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Estabilidade no emprego x flexibilização.

Debates sobre a Convenção nº 158 da OIT

Estabilidade no emprego x flexibilização. Debates sobre a Convenção nº 158 da OIT

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Analisa-se a influência do fenômeno da flexibilização sobre a continuidade do inventário de direitos laborais, dentre eles especificamente a estabilidade no emprego.

RESUMO: Este artigo analisa a influência do fenômeno da flexibilização sobre a continuidade do inventário de direitos laborais, dentre eles especificamente a estabilidade no emprego, a partir do conflito estabelecido entre empregados e empregadores - principalmente motivado pelos discursos de sustentação da globalização. Estuda as disputas envolvidas no processo de ratificação, e posterior denúncia, da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho pelo Brasil - que visa instituir a prática obrigatória da demissão motivada no direito trabalhista brasileiro. E, por fim, aborda as possibilidades de permanência da estabilidade como um direito-garantia dos trabalhadores, a partir dos limites protetivos oferecidos pela Constituição Federal, no campo dos direitos sociais, ao tempo em que observa a elaboração de novas proposições acerca da estabilidade na seara legislativa.

Palavras-chave: estabilidade, emprego, flexibilização, Convenção 158 da OIT.


INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a estabilidade no emprego, instituto que visa a manutenção do empregado no emprego, frente às recentes discussões acerca da flexibilização dos direitos trabalhistas. Esta análise é feita a partir da posição do Brasil frente à Convenção 158 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, que tem como um dos principais objetivos promover a estabilidade no emprego, limitando as possibilidades de dispensa do empregado pelo empregador. Assim, pretende-se analisar o histórico de ratificação e posterior denúncia da referida Convenção pelo Brasil, com o objetivo de observar o estado das discussões acerca da estabilidade no emprego e da flexibilização dos direitos trabalhistas no cenário brasileiro.

Desse modo, inicialmente é abordado o conceito de estabilidade no emprego desenvolvido por alguns doutrinadores do direito trabalhista e constitucional, observando a localização deste instituto no âmbito da Constituição Federal. Desenvolve-se também o conceito da estabilidade no emprego a partir da sua importância enquanto valor social. Após, analisa-se o conceito de flexibilização dos direitos trabalhistas a partir de autores situados no campo do Direito do Trabalho, além de se evocar falas de congressistas que buscaram debater o tema no âmbito legislativo. Por fim, através de uma pesquisa na legislação em vigor e nos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, busca-se estabelecer um quadro da situação da estabilidade no emprego na atualidade nacional.

A escolha por este tema tem fundamento na posição controversa adotada pelo Brasil acerca da Convenção 158 da OIT. A inicial ratificação, em 1992, e posterior denúncia, em 1996, evidenciam a fragilidade e fragmentação da questão, descortinando a luta entre o interesse dos trabalhadores versus o interesse da categoria econômica.


1. A ESTABILIDADE NO EMPREGO COMO VALOR SOCIAL

O emprego é hoje a principal modalidade de trabalho exercida pelo homem na sociedade. Segundo Sérgio Pinto Martins, "a Revolução Industrial acabou transformando o trabalho em emprego" [01]. Para o autor, é nesta época que os trabalhadores passam a trabalhar por salários, sem o objetivo de aprenderem um ofício, como tinham feito as gerações anteriores. É desta forma que o trabalhador se fragiliza diante da estrutura capitalista crescente, que ganhava espaço principalmente utilizando a máxima exploração do trabalho humano, até então limitado apenas pelo esgotamento das forças físicas do trabalhador. Sem legislação que impusesse freios à exploração implementada pelos empregadores, os empregados eram obrigados a trabalhar até o exaurimento de suas próprias energias.

Seguindo a lógica do liberalismo, doutrina mais em voga à época, as longas jornadas diárias, o abuso do trabalho de crianças e mulheres, e as péssimas condições de trabalho em geral, conduziram à sociedade a um ponto limite em relação à exploração da mão-de-obra – o que provocou diversas reações por parte dos próprios trabalhadores, que protestaram contra todo o quadro desfavorável.

É neste contexto que o Direito do Trabalho tem sua origem, a partir da manifestação estatal acerca das relações de trabalho subordinado. É uma reação exigida pela sociedade, no sentido de proteger a integridade e higidez do trabalhador. O Estado passa a impor limites e a regular as relações de emprego, com o principal objetivo de proteger o empregado e de lhe garantir o emprego digno, livre da exploração aviltante, como explica a lição de Sérgio Pinto Martins:

Começa a haver necessidade de intervenção estatal nas relações de trabalho, dados os abusos que vinham sendo cometidos, de modo geral, pelos empregadores. [...] Havia, portanto, necessidade de maior proteção ao trabalhador, que se inseria desigualmente nessa relação. Passa, portanto, a haver um intervencionismo do Estado, principalmente para realizar o bem-estar social e melhorar as condições de trabalho. O trabalhador passa a ser protegido jurídica e economicamente. [02]

Estas políticas se desenvolveram de formas diversas em diferentes países, e no Brasil está em muito refletida através da garantia da estabilidade no emprego.

A estabilidade integra o rol de direitos de 2ª. geração, ou dimensão, pois integra os direitos sociais e justrabalhistas. Encontra-se refletida tanto no art.7º., I, Constituição Federal de 1988, como também no art.41 – que trata do instituto no âmbito do direito público – e nos arts.8º., VIII, e 10º. Do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que tratam da estabilidade destinada ao dirigente sindical e à mulher gestante, respectivamente. Assim, o direito à estabilidade é um direito fundamental social-trabalhista, e a previsão constitucional se estabelece como um parâmetro mínimo a ser observado durante a relação de emprego. Outras estabilidades também existem na legislação infraconstitucional, oferecendo garantia no emprego para outros trabalhadores específicos, sempre em situação temporária – a exemplo do cipeiro e do membro de Comissão de Conciliação Prévia que representa os empregados. Como se percebe, a Constituição Federal pretendeu realmente privilegiar o princípio da continuidade da relação de emprego, dentre outros, valorizando a manutenção do trabalhador no seu emprego.

Além da estabilidade, a Constituição Federal alia outros institutos à garantia no emprego, como a garantia de tempo de serviço [03] – que se trata de direito autônomo, bem como o seguro-desemprego [04] e o aviso-prévio [05]. Eles não criam óbice ao empregador para a despedida do empregado, mas possuem como objetivo não permitir que a perda do emprego se torne inesperada ao trabalhador, evitando que o impacto da falta de salários futuros seja de alguma forma amenizada.

O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço tem caráter indenizatório pelo tempo de serviço prestado pelo empregado, já o aviso-prévio oportuniza que o empregado busque uma nova colocação no mercado de trabalho antes mesmo que o seu atual contrato de trabalho se encerre, apesar do contrato já estar com sua morte anunciada. Se o empregado não consegue logo um outro emprego, o seguro-desemprego ainda o garantirá por alguns meses, permitindo que ele não se desestabiliza financeiramente, pelo menos em um curto prazo. Veja em todo o texto, quanto às siglas, pois nem sempre o leitor(futuro) está familiarizado com o Direito, e pode encontrar dificuldade de interpretação, melhor esclarecer de antemão.

Infelizmente, devido às condições econômicas do país nem sempre estes institutos são suficientes para produzirem os efeitos pretendidos pela Magna Carta. Não raro o empregado amarga muito tempo buscando o novo emprego, que pode até nunca chegar. Desta forma, o período do aviso-prévio, que é de 30 dias, pode se tornar incipiente. O período de cobertura do seguro-desemprego também pode se expirar antes que o trabalhador encontre uma nova colocação. E as suas necessidades e da sua família não raro consomem o valor da indenização do FGTS antes que se empregue novamente.

É dentro desta realidade que muitos trabalhadores acabam ingressando no setor da informalidade, realizando os famosos "bicos", que são trabalhos esporádicos realizados a qualquer pessoa que os queira contratar, à margem da legislação. Muitos trabalhadores que ingressam no mercado informal continuarão nele indefinidamente, o que prova que o leque de proteção constitucional e justrabalhista voltado ao trabalhador não pode realmente se concretizar sem a colaboração dos setores produtivos da sociedade e das políticas públicas voltadas para a economia e produção de emprego. A Constituição Federal e a legislação infraconstitucional precisam de uma realidade fértil em possibilidades para poderem atuar plenamente, garantindo a eficácia pretendida. Caso contrário, tornam-se meramente anódinos.

Dentre estes institutos citados, o da estabilidade talvez seja o que melhor consiga realizar seus propósitos, uma vez que realmente garante a manutenção do empregado no emprego durante o período de cobertura da proteção. Enquanto permanecer dentro do quadro hipotético, o empregado tem o seu emprego a salvo, podendo gozar de alguma tranqüilidade.

Como se observa, é através da Constituição Federal que a estabilidade adquire força no ordenamento jurídico brasileiro, e se estende para a legislação infraconstitucional, representando um "direito-garantia" importante para os empregados do país. Trata-se de verdadeira ingerência do Estado no âmbito das relações trabalhistas, que pertencem ao âmbito do direito privado, como concordam a maioria dos doutrinadores.

Nas últimas décadas, uma parcela da sociedade brasileira - muito representada pelo empresariado, seguindo tendências da ideologia neoliberal, têm reivindicado a diminuição da participação do Estado nas relações trabalhistas, em função da crescente globalização. Para eles, a dinâmica atual dos mercados exige uma grande flexibilização dos direitos trabalhistas, para que a economia possa andar a passos ágeis – como entendem necessário. A relação de trabalho, na forma como preconizam, deveria trazer menos ônus ao empregador, sendo regulada pelas leis de demanda, e não pela ingerência estatal. Para alguns doutrinadores, estas propostas são verdadeira precarização das relações de trabalho, que agravam ainda mais a condição de hipossuficiência do empregado.

Diante dos desafios impostos pela sociedade pós-moderna, a estabilidade está perto de seu fim, ou será que tende a ampliar suas hipóteses de proteção? É a partir destes paradigmas – estabilidade, como um "direito-garantia", e flexibilização – como ameaça sobre a permanência do instituto da estabilidade no emprego, que iremos abordar a polêmica existente acerca da ratificação e denunciação da Convenção 158 da OIT pelo Brasil.


2. ESTABILIDADE: DIREITO-GARANTIA

Segundo Dirley da Cunha Júnior, as garantias são direitos destinados à proteção de outros direitos. O autor observa que as garantias não existem por si só, "mas para amparar, tutelar e efetivar os direitos" – e por isso podem ser denominadas de "direitos-garantia" [06]. Desta forma, é possível compreender a garantia da estabilidade no emprego como um direito-garantia que visa proteger a continuidade das relações de emprego.

Além disso, como aponta Sérgio Pinto Martins, a estabilidade é também uma das formas de verificar a função social da empresa, que é também dar empregos e mantê-los no decorrer do tempo [07].

A estabilidade no emprego se configura como uma vantagem jurídica de caráter permanente destinada ao empregado, em virtude de uma circunstância tipificada de caráter geral, de modo a assegurar a manutenção indefinida no tempo do vínculo empregatício, independente da vontade do empregador. Esta acepção, por Maurício Godinho Delgado [08], define o instituto da estabilidade no emprego de uma forma bastante ampla e genérica, revelando a intenção primordial deste direito-garantia. No entanto, este conceito vem sofrendo variações com o passar do tempo e as novas demandas da sociedade, do mercado de trabalho, e dos interesses dos setores de produção.

Este conceito de estabilidade não define o instituto que hoje oferece a garantia de permanência apenas temporária ao empregado. Por isso, alguns autores, como o próprio Maurício Godinho Delgado, preferem utilizar outra denominação, entendendo ser contra-senso se falar em uma estabilidade meramente provisória. Assim, utilizam a seguinte classificação:

a)Estabilidade – vantagem jurídica permanente, que assegura o vínculo de emprego indefinidamente, independente da vontade do empregador;

b)Garantia de Emprego ou Estabilidade Provisória – que seria a vantagem jurídica de caráter transitório deferida ao empregado em virtude de uma circunstância contratual ou pessoal obreira de caráter especial, de modo a assegurar a manutenção do vínculo empregatício por um lapso temporal definido, independentemente da vontade do empregador.

Também para Sério Pinto Martins, garantia de emprego e estabilidade são institutos distintos, como esclarece: "garantia de emprego é, porém, o nome adequado para o que se chama estabilidade provisória, pois, se há estabilidade, ela não pode ser provisória. Não se harmonizam os conceitos de estabilidade e provisoriedade, daí por que garantia de emprego" [09].

José Afonso da Silva, no estudo dos direitos sociais relativos aos trabalhadores, preferiu utilizar a terminologia garantia do emprego, que para ele significa "o direito de o trabalhador conservar sua relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa" [10], ressalvando que a Constituição Federal não acolheu esta garantia de forma absoluta.

Justamente por não ter a Magna Carta afastado a estabilidade absoluta, ou definitiva – como era o caso da estabilidade decenal – em muitas circunstâncias a jurisprudência, e a até mesmo a doutrina, refere-se à garantia de emprego ou estabilidade provisória com a simples denominação de estabilidade. Para Renato Saraiva, "a estabilidade é espécie do gênero garantia de emprego" [11]. Destarte, deve assim ser compreendida a acepção da palavra estabilidade no desenvolvimento deste trabalho.

Através de uma análise interpretativa sistêmica da Constituição Federal percebe-se que a manutenção do trabalhador no emprego é vetor de realização de alguns direitos preconizados pela Magna Carta. Como já mencionado, é através do trabalho que o empregado aufere seu sustento e de sua família, obtendo a remuneração que lhe dignifica diante da sociedade – e é através do trabalho que a nação gera riquezas. Estes são os principais fatores que a estabilidade viabiliza. É desta forma que a ela se efetiva como um direito-garantia. Pautada principalmente nos princípios da dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, proteção ao empregado, e continuidade da relação de emprego.


3. FLEXIBILIZAÇÃO E LIMITES CONSTITUCIONAIS

A limitação jurídica ao poder de direção do empregador para assegurar a garantia de emprego ao empregado estável é motivo de desagrado para a categoria econômica. Nas últimas décadas, com o retorno do discurso liberalista, que prega pelo afastamento da intervenção estatal nos negócios realizados no setor privado, os direitos trabalhistas têm sido alvo de críticas pelos empresários, que passaram a reivindicar por maior liberdade de atuação nesta seara. Este movimento é conhecido como flexibilização.

A flexibilização é justamente o reflexo da doutrina política e econômica neoliberal nas relações trabalhistas, impulsionada pelas transformações promovidas pela globalização no mundo. Como explica Joaquin Donizete Crepaldi, a globalização é fruto tanto do crescimento das empresas transnacionais e das profundas mudanças na economia, que nem sempre mostra-se sensível aos reclames da sociedade, priorizando outros aspectos:

[...] preocupada, muitas vezes, com o outro lado, o de garantir o lucro do investidor à custa da exploração da mão-de-obra barata e não-qualificada dos trabalhadores dos países periféricos, utilizados como abastecedores de matéria-prima e de produtos manufaturados exportados para os países onde as transnacionais possuem suas controladoras, com a prática condenável do dumping social. A conseqüência da globalização, então, pode ser o empobrecimento do trabalhador do terceiro mundo. [12]

Neste contexto, o objetivo principal é o lucro através da produção mercantil, obtido pela exploração do trabalho alheio, secundarizando a preocupação social.

Diante deste quadro, como afastamento do Estado, caberia às próprias categorias econômicas e profissionais elaborarem as regras que passariam a regular o mundo das relações de trabalho, como explica Ives Gandra da Silva Martins Filho: "A flexibilização tende ao ideal de restringir a intervenção do Estado no campo trabalhista, passando-se ao sistema da auto-regulamentação das relações laborais, pelas próprias partes interessadas, por meio da negociação coletiva" [13].

O desenvolvimento histórico do Direito do Trabalho ao tempo em que significou conquistas para os trabalhadores, representou a assunção de ônus para os empregadores, que experimentaram o aumento progressivo dos encargos sociais. Diante da atual economia globalizada e altamente concorrente, os empresários nacionais alegam que estes custos representam desvantagem competitiva no mercado internacional. Os reflexos destes prejuízos seriam observados no mercado interno, com retração da produção, e crescente desemprego. Este é o quadro por eles apresentado - onde a flexibilização é vista como uma solução, por viabilizar a quebra da rigidez protetiva do Direito do Trabalho.

A flexibilização, para parte da doutrina, pode assumir muitos sentidos. Américo Plá Rodriguez a compreende como um termo elástico, com variados graus de intensidade, e também cômodo, porque o sentido contrário seria a rigidez, a intolerância. Para ele, flexibilização pode significar mera adaptação através de leis mais elásticas, ou até desregulamentação, com substituição da norma estatal pela convenção coletiva ou individual [14].

Já para Arnaldo Süssekind, flexibilização e desregulamentação do Direito do Trabalho são conceitos que não podem ser confundidos. Para ele, a desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindas da relação de emprego; enquanto que a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que superficial, com normas gerais, através das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade [15].

A doutrina aponta para três correntes de flexibilização das relações de trabalho [16]:

a)Flexibilista – por esta corrente, devem ser assegurados os direitos trabalhistas já conquistados pelos trabalhadores, e a partir daí promove-se uma adaptação à realidade atual, com convenções coletivas de trabalho desenvolvendo cláusulas "in melius" e "in pejus", na tentativa de dar atendimento às exigências de cada época e cada setor. Desta forma, no momento em que a economia estiver normal, aplica-se a lei;

b)Antiflexibilista – entende que a proposta de flexibilização é apenas pretexto para reduzir os direitos dos trabalhadores, eliminando conquistas históricas, prevendo uma piora na situação dos empregados sem que haja qualquer aperfeiçoamento ou fortalecimento das relações de trabalho;

c)Semiflexibilista – para esta corrente a flexibilização deve começar pela autonomia coletiva, havendo uma desregulamentação do Direito Coletivo do Trabalho, devendo persistir apenas uma legislação mínima para estabelecer regras básicas, ficando o restante a cargo dos acordos e convenções coletivos.

Observa-se que a proposta flexibilista não prega o fim dos direitos trabalhistas, ao garantir que as conquistas jurídicas dos trabalhadores devem continuar sendo respeitadas. No entanto, na prática, com o efetivo afastamento do Estado, é possível que o empregado reste prejudicado, se evidenciada sua hipossuficiência diante da organização produtiva, à qual faz pouca frente – principalmente a partir da oferta de mão-de-obra crescente, em relação à escassez de postos de trabalho.

Neste sentido, Oscar Ermida Uriarte propõe que a flexibilização só seja utilizada como um sistema alternativo, necessariamente considerando intangíveis os seguintes elementos: continuidade da relação individual de trabalho; formação profissional e mobilidade funcional; redução e flexibilidade do tempo de trabalho; liberdade sindical e negociação coletiva rede de previdência social ou mecanismos de proteção social e de inclusão; acompanhamento de regulamentação internacional específica [17].

Cabe compreender como o fenômeno da flexibilização se manifesta no ordenamento jurídico brasileiro, analisando sua interferência sobre a garantia de emprego.

Como direito social fundamental, a estabilidade possui as seguintes características – seguindo a lição de José Afonso da Silva [18]:

a)Historicidade

b)Inalienabilidade

c)Imprescritibilidade

d)Irrenunciabilidade

Pela característica da historicidade a estabilidade se revela como fruto de seu tempo, do contexto histórico e social ao qual está inserida e se revela. Observando o panorama atual da sociedade pós-moderna percebe-se que esta garantia é colocada em cheque, principalmente por conta dos novos contornos que o próprio emprego vem adquirindo. É de se pensar que, através da característica da historicidade seria possível se alargar o espectro da flexibilização, mitigando continuamente a estabilidade do campo de proteção dos direitos dos trabalhadores. No entanto, se a estabilidade, assim como os demais direitos dos trabalhadores tratados pela Constituição Federal, for considerada como integrante do rol dos direitos fundamentais, ela alcançaria o manto protetor destinado às chamadas cláusulas pétreas, de acordo com o art. 60, §4º. da Constituição Federal. Ou seja, a garantia de emprego não poderia ser atingida nem mesmo através de emenda constitucional, sendo considerada como elemento intrínseco à ordem constitucional vigente. Para que fosse abolida, seria necessária uma nova constituição, uma nova ordem para reger a sociedade.

O próprio caráter de irrenunciabilidade, imprescritibilidade e inalienabilidade representam óbice à imposição de mitigações à garantia de emprego, evidenciando o interesse de ordem pública e social que o consubstancia.

No entanto, é de observar que a própria Constituição Federal já serviu de instrumento flexibilizador para restringir a estabilidade, quando extinguiu a estabilidade decenal, tornando o sistema do FGTS universal e obrigatório.

A Magna Carta acolheu a flexibilização de forma restrita, apontando três hipóteses onde os atores sociais do vínculo empregatício poderão mitigar a regra legal, promovendo a redução de salários, a redução ou compensação da jornada de trabalho, e o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento [19]. Em todas elas a presença do sindicato é obrigatória, privilegiando o aspecto negocial. O objetivo precípuo destes dispositivos constitucionais foi influenciar no combate ao desemprego – sem, entretanto, lograr êxito neste sentido.

No entendimento de Joaquim Donizete Crepaldi, a flexibilidade dos direitos trabalhistas não tem se mostrado eficiente para o propósito desejado por seus defensores, que é a redução do desemprego. O efeito observado tem sido, em geral, contrário – a precarização das relações de trabalho, com reflexos negativos na economia mundial:

Com o aumento do desemprego, as empresas têm mão-de-obra barata à sua disposição. O aumento do número de trabalhadores desempregados, o chamado exército de reserva, deixa os capitalistas em posição confortável diante da necessidade de utilização desses trabalhadores. Oferecem pouco, por pouco tempo e sem muitas garantias, aumentando sua margem de lucro. [20]

Diante de resultados pouco animadores, que desfavorecem os trabalhadores, a doutrina buscou estabelecer limites ao exercício da flexibilização, a partir de duas classificações básicas – quanto à admissibilidade, e quanto à proibição.

São consideradas admissíveis quando utilizadas apenas em ocasiões especiais – momentos de crise, por exemplo – através do condão do sindicato; e inadmissíveis quando visam apenas cortar direitos trabalhistas. E são consideradas proibidas quando a lei oferecer vedação – normas de ordem pública, por exemplo; e autorizadas quando a legislação expressamente permitir.

Destarte, a Constituição Federal oferece limites para a flexibilização, apontando os temas que podem sofrer negociação estritamente privada e, conseqüentemente, vedando todos os demais que, "a contrario sensu", não são expressamente autorizados.

A jurisprudência tem oscilado quanto às hipóteses em que se admite a flexibilização da legislação, através dos instrumentos coletivos. Nesta perspectiva, o quadro elaborado por Ives Gandra da Silva Martins Filho [21]:

Tabela 01

Flexibilidade e Jurisprudência

Válida a Flexibilização (cláusulas de normas coletivas)

Limitação em 1 hora diária das horas "in itinere" a serem pagas

 

Precedentes do TST

Ampliação da jornada de turnos ininterruptos de revezamento sem pagamento de horas extras

 

Súmula nº. 423 do TST

Tolerância de 15min antes e 15 depois da jornada sem adicional de horas extras

 

Precedentes do TST

Pagamento proporcional ao adicional de periculosidade

 

Súmula nº. 364 do TST

Inválida a Flexibilização (cláusulas de normas coletivas)

Redução do intervalo intrajornada para repouso e alimentação

OJ 342 da SBDI-1 do TST

Redução do período de licença ou estabilidade da gestante

Precedentes do STF

Tolerância de 15min antes e depois sem adicional de horas extras

Precedentes do TST

Fonte: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.22.

Nestes parâmetros esbarra a possibilidade de mitigação da estabilidade que, na qualidade de direito-garantia, deve ser realizada na forma da legislação, permanecendo irrenunciável e inalienável – inalcançável, pois, às pretensões flexibilistas dos empregadores brasileiros.

Para Ives Gandra da Silva Martins Filho [22], os parâmetros que pautariam a negociação autônoma das partes, em matéria de negociação coletiva e flexibilização das normas trabalhistas, são basicamente:

a)Vedação à supressão integral de direitos legalmente reconhecidos;

b)Vedação à flexibilização de normas previdenciárias, fiscais, processuais, medicina do trabalho e segurança do trabalho;

c)Possibilidade de flexibilização de direitos ligados a salário e jornada de trabalho, com redução e compensação implícita, em face do conglobamento (hipóteses da previsão constitucional no art.7º., CF/88).

Percebe-se que a flexibilização não pode ser adotada sem o respeito a estes parâmetros, até mesmo porque ela não é fundamental à ordem democrática que conserva o exercício de direitos fundamentais, vinculada à exigência de uma ética de justiça social.


4. A CONVENÇÃO 158 DA OIT

Embora as garantias de emprego já conquistadas pelos trabalhadores não estejam diretamente ameaçadas pelo fenômeno da flexibilização, um avanço na forma de proteção sobre a continuidade do vínculo empregatício encontra forte resistência por parte dos empregadores.

Como é sabido, o art 7º., I, CF/88, ainda necessita de regulamentação, por lei complementar, no que tange à proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa. Neste sentido, a Convenção 158 da OIT – Organização Internacional do Trabalho - propõe a limitação do poder de direção do empregador, que estaria vinculado a uma motivação pertinente nos casos de dispensa de empregado.

A proposta não representa exatamente mais uma hipótese de estabilidade no emprego – nem definitiva, nem provisória. No entanto inaugura uma nova possibilidade de garantia do empregado no emprego, como fica claro na previsão de seu art.4º.: "Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço".

Destarte, o empregado passaria a gozar de certa tranqüilidade acerca da sua permanência no emprego, sabedor que, mesmo não estando enquadrado nas hipóteses de estabilidade, o empregador não poderia simplesmente abandoná-lo ao desemprego baseado em mera arbitrariedade.

A dispensa, necessariamente motivada, só viria a partir da real necessidade de administração do negócio, ou como conseqüência de atitudes desastrosas do próprio empregado. Neste último caso, ser-lhe-ia possibilitado defender-se de quaisquer acusações, como reza o disposto no art.7º. da Convenção:

Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivos relacionados com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador, razoavelmente, que lhe conceda essa possibilidade.

Desta forma, é dado ao empregado defender a si e à sua permanência no emprego, efetivando o direito a ampla defesa, em flagrante manifestação dos efeitos horizontais das normas de direitos fundamentais.

A Convenção 158 da OIT representa grande avanço no sistema de proteção ao emprego, não só pelas razões acima apontadas, mas também por elencar motivos de vedação para a despedida do trabalhador, na forma do art.5º:

Entre os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho constam os seguintes:

a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento de empregador, durante as horas de trabalho;

b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade;

c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes;

d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional ou a origem social;

e) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade.

Em relação a estas motivações vedadas para a dispensa de empregado, a legislação brasileira já acolhe – não só na norma justrabalhista, mas também assente na própria Constituição Federal, onde a liberdade sindical, o acesso irrestrito à jurisdição, ao tratamento igualitário e a proteção ao trabalho da gestante encontram amparo.

É na exigência de justificativa para o empregador dispensar o empregado, ou na possibilidade de ampla defesa deste no sentindo de assegurar o emprego, que surge a novidade na órbita da legislação nacional. Desde o nascimento da referida Convenção o Brasil tem adotado posicionamento controverso, ainda que o texto da OIT, que é de 1982, esteja atualmente em harmonia com as regras e princípios da Constituição Federal.

Inicialmente, o Congresso Nacional ratificou a Convenção 158, em 1992, através do Decreto Legislativo nº.20. A decisão causou desagrado à categoria econômica que, investida pelo espírito da flexibilização, vaticinou o desemprego como conseqüência da adoção do texto da OIT. Mesmo diante do debate instalado, o então presidente Fernando Henrique Cardoso promulgou a Convenção em 1996, apontando 05 de janeiro daquele ano como início de sua vigência [23]. No mesmo ano, a Confederação Nacional dos Transportes e a Confederação Nacional das Indústrias, entidades patronais, ajuizaram a ADI 1480, questionando a constitucionalidade do decreto de ratificação, alegando que a Convenção 158, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, não poderia servir de sucedâneo à lei complementar prevista no art.7º., I, CF/88. Neste sentido, obtiveram deferimento de liminar parcial, decidindo o STF que a Convenção 153 da OIT teria caráter programático, até que o Congresso Nacional suprisse a exigência formal imposta pela Constituição Federal [24]. Logo na seqüência, antes mesmo que o SFT julgasse o mérito da ADI, o governo denunciou a Convenção 158 da OIT, pelo Decreto 2.100 de 20 de dezembro de 1996.

Desde a denúncia da Convenção 158 da OIT os trabalhadores têm colocado o tema em suas agendas de reivindicação, na tentativa de alcançarem mais esta conquista. Já em 1997, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, e a Central Única dos Trabalhadores, ingressaram com ADI 1625, pedindo pela declaração de inconstitucionalidade do Decreto 2.100/96, que denunciou a Convenção [25]. Desde então, a luta das entidades da classe trabalhadora seguem neste sentido. Somente uma década depois é que eles conseguem que o tema retorne a debate, quando a IV Marcha da Classe Trabalhadora, realizada em dezembro de 2007, elege como uma prioridade a adesão do Brasil à Convenção 158 da OIT. Como resposta, em fevereiro de 2008 o Presidente Luis Inácio Lula da Silva enviou mensagem ao Congresso, pedindo a ratificação da Convenção.

O Congresso Nacional, no âmbito da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, rejeita a adesão à Convenção 158 OIT, em julho de 2008, vencido pelos argumentos dos benefícios da flexibilização levantados pelas entidades patronais, a exemplo da defesa apresentada por Dagoberto Lima Godoy, representante da Confederação Nacional da Indústria:

Assim, a tendência atual mais prestigiada é aquela marcada pela experiência dinamarquesa que passou a ser conhecida como "flexiseguridade", que eu já referi, ou seja, um balanço equilibrado entre a indispensável liberdade de gestão para as empresas e a necessária proteção ao trabalhador como uma decorrência de seus direitos sociais. [26]

Utilizando um discurso falacioso, onde o modelo de regulação do trabalho da Dinamarca serve de comparação ao brasileiro – países que experimentam realidades completamente distintas no campo produtivo e das relações de emprego, defende a idéia de que "os países que adotam critérios complexos para desligar empregados têm taxas mais altas de desemprego do que os que adotam critérios mais simples" [27]. Desta forma, estabelece uma relação direta entre estabilidade e desemprego, onde um dá causa ao outro.

Representando as idéias da categoria patronal, Dagoberto Lima Godoy esclarece no que exatamente consiste a proposta de "flexiseguridade":

A "flexiseguridade", como vem sendo buscada, apóia-se num tripé, conhecido como triângulo de ouro. Primeira perna do tripé: flexibilização das regras dos contratos de trabalho, inclusive as relativas ao seu término. Poucas pessoas sabem: na Dinamarca é mais livre a contratação e a demissão de trabalhadores do que nos Estados Unidos da América do Norte, tido como o país mais liberal do mundo. Segunda perna do tripé: um sistema de seguridade bem estruturado, com seguro-desemprego e continuidade dos direitos a assistência à saúde e aposentadoria, no período entre 2 empregos. [...] Terceira perna do tripé: políticas ativas de emprego, com foco na recuperação da empregabilidade. [28]

Percebe-se que esta "flexiseguridade" se contrapõe à Convenção 158 da OIT, e também a qualquer modalidade de garantia de emprego, uma vez que projeta uma suposta proteção ao empregado fora do âmbito do emprego. A segurança oferecida encontra lugar fora da empresa, e tem sede na seguridade social que, como é de conhecimento geral, é um sistema já colapsado.

A garantia de emprego busca pacificar as relações de trabalho justamente pela continuidade do vínculo empregatício. A Convenção 158 OIT também assume este caráter, pelo entendimento de que a perda do emprego, elemento tão importante na vida do indivíduo, não pode ser uma ocorrência banal, ao arbítrio do empregador. A "flexiseguridade" não apresenta esta preocupação.

Em verdade, na defesa do poder dirigente do empregador torna a dispensa do empregado um ato qualquer, descumprindo a função social da empresa. Em outras palavras, ao invés de evitar o desemprego – como querem a garantia de emprego já estruturada na legislação vigente, e os termos da Convenção 158 – a "flexiseguridade" planeja um desemprego menos doloroso ao indivíduo, transferindo para o Estado o ônus de acolher no sistema previdenciário a massa de empregados demitidos sem justa causa, com o objetivo declarado de aumento da competitividade e lucro das empresas.

4.1.Alguns Projetos para a Estabilidade

A atual frustração dos trabalhadores com a negativa de adesão à Convenção 158 da OIT, pelo Congresso Nacional, não representa a sepultura definitiva da proteção ao emprego – vez que a própria Constituição Federal oferece barreira ao fim da garantia de emprego. No momento, o que se encontra obstado é a obrigatoriedade de motivação para toda dispensa do empregado.

No entanto, com o fim da estabilidade decenal promovido pela Magna Carta, é de se notar o aumento das hipóteses de enquadramento na estabilidade provisória. Neste sentido, concorda Maurício Godinho Delgado, ao perceber "certa tendência de diversificação nas situações de estabilidade temporária, em especial a contar da nova Constituição Republicana" [29].

Os trabalhadores continuam lutando por direitos frente aos empregadores, no âmbito nas negociações coletivas. Em outros casos, o empregado individualmente requer a proteção a partir da sua necessidade real, levando ao judiciário situações concretas que merecem ampliação na exegese das normas de garantia de emprego. Como se observa na tese levantada por Edilton Meirelles, que propõe a estabilidade do empregado durante o curso de ação trabalhista, a partir da observância de que o trabalhador, sem garantias legais, muitas vezes deixa de recorrer à tutela jurisdicional receando perder o emprego ou sofrer outros atos de represália, promovidos por seu empregador.

Assim, costumam buscar seus direitos apenas quando da cessação da relação de emprego – prática que, não raro, acarreta na perda de direitos, por conta da aplicação da prescrição trabalhista. O autor chega a propor que a ocorrência desta estabilidade seja estendida inclusive aos atos de preparação da ação - durante a busca de direitos pela via administrativa, junto às comissões de conciliação prévia, entidades sindicais, etc. [30]

Pela virtude do sistema representativo democrático, algumas dessas reivindicações e propostas acabam se tornando projetos de lei, refletindo verdadeiras demandas sociais, como o dos exemplos apresentados no quadro elaborado à seguir:

Tabela 02

Projetos de Lei e de Emenda Constitucional sobre Estabilidade

PL

Proposição

4296/08

Assegurar estabilidade de 6 meses aos empregados de empresas que realizem cisão, fusão, incorporação ou agrupamento societário. E assegurar que após 1 ano a demissão destes empregados só atinja até 30% do quadro geral de empregados, e após 2 anos, até 50% deles.

3783/08

Assegurar à mulher sob estabilidade provisória a continuidade do benefício em caso de falecimento do filho.

3035/08

Assegurar estabilidade de 3 meses aos trabalhadores que retornarem de férias ou de afastamento involuntário do trabalho por 30 dias ou mais.

3024/08

Estender a obrigação de instauração de inquérito para apuração de falta grave para qualquer dispensa de qualquer empregado estável por justa causa.

1780/07

Estender a estabilidade do acidentado até a aposentadoria por tempo de contribuição, na hipótese deste apresentar redução ou restrição de sua capacidade laboral em razão do acidente do trabalho.

342/07

Assegurar estabilidade de seis meses após o término do mandato do empregado Ouvidor.

5741/05

Ampliar a estabilidade do dirigente sindical para 24 meses após o término do mandato.

5681/05

Assegurar estabilidade ao empregado candidato a cargo elegível, durante o período que mediar entre a oficialização da sua candidatura na Justiça Eleitoral até 90 dias após a data da eleição.

4909/05

Institui a estabilidade definitiva para os empregados com idade igual ou superior a 45 anos, que só poderão ser despedidos por justa causa.

PEC

Proposição

114/07

Assegurar estabilidade ao pai, quando representar única fonte de renda familiar, vedando sua dispensa arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até quatro meses após o parto. (No mesmo sentido também o PL 3829/97)

Fonte: CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposições. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 01 mar. 2009.

Estas proposições poderão nunca se tornar efetivas no ordenamento jurídico, mas a sua existência denota que a garantia de emprego ainda permanece na pauta dos trabalhadores, que continuam lutando pela consolidação e ampliação de seus direitos.


Conclusão

O instituto da estabilidade é fruto de longos anos de sofrimento e luta da classe trabalhadora. Surgiu no início do século XX, e sofreu transformações ao longo dos anos, por conta do constante conflito de interesses que envolvem a relação empregatícia. Enquanto de um lado os empregados buscam alargar seus direitos, do outro os empregadores buscam ampliar seus lucros – interesses que, via de regra, são frontalmente divergentes. Na maioria dos casos, a concessão de direitos aos trabalhadores resulta em aumento de custos para as empresas. No entanto, representando os trabalhadores a força vital que movimenta a produção e a economia, e sendo o trabalho a principal fonte de subsistência do indivíduo – além de importante elemento para construção da cidadania e dignidade humana, cabe à empresa assumir um papel social que vai além dos próprios interesses de seus proprietários. Pela identidade da Constituição Federal, a propriedade é direito do indivíduo na medida em que está comprometida com o interesse da sociedade. Desta forma, torna-se legítima a existência de um instituto que promova a permanência do vínculo empregatício, uma vez que o seu rompimento dá causa ao desemprego. E este é por todos indesejado - benefício algum traz à sociedade, como é notoriamente sabido.

Ao tempo em que promoveu a extinção da estabilidade definitiva, forma original do instituto que perpetuava o empregado no emprego após dez anos de efetivo exercício – a chamada estabilidade decenal – a Constituição Federal consagrou a estabilidade provisória, também conhecida como garantia de emprego. A transformação do instituto demonstra certa conformação com as reivindicações patronais. No entanto, ao tempo em que se transforma, pela dinâmica da vida social, a estabilidade também permanece, assistindo ao empregado no momento em que se encontra mais fragilizado e hipossuficiente.

A estabilidade hoje alcança uma fatia restrita e específica de trabalhadores. A segurança no emprego destes empregados, garantida de forma provisória, assegura, para além dos direitos individuais, o próprio interesse público. As previsões de garantia de emprego assentadas na Constituição Federal informam esta importância. Integrando o rol dos direitos sociais fundamentais, a estabilidade se consolida como um verdadeiro direito-garantia, servindo de instrumento para a efetivação de outros direitos – vida digna, educação, saúde, dentre outros, que podem ser viabilizados através da manutenção do empregado no emprego. Desta forma, a garantia de emprego contribui para o fim último do ordenamento jurídico, que é o alcance da paz social.

Paradoxalmente, a estabilidade – que é instrumento garantidor do emprego, e que por via direta atinge o desemprego – vem sendo afrontada pela flexibilização – fenômeno que pretende a redução do desemprego justamente afastando a garantia de emprego. Aparentemente, estabilidade e flexibilização tentam atingir um mesmo problema de formas totalmente antagônicas.

A estabilidade pretende simplesmente que o empregado permaneça no emprego, e desse jeito não chegue a ficar desempregado. Para tal, restringe a possibilidade de dispensa pelo empregador. Já a flexibilidade pretende que o empregador não sofra restrição alguma para dispensar o empregado, exercendo plenamente seu poder de direção, demitindo o empregado sempre que a dinâmica empresarial exigir. O combate ao desemprego seria efetivado por via reflexa, pela explicação de que a flexibilidade aumentaria a competitividade entre as empresas nacionais e estrangeiras, elevando a economia nacional, e por tabela, aumentando os postos de trabalho – embora, em um momento primeiro, fosse promotora de desemprego. Para tornar a proposta mais aceitável pela sociedade, os defensores desta idéia pregam pela ampliação do amparo ao desempregado através da previdência e da instituição de políticas públicas que gerem postos de trabalho e melhore a qualificação dos empregados continuamente – esta seria a "flexiseguridade". Em palavras mais simples, a flexibilização, mesmo na sua vertente "flexiseguridade", não evita o desemprego – na verdade, o promove, propondo práticas para amenizar as suas conseqüências na sociedade.

Por conta do conflito estabelecido entre as diretrizes da estabilidade e da flexibilização a Convenção 158 da OIT ainda não foi aceita pacificamente pelo Brasil. O conturbado histórico de sua ratificação e posterior denúncia evidencia uma verdadeira luta de interesses contrapostos. A sua ratificação significaria um momento importante para a história do instituto da estabilidade no país, ao extinguir a prática do empregador demitir empregados sem justa causa, obrigando-o a motivar suas ações de gerência na empresa, em nome da proteção à continuidade do vínculo empregatício.

Ainda que a estabilidade atualmente seja enfrentada pela flexibilização, sua origem constitucional oferece claros limites que definem a sua continuidade no ordenamento jurídico. E, no movimento de contra-força, a garantia de emprego oferece reação principalmente através das zonas marginais do conflito histórico que envolve empregado e empregador. Nos espaços de luta do dia-a-dia a garantia de emprego tenta ampliar sua atuação através das negociações coletivas, aumentando progressivamente as hipóteses de enquadramento para assistir uma maior gama de trabalhadores em situações de potencial hipossuficiência – seja em relação à condição individual ou coletiva. Neste sentido, a legislação, a doutrina e a jurisprudência também têm alargado o espectro da garantia de emprego. Esta é uma tendência que se apresenta mesmo através dos projetos de lei atualmente em trâmite no Congresso Nacional.

Neste embate entre a estabilidade e a flexibilização, deve-se questionar que tipo de sociedade se pretende construir, e sobre quais valores ela deverá se assentar. O fim da estabilidade é um grito de apelo daqueles que só pretendem aumentar sua própria margem de lucratividade. Neste caso, é de se imaginar o alto custo social de uma realização como esta. De toda forma, a estabilidade resiste – pela proteção do manto constitucional, e pela incansável luta dos trabalhadores na consecução de seus direitos. Recentemente, em função da crise econômica internacional, e estabilidade adquiriu importância e novos contornos, com os incentivos fiscais concedidos pelo governo brasileiro à determinados setores empresariais sob a condição de garantirem os empregos de seus funcionários por determinado período – o que sustou a demissão sem justa causa de milhares de empregados. Fortalecer o poder de compra do trabalhador se tornou um dos pilares de sustentação do modelo econômico que até então pregava a flexibilização dos direitos juslaborais. Como já preconizara Joaquim Donizete Crepaldi, os efeitos da flexibilização não seriam exatamente positivos para o setor econômico. Paradoxalmente, precarizar as relações de trabalho hoje pode significar a condenação do modelo capitalista-financeiro, que se desmantela ao redor do mundo. Neste contexto, é possível que o Brasil repense sua adesão à Convenção 158 da OIT, percebendo-a como um instrumento de fortalecimento do trabalhador e, consequentemente, do próprio mercado consumidor interno.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.5.
  2. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.6.
  3. Art. 7º, III - fundo de garantia do tempo de serviço. CF/88.
  4. Art. 7º. II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário. CF/88.
  5. Art. 7º. XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei. CF/88.
  6. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p.595.
  7. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.401.
  8. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.1244.
  9. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.407.
  10. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed., São Paulo: Malheiros Editores, p.290.
  11. SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para Concursos Públicos. 6. ed., São Paulo: Método, 2007, p.284.
  12. CREPALDI, Joaquim Donizete. O Princípio de Proteção e a Flexibilização das Normas do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p.63.
  13. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 9.
  14. RODRIGUEZ, Américo Plá. Enfoque Sobre la Flexibilización. Revista Derecho Del Trabajo. n. 2. Buenos Aires: La Ley, 1990, p. 154.
  15. SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 213.
  16. CREPALDI, Joaquim Donizete. O Princípio de Proteção e a Flexibilização das Normas do Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2004, pp.69-70.
  17. URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p.59 et seq.
  18. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.181.
  19. art.7º., VI, XIII, XVI, respectivamente, CF/88.
  20. CREPALDI, Joaquim Donizete. O Princípio de Proteção e a Flexibilização das Normas do Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2004, p.72.
  21. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.22.
  22. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.22.
  23. Decreto 1.855, de 10 de abril de 1996.
  24. ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade 1480. Relator: Min. Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=1480&classe=ADI&codigoClasse=0&ORIGEM=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=>. Acesso em: 28 fev. 2009.
  25. Ação ainda em trâmite no STF. Relator: Min. Maurício Corrêa.
  26. Cf. CAMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Audiência Pública N°: 0467/08. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/notastaq/nt22042008.pdf/view?searchterm=oit%20158> Acesso em: 28 fev. 2009.
  27. Cf. CAMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Audiência Pública N°: 0467/08. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/notastaq/nt22042008.pdf/view?searchterm=oit%20158> Acesso em: 28 fev. 2009.
  28. Cf. CAMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Audiência Pública N°: 0467/08. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/notastaq/nt22042008.pdf/view?searchterm=oit%20158> Acesso em: 28 fev. 2009.
  29. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.1252.

30.MEIRELES, Edilton. Garantia do Emprego como Instrumento para Efetivo Acesso à Justiça (Proibição de Despedir no Curso do Processo Judicial). In: CUNHA JÚNIOR, Dirley da; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. (orgs.) Temas de Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. Salvador: Juspodivm. 2007. p.113-121.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Mariele Souza de. Estabilidade no emprego x flexibilização. Debates sobre a Convenção nº 158 da OIT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18564. Acesso em: 28 mar. 2024.