto os direitos estivessem enunciados na Constituição, os cidadãos não tinham condições de exercê-los. Verificava-se, consequentemente, enorme descompasso entre a previsão do texto constitucional e a prática jurídica.

Embora o valor, a autoridade e a eficácia das normas presentes nas Constituições não devam ser afastados pela inatividade voluntária do Poder Público, na prática, ordinariamente, verifica-se o descumprimento do dever previsto no texto constitucional de elaborar normas viabilizadoras do exercício de direitos e garantias constitucionais.

A Carta Magna atual, sem fugir à regra, apresentou grande tendência de deixar para o legislador ordinário a integração e a complementação de suas normas, o que enfraqueceu, por conseguinte, a aplicabilidade imediata dessas normas.

O constituinte de 1988, a fim de compor essa questão da ineficácia dos direitos constitucionais em decorrência da inação do legislador, criou o mandado de injunção, instrumento processual teoricamente capaz de sanar concretamente a omissão legislativa.

A pretensão do constituinte era, essencialmente, possibilitar, através da atuação substitutiva do Poder Judiciário, em casos concretos, o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora tornasse inviável a fruição dos mesmos.

Assim, o Poder Judiciário, quando acionado, poderia atuar subsidiaria e incidentalmente, regulamentando o exercício do direito no caso em espécie por meio de uma decisão com efeitos inter partes. Logo, em razão dessa garantia constitucional, em tese, a ausência de lei integrativa não deveria impedir o exercício do direito assegurado por norma constitucional.

O constituinte de 1988, conquanto se tratasse de novel instituto, não deixou claro, nos dispositivos constitucionais que dispuseram acerca do mandado de injunção, quais seriam os seus efeitos, a sua finalidade e o seu alcance.

Com efeito, não há, na Constituição Federal, preceito expresso quanto à legitimidade passiva do mandado de injunção, a sua natureza, nem em relação aos efeitos da providência juriscicional. Coube, portanto, ao Colendo Supremo Tribunal Federal, principal guardião e intérprete da Carta Magna, estabelecer os contornos da garantia constitucional em tela.

A Suprema Corte brasileira, entretanto, desvirtuou, inicialmente, a finalidade do remédio constitucional ao igualar seus efeitos aos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, atribuindo-lhe, por consequência, o escopo específico de ensejar o reconhecimento formal da inércia inconstitucional do Poder Público.

Com efeito, durante vários anos, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se, majoritariamente, no sentido de que, ao se verificar a omissão do Poder competente em elaborar a norma regulamentadora, no caso concreto, incumbiria ao órgão jurisdicional apenas a declaração da inconstitucionalidade dessa omissão e comunicação ao referido Poder para a adoção das providências devidas. Assim, o Supremo Tribunal Federal sepultou um instrumento destinado a evitar o desprestígio da Lei Fundamental que poderia ter um futuro promissor.

Nas duas primeiras décadas da Carta Magna, foi pequena a evolução do entendimento da Suprema Corte sobre a aplicação desse remedium júris, nos últimos anos, contudo, nota-se relevante modificação no âmbito desse Tribunal.

No presente artigo, será analisada a evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal, nos principais julgados, para apontar a conformação constitucional do mandado de injunção conferida pela Suprema Corte.


ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DOS EFEITOS CONFERIDOS À DECISÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Mandado de Injunção n°. 107-DF (leading case): julgamento da questão de ordem [02]

No caso em tela, um militar temporário, que contava com mais de nove anos de serviço na condição de oficial R/2, pretendia obter a suspensão do seu licenciamento do serviço ativo do Exército sob o fundamento de que não havia lei regulamentadora do § 9º, do art. 42, da Constituição Federal.

O supramencionado dispositivo dispunha, in verbis:

"art. 42(...)

§ 9º. A lei disporá sobre os limites da idade, a estabilidade e outras disposições de transferência do servidor militar para a inatividade."

O impetrante, com base nessa norma constitucional, sustentou haver uma expectativa de direito à estabilidade e, consequentemente, entendia que ele não estava obrigado a deixar as Forças Armadas.

O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, não conheceu do mandado de injunção em tela por entender que a Constituição Federal, no aludido parágrafo, não outorgou direito à estabilidade aos servidores militares, mas determinou, apenas, que a lei tratasse da matéria e fixasse os requisitos necessários para que esses servidores adquirissem o direito à estabilidade.

No entanto, cumpre ressaltar que, no julgamento dessa ação, foi levantada questão de ordem pelo seu Relator, o Ministro Moreira Alves, cuja análise se revela fundamental para a compreensão do remédio constitucional, nos primeiros anos de aplicação no âmbito da Suprema Corte.

Na supramencionada questão de ordem, o Supremo Tribunal Federal, além de solucionar as dúvidas relativas à auto-aplicabilidade do inciso LXXI, do art. 5º da Constituição Federal, fixou posição sobre a natureza do writ, bem como definiu os efeitos da decisão proferida nessa ação.

O Supremo Tribunal Federal, neste julgamento, adotou entendimento de que o mandado de injunção não autoriza o Poder Judiciário a elaborar o ato normativo faltante, para possibilitar, de imediato, o exercício do direito pelo impetrante.

A Suprema Corte sustentou, outrossim, que os efeitos da decisão proferida em mandado de injunção se limitaria, à declaração da inconstitucionalidade da omissão legislativa e à ciência da decisão ao órgão moroso para que adote as providências a fim de sanar a mencionada omissão.

Ademais, quando o remédio constitucional apresentasse como fundamento um direito constitucional oponível contra o Estado, seria possível a determinação da suspensão de processos judiciais e/ou administrativos contra o impetrante ma hipótese de perigo de danos.

Pela sua importância e por se revelar bastante elucidativa, interessa colacionar a ementa do acórdão ora em análise:

" Mandado de injunção. Questão de ordem sobre sua auto-aplicabilidade, ou não.

- Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providencias necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º, da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão inconstitucional.

-Assim, fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito da competência desta Corte - que está devidamente definida pelo art. 103, I, q -, auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que p regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber.

Questão de ordem que se resolve no sentido da auto-aplicabilidade do mandado de injunção, nos termos do voto do relator."

Nesse julgado, o Ministro Moreira Alves assinalou, em seu voto, os seguintes argumentos contrários à orientação de que o mandado de injunção seria ação constitutiva viabilizadora, em favor do impetrante, do exercício do direito subjetivo, da garantia ou da prerrogativa, quando obstado por omissão legislativa inconstitucional:

- nem sempre será possível permitir o exercício dos direitos, das garantias e das prerrogativas previstas no inciso LXXI, do art. 5º da Constituição Federal, porque, na maioria das hipóteses de ausência de norma regulamentadora, não há possibilidade de atribuir individualmente aquele exercício ao impetrante em face da inexistência de um sistema técnico instalado e em funcionamento. Não poderia o Supremo, por consequência, ou qualquer outro Tribunal competente, regulamentar a questão pela ausência de condição técnica de fazê-lo, o que implica o não julgamento da questão (non liquet), inadmissível no sistema jurídico brasileiro.

- Através deste instrumento processual, não será possível viabilizar o exercício de prerrogativas inerentes à soberania popular (referentes à iniciativa popular de lei, ao plebiscito e ao referendo), haja vista o caráter coletivo inerente a sua natureza. Não seria possível, portanto, atribuir ao mandado de injunção natureza incompatível com uma das hipóteses para a qual ele foi criado.

- Lei posterior que venha a regulamentar o direito não poderá modificar a sentença constitutiva proferida em virtude da formação da coisa julgada (preceito constitucional contido no inciso XXXVI, do art. 5º da Carta Magna).

- Como a Constituição não permite que, através da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação abstrata, com eficácia erga omnes por natureza e que se destina a defesa de interesse público maior (a defesa da Constituição Federal), o Poder Judiciário elabore norma regulamentadora com eficácia erga omnes, não é admissível que, por meio do mandado de injunção, ação de defesa de interesses particulares, seja obtida a mencionada regulamentação, sob pena de esvaziamento daquela ação de inconstitucionalidade.

- O constituinte não conferiu ao Supremo Tribunal Federal, mesmo que provisoriamente, o poder de legislar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão por respeito ao princípio da separação dos poderes (art. 60,§4º,III, da Constituição Federal), motivo pelo qual não será possível conferi-lo a qualquer juiz ou Tribunal em mandado de injunção.

- A fixação da competência para o processamentos e julgamento do mandado de injunção em razão da pessoa (ratione personae) – Poder, órgão, entidade ou autoridade responsável pela elaboração da norma faltante – evidencia que este mandado não tem natureza constitutiva, pois não poderia ser ajuizado contra o particular que, em virtude da regulamentação do exercício do direito impetrado, teria o dever jurídico de respeitá-lo.

- Também em razão das normas de competência, é possível concluir que a aceitação da regulamentação do caso em espécie conduziria, inevitavelmente, a uma diversidade de regulamentações individuais do mesmo dispositivo constitucional.

O Supremo Tribunal Federal, portanto, nesse julgado, assentou não ser possível atribuir ao remédio constitucional em análise a natureza de ação constitutiva, entendendo não ser viável, seja com efeitos erga omnes, seja inter partes, a regulamentação do dispositivo constitucional pelo Juiz ou Tribunal.

O Poder Judiciário, segundo o julgado em análise, não poderia exercer função para a qual não está aparelhado e que não lhe foi atribuída sequer na ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Assim, no Mandado de Injunção n°. 107-3/DF, leading case, o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que os efeitos obtidos na decisão do mandado de injunção seriam:

1. A declaração da inconstitucionalidade da omissão se estivesse caracterizada a mora por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade responsável pela elaboração da norma faltante;

2.Ciência da declaração proferida ao Poder, órgão, entidade ou autoridade responsável pela elaboração da norma para que adote as providências necessárias;

3.Determinação, se for o caso, da suspensão de processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a mora inconstitucional.


Mandado de Injunção n°. 283-5-DF [03]

Neste mandado de injunção, um oficial da aeronáutica ajuizou a ação com a finalidade de obter, da Suprema Corte, norma regulamentadora destinada a disciplinar o direito assegurado no §3º, do artigo 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

O dispositivo constitucional em tela conferia reparação de natureza econômica, na forma da lei, aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica (aviação civil) em razão da Portaria Reservada do Ministério da Aeronáutica n°. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e da Portaria Reservada n°. S-285-GM5.

Essa norma constitucional determinava, além disso, que a lei regulamentadora, de iniciativa do Congresso Nacional, deveria entrar em vigor no prazo de doze meses a partir da promulgação da Constituição Federal, ou seja, 05 de outubro de 1988.

O Mandado de Injunção recebeu a seguinte ementa:

"Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessaria ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8., par. 3., ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos.

1. O STF admite - não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 - QO) - que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contem o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232). 2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8., par. 3. - "Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição" - vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada.

3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito.

4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para:

a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. 8., par. 3., ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica;

b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada;

c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem;

d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável."

No julgamento dessa ação, conforme é possível verificar da simples análise da sua ementa, embora a Suprema Corte tenha mantido o entendimento quanto à natureza da ação e aos seus efeitos essenciais, não admitindo o suprimento da omissão legislativa pelo Judiciário para viabilizar a satisfação do direito reclamado de imediato, houve pequena, mas significativa, modificação do dispositivo o seu julgamento.

Com efeito, além de declarar a mora inconstitucional e ordenar que fosse dada ciência ao Poder moroso, o Supremo assinalou prazo de sessenta dias para a ultimação do processo legislativo necessário a elaboração da lei reclamada. Reconheceu, ademais, ao impetrante, no caso de persistência da omissão inconstitucional, a faculdade de ajuizar, nos termos do direito comum ou ordinário, ação de indenização pelos danos sofridos.

Com fulcro na inteligência adotada neste julgado, é indubitável que a Suprema Corte, por meio do mandado de injunção, passou a admitir que os impetrantes prejudicados buscassem, pelas vias processuais adequadas, sentença líquida de condenação à reparação de natureza econômica pelas perdas e danos sofridos em razão da omissão legislativa inviabilizadora da fruição dos direitos e garantias constitucionais.

No entanto, cumpre salientar que, ao invés da mencionada Corte arbitrar desde logo os parâmetros que norteariam o cálculo das indenizações, remeteu o impetrante a outro Juízo.

O Supremo Tribunal Federal, portanto, optou por transferir a outro órgão jurisdicional a responsabilidade de "regulamentar" o dispositivo constitucional, uma vez que caberia ao órgão jurisdicional de primeiro grau fixar os critérios para o cômputo da indenização.

É interessante ressaltar que, nesse caso, verificar-se-iam, com facilidade, as tão criticadas decisões díspares em casos similares em virtude da adoção de parâmetros diversos pelos órgãos julgadores de primeiro grau.


Mandado de Injunção n°. 284 DF [04]

O Mandado de Injunção n°. 284-DF, impetrado posteriormente ao Mandado de Injunção n°. 283-5-DF, depois de esgotado o prazo concedido pela Suprema Corte, tinha como objeto o mesmo direito constitucional, sendo o caso concreto idêntico ao daquele primeiro mandado de injunção.

O Supremo Tribunal Federal, por entender que o prazo concedido no MI n°. 283-5-DF havia transcorrido sem que o Congresso nacional suprisse a omissão inconstitucional, embora devidamente cientificado para fazê-lo, alterou, mais uma vez, o o dispositivo de seu julgado.

Com efeito, por considerar previamente reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional, não concedeu novo prazo para o saneamento da omissão inconstitucional, assegurando aos impetrantes, desde logo, o acesso imediato ao Poder Judiciário para a apuração da reparação econômica devida, nos termos do direito comum ou ordinário.

Portanto, a partir deste julgado, quando reconhecido o estado de mora do poder competente para suprir a lacuna normativa, a Suprema Corte passou a garantir aos impetrantes, desde logo, o acesso imediato ao Poder Judiciário para o exercício do direito constitucional consagrado na norma de eficácia limitada.


Mandado de Injunção n°. 232-RJ [05]

Esse mandado de injunção destaca-se bastante em razão da isolada mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Essa ação foi impetrada pelo Centro Luiz Freire, entidade civil de fins filantrópicos, a fim de viabilizar o exercício do direito constante no art. 195, §7º, da Constituição Federal, o qual estabelece serem isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

A entidade aduziu que o prazo fixado no art. 59 do ADCT para a elaboração da lei regulamentadora pelo Congresso Nacional havia esgotado e que a inexistência dessa lei obstava a fruição do direito constitucionalmente assegurado.

A supramencionada decisão recebeu a seguinte ementa:

"Mandado de injunção. – Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no par. 7 do artigo 195 da Constituição Federal. – Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, par. 7, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida."

O Supremo Tribunal Federal, neste precedente, apresentou uma solução híbrida, pois, conquanto tenha concedido o prazo de seis meses para que o legislativo tomasse as providencias necessárias, ao mesmo tempo, determinou que, transcorrido esse prazo sem a necessária regulamentação da matéria, o impetrante passaria a gozar, imediatamente, da imunidade requerida.

Na hipótese em tela, a Suprema Corte proferiu decisão que possibilitou, na hipótese de conservação da omissão inconstitucional, o imediato exercício do direito requerido pelo impetrante (isenção de contribuição para seguridade social), afastando, no caso em espécie, o empecilho – lei regulamentadora faltante – à fruição do direito invocado.

Posições divergentes no Supremo Tribunal Federal

É preciso ressaltar que nem todos os Ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal, à época dos julgamentos, comungaram dos entendimentos tratados no presente capítulo.

Os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Néri da Silveira apresentaram entendimentos diversos dos majoritariamente sustentados pela Suprema Corte.

O ex-Ministro Néri da Silveira defendia a posição isolada de que, julgado procedente o pedido de mandado de injunção, além da fixação do prazo de sessenta dias para a elaboração da norma faltante, deveria a Corte, na mesma decisão, criar a regulamentação para o caso concreto, a fim de assegurar ao requerente, na hipótese de persistir a omissão inviabilizadora, o exercício do direito constitucional.

Além disso, entendia que se houvesse ulterior elaboração da lei regulamentadora, esta não afetaria as ações já transitadas em julgado, restando ressalvados, em favor dos impetrantes, no entanto, os benefícios previstos na lei e não contidos na decisão proferida no mandado de injunção.

O ex-Ministro Carlos Velloso, por sua vez, sustentava que o mandado de injunção teria caráter substantivo, pois deveria fazer as vezes da lei ausente e integrar o direito constitucional ineficaz em virtude da inexistência da norma infraconstitucional.

Por meio desta ação, portanto, deveria ser fixada a norma regulamentadora no caso concreto para tornar viável o exercício do direito conferido pelo dispositivo constitucional. Concebia, outrossim, o aludido ex-Ministro que, além do Poder, órgão, autoridade ou entidade responsável pela elaboração da norma regulamentadora, deveriam fazer parte do polo passivo desta ação as demais pessoas que viriam a suportar os efeitos da decisão proferida nesta ação.

O Ministro Marco Aurélio, em seus votos, continuamente, ressaltou serem inconfundíveis a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, cujos significados e alcances, a seu ver, são próprios e diversos. Para este Ministro, caso essa distinção ao seja acatada, estar-se-á diante da expansão da legitimidade para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, por meio da simples mudança da nomenclatura.

O Ministro Marco Aurélio ressalta que a decisão do mandado de injunção não deve se limitar a determinar que seja oficiado ao Poder legislativo para comunicar seu estado de mora, até mesmo porque esse Poder sabe que se encontra em mora. Assevera que, além de declarar a omissão inconstitucional, o órgão jurisdicional deve fixar as condições indispensáveis ao exercício do direito.

Além disso, o Ministro Marco Aurélio teceu críticas veementes sobre a transferência do mandado de injunção a outro juízo, senão vejamos trecho de seu voto no Mandado de Injunção n°; 283-DF:

"Mas Senhor Presidente, encontro um óbice, a meu ver intransponível, à solução preconizada, e esse óbice diz respeito, sob minha ótica, à transferência, como que, do julgamento do mandado de injunção – porque creio que o campo propício é revelado por este – a um juízo de primeiro grau, que fixará, imagine V. Exa., para o caso concreto, os parâmetros que nortearão a reparação de que cogita o artigo 8º, §3º, da Constituição Federal.

(...)

Agora, vejam que situação sui generis: o Tribunal, dizendo-se competente para apreciar o mandado de injunção – e ninguém tem dúvida quanto a isso – reconhece que, passados dois anos, até hoje não foi editada a lei de que se cogita o dispositivo constitucional. Em um passo subseqüente, ao invés de atuar de forma concreta e fixar os parâmetros da reparação que serão futuramente disciplinados por lei, transfere essa fixação ao juízo.

(...)

Que concretização é essa em que se remete o interessado à via ordinária?

Assim, dissentindo da posição majoritária à época dos julgados anteriormente analisados, o Ministro Marco Aurélio entendia que a decisão do mandado de injunção não poderia se restringir à declaração da inconstitucionalidade da inércia do Poder, órgão, entidade ou autoridade em regulamentar a norma constitucional. Segundo o Ministro Marco Aurélio, devem ser atribuídos a esta ação efeitos mais satisfatórios, estabelecendo-se os parâmetros indispensáveis ao exercício do direito constitucional, para viabilizar o seu exercício, de imediato, pelo impetrante.


Mandado de injunção nº. 712: Mudança de posição do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Conforme destacado nos tópicos anteriores, após o julgamento do Mandado de Injunção nº. 107, o Supremo Tribunal Federal passou a modificar o instituto do mandado de injunção, conferindo-lhe, de certa forma, maior amplitude, sem, contudo, assumir o compromisso com o exercício de uma típica função legislativa.

No entanto, em 25 de outubro de 2007, ao julgar o Mandado de Injunção nº. 712, a Suprema Corte brasileira mudou, radicalmente, a interpretação conferida pela Corte à conformação constitucional do mandado de injunção.

No referido Mandado de Injunção, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará impetrou mandado de injunção com o objetivo de dar efetividade à norma do art. 37, inciso VII, da Constituição Federal, oportunidade em que postulou a aplicação da Lei n. 7.783/83, que rege o direito de greve no âmbito privado, até o surgimento da norma regulamentadora do referido artigo constitucional.

Em questão de ordem, a Corte decidiu não ser viável o pedido de desistência formulado depois de iniciado o julgamento, quando a maioria dos Ministros já se manifestara favoravelmente à concessão da injunção, a fim de evitar a utilização do mandado de injunção como meio de pressão sobre o Poder Judiciário ou qualquer entidade.

Além disso, ainda na questão de ordem, o Supremo destacou que o Sindicato, na relação processual, por ser legitimado extraordinário, e, por conseguinte, postular em nome próprio direito alheio, não detem a titularidade dessas ações, razão pela qual não pode desistir da ação após a sua propositura.

O Supremo Tribunal Federal observou, inicialmente, que, em mandados de injunção anteriores, em que houve apreciação da omissão legislativa referente ao exercício do direito de greve por servidores públicos, a Suprema Corte se limitou a declarar a existência da mora legislativa para edição de norma regulamentadora específica. (MI n. 20-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996; MI n.485-MT, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 23.08.2002; MI n. 585-TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 02.08.2002)

No julgamento do Mandado de Injunção nº. 712, no entanto, o Supremo Tribunal Federal mudou de perspectivas quanto às possibilidades jurisdicionais de controle da constitucionalidade das omissões legislativas no âmbito do mandado de injunção para garantir, minimamente, o exercício de direitos constitucionalmente reconhecidos. Nesse contexto, cumpre colacionarmos a ementa desse importante precedente:

"EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil."

(MI 712, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384)

Com efeito, a Corte entendeu que, no mandado de injunção, conquanto o Poder Judiciário não defina norma de decisão, enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito.

Assim, como a Constituição Federal consagra expressamente o direito de greve dos servidores públicos, no artigo 37, inciso VII, e, de longa data, a Suprema Corte já reconhecera e declarara a omissão legislativa inconstitucional, essa Corte entendeu, por maioria de votos, ser devida a concessão da injunção para traçar os parâmetros atinentes ao exercício do direito de greve pelos servidores.

A Corte determinou, por conseguinte, no caso concreto, a aplicação dos artigos 9º, 14, 15 e 17 da Lei nº. 7.783/1989, com alterações necessárias ao atendimento das peculiaridades da greve no serviço público, até o advento da regulamentação legal.

Ademais, em razão do princípio da continuidade do serviço público, foram feitas as seguintes alterações: apenas a paralisação parcial do trabalho é facultada; durante a greve serão necessariamente mantidas em atividade equipes de servidores com o escopo de assegurar a continuidade da prestação do serviço; o comprometimento da continuidade regular na prestação de serviços é inadmissível, consubstanciando abuso no direito de greve.

Nesse julgamento, o Supremo ressalvou que a decisão de definir os parâmetros para o exercício do direito de greve foi tomada em face das singularidades do caso concreto, tão somente em relação ao caso do direito de greve.

Assim, consignou que outras questões levadas a apreciação da Corte, deverão ser analisadas para que lhes sejam deferidas as medidas judiciais cabíveis que, nem sempre, será a concessão da injunção para traçar os parâmetros atinentes ao exercício do direito obstado em razão de inconstitucionalidade por omissão.

Cumpre destacar, por oportuno, que a Colenda Suprema Corte, em outros julgamentos de Mandados de Injunção, conferiu a essa ação mandamental a mesma amplitude reconhecida no MI n°. 712, fixando, nos casos em que a mora inconstitucional resta devidamente reconhecida, os parâmetros necessários ao exercício do direito constitucional consagrado em norma de eficácia limitada, senão vejamos a ementa do Mandado de injunção n°. , in verbis:

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR A DISCIPLINAR A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA. 1. Servidor público. Investigador da polícia civil do Estado de São Paulo. Alegado exercício de atividade sob condições de periculosidade e insalubridade. 2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento da aposentadoria especial. 3. Mandado de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei n. 8.213/91.

(MI 795, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2009, DJe-094 DIVULG 21-05-2009 PUBLIC 22-05-2009 EMENT VOL-02361-01 PP-00078 RTJ VOL-00210-03 PP-01070) Sem destaques no original

Portanto, embora a Suprema Corte tenha ressalvado no MI n°. 712 que a análise se daria no caso concreto, na verdade, a tendência atual dessa Corte é, além de dar ciência à autoridade competente da mora inconstitucional, estabelecer, no prório julgado, os critérios normativos para a fruição do direito constitucional.


NOSSA POSIÇÃO SOBRE OS EFEITOS DO MANDADO DE INJUNÇÃO

Por fim, é oportuno apresentarmos a nossa posição acerca do alcance do mandado de injunção.

De início, é preciso esclarecer que não consideramos apropriada a equiparação dos efeitos deste remedium juris aos da ação de inconstitucionalidade por omissão.Não nos parece razoável admitir que o constituinte originário tenha criado dois instrumentos com finalidade e alcance idênticos.

Dessa forma, entendemos que o mandado de injunção apresenta o escopo de concretizar direitos e garantias constitucionais consagrados em normas de eficácia limitada quando obstados em razão da omissão legislativa inconstitucional do Poder Público. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, por sua vez, visa a obter a edição de normas regulamentadoras pelo órgão competente.

Quanto aos efeitos do mandado de injunção, entendemos que, preenchidos os requisitos da ação, o órgão jurisdicional deve conceder a injunção estabelecendo os preceitos a serem observados no caso concreto a fim de viabilizar o exercício dos direitos e das liberdades constitucionais inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, obstado pela omissão legislativa inconstitucional.

Assim, a nosso ver, por meio do instrumento em tela, o impetrante deve obter a imediata fruição do seu direito ou garantia constitucional, competindo ao juízo o delineamento das condições necessárias para tanto. Consideramos que essa atividade regulamentadora deve ser desenvolvida subsidiariamente pelo órgão jurisdicional e deverá oferecer a solução no caso concreto.

Não há que se falar, nesse caso, em sobreposição do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes. A aplicação e efetivação das normas constitucionais é dever do Estado, não sendo lícito a nenhum dos Poderes se omitir em relação ao cumprimento dessa obrigação. Portanto, quando verificada a omissão legislativa, o Poder Judiciário, autorizado pelo art. 5º da Constituição Federal, poderá exercer o controle sobre a inércia inconstitucional dos demais Poderes.

Dessa forma, por meio dessa ação constitucional, a realização do controle dessa inatividade nada mais é do que a aplicação do sistema dos freios e contrapesos. Não existe, na hipótese, usurpação de funções, principalmente, porque a atividade do órgão julgador será sempre subsidiária e provisória, haja vista este estar autorizado a agir apenas enquanto perdurar a omissão do Poder competente.

Esta solução não transfere inapropriadamente o julgamento do mandado de injunção ao juízo de primeiro grau, cabendo ao órgão competente para apreciar a ação possibilitar diretamente o exercício do direito reclamado, fixando, de pronto, os parâmetros que o nortearão no caso concreto.

Destarte, a nosso ver, a evolução do entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal acerca do mandado de injunção foi essencial para dar efetividade ao instrumento de controle concreto da omissão legislativa criado pela Carta Magna de 1988.


Notas

  1. Nesse sentido, MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, O Controle Incidental de Normas no Direito Brasileiro. 26ª.Edição Ed. Atual.por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes – 2ª Tiragem.São Paulo: Malheiros Editores, 2004, pp. 251-251; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, 1995, p. 276.
  2. STF: Mandado de Injunção n°. 107/DF, Relator Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ 02-08-1991.
  3. STF: Mandado de Injunção n°. 283-DF, Relator Ministro Sepúveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 14-11-1991.
  4. STF: Mandado de Injunção n°. 284-DF, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator p/ acórdão Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ26-06-1992.
  5. STF: Mandado de Injunção n°. 232-RJ, Relator Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ 27-03-1992.

REFERÊNCIAS

Livros

AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas, 2001.

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle Judicial da Omissão do Poder Público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. São Paulo: Editora Saraiva, 2004

DANTAS, Ivo. Mandado de Injunção (Guia teórico e prático). 1ª ed. Rio de Janeiro: Aide. Ed, 1989.

___________. O valor da Constituição (Do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional).Rio de janeiro: Renovar, 1966.

HAGE, Jorge. Omissão Inconstitucional e Direito Subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

MACHADO, Carlos Augusto Alcântara.Mandado de Injunção: um instrumento d efetividade da constituição. São Paulo: Atlas, 1999.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, O Controle Incidental de Normas no Direito Brasileiro. 26ª.Edição Ed. Atual.por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes – 2ª Tiragem.São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed. atual. com as reformas previdenciárias (EC n. 41/03) e Tributária (EC n. 42/03) São Paulo: Editora Atlas, 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria o Advogado, 2001.

Artigos

BARROSO, Luís Roberto. Mandado de Injunção: o que foi sem nunca ter sido. Uma proposta de reformulação, Revista de Direito de 1998 – 1º semestre – Procuradoria-Geral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998, 189-198.

11.3 Meio Eletrônico

BARROSO, Luís Roberto. Dez anos da Constituição de 1988 (Foi bom pra você também?) Disponível em WWW2.uerj.br/~direito/publicações/publicações/diversos/barroso

Sítio eletrônico: stf.jus.br


ANEXO I

EMENTAS DOS PRECEDENTES JUDICIAIS ANALISADOS

Mandado de Injunção n. 107 – Questão de Ordem

MANDADO DE INJUNÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM SOBRE SUA AUTO-APLICABILIDADE, OU NÃO. - EM FACE DOS TEXTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RELATIVOS AO MANDADO DE INJUNÇÃO, E ELE AÇÃO OUTORGADA AO TITULAR DE DIREITO, GARANTIA OU PRERROGATIVA A QUE ALUDE O ARTIGO 5., LXXI, DOS QUAIS O EXERCÍCIO ESTA INVIABILIZADO PELA FALTA DE NORMA REGULAMENTADORA, E AÇÃO QUE VISA A OBTER DO PODER JUDICIARIO A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESSA OMISSAO SE ESTIVER CARACTERIZADA A MORA EM REGULAMENTAR POR PARTE DO PODER, ÓRGÃO, ENTIDADE OU AUTORIDADE DE QUE ELA DEPENDA, COM A FINALIDADE DE QUE SE LHE DE CIENCIA DESSA DECLARAÇÃO, PARA QUE ADOTE AS PROVIDENCIAS NECESSARIAS, A SEMELHANCA DO QUE OCORRE COM A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO (ARTIGO 103, PAR-2., DA CARTA MAGNA), E DE QUE SE DETERMINE, SE SE TRATAR DE DIREITO CONSTITUCIONAL OPONIVEL CONTRA O ESTADO, A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS DE QUE POSSA ADVIR PARA O IMPETRANTE DANO QUE NÃO OCORRERIA SE NÃO HOUVESSE A OMISSAO INCONSTITUCIONAL. - ASSIM FIXADA A NATUREZA DESSE MANDADO, E ELE, NO ÂMBITO DA COMPETÊNCIA DESTA CORTE - QUE ESTA DEVIDAMENTE DEFINIDA PELO ARTIGO 102, I, 'Q' -, AUTO-EXECUTAVEL, UMA VEZ QUE, PARA SER UTILIZADO, NÃO DEPENDE DE NORMA JURÍDICA QUE O REGULAMENTE, INCLUSIVE QUANTO AO PROCEDIMENTO, APLICAVEL QUE LHE E ANALOGICAMENTE O PROCEDIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, NO QUE COUBER. QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DA AUTO-APLICABILIDADE DO MANDADO DE INJUNÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

(MI 107 QO, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/1989, DJ 21-09-1990 PP-09782 EMENT VOL-01595-01 PP-00001)

Mandado de Injunção n. 283-DF

- Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessaria ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8., par. 3., ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. 1. O STF admite - não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 - QO) - que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossivel, se contem o pedido, de atendimento possivel, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciencia ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232). 2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8., par. 3. - "Aos cidadaos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição" - vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiario da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada. 3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao Judiciario, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais tipicos, o provimento necessar io a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possivel, a satisfação provisoria do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. 8., par. 3., ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidencia da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniencia de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favoravel.::

(MI 283, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, TRIBUNAL PLENO, julgado em 20/03/1991, DJ 14-11-1991 PP-16355 EMENT VOL-01642-01 PP-00001 RTJ VOL-00135-03 PP-00882)

Mandado de Injunção n. 284-DF

- MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA JURÍDICA - FUNÇÃO PROCESSUAL - ADCT, ART. 8., PARAGRAFO 3. (PORTARIAS RESERVADAS DO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA) - A QUESTÃO DO SIGILO - MORA INCONSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO - EXCLUSAO DA UNIÃO FEDERAL DA RELAÇÃO PROCESSUAL- ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" - "WRIT" DEFERIDO. - O caráter essencialmente mandamental da ação injuncional - consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - impõe que se defina, como passivamente legitimado "ad causam", na relação processual instaurada, o órgão público inadimplente, em situação de inércia inconstitucional, ao qual e imputavel a omissão causalmente inviabilizadora do exercício de direito, liberdade e prerrogativa de indole constitucional. No caso, "ex vi" do paragrafo 3. do art. 8. do Ato das Disposições Constitucionais Transitorias, a inatividade inconstitucional e somente atribuivel ao Congresso Nacional, a cuja iniciativa se reservou, com exclusividade, o poder de instaurar o processo legislativo reclamado pela norma constitucional transitoria. - Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituido no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os varios atos de arbitrio puro que o caracterizaram, na concepção e formulação teorica de um sistema claramente inconvivente com a pratica das liberdades publicas. Esse sistema, fortemente estimulado pelo "perigoso fascinio do absoluto" (Pe. JOSEPH COMBLIN, "A Ideologia da Segurança Nacional - o Poder Militar da America Latina", p. 225, 3. ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o em "praxis" governamental institucionalizada, frontalmente ofendeu o princíp io democratico, pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em lição magistral sobre o tema ("O Futuro da Democracia", 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos politicos que consagram a democracia, espaco possivel reservado ao misterio. O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.), enunciou preceitos basicos, cuja compreensão e essencial a caracterização da ordem democratica como um regime do poder visivel, ou, na lição expressiva de BOBBIO, como "um modelo ideal do governo público em público". - O novo "writ" constitucional, consagrado pelo art. 5., LXXI, da Carta Federal, não se destina a constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciario o anomalo desempenho de funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas. O mandado de injunção não e o sucedaneo constitucional das funções político-juridicas atribuidas aos órgãos estatais inadimplentes. A propria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico "impõe" ao Judiciario o dever de estrita observancia do princípio constitucional da divisão funcional do poder. - Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional - único destinatario do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada - e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n. 283, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constituci onalmente imposta, torna-se "prescindivel nova comunicação a instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, "desde logo", a possibilidade de ajuizarem, "imediatamente", nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituida em seu favor pelo preceito transitorio.

(MI 284, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CELSO DE MELLO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 22/11/1992, DJ 26-06-1992 PP-10103 EMENT VOL-01667-01 PP-00001 RTJ VOL-00139-03 PP-00712)

MANDADO DE INJUNÇAO Nº. 712

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses egoísticos do sujeito detentor de capital --- indivíduo ou empresa --- que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil.

(MI 712, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTUAL, Marina dos Anjos. Análise da evolução dos efeitos conferidos à decisão do mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2711, 3 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17924. Acesso em: 26 abr. 2024.