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A responsabilidade prevista nos sistemas jurídicos português e brasileiro para os acidentes de circulação automóvel

A responsabilidade prevista nos sistemas jurídicos português e brasileiro para os acidentes de circulação automóvel

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Examinaremos os arts 503.º a 508.º da legislação civil portuguesa, que dispõem sobre a responsabilidade do condutor de veículos automotores, e o o art. 927 do Código Civil brasileiro, que disciplina a responsabilidade objetiva.

RESUMO: O presente trabalho possui como objetivo analisar a responsabilidade no âmbito dos acidentes de circulação automóvel, nas perspectivas do direito português e do direito brasileiro. Para tanto, examinaremos os arts 503.º a 508.º da legislação civil portuguesa, que dispõem de forma sistemática sobre a responsabilidade do condutor de veículos automotores. Estes enunciados encontram-se dispostos, ao longo da codificação civil, na subseção relativa à responsabilidade pelo risco, para a qual a culpa não é elemento essencial para o surgimento do dever de reparar o prejuízo causado a outrem, bastando apenas que se configure a relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e a conduta do agente. No domínio do direito pátrio, a análise recairá, sobretudo, sobre o Código de Trânsito Brasileiro e o Código Civil. Neste último diploma, o destaque será dado, fundamentalmente, ao art. 927, que disciplina a responsabilidade objetiva. É de grande importância a sua análise pelo fato de determinar em quais situações a responsabilidade será baseada no risco. As demais hipóteses que não se enquadrarem na previsão do mencionado artigo estarão sujeitas à responsabilidade subjetiva, subordinadas, portanto, à existência de culpa por parte do agente causador dos danos.

Palavras-chave: responsabilidade civil; acidentes de trânsito; circulação automóvel; veículos automotores; responsabilidade objetiva; responsabilidade pelo risco; responsabilidade subjetiva; Código Civil português; Código de Trânsito brasileiro.


1. A PERSPECTIVA DO DIREITO PORTUGUÊS

No direito português, os danos ocasionadospor veículos de circulação terrestre submetem-se ao regime da responsabilidade objetiva, prevista nos arts. 503.º a 508.º do CC. Segundo o art. 503.º, nº 1, "aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação".

Pode-se retirar desse preceito alguns pressupostos essenciais para a configuração desse tipo de responsabilidade. Em primeiro lugar, é possível afirmar que a responsabilidade pelo risco recai sobre aquele que possui a direção efetiva do veículo e o utiliza no seu próprio interesse.

Por "direção efetiva do veículo" entende-se o poder de fato que a pessoa tem sobre o veículo, independentemente de ser ou não titular de algum direito sobre o mesmo. Assim, possuem a direção efetiva não só os detentores legítimos, como o proprietário, o usufrutuário, o locatário e o comodatário, mas também o ladrão que roubou ou furtou o veículo e o denominado condutor abusivo.

Ter a direção efetiva do veículo não significa, necessariamente, estar a conduzi-lo no momento em que o evento danoso ocorreu. Por isso, o aluno que provoca um acidente durante as aulas de condução não pode ser responsabilizado, uma vez que não possui poder de fato sobre o veículo. [01]

Nas palavras de Antunes Varela e Pires de Lima:

"A fórmula, aparentemente estranha, usada na lei – ter a direção efetiva do veículo – destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objetiva, por se tratar das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências para que o veículo funcione sem causar dano a terceiros. A direção efetiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo e constitui o elemento comum a todas as situações referidas, sendo a falta dele que explica, em alguns dos casos, a exclusão da responsabilidade do proprietário. Tem a direção efetiva do veículo aquele que, de fato, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento". [02]

Àquele que possui a direção efetiva do veículo dá-se a denominação abreviada de detentor.

A expressão "o utilizar no seu próprio interesse" possui como fim afastar a responsabilidade objetiva daqueles sujeitos que utilizam o veículo não no seu próprio interesse, mas no interesse de outrem. É o que acontece com o comissário, que conduz o veículo por conta ou às ordens do comitente. Compete a este último, portanto, responder objetivamente pelos prejuízos causados.

Esse interesse pode ser de ordem material ou econômico, quando a utilização do veículo possui fins suscetíveis de avaliação pecuniária, ou de ordem não moral ou espiritual, quando, por exemplo, o veículo é emprestado a outrem apenas com o objetivo de lhe ser agradável. Ademais, é indiferente para o efeito, que esse interesse seja digno de proteção legal. [03]

De acordo com o previsto no art. 503.º, nº 3, primeira parte, além da responsabilidade objetiva do comitente (detentor), também temos a responsabilidade do comissário (condutor), que responde por presunção de culpa, salvo se provar que não houve qualquer culpa da sua parte. Neste caso, é irrelevante que a sua atividade se limite à condução ou que, além dela, lhe seja atribuído outro encargo.

Se, porém, o comissário conduzir o veículo de forma abusiva, isto é, fora do exercício das suas funções, responde objetivamente pelos danos causados (art. 503.º, nº 3, segunda parte). Este seu comportamento exclui a responsabilidade da pessoa por conta de quem o veículo é normalmente conduzido, o comitente.

Se for provada a culpa do comissário ou se este não conseguir ilidir a presunção prevista em lei, a responsabilidade recairá tanto sobre o comitente como sobre o comissário, cabendo a ambos responder solidariamente perante o terceiro lesado. Caso a indenização seja paga pelo comitente, este terá direito de regresso contra o comissário, nos termos do art. 500.º, nº 3.

No entanto, havendo culpa do condutor do veículo, o detentor pode responder como tal, uma vez que cria o risco inerente ao uso do veículo, ou como comitente, na medida em que atua como garante da obrigação de indenizar do comissário. No primeiro caso, ser-lhe-ão aplicados os limites máximos fixados no art. 508.º. No segundo, a sua responsabilidade garante toda a obrigação de indenização do comissário, já que não há limites impostos para este sujeito.

Este entendimento revela o posicionamento trazido pelo assento 1/83, de 14 de abril, segundo o qual " a primeira parte do nº 3 do art. 503.º estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indenização".

O assento de 2 de março de 1994, por seu turno, esclareceu de uma vez por todas o entendimento de que a presunção de culpa prevista no art. 503.º, nº 3, serve para afastar os limites de indenização previstos no âmbito da responsabilidade objetiva: "a responsabilidade por culpa presumida do comissário, nos termos do art. 503.º, nº 3, do Código Civil, não tem os limites fixados no nº 1 do art. 508.º do mesmo diploma".

Relativamente ao significado de veículos de circulação terrestre, podemos dizer que não correspondem apenas àqueles utilizados na circulação rodoviária, mas também os relativos à circulação ferroviária (art. 508.º, nº 3). Portanto, encontram-se incluídos no campo da responsabilidade objetiva por circulação de veículos os automóveis, os trens, as carruagens do metrô, as bicicletas e as motocicletas.

Cabem no âmbito da expressão "riscos próprios do veículo" não só os acidentes ligados à máquina (como, por exemplo, o travão que parte), como também os relacionados diretamente com a saúde do condutor (morte súbita). Estão igualmente incluídos nessa noção aqueles riscos que, apesar de exteriores ao veículo, decorrem da junção do seu funcionamento com o ambiente que o envolve (derrapagem ocasionada pelo piso escorregadio ou a projeção de areia pelos pneus). Os riscos estranhos ao veículo (como é o caso de alguém prender os dedos na porta de um automóvel, por exemplo) não se encontram abrangidos pela responsabilidade objetiva prevista no art. 503.º, nada impedindo, todavia, que sejam trazidos no âmbito da responsabilidade por fatos ilícitos, reunidos, é claro, todos os seus pressupostos. [04]

O art. 503.º, nº 1, abrange não apenas os danos decorrentes da circulação do veículo, ocorridos quer em via pública, quer em recintos privados, como também aqueles causados quando o mesmo se encontre parado (incêndio por curto-circuito do motor, travões que podem partir ou pneus que podem rebentar).

Sobre os beneficiários desta responsabilidade, o art. 504.º, ao longo do seu texto, traz-nos distintas situações. No seu nº 1, dispõe que "a responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas". Consideram-se terceiros todos aqueles que, encontrando-se fora do veículo no momento do dano, tenham sofrido algum prejuízo. Também se deve incluir nesta categoria as pessoas ocupadas na atividade do veículo, como o motorista, o maquinista e o cobrador de bilhetes. [05] A norma também abrange as pessoas transportadas.

No caso de transporte por virtude de contrato, a responsabilidade abrange apenas os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas. Assim, excluem-se desta previsão os objectos não transportados com a pessoa, isto é, aqueles objectos que foram expedidos, que não se encontram junto do passageiro ou em qualquer outro lugar da viatura. Também estão excluídos dessa responsabilidade os danos reflexos sentidos pelas pessoas enumeradas nos arts. 495.º, nº 2 e 3, e 496.º, nº 2. [06]

O nº 3 do art. 504.º disciplina o transporte gratuito, estabelecendo que, nestas situações, a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais causados na pessoa transportada. A sua versão antiga previa a responsabilidade do transportador apenas quanto aos danos causados de forma culposa, pois considerava-se pouco equitativo admitir a responsabilidade objetiva nesse tipo de transporte.

A alteração dessa norma decorreu do Decreto-Lei nº 14/96, de 6 de março, que pretendeu colocá-la em acordo com a transposição da Diretiva nº 90/232/CEE, de 14 de maio de 1990, a qual previa a cobertura do seguro de responsabilidade civil automóvel aos danos pessoais causados aos passageiros, excluindo-se, contudo, os danos relativos ao condutor.

Por fim, o seu nº 4 estabelece que "são nulas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do transportador pelos acidentes que atinjam a pessoa transportada". Este preceito, no entanto, não coloca qualquer obstáculo quanto à previsão de cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do transportador quanto às coisas transportadas.

O art. 506.º do CC trata da matéria relativa à colisão de veículos. O seu nº 1 reporta-se expressamente às situações em que há ausência de culpa dos condutores envolvidos, estabelecendo o critério a se utilizado na hipótese do dano ter sido causado pelos dois ou por apenas um dos veículos:

"Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indenizar". [07]

Existindo dúvida quanto à medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, considera-se que foram produzidos de forma igual (art. 506.º, nº 2).

Apesar desse artigo apenas fazer referência expressa aos danos causados em ambos os veículos ou num deles, nada obsta que se inclua no âmbito dessa previsão outros danos resultantes da colisão, como os danos pessoais causados aos condutores e às pessoas ou coisas neles transportadas. [08]

Convém, no entanto, chamar a atenção para as hipóteses de transporte gratuito. Quanto aos danos pessoais sofridos pelo passageiro, os condutores envolvidos na colisão respondem objetivamente. Porém, quanto aos danos causados às coisas transportadas por ele, não existindo culpa por parte dos condutores, os mesmos não terão qualquer responsabilidade. [09]

Relativamente aos danos causados a terceiros, parte da doutrina e jurisprudência [10] entende que esta hipótese também se encontra abrangida por tal preceito, em especial no que diz respeito às relações internas entre os detentores dos veículos, pois, em face de terceiros, respondem solidariamente, nos termos dos arts. 497.º e 507.º do CC.

Havendo culpa de um dos condutores ou de ambos, aplica-se o previsto no art. 570.º. Em caso de dúvida quanto à contribuição da culpa de cada um dos condutores para a configuração dos danos, considera-se que foram produzidos de forma igual (art. 506.º, nº 2).

Uma questão que foi posta na doutrina durante muito tempo refere-se a aplicação da presunção de culpa do comissário (art. 503.º, nº 3) às hipóteses de colisão de veículos. Colocava-se o problema de, em caso de colisão de veículos, sendo um deles conduzido pelo próprio proprietário e o outro por um comissário, e não se provando a culpa de qualquer um deles, se aplicar o critério da contribuição causal do risco dos veículos para os danos, ou se presumir a culpa do condutor por conta de outrem. Menezes Leitão entende mais justa a primeira solução:

"Efetivamente, a presunção de culpa do art. 503, nº 3, faz todo o sentido, quando se trata de dispensar o lesado de provar a culpa do comissário, mas já nos parece fazer muito pouco sentido, quando se trata de discutir os critérios de repartição da responsabilidade entre os dois condutores causadores dos danos. Fazer presumir a culpa de um deles nesse caso, corresponde na prática a atribuir-lhe a responsabilidade integral pela colisão, e excluir da zona de riscos, a cargo de quem conduz o veículo no interesse próprio, a colisão com um veículo conduzido por conta doutrem, o que nos parece claramente injustificado. Para além disso, o elemento sistemático que justifica a autonomização da facti species da colisão de veículos no art. 506.º, parece apontar no sentido da não aplicação a este caso da disposição do art. 503.º, nº 3. Finalmente, a solução oposta pode conduzir a situações iníquas como, por exemplo, perante um choque entre dois veículos, um conduzido por um comissário no exercício das suas funções e outro por um comissário em abuso delas, presume-se a culpa do primeiro para isentar de responsabilidade o segundo". [11]

Porém, o Assento 3/94, de 26 de janeiro, colocou um ponto final nas discussões existentes até então, dispondo que "a responsabilidade por culpa presumida do comissário, estabelecida no art. 503.º, nº 3, primeira parte do Código Civil, é aplicável no caso de colisão de veículos prevista no art. 506.º, nº 1, do mesmo Código".

Após esse posicionamento do Supremo Tribunal de Justiça, alguns doutrinadores continuaram a criticar o tratamento severo imposto aos comissários. No entanto, importa analisar objetivamente as circunstâncias específicas que se apresentam no âmbito da condução por conta de outrem.

Normalmente, os comissários são os motoristas de táxis pertencentes a outras pessoas, os motoristas de ônibus de empresas privadas e os motoristas particulares. Daí que podemos afirmar que tal tratamento se justifica devido ao surgimento de sério perigo de afrouxamento na vigilância do veículo e de fadiga proveniente das exaustivas horas extraordinárias de trabalho:

"Há na condução por conta de outrem um perigo sério de afrouxamento na vigilância que a lei não pode subestimar: o dono do veículo (muitas vezes, uma empresa cuja personalidade se dilui pelos gestores) não sente as deficiências dele, porque o não conduz; o condutor nem sempre se apresta a repará-las com a diligência requerida, porque o carro não é seu, porque outros trabalham com ele e o podem fazer, porque não quer perder dias de trabalho ou por qualquer outra de várias razões possíveis. E há um outro perigo não menos grave em que confluem a cada passo a atuação do comitente e a do comissário, que é o da fadiga deste (causa de inúmeros acidentes), proveniente das horas extraordinárias de serviço: o comitente, para não admitir mais pessoal nos seus quadros; o comissário para melhorar a sua remuneração". [12]

Além dessas questões, há, inclusive, uma outra, relacionada à condição profissional desses sujeitos. Os condutores por conta de outrem são, geralmente, condutores profissionais, de quem se deve exigir perícia especial na condução e que mais facilmente são capazes de elidir a presunção de culpa com que a lei os sobrecarrega, quando nenhuma culpa tenha realmente havido da sua parte para a produção do evento danoso.

Ademais, a presunção de culpa do comissário, aliada à responsabilidade solidária do comitente, apenas incentiva a realização do seguro de responsabilidade civil de modo a cobrir todo o montante indenizatório a que possam estar submetidos.

Já o art. 507.º do CC vem estabelecer regras relativas à pluralidade de responsáveis. É o que acontece nos acidentes envolvendo dois ou mais veículos, ou, sendo causado apenas por um, concorram vários tipos de imputação. Neste último caso, na concorrência de responsabilidade do locador e do locatário, por exemplo, ambos respondem pelo risco, porém, existindo concorrência entre comitente e comissário, o primeiro responde pelo risco e o segundo por culpa.

Assim, no âmbito das relações externas, isto é, em face de terceiros e das pessoas transportadas, os vários responsáveis respondem solidariamente (art. 507.º, nº 1). Porém, nas relações internas entre eles, a obrigação de indenizar reparte-se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo, salvo se houver culpa de algum ou de alguns, cabendo apenas aos culpados responderem. Aplica-se, nesta situação, o direito de regresso nos termos do n.º 2 do artigo 497.º.

Por fim, o art. 508.º, nº 1, dispõe sobre os limites máximos do montante indenizatório a ser fixado às vítimas do dano: "A indenização fundada em acidentes de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites máximos o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel".

Antes da entrada em vigor da atual redação do nº 1 do mencionado artigo, conferida pelo Decreto-Lei nº 59/2004, de 19 de Março, estava em vigor a seguinte versão: "a indenização fundada em acidentes de viação, quando não haja culpa do responsável tem como limites máximos, no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação".

Com a publicação da Segunda Directiva Automóvel das Comunidades Europeias (84/5/CEE), de 30 de Dezembro de 1983, os Estados-membros não podiam fixar montantes máximos de indenização inferiores aos montantes mínimos do seguro obrigatório indicados neste diploma.

Como os valores previstos no art. 508.º do CC, na sua versão antiga, constituiam montantes máximos de indenização inferiores àqueles previstos pela Segunda Directiva, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias entendeu que a atuação do legislador português em não revogar, nem substituir, o art. 508.º, envolvia uma infração ao direito comunitário. Afirmava que os diversos artigos da Segunda Diretiva constituíam um obstáculo à existência de uma legislação nacional que previa limites máximos de indenização inferiores aos montantes mínimos de garantia fixados por esses artigos, quando, não havendo culpa do condutor do veículo que provocou o acidente, só havia lugar a responsabilidade civil pelo risco. [13]

Como as diretivas não possuem o denominado efeito direto horizontal [14], a Segunda Diretiva não poderia ser inserida nas relações jurídico-privadas dos cidadãos de forma imediata, através de uma revogação ou substituição direta do art. 508.º do CC. O ato legislativo do Estado português direcionado à transposição da Segunda Diretiva foi o Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro – Lei do Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. O art. 6.º deste decreto previa montantes mínimos para o seguro obrigatório em conformidade com a mencionada diretiva, o que fez surgir questionamentos sobre a revogação tácita do art. 508.º por este dispositivo.

A projeção imediata das diretivas nas relações jurídico-privadas apenas ocorre se forem acompanhadas de uma interpretação conforme do direito interno, isto é, das diferentes interpretações possíveis a serem dadas a uma disposição de direito interno, dá-se preferência àquela que melhor concorde com o direito comunitário. Assim, o critério da admissibilidade ou não da tese da revogação tácita do art. 508.º deveria partir do princípio de que, se a interpretação do art. 6.º do Decreto-Lei nº 522/85 como disposição revogatória daquele dispositivo fosse compatível com critérios hermenêuticos legítimos, caberia conferir-lhe preferência. [15]

O STJ, no Acórdão de 13 de Fevereiro de 2003, estabeleceu que "o segmento do art. 508.º, nº 1, do CC, na parte em que se fixam os limites máximos de indenização a pagar aos lesados em acidentes de viação causados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, foi tacitamente revogado pelo art. 6.º do DL nº 522/85 de 31/12, na redação dada pelo DL nº 3/96 de 25/01". Esta foi a primeira decisão do Supremo a conferir tal efeito revogador ao art. 6.º do DL nº 522/85.

O entendimento do STJ consistia em considerar incompatíveis os montantes máximos de indenização fundada em responsabilidade pelo risco e os montantes mínimos do seguro obrigatório, uma vez que a finalidade destes seria garantir à vítima uma indenização adequada e suficiente, pelo que a fixação de montantes máximos de indenização inferiores aos montantes mínimos do seguro obrigatório impediria o lesado de receber essa indenização adequada e suficiente. [16]

Nuno Pinto Oliveira [17] aponta inúmeros problemas nos argumentos utilizados pelo acórdão na defesa de tal decisão. No entanto, enunciaremos de forma resumida apenas os principais.

Este autor considera que a revogação tácita apenas ocorreu de modo parcial, uma vez que o art. 508.º se aplicava aos acidentes causados por qualquer veículo de circulação terrestre, enquanto o art. 6.º do Decreto-Lei nº 522/85 destinava-se apenas aos acidentes causados por veículos terrestres a motor, seus reboques e semi-reboques. Desse modo, os montantes máximos de indenização do art. 508.º não poderiam ser substituídos pelos montantes mínimos do seguro obrigatório do art. 6.º do DL nº 522/85 naquelas hipóteses em que o acidente fosse causado por veículo de circulação terrestre não motorizado.

Ademais, argumenta que o art. 6.º do Decreto-Lei nº 522/85 e o art. 508.º não são contraditórios, uma vez que disciplinam situações que não são inteiramente coincidentes. O art. 508.º prevê montantes máximos de indenização que são aplicados apenas à responsabilidade pelo risco, já o art. 6.º do DL nº 522/85 prevê montantes mínimos do seguro obrigatório que são aplicados tanto à responsabilidade por fato ilícitos, quanto à responsabilidade pelo risco. Além disso, o art. 508.º quer estabelecer os limites de uma indenização adequada nos casos de responsabilidade objetiva e o art. 6.º do Decreto-Lei nº 522/85 quer garantir que o lesado não ficará desprotegido se o lesante não possuir condições financeiras para cumprir a obrigação de indenizar.

Acrescenta ainda que esta alegada contradição entre o art. 508.º e o art. 6.º do DL nº 522/85 existirá apenas se for possível estabelecer que a finalidade dos capitais mínimos obrigatoriamente seguros é garantir à vítima o ressarcimento integral dos danos sofridos até àquele tecto. Porém, entende que não é possível fazer esta afirmação. Uma coisa é a indenização devida por quem é responsável pelo acidente e outra é a cobertura da responsabilidade pelo seguro obrigatório. Nos casos em que o direito da responsabilidade civil não imponha a indenização integral do dano, por excluir ou limitar a obrigação do segurado, o direito dos seguros não poderá garantir esse ressarcimento integral.

Por fim, menciona o art. 16.º do DL nº 423/91, de 30 de Outubro, o qual alterou o nº 2 do art. 508.º, elevando o limite máximo da indenização fixada sob a forma de renda anual de "um oitavo da alçada da Relação para cada lesado, não podendo ultrapassar três oitavos da alçada da Relação quando sejam vários os lesados em virtude do mesmo acidente" para "um quarto da alçada da Relação para cada lesado, não podendo ultrapassar três quartos da alçada da Relação quando sejam vários os lesados em virtude do mesmo acidente".

Segundo Nuno Pinto Oliveira, essa alteração revela mais um obstáculo à tese da revogação tácita:

"Os defensores da tese da revogação tácita têm de se confrontar com o seguinte dilema: ou entendem que o art. 6.º do Decreto-Lei nº 522/85 revogou todo o art. 508.º do Código Civil, incluindo o seu nº 2, e são forçados a aceitar a conclusão – absurda – de que o art. 16.º do Decreto-Lei nº 423/91 alterou uma norma revogada. Ou sustentam que o art. 6.º do Decreto-Lei 522/85 revogou somente o nº 1 do art. 508.º do Código Civil e são forçados a aceitar a conclusão – igualmente absurda – de que os limites máximos da indenização estabelecida em quantia fixa e os limites máximos de indenização fixada sob a forma de renda não têm qualquer relação entre si. O dilema é insolúvel: ambas as alternativas são inaceitáveis". [18]

Critica, portanto, mais um absurdo que a teoria da revogação tácita suscita, nomeadamente quando dissocia os limites máximos da indenização em quantia fixa e os limites máximos de indemnização sob a forma de renda. Essa irrazoabilidade levou o Supremo a considerar que o art. 6.º do DL nº 522/85 revogou todo o art. 508.º do CC e, consequentemente, que o art. 16.º do DL nº 423/91 alterou uma norma que já se encontrava revogada. Apesar de reconhecer que a alteração de uma norma revogada constitui uma insensatez, o STJ não se opôs em nenhum momento à tese aqui em causa:

"(...) reconhece que a alteração de uma norma revogada é algo de absurdo; mas recusa-se a admitir que as interpretações que imputam ao legislador algo de absurdo tenham de ser, só por isso, rejeitadas: "o legislador não se [teria apercebido] de que os valores e interesses que havia assumido na ordem jurídica interna eram incompatíveis com os desvalorizados limites máximos tanto do nº 1, como do nº 2, do art. 508.º do CC". A argumentação exposta não pode deixar de causar alguma perplexidade: o acórdão anotado acolhe sem reservas a pressuposição da coerência interna do sistema jurídico quando esta conduz a argumentos favoráveis à tese da revogação tácita do art. 508.º do CC, acolhendo-a com reservas quando esta conduz a argumentos desfavoráveis a essa tese". [19]


2. A PERSPECTIVA DO DIREITO BRASILEIRO

Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, na esfera cível, a disciplina relativa aos acidentes causados pela circulação automóvel encontra-se prevista, basicamente, no Código Civil e no Código de Processo Civil. Diferentemente do Código Civil português, na legislação civilista brasileira, não há um conjunto de normas que tratam especificamente da responsabilidade civil automobilística, estando a mesma regulada de forma esparsa, consoante a situação a que se refira.

O parágrafo único do art. 927 do CC estabelece duas hipóteses de configuração da responsabilidade pelo risco: nos casos especificados em lei e quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Apesar da abrangência que este enunciado possui, o seu campo de aplicação encontra-se limitado pela presença de normas especiais que por ele foram expressamente ressalvadas, como é o caso da disciplina que envolve os transportes em geral. Por corresponder a uma atividade de risco, a responsabilidade do transportador estaria sujeita à previsão do art. 927, no entanto, há normas específicas regulando esta matéria:

"Tratando-se de prestador de serviços públicos, a responsabilidade extracontratual do transportador é regida, como veremos, pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal, por força do princípio da hierarquia. A responsabilidade contratual do transportador de passageiros, por força do princípio da especialidade, está disciplina nos arts. 734 e ss do Código Civil e, se houver relação de consumo, também no art. 14 do Código do Consumidor. Não há antinomia entre a disciplina do Código Civil e a do Código do Consumidor; em ambos ela é objectiva. Logo, no campo de incidência do parágrafo único do art. 927 do Código Civil só estarão os casos de que não envolvam transporte de passageiros (serviços públicos), contratual ou extracontratual, nem relação de consumo". [20]

A responsabilidade do transportador também pode ser classificada como sendo de natureza contratual, estando disciplinada nos artigos 389 e seguintes do Código Civil. O contrato celebrado pelas partes pode ser considerado como um negócio jurídico bilateral, uma vez que prevê obrigações contratuais para ambas as partes; oneroso, pelo fato de que ambos os contraentes obtêm algum proveito; e consensual, bastando para a sua celebração o simples encontro de vontades. É o denominado contrato de transporte, em que uma das partes se obriga, mediante remuneração, a transportar pessoas ou coisas a um determinado lugar previamente estipulado.

Essa espécie contratual pode ainda ser classificada como um contrato de adesão, uma vez que as partes não discutem as suas cláusulas, como normalmente acontece nos contratos tradicionais. Aqui, as cláusulas são previamente estipuladas por um dos contratantes, às quais o outro simplesmente adere no momento da celebração. Pode-se afirmar que há uma preponderância da vontade de uma das partes em relação à outra.

Outra característica importante desse tipo de contrato é a cláusula de incolumidade que está implicitamente prevista nele. Por essa cláusula entende-se que o transportador possui a obrigação de conduzir os passageiros sãos e salvos ao local de destino. Isso porque a obrigação do transportador não é de meio, mas sim de fim, possuindo compromisso com o resultado. Essa obrigação de fim é, inclusive, uma das conseqüências da responsabilidade objetiva.

O contrato de transporte encontra-se previsto nos artigos 730 e seguintes do Novo Código Civil, sem equivalente no Código de 1916. O artigo 732 desse mesmo diploma legal estabelece que "aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais".

Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) também deve ser aplicado em tais situações, uma vez que estabeleceu de forma expressa a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pelos danos causados aos consumidores. No seu artigo 17, equiparou aos consumidores todas as vítimas do evento danoso, denominando-os de terceiros ou, numa linguagem mais consumerista, de bystanders. Terceiros são todas as pessoas estranhas à relação de consumo, mas que sofreram, de algum modo, determinado prejuízo em razão de defeitos existentes no serviço prestado.

O artigo 22 desta lei dispõe que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, dessas obrigações, as pessoas jurídicas serão compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista no referido diploma legal.

Convém esclarecer que não há incompatibilidade entre essa legislação e o disposto no Código Civil de 2002. Este estabeleceu, no seu artigo 731, que "o transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código". Tanto em um quanto em outro, a responsabilidade do transportador é objetiva.

As atividades desenvolvidas pelas locadoras de veículos também podem ser considerada de risco, enquadrado-se no parágrafo único do art. 927. Inclusive, a Súmula nº 492 do Supremo Tribunal Federal eliminou qualquer dúvida existente sobre a responsabilidade dessas locadoras pelos danos causados pelo locatário a terceiros, no uso do carro locado, impondo-lhes uma responsabilidade civil e solidária.

A responsabilidade do empregador ou comitente também é objetiva, conforme previsto no art. 932, III ("São também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele") e no art. 933 do CC ("As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos"). Neste caso, o empregador terá direito de regresso contra o empregado (condutor), se o mesmo agiu com culpa (art. 934 do CC). [21]

Porém, nem sempre o legislador brasileiro disciplinou tal matéria desta forma. Inicialmente, na vigência do Código Civil de 1916, a responsabilidade do empregador era baseada na culpa in eligendo, cabendo ao patrão responder pelos danos causados pelo seu empregado por tê-lo escolhido mal. Com o passar do tempo e com as alterações ocorridas nas estruturas das empresas, as quais investem cada vez mais na selecção e treinamento de seus funcionários, esse entendimento foi deixado de lado, passando-se a presumir a culpa do empregador.

Primeiramente, essa presunção era relativa, evoluindo, em seguida, para uma presunção absoluta. A Súmula 341 do STF determinava essa presunção: "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo acto culposo do empregado ou preposto". Com vimos, esse entedimento encontra-se superado pela previsão expressa do Código Civil, que optou, e bem, pela responsabilidade objetiva do empregador.

De acordo com a maior parte da doutrina e da jurisprudência, a obrigação de indenizar pelo danos decorrentes de acidentes de trânsito também é baseada no risco, por força da previsão expressa no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, e do Decreto-lei nº 73/66, art. 20, al. l, o qual estabeleceu um seguro obrigatório para os proprietários de veículos automotores em caso de acidente, o Seguro DPVAT – Lei nº 6194, de 19 de Dezembro de 1974, atualizado pela Lei 8441, de 13 de Julho de 1992, que indeniza vítimas de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre. Assim, para essa corrente, o agente causador do dano deverá responder objetivamente pelo facto lesivo

Este seguro garante os danos sofridos pelos motoristas, passageiros e pedestres, vítimas de acidentes causados por veículos automotores e que circulam na via terrestre. Portanto, não estão cobertos pelo DPVAT os danos causados por embarcações, bicicletas, trens e aeronaves. Ademais, este seguro destina-se apenas a danos pessoais (morte, invalidez permanente [22] e despesas hospitalares), não estabelecendo qualquer cobertura para os danos materiais decorrentes de colisão, roubo ou furto de veículos. Trata-se de um seguro de dano [23], pelo que cobre os prejuízos causados à vítima, mas não a responsabilidade do condutor.

Também não garante os acidentes ocorridos fora do território nacional e com veículos estrangeiros em circulação no Brasil, os quais estão sujeitos a contratação de um seguro específico para este fim, o denominado Seguro Carta Verde. Este seguro é obrigatório para automóveis matriculados no país de origem em viagem internacional no âmbito do Mercosul, cuja cobertura envolve os danos pessoais e materiais causados a terceiros não transportados pelo veículo segurado. [24]

Basta a simples prova do dano para que a vítima ou os seus sucessores tenham direito à indenização. A prova da existência de culpa ou de dolo do lesante, de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, bem como de força maior ou caso fortuito, é irrelevante por conta da teoria do risco integral, segundo a qual o dever de indenizar se justifica tão somente pela presença do dano, ainda que presentes alguma das causas de exclusão do nexo de causalidade. Essa teoria foi adotada pelo direito brasileiro apenas em casos excepcionais, como o do seguro obrigatório.

De acordo com o art. 788 do CC, a indenização decorrente de acidentes de trânsito é paga, até o limite do valor fixado em lei, pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado, independentemente da comprovação de culpa, por ter tal seguro natureza social. O lesado, caso queira, também pode demandar directamente contra o lesante, exigindo o ressarcimento integral pelos prejuízos sofridos, com base na culpa. Nada impede que a vítima comprove a culpa do lesante ou que este traga provas da ocorrência de algum dos casos de exclusão do nexo causal. Como já foi dito, a produção dessas provas não obsta à indenização da vítima pelo seguro DPVAT.

O seguro obrigatório foi imposto por lei com fins de socialização do risco, pelo que a indenização é devida, nos limites estabelecidos na lei, ainda quando o acidente de trânsito for provocado por veículo desconhecido ou não identificado e nas situações de veículos comprovadamente sem seguros – esta última hipótese foi incluída pela lei nº 8441/92, em alteração à lei nº 6194/74. [25]

Cavalieri Filho explica como é realizada tal indenização:

"Para facilitar e dinamizar o regime operacional desse seguro, a maior parte dos seguradores brasileiros firmou um convênio, mediante o qual passou-se a operar o seguro obrigatório em conjunto e solidariamente. Através de um sistema de pool ou consórcio, administrado pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização, qualquer seguradora participante do convênio atende aos usuários e beneficiários do seguro obrigatório pago através do DVT: procede ao recebimento do prêmio, paga a indenização eventualmente devida, recuperando dos demais participantes do convênio a parte da indenização que, eventualmente, excedeu à sua cota". [26]

O prazo para o terceiro prejudicado receber o benefício, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório é de três anos, nos termos do art. 206, § 3º, IX do CC. Para tanto, a vítima deve procurar uma das seguradoras conveniadas com os documentos necessários. Caso o veículo tenha sido roubado ou tenha sofrido perda total, convém que o proprietário informe o Detran (órgão do Poder Executivo Estadual, presente nos diversos Estados brasileiros, com fins de fiscalização do trânsito de veículos terrestres), caso contrário continuará a receber a cobrança deste seguro. O DPVAT deve ser pago juntamente com a primeira parcela do IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores - imposto brasileiro cuja instituição apenas compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos do art. 155, III, da CF), havendo a alternativa de pagá-lo também no momento do licenciamento do veículo.

A Súmula 257 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que "a falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização", o que revela o cunho eminentemente social do seguro obrigatório.

Destarte, a teoria do risco criado passou a ser adotada para a responsabilidade objectiva nos casos de dano pessoal causado por veículo em acidente de trânsito, cuja indenização é paga pelo Seguro DPVAT, uma vez que o condutor responde pelos danos que causar, independentemente de retirar um proveito ou vantagem dessa actividade.

De acordo com Maria Helena Diniz, há dois tipos de responsabilidade no âmbito da disciplina envolvendo os acidentes com veículos de circulação terrestre: a contratual e a delitual. Relativamente à primeira, considera que, nos termos dos arts. 730 a 756 do Código Civil, o transportador responde objetivamente pelos prejuízos causados. Quanto à responsabilidade aquiliana, possui entendimento diverso:

"A responsabilidade aquiliana (extracontratual) por acidente de trânsito é subjetiva, constituindo uma sanção a motorista culpado pelo dano causado por imprudência, imperícia ou negligência, tendo por escopo diminuir o número de sinistros. A vítima poderá provar a culpabilidade do lesante, mas este poderá demonstrar que o evento danoso se deu por culpa de terceiro ou do lesado, por força maior ou caso fortuito". [27]

Pelo exposto, podemos afirmar que, em relação à responsabilidade do transportador e do comitente, a obrigação de indemnizar independe de culpa, por força de previsão expressa do Código Civil. Quanto aos casos inseridos no âmbito de aplicação do seguro obrigatório, nomeadamente os danos pessoais ocorridos com motoristas, passageiros e pedestres, a responsabilidade também é objetiva.

No entanto, há situações que não se encontram dispostas em normas específicas, podendo ser enquadradas na segunda parte do parágrafo único do art. 927 ("quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem").

Atendendo à concepção da teoria do risco-proveito - que determina a obrigação de indenizar sempre que o agente causador do dano retirar algum proveito ou vantagem na utilização de coisas ou no exercício de atividades perigosas -, inserem-se nesse dispositivo todas aquelas atividades habitualmente desenvolvidas com fins lucrativos que possam gerar riscos para os direitos de outrem. Os demais casos que não podem se enquadrados na previsão do mencionado artigo, estão sujeitos à disciplina da responsabilidade subjetiva, subordinados, portanto, à existência de culpa por parte do agente causador dos danos.

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona entendem que o disposto no parágrafo único do art. 927 do CC se refere ao denominado risco-proveito, o que basta para eliminar desta previsão os acidentes de trânsito envolvendo o comum condutor, isto é, aquele que faz da condução um mero meio de deslocação, e não a sua atividade profissional:

"Em nosso entendimento, o exercício dessa atividade de risco pressupõe ainda a busca de um determinado proveito, em geral de natureza econômica, que surge como decorrência da própria actividade potencialmente danosa (risco-proveito) (...) Isto bastaria, em nosso entendimento, para isentar da regra, sob análise, os condutores de veículo, uma vez que, embora aufiram proveito, este não é decorrência de uma atividade previamente aparelhada para a produção desse benefício. Além do que, o direito à circulação em avenidas e rodovias é imperativo da própria ordem constitucional, que nos garante o direito de ir e vir". [28]

Nos casos dos motoristas de táxi, profissionais que atuam com fins claramente lucrativos, estes autores entendem que a responsabilidade é objetiva, uma vez que a atividade por eles exercida traz um risco embutido, sendo os danos daí decorrentes potencialmente esperados em função da probabilidade estatística de sua ocorrência.

Na análise da responsabilidade civil por acidentes automobilísticos, não podemos deixar de mencionar o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97, de 23 de Agosto), que veio substituir o revogado Código Nacional de Trânsito (Lei nº 5.108, de 21 de Setembro de 1966, e alterações posteriores).

Essa lei especial é formada essencialmente por normas de caráter penal e administrativo. À responsabilidade civil dedicou apenas algumas disposições, como o art. 1º, § 3.º: "Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro".

De acordo com este enunciado, o Poder Público ou a entidades competentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, por exemplo, por danos causados ao usuários ou a terceiros pela execução de projetos mal elaborados e de curvas perigosas que facilitam o capotamento de veículos, independentemente da prova da culpa dos seus agentes. Esse tipo de responsabilidade advém da previsão do art. 37, § 6º, da CF, o qual estabelece a responsabilidade objectiva das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Desse modo, podem responder por acidentes de trânsito provocados por defeitos na pista ou imperfeições de sinalização não só o Poder Público directamente ou os seus órgãos, mas também as empreiteiras contratadas para a execução de obras ou manutenção de rodovias.

O Código de Trânsito menciona expressamente as responsabilidades por acção e omissão do Estado, enquanto a Constituição Federal nada diz acerca da responsabilidade por omissão. Por conta disto, a princípio, poder-se-ia dizer que o CTB inovou neste aspecto, alargando as hipóteses de responsabilidade objetiva do Estado também aos casos de omissão. No entanto, parte significativa da jurisprudência já havia sustentado ser objetiva a responsabilidade do Poder Público pelos atos que decorressem de comissão e de omissão dos seus agentes.

Para parte da doutrina de Direito Administrativo, como Celso Antônio Bandeira de Melo e Maria Sylvia Zanella di Pietro, a responsabilidade objetiva da Administração Pública somente se aplica aos danos causados na forma comissiva, por conta do próprio enunciado do art. 37, § 6º, da CF. Aos danos decorrentes da omissão do Poder Público, aplicar-se-ia a responsabilidade subjetiva, avaliando se houve dolo ou culpa na conduta do agente público.

O facto de o CTB ter mencionado a responsabilidade por omissão do Estado não significa que se teria adotado a teoria do risco integral, em que o dever de indenizar se justifica tão-somente pela presença do dano, ainda que presente alguma causa de exclusão do nexo de causalidade, em substituição à teoria do risco administrativo, a qual é perfilhada pela CF.

Segundo a teoria do risco administrativo, todo prejuízo decorrente do risco deve ser garantido, independente da existência de culpa por parte do Poder Público ou dos seus órgãos, a não ser que se verifique alguma das causas de exclusão do nexo de causalidade, como o fato da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior, capaz de interromper o elo de ligação entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular. Com isso, o legislador quis estabelecer a responsabilidade objetiva da Administração Pública. A responsabilidade por culpa apenas terá espaço no momento em que se proceder à avaliação da conduta do agente público, podendo este sofrer ação de regresso em favor da Administração.

O parágrafo único do art. 291 do CTB também possui disciplina em consonância com a responsabilidade civil, estabelecendo que aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada será aplicada a composição de danos civis, que, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Por fim, no art. 297, disciplinou a denominada multa reparatória do dano, inserindo-a no capítulo relativo aos crimes de trânsito. Essa multa de caráter penal representa a antecipação de uma parte da indenização a ser estabelecida no âmbito cível, revelando-se, ao mesmo tempo, como uma sanção criminal e como um ressarcimento civil:

"A penalidade de multa reparatória consiste no pagamento, mediante depósito judicial em favor da vítima, ou seus sucessores, de quantia calculada com base no disposto no § 1º do art. 49 do Código Penal, sempre que houver prejuízo material resultante do crime.

§ 1º A multa reparatória não poderá ser superior ao valor do prejuízo demonstrado no processo.

§ 2º Aplica-se à multa reparatória o disposto nos arts. 50 a 52 do Código Penal.

§ 3º Na indenização civil do dano, o valor da multa reparatória será descontado".


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Notas

  1. VARELA, João de Matos Antunes. Obrigações em geral. Vol. I, 10ª ed., Almedina, 2000, p. 658.
  2. VARELA, João de Matos Antunes; LIMA, Fernando Andrade Pires. Código Civil Anotado. Vol. I, Coimbra, 1987, p. 513 e 514.
  3. VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit., p. 658.
  4. COSTA, Mário Júlio Almeida. Direito das Obrigações. 10ª ed., Almedina, 2006, p. 592.
  5. VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit., p. 699 e 670, nota 1.
  6. LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes. Direito das Obrigações. Vol. I, 8ª ed., Almedina, 2009, p. 354 e 355. De acordo com o artigo 495.º, nºs 2 e 3, nos casos de morte e de lesão corporal, "têm direito a indenização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima", bem como "os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural". Já o art. 496.º, nº 2, estabelece que, "por morte da vítima, o direito à indenização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem".
  7. Almeida Costa ilustra um exemplo de repartição proporcional da responsabilidade: "Figure-se um exemplo: os veículos X e Z colidiram, tendo sofrido, respectivamente, danos no valor de 500 e de 1.600 euros; o tribunal apurou que, para esses danos, o veículo X contribuiu em dois terços e o veículo Z apenas num terço, sem que se verificasse culpa de qualquer dos condutores. Logo, de acordo com o disposto no art. 506.º, nº 1, há que somar os danos derivados da colisão (500 euros + 1.600 euros) e repartir o montante global de responsabilidade assim obtido (2.100) proporcionalmente à participação dos veículos na produção desses danos (dois terços = 1.400 euros e um terço = 700 euros); ou seja, o responsável pelo veículo X suporta o prejuízo de 500 euros nele ocasionado e deve satisfazer 900 euros ao dono do veículo" (COSTA, Mário Júlio Almeida. Ob. cit., p. 588 e 589).
  8. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Ob. cit., p. 589.
  9. ANTUNES VARELA, João de Matos. Ob. cit., p. 690.
  10. De acordo com Almeida Costa, dentre os doutrinadores que se manifestam a favor desse entendimento estão Pires de Lima, Antunes Varela e Dário Martins de Almeida. Quanto à jurisprudência, os Acórdãos do STJ de 25-X-1983, 17-VII-1984 e 14-X-1997 também estão de acordo com tal posicionamento (COSTA, Mário Júlio Almeida. Ob. cit., p. 589, nota 2).
  11. LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes. Ob. cit., p. 360.
  12. VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit., p. 662.
  13. OLIVEIRA, Nuno Pinto. Em tema de revogação do art. 508.º do Código Civil, anotação ao Acórdão do STJ de 12 de Fevereiro de 2003. Cadernos de Direito Privado, nº 4, 2003, p. 53.
  14. O TJCE estabelece que as disposições de direito comunitário podem ter dois tipos de efeito: o efeito direto vertical e o efeito direto horizontal. O primeiro corresponde à possibilidade de um particular invocar uma disposição comunitária contra um Estado-membro, enquanto o segundo permite que um particular invoque uma disposição comunitária contra outro particular (OLIVEIRA, Nuno Pinto. Ob. cit., p. 54).
  15. OLIVEIRA, Nuno Pinto. Ob. cit., p. 55).
  16. Calvão da Silva defende o posicionamento do acórdão em causa. Cita como fundamento máximo para tal entendimento a seguinte passagem: "Como o capital obrigatoriamente seguro tem o sentido e o alcance de uma medida de proteção dos lesados em acidente de viação, de mínimo garantido às vítimas (suposta, naturalmente, a responsabilidade de terceiro), tal como resulta do DL 522/85 e, também, da diretiva 84/5/CEE, em harmonia com a qual deverá, na medida do permitido pelas regras internas de hermenêutica, ser interpretado o correspondente direito nacional, deverá concluir-se, então, que os sucessivos aumentos do capital do seguro obrigatório foram sendo, também, a correspondente elevação dos limites máximos de responsabilidade civil, porque, nessa medida, isto é, na medida em que vão além dos anquilosados limites previstos no art 508º, CC, as normas que fixam os montantes mínimos do seguro obrigatório têm também a natureza de regras de direito material da responsabilidade civil, revogatórias, nessa parte, do art. 508º, CC". Considera, portanto, que o art. 6.º do Decreto-Lei nº 522/85 revogou o art. 508.º do CC por também possuir a natureza de regras de direito material da responsabilidade civil. E prossegue com a sua explanação: " A esta luz, porque o seguro não se encontra no vácuo e tem objecto – a cobertura da responsabilidade civil -, seria um non-sens a fixação de limites máximos de indenização inferiores aos montantes mínimos do seguro obrigatório: a primeira verteria o sentido e fim dos segundos como montantes mínimos, melhor, montantes suficientes de garantia das vítimas. Pelo que os montantes mínimos e reputados suficientes de seguro obrigatório automóvel, estabelecidos por sucessivos Decretos-Leis em transposição da Diretiva, são também os limites máximos de indenização para efeitos do art. 508.º do Código Civil, a partir do momento em que os valores nele previstos ficaram abaixo daqueles. É que, nesta parte – e pelo menos nesta parte -, os diplomas que estabelecem os montantes mínimos do seguro obrigatório automóvel acima dos limites máximos fixados no art. 508.º do Código Civil revestem ainda a natureza de normas materiais da responsabilidade civil automóvel. O que permite extrair a seguinte conclusão: o princípio dos limites máximos da responsabilidade objetiva em acidentes causados por veículos, consagrado no art. 508.º do Código Civil, continua a caracterizar o sistema português; porém, esses limites máximos têm vindo a ser atualizados pelos diplomas que fixam o capital mínimo obrigatoriamente seguro, nos termos do art. 6.º do Decreto-Lei nº 522/85 e para cumprimento do direito comunitário" (SILVA, João Calvão. A Revogação parcial e actualização do art. 508.º do Código Civil pelo art. 6.º do Decreto-Lei nº 522/85. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134, p. 192 e segs).
  17. OLIVEIRA, Nuno Pinto. Ob. cit., p. 52 e segs.
  18. OLIVEIRA, Nuno Pinto. Ob. cit., p. 63.
  19. OLIVEIRA, Nuno Pinto. Ob. cit., p. 64.
  20. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 160.
  21. Segundo Cavalieri Filho, "entre a teorias que justificam essa responsabilidade, a mais aceita era a da substituição, que pode ser assim resumida: ao recorrer aos serviços do preposto, o empregador está prolongando a sua própria atividade. O empregado é apenas o instrumento, uma longa manus do patrão, alguém que o substitui no exercício das múltiplas funções empresariais, por lhe ser impossível desincumbir-se pessoalmente delas. Ora, o ato do substituto, no exercício de suas funções, é ato do próprio substituído, porque praticado no desempenho de tarefa que a ele interessa e aproveita – pelo que a culpa do preposto é como consequência da culpa do comitente. Além disso, o patrão ou preponente assume a posição de garante da indenização perante o terceiro lesado, dado que o preposto, em regra, não tem os meios necessários para indenizar. Tantos foram os problemas em torno da prova liberatória do patrão, que parte da doutrina considerava o sistema de presunção de culpa como verdadeira variante da teoria da responsabilidade objetiva. Em alguns países, como Portugal, há muito se optou expressamente pela responsabilidade fundada no risco. Na verdade, a responsabilidade do empregador é muito mais facilmente justificada pela teoria do risco-proveito ou, mesmo, do risco da empresa do que com emprego de presunção de culpa. Por essas e outras razões, o Código de 2002, como já ressaltado, optou pela responsabilidade objetiva no seu art. 933. Essa responsabilidade tem por fundamento o dever de segurança do empregador ou preponente em relação àqueles que lhe prestam serviços. Disto resulta estar superada a citada súmula 341, só sendo aplicável aos fatos que ocorreram antes da vigência do atual Código"(CAVALIERI FILHO, Sérgio. Ob. cit., p. 182).
  22. Em caso de danos pessoais por invalidez permante, o Seguro Obrigatório – DPVAT cobre tanto a invalidez permanente total como a invalidez permanente parcial, decorrentes de acidente envolvendo veículos automotores de via terrestre ou cargas transportadas por esses veículos. Segundo o site oficial do Seguro Obrigatório, "entende-se por invalidez permanente total ou parcial a perda ou redução, em caráter definitivo, das funções de um membro ou órgão, em decorrência de acidente provocado por veículo automotor. A impossibilidade de reabilitação deve ser atestada em laudo pericial" (http://www.dpvatseguro.com.br).
  23. O seguro de dano não se confunde com o denominado seguro de responsabilidade civil, uma vez que este pressupõe, necessariamente, responsabilidade do segurado, ao passo que a cobertura pelo seguro de dano não reclama a demonstração nem mesmo a existência de responsabilidade civil de quem quer que seja.
  24. http://www.fenaseg.org.br.
  25. Cavalieri Filho sintetiza essa característica essencial do seguro DPVAT: "Os riscos acarretados pela circulação de veículos são tão grandes e tão extensos que o legislador, em boa hora, estabeleceu esse tipo de seguro para garantir uma indenização mínima às vítimas de acidentes de veículos, mesmo que não haja culpa do motorista atropelador. Pode-se dizer que, a partir da Lei 6.194/1974, esse seguro deixou de se caracterizar como seguro de responsabilidade civil do proprietário para se transformar num seguro social em que o segurado é indeterminado, só se tornando conhecido quando da ocorrência do sinistro, ou seja, quando assumir a posição de vítima de um acidente automobilístico. O proprietário do veículo, portanto, ao contrário do que ocorre no seguro de responsabilidade civil, não é o segurado, mas o estipulante do seguro em favor de terceiro. Em razão de suas características, pode-se, ainda, afirmar que não há contrato nesse seguro, mas sim uma obrigação legal; um seguro imposto por lei, de responsabilidade social, para cobrir os riscos da circulação dos veículos em geral" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Ob. cit., p. 134 e 1345).
  26. CAVALIERI FILHO. Ob. cit.,p. 135.
  27. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 570.
  28. STOLZE GAGLIANO, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 156.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Mariana Sena Vieira Paupério. A responsabilidade prevista nos sistemas jurídicos português e brasileiro para os acidentes de circulação automóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2741, 2 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18160. Acesso em: 28 mar. 2024.