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Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle

Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo objetiva traçar algumas considerações sobre o regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle. Para tanto é necessário que se estabeleça com precisão o conceito de meio ambiente e recursos ambientais, bem como do que seja ecoturismo. Também será feita incursão sobre a natureza jurídica do bem turístico e abordagem sobre o direito ao turismo.

Em seqüência, serão elencados os princípios atinentes à matéria e a questão da função turística da propriedade, para após, traçar-se o papel do Ministério Público na defesa e controle dos bens turísticos e do direito ao turismo como direito fundamental ao lazer.

Com esta explanação não se pretende, por óbvio, esgotar a matéria ou pacificar o assunto, ao contrário; o que se objetiva é apenas fomentar o debate sobre o tema já que é tão escassa a doutrina no assunto e quase inexistente jurisprudência a respeito de defesa do bem turístico e do direito ao turismo, especificamente ao ecoturismo.


2. MEIO AMBIENTE E RECURSOS AMBIENTAIS

2.1.MEIO AMBIENTE COMO BEM AUTÔNOMO

A primeira questão a ser enfrentada é o conceito de meio ambiente como bem autônomo, além de deixar-se evidenciado sua diferenciação do conceito de recursos ambientais.

Como em qualquer matéria no ramo do Direito, o ponto inicial para o estudo da questão deve necessariamente ser a Constituição Federal, que em seu art. 225 estabelece:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."

Percebe-se do Texto Maior que o Constituinte erigiu o meio ambiente como bem autônomo eminentemente relacional, pois ao mencionar ser direito de todos tê-lo ecologicamente equilibrado reconheceu a necessidade de interação entre os seus elementos (recursos ambientais, como ar, água, solo, fauna, flora, cultura, trabalho, etc...) de forma a ser mantida a qualidade ambiental como condição da qualidade de vida, objetivando repelir qualquer agressão que proporcione desequilíbrio deste bem.

Também deste artigo retiram-se outras considerações de extrema importância para compreensão do tema, as quais são muito bem apontadas por Fiorillo (2002, p. 103), decorrentes da sistematização constitucional da matéria:

"O dispositivo estabelece quatro concepções fundamentais no âmbito do direito constitucional ambiental, a saber:

a) indica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos;

b) estabelece a natureza jurídica do bem ambiental como sendo de uso comum do provo e essencial à sadia qualidade de vida, criando, portanto, pela primeira vez em nosso país, um terceiro gênero de bem que não é público e muito menos privado;

c) determina tanto ao Estado (Poder Público) como à sociedade civil (coletividade) o dever, para ambos, de preservar, bem como defender os bens ambientais;

d) assegura não só para quem está vivo nos dias de hoje (presentes gerações) como para aqueles que virão (futuras gerações) a existência real dos bens ambientais em nosso país." (grifos do autor)

Note-se que a Constituição Federal não chegou a definir o que é meio ambiente – a não ser de forma indireta. Mas, em nosso ordenamento jurídico infraconstitucional, já havia esta definição, estabelecida pelo art. 3º da Lei nº 6.938/1981, que foi integralmente recepcionada pela nova ordem, com o seguinte teor:

"Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;"

Extrai-se do texto citado que a noção legislativa de meio ambiente seguiu a mesma esteira da Constituição Federal e estabeleceu este como bem eminentemente relacional, decorrente da interação de vários elementos existentes (físicos, químicos e biológicos) e das condições, leis, interações e influências destes no abrigo, permissão e regulação da vida em todas as suas formas.

Em uma primeira leitura, chega-se a ter a impressão que a definição legal levou em conta tão-somente o meio ambiente natural, esquecendo-se do meio ambiente cultural, artificial e também do trabalho. Contudo, impõe-se levar em consideração que ao ser estabelecido em lei que o meio ambiente "permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas", é perfeitamente englobável neste conceito as demais facetas de meio ambiente, por serem decorrência das relações humanas, já que o homem é uma das formas de vida existente no planeta.

Ademais, a conjugação da Lei nº 6.938/81 com a Lei nº 7.346/85 e art. 225 da Constituição Federal, levam à conclusão de que o meio ambiente não tem somente o aspecto natural (os bens naturais, como o solo, a atmosfera, a água, a vida), mas também o artificial (espaço urbano construído) e cultural (a interação do homem ao ambiente, como urbanismo, o zoneamento, o paisagismo, os monumentos históricos, o meio ambiente do trabalho, assim como os demais bens e valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos, históricos, arqueológicos, etc.) (MAZZILLI, 2001, p. 133).

No Direito Comparado também percebe-se em alguns países a adoção deste conceito relacional de meio ambiente como bem autônomo, merecendo enfoque a Lei de Bases do Ambiente de Portugal (Lei nº 11/87, de 07 de abril), que em seu artigo 5º, nº 2, "a", dá a presente definição:

"Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos fatores econômicos, sociais e culturais com efeito direto ou indireto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida dos homens."

O legislador português foi mais feliz do que o legislador pátrio ao estabelecer esta definição, pois mencionou expressamente os fatores sociais, culturais e econômicos como englobados pelo meio ambiente, não deixando qualquer dúvida de que estes fazem parte da matéria e, para tanto, devem ser considerados.

Voltando-se ao Direito Pátrio, infere-se que foi reconhecido o meio ambiente como bem autônomo, baseado justamente em sua característica relacional e ultrapassando a noção de mera soma dos recursos ambientais, sejam naturais (solo, água, fauna, flora, etc.) ou artificiais (patrimônio histórico, cultural, etc...).

Esclareça-se que ao ser mencionada a questão relacional nestas definições, pretende-se afirmar que ela consiste justamente na característica principal do meio ambiente: a relação entre seus vários elementos (recursos naturais, artificiais, culturais, etc...), buscando-se sempre o equilíbrio (art. 225, da CF: ‘Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado...’), não se confundindo o todo com as partes que o compõem.

Em verdade, o bem maior defendido pela Constituição Federal é o equilíbrio ecológico, conforme ressalta Marcelo Abelha (2002, p. 58) ao afirmar ser este "o bem jurídico (imaterial) que constitui o objeto de direito a que alude o texto constuticonal. Ora, tendo em vista que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é formado por um conjunto de interações entre fatores bióticos e abióticos, certamente que a proteção desses elementos justifica-se como forma de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado."

Na busca da noção do meio ambiente como bem autônomo, é de extrema importância que seja feita a diferenciação entre este e os recursos ambientais. Para isto, optou-se por utilizar a terminologia adotada por Milaré (2001, p. 68) denominando-se os seus componentes (água, solo, fauna, flora, prédio histórico, etc.) como recursos ambientais e não bens ambientais, já que este segundo termo é ambíguo e utilizado na doutrina ora para denominar o meio ambiente como bem autônomo, ora para denominar seus componentes (como fauna, flora, ar, etc.).

Sob nossa ótica, ao adotar-se a terminologia de recursos ambientais não se desconhece que estes, em si mesmos, podem e são bens jurídicos – pois protegidos/tutelados por uma norma jurídica. Mas, visa-se com isto apenas a depuração na linguagem evitando-se a adoção de termo ambíguo, o que deve ser evitado ao máximo em qualquer ciência, não sendo diferente no estudo do Direito.

Na diferenciação entre estes dois conceitos – meio ambiente e recursos ambientais – é esclarecedora a lição de Benjamim (1993, p. 75):

"(...) o meio ambiente, embora como interesse (visto pelo prisma da legitimação para agir) seja uma categoria difusa, como macrobem jurídico é de natureza pública. Como bem – enxergado como verdadeira universitas corporalis – é imaterial, não se confundindo com esta ou aquela coisa material (floresta, rio, mar, sítio histórico, espécie protegida etc.) que o forma, manifestando-se, ao revés, como o complexo de bens agregados que compõem a realidade ambiental (Carlos Dorta). Assim, o meio ambiente é bem, mas bem como entidade que se destaca dos vários bens materiais em que se firma, ganhando proeminência, na sua identificação, muito mais o valor relativo à composição, característica ou utilidade da coisa do que a própria coisa (Paolo Maddalena). Uma definição como esta de meio ambiente, como macrobem, não é incompatível com a constatação de que o complexo ambiental é composto de entidades singulares (as coisas, por exemplo) que, sem si mesmas, também são bens jurídicos: é o rio, a casa de valor histórico, o bosque com apelo paisagístico, o ar respirável, a água potável"

Na mesma esteira de entendimento e também com grande propriedade é a lição de Antunes (2002, p. 200), que estabelece ser o meio ambiente um bem jurídico autônomo e unitário, não confundível com os recursos ambientais, não sendo um simples somatório destes. O meio ambiente resulta da supressão de todos os seus componentes e adquire uma particularidade jurídica que é derivada da própria integração ecológica destes elementos.

Portanto, o meio ambiente não é um bem corpóreo; ao contrário é incorpóreo e imaterial (MIRRA, 2002, p. 12), além de indisponível, detendo regime jurídico próprio e autônomo em relação aos recursos ambientais que o compõem.

Neste sentido é a lição de Rui Carvalho Piva, ao sustentar que o bem ambiental (que preferimos denominar meio ambiente) é um valor difuso e imaterial, sendo que a imaterialidade afasta qualquer tipo de bem material da discussão em torno do conceito de meio ambiente (PIVA, 2000, p. 152).

Não é excesso ressaltar que quando se observa a separação de conceitos do meio ambiente e dos recursos ambientais, não se pretende sustentar a independência de um em relação ao outro. Bem como não se busca valorizar o primeiro em relação aos demais. O que se busca, isto sim, é evidenciar a diferenciação entre eles sem nunca esquecer que a proteção dos mesmos deve ser integrada, visando a manutenção do equilíbrio ambiental (MIRRA, 2002, p. 13).

Encerrando-se estas considerações, pode-se adotar como conceito de meio ambiente aquele elaborado por José Afonso da Silva, que, ao nosso ver, é o mais completo e adequado (2002, p. 20): "O meio ambiente é, assim, a integração do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas."

2.2 OS RECURSOS AMBIENTAIS

Após traçado o delineamento sobre o conceito de meio ambiente como bem autônomo, impõe-se fazer algumas considerações sobre os recursos ambientais que compõem aquele mas com ele não se confundem.

A primeira questão a ser abordada neste tema é a diferenciação entre os recursos ambientais e os recursos naturais, pois todo recurso natural é ambiental, mas nem todo recurso ambiental é natural. É esta a lição de Milaré (2002, p. 68):

"Em rigor, poderíamos dizer que a categoria dos recursos naturais é parte de um conjunto mais amplo, os recursos ambientais. Em outros termos, todo recurso natural é ambiental, mas nem todo recurso ambiental é natural. Esta percepção é essencial para o administrador e o legislador, porque as políticas ambientais e a legislação abarcam muito mais seres e relações do que os ecossistemas naturais, por si sós, podem apresentar.

Para o Direito brasileiro, portanto, são elementos do meio ambiente, além daqueles tradicionais, como ar, a água e o solo, também a biosfera, esta com claro conteúdo relacional (e, por isso mesmo, flexível). Temos, em todos eles, a representação do meio ambiente natural. Além disso, vamos encontrar uma série de bens culturais e históricos, que também se inserem entre os recursos ambientais, como meio ambiente artificial ou humano, integrado ou associado ao patrimônio natural."

Entendida a diferenciação dos recursos ambientais e naturais (estando estes últimos incluídos nos primeiros), passa-se à busca de um conceito sobre os recursos naturais.

O legislador pátrio ao tratar sobre ‘recursos ambientais’ no art. 3º, V, da Lei nº 6.938/81 dispôs serem eles "a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora."

Ao invés de definir, o legislador elencou quais são os recursos ambientais, e dentre eles incluiu a ‘atmosfera’ e ‘os elementos da biosfera’. Ora, levando-se em conta que a biosfera é a "zona de transição entre a terra e a atmosfera, no interior da qual as formas de vida da terra são comumente encontradas. Consiste na porção externa da geosfera e na parte mais baixa da atmosfera" (Dicionário de Direito Ambiental, 2003, p. 89) e que a atmosfera é a massa de ar que envolve a terra, é fácil verificar que tudo o que existe entre "o céu e a terra" – usando-se a expressão popular – pode ser considerado recurso ambiental.

E este deve ser mesmo o enfoque, pois, por ser o meio ambiente um macrobem relacional (superando os recursos ambientais em si e relacionando-os de forma equilibrada), tudo o que influencie nesta relação, permitindo, abrigando e regendo a vida em todas as suas formas deve ser considerado como bem ambiental.

Desta forma, devem ser considerados bens ambientais: o prédio de valor histórico ou arquitetônico (meio ambiente artificial); o animal silvestre (meio ambiente natural); o maracatú nordestino ou a capoeira (meio ambiente cultural), dentre inúmeros outros que poderiam aqui ser elencados.

Conforme será desenvolvido no próximo item, os recursos ambientais, dependendo do caso – ao contrário do meio ambiente, que é incorpóreo/imaterial e indisponível – podem ser corpóreos/materiais (árvore, animal silvestre, etc...) ou incorpóreos/imateriais (ecossistema), disponíveis (árvore com autorização de corte) ou indisponíveis (caça de animal silvestre).

Para que não haja dúvida da necessidade de separação entre tais conceitos – meio ambiente e recursos ambientais – observe-se a seguinte lição de Piva (2000, p. 138):

"A separação dos conceitos de bem ambiental e de recursos ambientais, que aqui vamos considerar como sendo todos os demais bens jurídicos, de qualquer natureza, ou seja, privados, públicos, coletivos, materiais e imateriais, capazes de proporcionar equilíbrio ecológico ao meio ambiente, representa uma vigorosa particularidade técnica da aplicação da norma neste particular ramo do direito, que é o Direito Ambiental."

Arriscando um conceito sobre a matéria, pode-se dizer que recursos ambientais são bens jurídicos naturais, artificiais ou culturais, corpóreos ou incorpóreos, que integrem ou tenham qualquer relação, influência ou interação com o meio ambiente.

Assim, apenas para exemplificar, podemos elencar alguns recursos ambientais como : solo, água, ar, fauna, flora, ecossistemas, processos ecológicos, paisagens, bens e valores culturais, etc.

2.3 – REGIME JURÍDICO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS AMBIENTAIS

Ao tratar sobre meio ambiente na Constituição Federal, o art. 225 dispõe ser este ‘bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida’, além de impor ao ‘Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."

Como o constituinte utilizou a expressão ‘bem de uso comum do povo’, prevista no Código Civil de 1916 e replicada no de 2002, impõe-se verificar qual o regime jurídico deste tipo de bem naquele primeiro diploma que estava em vigor à época da promulgação da Carta Magna.

Caio Mário da Silva Pereira (1997, p. 280) ensina que os bens de uso comum do povo são aqueles que embora pertencentes a um ente público, estão franqueados a todos, tais como mares, rios, estradas, ruas, praças, sendo inalienáveis e imprescritíveis. Via de regra, podem ser utilizados de forma franqueada, sem restrições e sem ônus, embora a realização de pagamento não descaracterize esta natureza (p. ex: pedágio cobrado nas estratadas).

Ora, da simples leitura do referido artigo percebe-se que a Constituição quando tratou do meio ambiente atribuiu a titularidade a todos indiscriminadamente e a ninguém particularmente, nem mesmo ao Poder Público e muito menos a qualquer pessoa física ou jurídica de direito privado. Nem mesmo a coletividade deste momento histórico é proprietária deste bem, sendo ela mera detentora em prol das presentes e futuras gerações.

Impõe-se, assim, tomar cautela para não fazer uma interpretação retrospectiva, de forma a interpretar a Constituição com base nos conceitos previstos na legislação anterior, inovando o mínimo possível, conforme adverte Luiz Roberto Barroso (1996, p. 66 e 67) ao mencionar que se deve "rejeitar uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo (...)"

Portanto, parece-nos que pretender aplicar ao meio ambiente a visão privada do Código Civil, seja o de 1916, seja de 2002, é um equívoco, pois esta não se coaduna com a visão moderna da teoria dos direitos difusos que ganhou força com a Constituição Federal de 1988.

É esta a lição de Fiorillo (2003, p. 49-50):

"Dessa forma, em contraposição ao Estado e aos cidadãos, ao público e ao privado, iniciou-se no Brasil, com a Constituição Federal de 1988, uma nova categoria de bens: os bens de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de vida. Esses bens não se confundem com os denominados bens públicos, tampouco com os denominados bens particulares (ou privados).

...

Sob esse enfoque, surge a Lei Federal n. 8.078, de 1990, que, além de estabelecer nova concepção, vinculada aos direitos das relações de consumo, cria, a partir da orientação estabelecida pela Carta Magna de 1988, a estrutura infraconstitucional que fundamenta a natureza jurídica de um novo bem, que não é público e não é privado: o bem difuso.

Criado no plano mais importante do sistema jurídico, como já aludido, pela Constituição Federal de 1988, o direito difuso passou a ter clara definição legal, com evidente reflexo na própria Carta Magna, configurando nova realidade para o intérprete do direito positivo.

Aludido bem, definido como transindividual, tendo como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I, da Lei n. 8.078/90), pressupõe, sob a ótica normativa, a existência de um bem ‘de natureza indivisível’, ou seja, um bem que ‘não pode ser fracionado por sua natureza, por determinação de lei ou por vontade das partes’, conforme nos ensina a ilustre Profa. Maria Helena Diniz."

Não se pode, desta forma, atribuir ao bem difuso a qualidade de bem público propriamente dito, pois este não está no patrimônio de qualquer ente público; ao contrário, é pertencente à toda coletividade, e não só das presentes, mas também das futuras gerações.

Fiorillo (2003, p. 53) traça como critério diferenciador entre o bem público e o bem difuso a titularidade, sendo que o primeiro tem como titular o Estado (ainda que deva geri-lo em função e em nome da coletividade), ao passo que o de natureza difusa repousa a sua titularidade no próprio povo, tanto que eventuais indenizações decorrentes de lesões a estes bens têm natureza diversa: a indenização do bem público volta-se aos cofres do ente prejudicado; a indenização do bem difuso, ao fundo de defesa dos direitos difusos (Lei n. 7.347/85, art. 13).

Em assim sendo, o primeiro elemento do regime jurídico do meio ambiente é de que o mesmo é um bem difuso, não pertencente nem ao Estado, nem ao particular, mas sim à coletividade, representada pelas presentes e futuras gerações, sendo todos estes detentores de tal bem.

Outro elemento caracterizador deste regime jurídico é o da indisponibilidade, matéria esta que será desenvolvida com maior profundidade no item 8.4.

Também característica do meio ambiente é sua insuscetibilidade de apropriação, seja pelo próprio Estado, seja pelos particulares, fato este decorrente diretamente do princípio da indisponibilidade.

Em conclusão, o regime jurídico do meio ambiente como bem autônomo – sem prejuízo de outras características a serem mais exploradas – é o de bem difuso de uso comum do povo, incorpóreo, indisponível e insuscetível de apropriação.

Situação diversa é a que diz respeito do regime jurídico dos recursos ambientais, pois, neste caso, cada um considerado individualmente pode ter um regulamento próprio, não havendo necessariamente um regime jurídico único para todos eles, tendo como único traço comum a impossibilidade de seu uso ser lesivo ao meio ambiente como bem autônomo.

Ocorre que, os recursos ambientais individualmente considerados podem ter regime inclusive de direito privado, como é o caso das árvores que, segundo o Código Civil (art. 79) são consideradas bens móveis e assim que removidas – com o devido licenciamento – podem ser livremente comerciadas.

De igual maneira um prédio histórico ou com valor arquitetônico relevante – ainda não tombado – não perde sua condição de propriedade particular, podendo ser alienado, hipotecado, locado, usado, desde que isto não influencie em sua característica histórica ou arquitetônica.

Ora, é possível afirmar-se que uma árvore, isoladamente, ou um conjunto restrito delas ou ainda o prédio histórico mencionado, é bem de uso comum do povo, indisponível, insuscetível de apropriação, etc.? A resposta é negativa, pois ambos – mesmo considerados como recursos ambientais – têm regime de direito privado com titularidade pertence a uma pessoa – física ou jurídica – particular.

Essencial, assim, a diferenciação entre meio ambiente e recursos naturais, pois somente o primeiro é difuso, de uso comum do povo, indisponível e insuscetível de apropriação, e os demais seguem regime jurídico próprio a ser analisado caso a caso.

Desta maneira, alguns recursos ambientais são plenamente apropriáveis e utilizáveis – desde que esta apropriação não leve à apropriação individual (exclusiva) do meio ambiente – nos termos da lição de Mirra (2002, p. 38):

"Na mesma ordem de idéias, não podem os particulares pretender apropriar-se do meio ambiente como bem imaterial, ou seja, como conjunto de condições, relações e interdependências que condicionam, abrigam e regem a vida. O que pode eventualmente ser apropriado, o que pode eventualmente ser utilizado pelos particulares, sobretudo para fins econômicos, são determinados elementos corpóreos que compõem o meio ambiente e os bens ambientais (como as florestas, os solos, as águas, em certos casos os exemplares da fauna e da flora, determinados bens móveis e imóveis integrantes do patrimônio cultural) e, mesmo assim, como se verá a seguir, de acordo com condicionamentos, limitações e critérios previstos em lei e desde que essa apropriação ou utilização dos bens materiais não leve à apropriação individual (exclusiva) do meio ambiente como bem imaterial."

Nada obsta, portanto, que certo recurso ambiental (p. ex: as árvores existentes fora de áreas de preservação permanente e reserva legal ou o prédio de valor histórico) tenha regime jurídico de direito privado e outros (p. ex: a caça) sejam regidos por regime de direito público.

Desta forma, na "concepção de microbem ambiental, isto é, dos elementos que o compõem (florestas, rios, propriedade de valor paisagístico etc.), o meio ambiente pode ter o regime de sua propriedade variado, ou seja, pública e privada, no que concerne à titulariedade dominial." (LEITE, 2003, p. 85)

Com base nestas assertivas é possível reconhecer que a indisponibilidade existente no meio ambiente não é aplicável imediatamente ao caso dos recursos ambientais, pois a estes pode ser aplicada indisponibilidade total (p. ex: em relação à impossibilidade de apropriação do ar atmosférico ou à vedação à caça, com raras exceções), restrita (p. ex: em relação à pesca que é vedada em alguns períodos nos rios, bem como mediante certos petrechos) e até mesmo nenhuma (p. ex: nos casos de florestas na propriedade fora da área de preservação permanente e reserva legal que pode ser suprimida mediante simples ato administrativo autorizativo, ressalvadas as espécies protegidas).

Não se conclua, contudo, que em decorrência de alguns recursos ambientais deterem esta condição de regime privado, poderá o proprietário utilizar-se do mesmo a seu juízo, de forma irresponsável, pois além de ser imperioso o exercício da função social e ambiental da propriedade, a utilização de tais recursos está limitada à atividade sustentável de forma a não prejudicar o macrobem a que ele faz parte: o meio ambiente.

Nestes casos, como bem adverte Mirra (2002, p. 48), o regime jurídico do meio ambiente adotado no Brasil, além de direcionar-se aos recursos ambientais que pertencem a todos indivisível e indistintamente (p. ex: ar, praias, etc.), incide igualmente sobre todos os elementos corpóreos configuradores do seu substrato material, qualquer que seja a sua titularidade, e em relação a todas as atividades ou práticas que de alguma forma estão relacionadas com o meio ambiente e com os bens ambientais, para orientá-los e condicioná-los – uns e outras – à preservação da qualidade ambiental propícia à vida.

Esclarecendo-se ainda mais, afirma-se com certeza que a limitação de utilização destes recursos ambientais pelos seus titulares – sejam eles entes públicos ou privados – é justamente aquela pautada pela legalidade e pela não influência negativa sobre o meio ambiente. O que permite concluir que é vedada a utilização de recursos ambientais de forma a influenciar negativamente no meio ambiente como macrobem autônomo, por ser este bem difuso, indisponível e insuscetível de apropriação.

Justamente em razão destas limitações que atingem indistintamente a todos os recursos ambientais – de forma a que sua utilização seja racional e não prejudique o bem maior, meio ambiente – a doutrina vem procurando configurar outra categoria de bens – os bens de interesse público – na qual estão inseridos tanto bens pertencentes a entidades públicas quanto particulares. Ficam eles subordinados a um regime jurídico mais rígido em relação à intervenção estatal e de tutela pública, surgindo aí duas categorias, os de circulação controlada e os de uso controlado (SILVA, 2002, p. 83).

É este aspecto que estabelece identidade no regime jurídico dos bens ambientais, qual seja: os mesmos podem ser utilizados por seus titulares – sejam particulares (solo, árvores fora de áreas protegidas, prédio histórico, etc...), públicos (área pública, minas, etc...) ou à coletividade (ar, praias, etc...) – desde que esta utilização não se mostre nociva ao meio ambiente como bem autônomo (macrobem).

Como balizador concreto da exploração de tais bens, José Afonso da Silva (2002, p. 88) ressalta o seguinte:

"Não ficará o Homem privado de explorar os recursos ambientais na medida em que isso também melhora a qualidade de vida humana; mas não pode ele, mediante tal exploração, desqualificar o meio ambiente de seus elementos essenciais, porque isso imporatira desequilibra-lo e, no futuro, implicaria seu esgotamento."

Com esteio no raciocínio desenvolvido até aqui – diferenciando o meio ambiente como bem autônomo e os recursos ambientais – ousa-se discordar do professor Fiorillo (2003, p. 54), quando sustenta ser inconstitucional o disposto no art. 99, I, do Código Civil de 2002, com os seguintes fundamentos:

"A distinção entre bem público e bem difuso reclama ainda a análise não só do art. 66 do Código Civil de 1916 como de sua ‘cópia’ no Código Civil de 2002 (art. 99). O legislador de 1916 atribuiu ao que chamamos atualmente de bem difuso a característica de espécie de bem público; o legislador civil de 2002, como dissemos, transportou o conceito do final do século XIX/ início do século XX pura e simplesmente para o século XXI... resta evidente que os conceitos do subsistema civil não guardam compatibilidade com o conceito descrito no art. 225 da Constituição Federal.

Destarte, como já afirmado em edições anteriores de nosso Curso de direito ambiental brasileiro, reiteramos a afirmação no sentido de que não só o art. 66, I, do Código Civil de 1916 não foi recepcionado em sua inteireza pela Constituição Federal como o art. 99, I, do Código Civil de 2002 é claramente inconstitucional."

Ocorre que – salvo melhor juízo – os bens ali elencados são recursos ambientais e não o meio ambiente em si, e portanto, podem ser considerados bens públicos, assim como as árvores acopladas ao solo de uma propriedade particular, são consideradas bens particulares.

A seguir o raciocínio do referido mestre, também seriam inconstitucionais quaisquer dispositivos que atribuíssem outros recursos ambientais a particulares, como no caso das árvores, solo, prédio histórico, dentre outros.

Também não seria lícito ao proprietário de um imóvel banhado por rio de interesse ecológico proibir entrada de terceiros que busquem ali desfrutar deste bem ambiental (já que o mesmo seria de uso comum do povo).

Isto não impede, contudo, que os bens ali elencados (art. 99, I, CC/2002) tenham regime jurídico diferenciado previstos em leis específicas (Lei de Recursos Costeiros, Lei de Recursos Hídricos, etc.), pois é justamente estas limitações e especificidades que os caracterizam como recursos ambientais: bens de interesse público.

Firmadas estas bases, passa-se à análise da questão do regime jurídico do ecoturismo e do papel do Ministério Público em sua defesa e controle.


3. MEIO AMBIENTE CULTURAL E PROTEÇÃO DA PAISAGEM

3.1 MEIO AMBIENTE CULTURAL

Ao abordar-se o tema do ecoturismo é imprescindível a análise a respeito de qual categoria de bem ambiental que o mesmo se enquadra na divisão – elaborada para fins metodológicos – entre meio ambiente artificial, natural e cultural.

Pois bem, o turismo como atividade humana enquadra-se perfeitamente dentro de um fenômeno cultural, decorrente da necessidade ao lazer e à conquista de novas experiências.

Darci Ribeiro (1972, p. 93) conceitua a cultura como sendo "a herança de uma comunidade humana, representada pelo acervo co-participado de modos padronizados de adaptação à natureza, para o provimento da subsistência; de normas e instituições reguladoras das relações sociais e de corpos de saber, de valores e de crenças com que explicam sua experiência, exprimem sua atividade artística e se motivam para a ação."

Ao tratar sobre o patrimônio cultural como faceta do meio ambiente, Daniel Fink (2003, p. 46 e 50), ensina:

"Assim sendo, é importante indagar se o conceito de meio ambiente pode ser ampliado a ponto de incluir bens e direitos que integram o patrimônio cultural.

A resposta afirmativa nos parece a mais correta.

...

O meio ambiente cultural, nele compreendido os valores históricos, arqueológicos, estéticos, artísticos, turísticos e paisagísticos, pela importância intelectual e referencial ao ser humano, passou, assim, tanto sob o ponto de vista legal como doutrinário, a integrar o conceito geral de meio ambiente.

Por outro lado, é curioso notar que o inverso também é verdadeiro. Quando se perquire o conceito de patrimônio cultural, não há como dissociá-lo do conceito de meio ambiente, como se tratassem de irmão xifópagos unidos pela natureza"

O tratamento jurídico da cultura vem expresso em nível constitucional na Seção II, do Capítulo III, da Constituição Federal, sendo que em seu artigo 216, dispõe:

"Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º. O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§ 2º. Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

§ 3º. A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

§ 4º. Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

§ 5º. Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos."

Percebe-se com facilidade que o Constituinte deu grande importância à culutura e à proteção do patrimônio cultural, deixando de forma clara a tutela de bens tanto materiais como imateriais que tenham ligação com a identidade nacional.

Ao se tratar de patrimônio cultural deve ser registrado que tal expressão figura-se como sinônimo de meio ambiente cultural, até porque, a palavra "patrimônio" nestes casos é utilizada de forma atécnica, já que este termo é adotado na doutrina civilista ligado à questão econômica, conforme ressalta Antônio Carlos Brasil Pinto (2003, p. 20):

"... o termo patrimônio, utilizado na forma do transcrito no art. 216 da Constituição Federal, é juridicamente atécnico e quer significar o acervo dos bens culuturais relevantes para a nação, significando ainda bens de diferentes proprietários, tanto públicos quanto privados.

Embora atécnico, o termo é reconhecido pelo Direito, inclusive nos textos internacionais, constando especialmente da Convenção Sobre a Salvaguarda do Patrimônio Mundial, Culutural e Natural da Unesco..."

Assim, o termo patrimônio cultural foi adotado pela Constituição Federal e pela doutrina brasileira, podendo ser conceituado como conjunto de bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, decorrentes tanto da ação da natureza e da ação humana como da harmônica ação conjugada entre estes dois fatores (natural e humano), de reconhecidos valores vinculados aos progressivos estágios dos processos civilizatórios e culturais de grupos e povos (CUSTÓDIO, 1997, p. 18).

Contudo, a quem cabe dizer o que é ou não integrante do patrimônio cultural? Édis Milaré (2001, p. 204), fundado no parágrafo primeiro do dispositivo acima mencionado, ensina que tal atribuição muito mais do que responsabilidade do Poder Público, deve ser atribuída à atuação da comunidade, por ser ela a legítima produtora e beneficiária dos bens culturais, sendo que sua identificação ou simpatia por um determinado bem pode representar prova de valor cultural bastante superior àquela obtida através de dezenas de laudos técnicos cheios de erudição, mas muitas vezes vazios de sensibilidade.

Note-se que não somente a arte erudita ou elitista deve ser considerada como patrimônio culutural, mas principalmente a manifestação da cultura popular espontânea e tradicional de nosso povo, rica em detalhes e regionalismos que a torna singular em relação a quaisquer comparações.

De outro norte, como o patrimônio cultural apresenta-se sendo parte de uma realidade maior denominada meio ambiente, não há como deixar de reconhecer que os bens culturais devem ser considerados bens ambientais, e portanto de natureza difusa, pois, "quando reza o § 1º, do art. 216, que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, têm o dever de preservar o patrimônio cultural, outra coisa não está dizendo, senão ratificar a natureza jurídica do bem difuso, na medida em que a todos pertence; que não é de ninguém em particular" (CARMO, 2003, p. 91).

Esta realidade é perceptível de forma evidente quando analisamos alguns bens culuturais – principalmente os imateriais – pois a quem pertence o maracatú nordestino ou a capoeira baiana? E a culinária mineira, pode ser apropriada por alguém exclusivamente? É evidente que não, razão pela qual impõe-se reconhecer serem estes bens de propriedade de toda a coletividade, representada pelas presentes e futuras gerações.

Em relação à competência dos entes federados para a proteção do patrimônio cultural – da mesma forma como fez como o meio ambiente como um todo – pretendeu o Constituinte permitir a maior cooperação e coordenação entre as esferas de governo, tanto que deu atribuição material para que União, Estados e Municípios defendessem tais bens e interesses, nos termos do art. 23, III a V:

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

...

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural;

V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;"

Assim, é dever do Poder Público empenhar-se na proteção do patrimônio cultural, tendo recebido da Constituição Federal determinação expressa para tal.

Já no que se refere à competência legislativa a Constituição não foi tão clara, pois em seu art. 24, VII, VIII e IX, estabeleceu ser competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre o patrimônio cultural e responsabilidade por dano ao mesmo, excluindo, aparentemente, o Município desta competência.

Contudo, a competência legislativa do Município para legislar, seja suplementando a legislação federal ou estadual, seja inovando na matéria em nome do interesse local, é extraída do artigo 30, I e II.

Reforça-se ainda mais a possibilidade do Município legislar nesta matéria quando observa-se a redação do inciso IX do mesmo dispositivo que diz ser competência deste ente "promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estaudal".

Ora, tal redação além de não vedar que o Município legisle nesta matéria deixa subentendido ser necessário reconhecer-se esta competência, pois por força do princípio da legalidade, a atuação em nível municipal deve ser regulamentada por lei.

Sobre a possibilidade de atuação legislativa municipal, observe-se a seguinte lição de José Eduardo Ramos Rodrigues (2005, p.547):

"A competência concorrente do município decorre da interpretação conjunta do art. 216 com o art. 30, inc. VIII. Cabe ao município promover a proteção do patrimônio cultural, dentro da área sob sua administração, observando a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Isso não significa que o Município esteja completamente subordinado, em todos os aspectos, à legislação federal e estadual, ou que deva copiá-la, ferindo sua tradicional autonomia constitucional para assuntos locais. O que o município não pode é desrespeitar a legislação de proteção estadual e federal que sobre ele recaia protegendo bens culturais em seu território, o que tem ocorrido reiteradamente em nosso país."

Portanto, não se pode negar também a importância do Município – respaldada constitucionalmente – na proteção do meio ambiente cultural, seja legislando, seja atuando com sua competência administrativa.

3.2 PROTEÇÃO À PAISAGEM

A Constituição Federal foi generosa em referências à proteção da paisagem e de sítios de importância paisagística, podendo ser citado como exemplos os artigos 23, III, 24, VII e VIII, além do art. 216, V, todos mencionando a defesa deste bem ambiental de natureza cultural.

É de se notar que apesar da paisagem recair sobre um substrato material, seja natural (praia, cachoeira, montanha, etc...) ou artificial (conjunto de prédios históricos, lago de uma represa hidrelétrica, etc...), é ela um fenômeno eminentemente cultural, uma vez que decorre dos sentimentos que afloram da pessoa que tem contato com aquele local.

Nos dizeres de Rodrigo Andreotti Musetti (2004, p. 189), a paisagem é "a porção do ambiente que conseguimos captar pela visão ou outro de nossos cinco sentidos (experiência sensorial), bem como através de nossa percepção extra-sensorial (experiência não perceptível aos nosso cinco sentidos mas integrante das faculdades humanas)."

Seja como for, as paisagens – não apenas as notáveis, mas quaisquer daquelas que despertem interesse cultural – devem ser objeto de proteção pelo Poder Público com o auxílio de toda a comunidade.

A origem da palavra paisagem e sua noção correspondente surgiu na Europa, no renascimento, e vem da junção de país com o sufixo agem (região + ação sobre) (OSEKI E PELLEGRINO, 2004, p. 488).

A preservação da paisagem está intimamente ligada ao ecoturismo, pois como se sabe, esta atividade é desenvolvida predominantemente em ambientes naturais de valor paisagístico elevado e quaisquer danos a estes locais podem levar a uma sensível perda desta importante vertente econômico-ambiental.

Tal a importância da paisagem para o turismo, que o artigo 1°, V, da Lei n. 6.513/77, estabeleceu ser local de interesse turístico as paisagens notáveis, conforme percebe-se de sua redação:

"Art. 1° - Considera-se de interesse turístico as Áreas Especiais e os Locais instituídos na forma da presente lei, assim como os bens de valor cultural, protegidos por legislação específica e especialmente:

...

V – as paisagens notáveis."

Portanto, além de proteção em razão de sua participação como bem cultural difuso, as paisagens notáveis devem ser protegidas também em razão de sua importância turística, fenômeno este que mais adiante será abordado.

Caso interessante a respeito da proteção da paisagem foi relatado por Alberto Contar (2004, p. 323) em que por ordem da Justiça do Paraná em ação popular movida pelo prof. René Ariel Doti contra a repartição do turismo do Estado, foram retirados "adornos" (tais como gnomos, focos de luz, etc...) dos arenitos do Parque Ecológico de Vila Velha (autos n. 248/84 - 4ª Vara de Fazenda Pública).

Outro exemplo a respeito da defesa da paisagem é a ação popular proposta perante a 2ª Vara da Justiça Federal de Santos (n. 95.0209270-8 - <jus.com.br/artigos/549>), em que se questiona a concessão de autorização pela Prefeitura Municipal de São Vicente – SP, para construir um restaurante sobre as pedras de uma praia local.

Na sentença o Juiz Federal Substituto Roberto Lemos dos Santos Filho além de anular o ato, determinou o retorno ao estado anterior, sendo que dos fundamentos desta decisão retira-se o seguinte trecho:

"Em vista da construção combatida encontrar-se totalmente dissociada das normas constitucionais e legais protetoras da paisagem, bem como das orientações da ONU com relação a proteção da beleza e do caráter das paisagens, em manifesta contradição com as recomendações previstas na Convenção Européia da Paisagem, diante do comprovado comprometimento da paisagem, emerge manifesta a lesividade do contrato administrativo firmado para a construção do Píer-Atracadouro."

Traçadas estas considerações, impõe-se abordar-se o conceito de ecoturismo e sua tutela jurídica.


4. CONCEITO DE ECOTURISMO

Antes de traçar-se o conceito de ecoturismo é importante que se faça uma incursão sobre alguns números do turismo no mundo e no Brasil, visando a demonstração de sua importância, bem como estabelecendo o percentual que o ecoturismo representa nesta expressiva atividade econômica.

Segundo dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (Word Travel and Tourism Council – WTTC) e da Organização Mundial do Turismo (OMT), o turismo é a principal atividade econômica do mundo, superando a indústria do automóvel, aço, eletrônica, petrolífera e agricultura, atingindo 10,9% do PIB mundial, responsável por 204 milhões de empregos (10% da força de trabalho global), tendendo a crescer 7,5% ao ano nos próximos dez anos (DIAS, 2003, P. 09).

Infelizmente, o Brasil ocupa um modestíssimo 27º lugar no ranking mundial do turismo (OMT, 1999), representando um fluxo de 0,9% de todos os turistas que visitaram outros países no ano de 1999, ficando atrás de países como a Polônia (10º lugar) e a Áustria (11º lugar).

Por outro lado, esta situação tende a melhorar com o implemento de mais infraestrutura e propaganda, fato este já perceptível com os números de 2003, pois, segundo informações da EMBRATUR, houve um aumento de 8,12% de turistas estrangeiros que visitaram o Brasil em relação ao ano anterior (www.senaiturismo.com.br, acesso em 05-04-04).

O ecoturismo, por seu turno, ocupa 20% dos turistas do mundo, sendo uma indústria em franca expansão, tendente a crescer entre 10% e 30% anualmente, percentual bem superior que a previsão do crescimento do turismo em geral (7,5%) (LOWE, 07-03-2004, Folha de São Paulo).

Para que se perceba a importância deste segmento dentro do turismo e da economia mundial, basta anotar que a Organização das Nações Unidas declarou o ano de 2002 como Ano Internacional do Ecoturismo, fato este que evidencia a percepção internacional da relevância desta atividade.

A despeito da explosão do ecoturismo ser recente, a história demonstra que suas origens são mais remotas, decorrentes do turismo de natureza e ao ar livre, pois os visitantes que, há um século, chegaram em massa aos parques nacionais de Yellowstone e Yosemite, nos Estados Unidos, foram os primeiros ecoturistas. Aqueles pioneiros caminhantes que se embrenharam por Serengeti há 50 anos, e os aventureiros do Himalaia 25 anos mais tarde eram tão ecoturistas quanto os milhares que hoje fotografam pingüins da Antártida ou participam de safáris ecológicos na África (LEUZINGER, 2002, p. 24).

Objetivando uma melhor visualização sobre a matéria, para que não haja confusão de conceitos, é necessário que se estabeleça a diferenciação entre o turismo de massa, o ecoturismo, o turismo de natureza e o turismo sustentável. Para tanto é esclarecedora a lição de Dias (2003, p. 15 e 107):

"O turismo de massa, ... é caracterizado por um grande volume de pessoas que viajam em grupos ou individualmente para os mesmos lugares, geralmente nas mesmas épocas do ano e constitui-se num dos maiores agressores dos recursos naturais.

O turismo sustentável pode ser definido como o que não compromete a conservação dos recursos naturais sobre os quais se sustenta e que, portanto, reconhece explicitamente a necessidade de proteção do meio ambiente. Busca a manutenção de um equilíbrio entre os três eixos básicos nos quais se apóia: suportável ecologicamente, viável economicamente e eqüitativo desde uma perspectiva ética e social.

O turismo de natureza, no entanto, busca desfrutar os valores naturais de um território, mas não implica, necessariamente, atitude particular dos turistas. O turismo de natureza pode apresentar-se como insustentável. As latas de refrigerantes, garrafas e sacos plásticos deixados em trilhas naturais, nas beiras dos lagos e represas e nas margens dos rios, representam a face mais visível das possibilidades da insustentabilidade desse segmento.

O ecoturismo, segundo uma das definições mais utilizadas, é a viagem responsável que conserva o ambiente natural e mantém o bem-estar da população local. É praticado em pequenos grupos que não deixam relações existentes nos ecossistemas, respeita-las e mantê-las o mais intactas possível, em harmonia com as populações locais. O ecoturismo pode ser entendido como turismo sustentável praticado em áreas naturais."

Observada esta concepção de ecoturismo e diferenciadas as outras modalidades de turismo, é importante observar os princípios elencados pela Declaração de Quebec (2002), elaborada na Conferência Mundial do Ecoturismo, firmada nos seguintes termos:

- contribui ativamente para a conservação do patrimônio natural e cultural;

- inclui as comunidades locais e indígenas em seu planejamento, desenvolvimento e exploração e contribui para seu bem-estar;

- interpreta o patrimônio natural e cultural do destino para os visitantes;

- serve melhor aos viajantes independentes, bem como aos circuitos organizados para grupos de tamanho reduzido.

Destes princípios percebe-se que o ecoturismo configura-se uma modalidade de turismo das mais sustentáveis e responsáveis.

Contudo, a despeito do turismo em geral, e o ecoturismo em particular, haverem inicialmente sido caracterizados como uma indústria limpa, sem geração de degradação ambiental – e ela realmente o é se comparada com outras, como a mineradora, siderúrgica, dentre tantas – o que se percebeu é que os impactos destas atividades podem ser tão ou mais nocivos do que qualquer outra, principalmente em razão de serem elas exercidas, geralmente, em ecossistemas extremamente frágeis e suscetíveis de alterações negativas a qualquer contato humano menos cuidadoso.

Dentre as espécies de turismo, sem dúvida, o turismo de massa é o mais impactante, gerando inúmeros problemas conforme muito bem salientado por Ruschmann, citado por Dias (2003, p. 15):

"O excesso de turistas conduz ao superdimencinamento dos equipamentos destinados ao alojamento, alimentação, transporte e entretenimento, que impreterivelmente ocupam grandes espaços – agredindo paisagens e destruindo ecossistemas. Além disso, a falta de cultura turística dos visitantes faz com que se comportem de forma alienada em relação ao meio que visitam – acreditam que não têm nenhuma responsabilidade na preservação da natureza e na originalidade das destinações. Entendem que seu tempo livre é sagrado, que têm direito ao uso daquilo pelo qual pagaram e que, além disso, permanecem pouco tempo – tempo insuficiente, no seu entender, para agredir o meio natural"

Registre-se, todavia que o fato do turismo de massa ser a modalidade mais impactante ao meio ambiente natural e sobre as populações locais, não quer dizer que não deva ele ser praticado, já que, em verdade, os problemas decorrem de um mal gerenciamento ou descaso das autoridades e empresários desta atividade, e não dela em si.

Ademais, o turismo sustentável – decorrente do princípio constitucional do desenvolvimento sustentável - deve ser buscado em todas as modalidades, inclusive no de massa, conforme ensina Dias (2003, p. 69):

"Importante assinalar que a concepção de desenvolvimento turístico sustentável não considera o turismo de massas como uma realidade irreconciliável com o turismo sustentável. Os princípios de sustentabilidade devem constituir o objetivo principal de qualquer espaço ou produto turístico, em qualquer de seus estágios evolutivos, e não circunscrever-se exclusivamente às manifestações supostamente alternativas como o ecoturismo e o turismo rural. Na realidade, eles são mais necessários exatamente em espaços turísticos consolidados, com maiores níveis de pressão ambiental, onde a estabilidade socioeconômica em grande medida dependerá da evolução positiva e equilibrada (sustentável, portanto) da atividade turística."

Até mesmo o ecoturismo, quando operado de forma descuidada ou extremamente ambiciosa, pode ser causador de degradação ambiental pois "quando a procura por uma área natural é intensa, e não há controle e fiscalização, as conseqüências poderão ser sérias. Determinadas espécies de animais poderão ter seus hábitos modificados, em função da presença constante de serem humanos. O principal desafio do ecoturismo é acertar o equilíbrio entre a conservação e o turismo" (FERRETTI, 2002, p. 119).

Os impactos do ecoturismo mal planejado e executado são muitos, e podem ser citados alguns casos, como o do Parque Nacional de Chobe, em Botswana (sul da África), em que a tuberculose foi transmitida por turistas a mangustos da região, provocando duas epidemias. Acredita-se que os animais se infectaram com lixo contaminado deixado pelos visitantes (DIAS, 2003, p. 94). Também houve contágio de gorilas na África oriental por parasitas intestinais, após a chegada do turismo (LOWE, 2004).

Mesmo quando não transmitem doenças, os turistas podem perturbar e prejudicar os animais com apenas sua presença. Pesquisas com golfinhos lideradas pela pesquisadora Rochelle Constine da Universidade de Auckland (Nova Zelândia) revelam que eles ficam mais e mais frenéticos quando há embarcações de turistas presentes, sendo que descansam por 0,5% do seu tempo quando há mais de três barcos na redondeza, contra 68% quando há apenas um só barco de pesquisadores (LOWE, 2004).

Estas interferências humanas refletem-se diretamente no comportamento dos animais, prejudicando inclusive sua reprodução.

No Brasil pode ser citado como impacto do ecoturismo o caso do lobo-guará na Serra de Ibitipoca – em risco de extinção - em que animais desta espécie perderam suas características selvagens de caçadores para virarem verdadeiros viras-latas alimentando-se de restos de comida dos turistas ou alimentados diretamente por estes, chegando inclusive a rasgar barracas para buscar comida (DIAS, 2003, p. 141).

Também na região de Bonito, Mato Grosso do Sul, alguns impactos do ecoturismo já são perceptíveis, como no caso do Balneário Municipal em que se percebeu que algumas espécies de peixes (principalmente a piraputanga) alimentadas pelos turistas com salgadinhos industrializados, estão tendo interferência em seu ciclo migratório e acumulando gordura em seu organismo, o que leva à obstrução do canal de reprodução e reabsorção dos óvulos nas fêmeas (informações fornecidas pelo Doutor em Biologia, José Sabino, que faz pesquisas na região).

A situação vem sendo percebida e controlada em alguns países, havendo inclusive o México criado áreas especiais para desenvolvimento desta atividade, conforme percebe-se da lição de Edgard Baqueiro Rojas (1997, p. 91):

"La actividad turística, que es uma fuente de riqueza y empleo, es también materia de regulación especial por el impacto ecológico que la afluencia de visitantes en forma masiva y por periodos concretos produce en las poblaciones, por lo que, para prevenir problemas, se ha creado el concepto de área turística con una regulación específica, que busca conservar los atractivos que permitan la estancia y fomenten la concurrencia de visitantes."

Contudo, mesmo com todos estes problemas – que devem ser monitorados, administrados e sanados – o ecoturismo ainda é a melhor saída de desenvolvimento econômico para inúmeras regiões, não podendo ser desestimulado ou recusado, sob pena, inclusive, de agressões ainda maiores ao meio ambiente.

Não se pode esquecer que, se hoje, os ecoturistas participam na África de safáris fotográficos, antes, outros viajantes iam ao local para caçar estes mesmos animais. De igual maneira, se atualmente os ecoturistas vão às praias catarinenses (principalmente em Ibituba) para visitar e avistar em embarcações as baleias francas, em período anterior este animal chegou próximo à extinção em razão de sua caça indiscriminada pelas populações locais e por barcos internacionais.

O ecoturismo na verdade é um grande aliado na conservação do meio ambiente, pois, a partir do momento em que os atores do processo (governantes, comunidade local, empresários, trabalhadores, etc.) percebem que seu sustento depende diretamente da manutenção daquele ecossistema equilibrado, passam a ser os maiores defensores deste patrimônio.

Dados do Instituto de Ecoturismo do Brasil (IEB) revelam que o Quënia obteve US$ 400 milhões em 1988 com o turismo (sua atividade mais rentável). Inclusive, avaliação feita por este país dá conta que um leão vivo no Parque Nacional Amboseli vale US$ 27 mil anuais, enquanto o valor de uma manada de elefantes é de US$ 610 mil (NEIMAN, p. 155).

Assim, fica evidenciado que além de ser uma atividade altamente rentável, o ecoturismo é um grande auxiliar na manutenção do equilíbrio ambiental, mostrando-se como atividade refletora do princípio do desenvolvimento sustentável, um dos objetivos principais da Política Constitucional do Meio Ambiente.

No Estado de Mato Grosso do Sul, há legislação específica sobre o ecoturismo (Lei Estadual n. 2.135, de 14 de agosto de 2000), sendo que em seu art. 2°, conceitua a atividade:

"Art. 2° O Ecoturismo, de que trata a presente Lei é entendido como sendo segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentivando a sua conservação e buscando a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar da população."

Tal lei em seu artigo 4°, estabelece como princípios das atividades do ecoturismo, dentre outros, o uso sustentável dos recursos naturais, a manutenção da diversidade biológica, o envolvimento das comunidades locais, consulta ao público e atores envolvidos, o marketing turístico responsável e a redução do consumo supérfluo e desperdício.

Desta forma, no Estado de Mato Grosso do Sul, foi exercida a competência legislativa em matéria de turismo, devendo os empresários que desenvolvem esta atividade respeitarem tal regulamentação.


5. REGULAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO TURISMO

A regulamentação do turismo na Constituição Federal é bastante tímida, restringindo-se o artigo 180, mencionar o seguinte:

"Art. 180. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico."

Percebe-se de forma clara que a norma em questão é programática, ou seja, estabelece diretrizes a serem seguidas pelo Poder Público, o qual deverá incentivar e promover o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.

Ao comentar este artigo, o Professor José Cretella Júnior (1988, p. 4162) tece os comentários a seguir:

"Relevante fonte de divisas para o país, bem como fator importante para indústria, comércio, atividades hoteleiras, novos empregos, o turismo recebe no Brasil, pela primeira vez, distinto tratamento constitucional, mas sem sanção e, pois, de importância relativa, verdadeira letra mora, norma programática de mera recomendação, sem maior repercussão, que ‘aconselha’ as pessoas jurídicas públicas políticas, das várias esferas, à promoção e ao incentivo do turismo."

Em que pese a argumentação do professor, não podemos concordar com seu posicionamento, pois, conforme ensina Luís Roberto Barroso (2003, p. 121), a norma programática não é destituída de força jurídica; ao contrário, tem ela o conteúdo negativo de vedar a edição de leis ou atos administrativos que venham contrariá-la.

Portanto, em relação ao turismo, qualquer norma que venha contrariar ou embaraçar tal atividade sendo editada por um dos entes da administração, está sujeita a ser questionada e invalidada pelo Poder Judiciário em razão de ferir a Constituição Federal.

Neste sentido Marcos Pinto Neto (2001, p. 45) comenta que "se o Estado criar dificuldades a quem desejar investir no turismo e, portanto, infringir o referido artigo, caberá a ação judicial específica para anular o ato criador da dificuldade, podendo-se entender que a sanção, no caso em tela, seria a decretação do ato como nulo, com a conseqüente permissão ao investimento para aquele empreendedor prejudicado."

Desta forma, não se pode olvidar da importância desta norma constitucional, sendo evidente, contudo, que o melhor seria a Carta Magna haver regulamentado com mais detalhes a atividade.

No que se refere à competência dos entes federados em relação ao turismo, lembre-se que a mesma divide-se em material e legislativa.

A competência material neste caso é a comum, decorrente do que está expresso no art. 23, III, IV e V, da Constituição Federal, competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, proteger os bens turísticos.

A competência legislativa, por seu turno, é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 24, VII, VIII e IX, da CF), sendo que os Municípios também poderão suplementar a legislação federal e estadual, além de regulamentar esta atividade nos casos de interesse local (art. 30, I e II, da CF).

Ressalte-se que em relação aos Estados, desde a Constituição Federal anterior o Supremo Tribunal Federal já se posicionou que este tem competência para legislar sobre áreas de interesse turístico, visando à proteção do patrimônio paisagístico (RE 105.634-7 – DJU 08/11/85)

Sobre os argumentos que embasam a possibilidade do Município legislar em matéria de turismo – por estar este dentro do meio ambiente cultural – remete-se o leitor ao que já foi dito acima em relação à competência legislativa em relação ao patrimônio cultural.


6. NATUREZA E REGIME JURÍDICO DO BEM TURÍSTICO

Após apresentados os conceitos de meio ambiente e recursos ambientais, e traçadas as considerações sobre o ecoturismo, impõe-se para enfrentamento a questão relativa à natureza e o regime jurídico do bem turístico, mencionado neste ponto como recurso ambiental relativo ao meio ambiente cultural no qual, sob nossa ótica está inserido o turismo.

Justifica-se a inclusão do turismo dentro do meio ambiente cultural por ser ele um bem decorrente diretamente da valoração que o ser humano lhe atribui em razão de algumas características que lhe são inerentes.

Tentando explicitar melhor: pode-se verificar que um recurso natural ou artificial (rio, montanha, praia, prédio, monumento), como bem em si, sem valoração do ser humano, não se apresenta como bem turístico. Para que adquira esta característica, necessariamente deverá receber valoração pelos seres humanos que, admirando estes recursos, tenham vontade de sair de seus lares para ir até aquele local apreciar sua beleza ou característica peculiar.

Por esta razão, o bem turístico – a despeito de ser um recurso natural ou artificial – inclui-se como elemento do meio ambiente cultural, e por tal motivo rege-se pelos princípios referentes a este.

O art. 216 da Constituição Federal – anteriormente transcrito – em um primeiro momento, não identifica os bens turísticos. Contudo, não se pode olvidar que tal dispositivo, segundo a lição de Fiorillo (2003, p. 193), não é taxativo, podendo contemplar dentro desta noção outros bens e valores.

Outra não pode ser a conclusão pois, em outros pontos da Constituição Federal, a mesma reconheceu expressamente a existência de um patrimônio turístico, conforme se percebe da dicção do artigo 24, VII e VIII, além do artigo 180, em que se determina o incentivo ao turismo.

Pois bem, do que foi mencionado até agora pode-se afirmar que o bem turístico é um recurso ambiental que tem interesse ao meio ambiente cultural (como macrobem), podendo ser material (prédio histórico, rio de beleza cênica, praia) ou imaterial (maracatu, capoeira, culinária, etc.), desde que tenha relevância para levar o ser humano a deslocar-se de seu local de origem para visitá-lo ou com ele interagir.

Sendo o bem turístico uma espécie de recurso ambiental, o seu regime jurídico segue o mesmo sistema já mencionado de todos os recursos ambientais, podendo ser diferente dependendo de quem seja seu titular ou das normas específicas para cada bem.

Portanto, um prédio de valor turístico de propriedade de um particular, tem regime de direito privado, ressalvando-se contudo que seu proprietário não pode agir de forma a apropriar-se com exclusividade deste, a ponto de prejudicar o macrobem ambiental cultural.

Assim, pode o proprietário do prédio vendê-lo, alugá-lo, hipotecá-lo, etc., mas não pode demoli-lo, alterá-lo, de forma a prejudicar sua função turística e, conseqüentemente, prejudicar o meio ambiente cultural.

Desta forma, o ponto característico dos bens turísticos – como recursos ambientais que são – é justamente serem eles bens de interesse público, nos estritos moldes do que já foi exposto no capítulo referente aos recursos ambientais.

Interessante registrar que, um mesmo bem (p. ex. mata ciliar) pode ser considerado recurso natural – na medida em que tem interferência no ecossistema local – como também pode evidenciar-se como recurso turístico – na medida em que serve como paisagem para o desenvolvimento cultural das pessoas que ali freqüentam em busca de lazer.

Justamente por serem de interesse público, devem estes bens serem respeitados quando das políticas e atividades turísticas a serem desenvolvidas, principalmente em relação ao patrimônio artístico, arqueológico e cultural (BADARÓ, 2003, p. 119).

Exemplo interessante de proteção ao bem turístico é trazido por Patrícia Azevedo da Silveira(2003, p. 198), ao relatar mandado de segurança do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em decisão datada de 21 de março de 1994, em que se impediu a Apelante de construir um condomínio residencial na Ilha dos Pombos, em São Pedro de Aldeia, no qual além de se reconhecer a competência do Município para legislar em matéria de meio ambiente, vedou-se tais obras em razão do seguinte fundamento na ementa: "a área em questão é patrimônio ambiental ecológico e paisagístico, que deve ser preservado, inclusive como ponto turístico."

Por fim, resta tecer algumas considerações sobre a expressão patrimônio turístico, mencionada tanto na Constituição Federal (art. 24, VII e VIII), como na legislação ordinária, dentre elas a Lei de Ação Popular, que em seu art. 1º, §1º, dispõe:

"Art. 1º

§1º Consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico."

O professor Joandre Antônio Ferrar (1992, p. 49), ao tratar sobre o tema ensina que "Entende-se por patrimônio turístico o conjunto de bens naturais e culturais que, por suas características intrínsecas, possuem atratividade para visitação"

Pois bem, segundo parece, quando a legislação menciona ser considerado patrimônio público o bem de valor turístico para fins de ação popular, em verdade, está reconhecendo sua natureza de bem de interesse público, e não repassando para a propriedade do Estado todos os bens daquela natureza.


7. DIREITO AO TURISMO

Tratou-se até agora da atividade turística e ecoturística sob o ponto de vista dos bens turísticos (recursos ambientais). Contudo, outra faceta da questão refere-se justamente à existência ou não de um direito ao turismo, como parte do direito ao lazer constitucionalmente garantido.

Ao tratar sobre a equidade no acesso aos recursos naturais, Machado (2003, p. 50), ensina o seguinte:

"A equidade deve orientar a fruição ou o uso da água, do ar e do solo. A equidade dará oportunidades iguais diante dos casos iguais ou semelhantes.

Dentre as formas de acesso aos bens ambientais destaquem-se pelo menos três: acesso visando ao consumo do bem (captação de água, caça, pesca), acesso causando poluição (acesso à água ou ao ar para lançamento de poluentes; acesso ao ar para a emissão de sons) e acesso para contemplação de paisagem."

O turismo nesta visão de equidade sobre o acesso aos recursos naturais está englobado na terceira modalidade citada pelo professor: acesso para contemplação de paisagem.

O fundamento jurídico deste acesso eqüitativo aos recursos ambientais turísticos, deve ser abordado através da análise de sede constitucional referente ao piso vital mínimo e a dignidade da pessoa humana, por ser matéria intimamente ligada ao estudo que se pretende fazer.

O art. 1º, III, da Constituição Federal, dispõe o seguinte:

"Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III – a dignidade da pessoa humana;"

Por outro lado, o art. 6º, da Carta Magna, estatui:

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à materialidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Este artigo, segundo a moderna doutrina, estabelece o piso vital mínimo que o ser humano deve ter, proporcionado pelo Estado, para que se cumpra o disposto no artigo anteriormente citado: dignidade da pessoa humana. É esta a lição de Fiorillo (2003, p. 55-56):

"Uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais descritos no art. 6º da Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam assegurados, mediante o recolhimento dos tributos, educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, lazer, entre outros direitos básicos, indispensáveis aos desfrute de uma vida digna.

Dessa feita, temos que o art. 6º da Constituição fixa um piso vital mínimo de direitos que devem ser assegurados pelo Estado (que o faz mediante a cobrança de tributos), para o desfrute da sadia qualidade de vida."

Portanto, há ligação indissociável entre o conceito de sadia qualidade de vida previsto no artigo 225 da Constituição Federal e o piso vital mínimo estabelecido entre os direitos sociais previstos no artigo 6º, do mesmo diploma.

Por outro lado, está previsto ali que um dos direitos sociais do ser humano é o acesso ao lazer, o qual contribui para sua sadia qualidade de vida. Inquestionável, por outro turno, que o turismo é uma das formas de lazer mais prazerosas, razão pela qual não se pode negar que a Constituição Federal garante a todos o direito ao turismo, se não de forma explícita, ao menos implicitamente.

Constatada a existência deste direito, seus desdobramentos serão melhor desenvolvidos posteriormente, no capítulo referente ao papel do Ministério Público na defesa do direito ao turismo.


8. PRINCÍPIOS RELATIVOS AO ECOTURISMO

8.1. PRINCÍPIO DA TOLERABILIDADE

Ao ser analisado o Texto Constitucional em seu art. 225 e parágrafo primeiro, I, II e VII, é possível perceber que o Constituinte preocupou-se sobremaneira com o equilíbrio ecológico como um todo e também de processos ecológicos e ecossistemas.

No caput do referido dispositivo constou expressamente ser direito de todos que o meio ambiente seja "ecologicamente equilibrado", e no parágrafo primeiro inciso I que incumbe ao Poder Público "preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas".

Além disto, no inciso II, dispôs ser necessário "preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País", protegendo "a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade" (inciso VII).

A razão de tanta preocupação decorre de ser noção pacífica que o meio ambiente possui um certo nível de tolerabilidade a agressões, pois "nem todo atentado ou agressão ao meio ambiente e seus elementos causa necessariamente um prejuízo à qualidade ambiental. O próprio meio ambiente é capaz de suportar pressões adversas; ele pode defender-se até um certo ponto, um limite, além do qual ocorre degradação." (MIRRA, 2002, p. 100)

Decorre então do regime constitucional que, além de considerar o meio ambiente como bem autônomo eminentemente relacional, o Texto Maior reconhece também que ele deve manter o equilíbrio nesta relação entre os recursos ambientais, surgindo ainda como princípio implícito delineador deste equilíbrio a tolerabilidade do bem jurídico a agressões que, uma vez ultrapassadas, passam a caracterizar dano ao mesmo.

Como bem ressalta Álvaro Luiz Valery Mirra (2002, p.101), "o princípio de tolerabilidade, compreendido na sua exata significação, longe de consagrar um direito de degradar, emerge, diversamente, como um mecanismo de proteção do meio ambiente, tendente a estabelecer um certo equilíbrio entre as atividades interativas do homem e o respeito às leis naturais e aos valores culturais que regem os fatores ambientais condicionantes da vida."

Por isto, parece partir de pressuposto falso a discussão se há ou não um direito de poluir, sem o qual a sociedade ficaria estagnada impossibilitada de progredir. Ora, não se trata de direito ou não de poluir, trata-se isto sim de utilizar-se dos recursos ambientais até o limite da tolerabilidade, de forma a que não haja perda da qualidade ambiental, até porque direito de poluir nunca existira por tratar-se o meio ambiente de bem indisponível.

Outra observação de extrema relevância feita por Mirra (2002, p. 104) é a de que "a capacidade de absorção e reciclagem do meio ambiente de que se cogita aqui não pode ser confundida com a capacidade de regeneração do meio ambiente. Aquela primeira consiste na aptidão do meio atingido de digerir de certo modo imediatamente e sem dano os rejeitos que lhe são submetidos, de resistir às perturbações impostas; a segunda representa a capacidade do meio ambiente de recuperar-se quando é desequilibrado por alguma perturbação, supondo um prejuízo já ocorrido, em que o limite de tolerabilidade foi ultrapassado".

Não se desconhece ser extremamente complexo conhecer, estabelecer, encontrar ou avaliar este limite de tolerabilidade. Contudo, o mesmo deve ser avaliado caso a caso, pautando-se principalmente pelo equilíbrio entre os recursos ambientais, pois, uma vez rompido este, com certeza houve violação à tolerabilidade ambiental.

Exemplo do princípio da tolerabilidade é o de despejo de esgoto em rio caudaloso, em pequena quantidade, após tratamento primário que o livre dos elementos mais nocivos à saúde e ao meio ambiente. Neste caso, é perfeitamente possível através de análises químicas e físicas verificar se o corpo receptor (rio) está conseguindo absorver aqueles rejeitos sem que haja prejuízo às suas condições naturais.

Além da análise caso a caso, é necessário reconhecer que a matéria dá margem a discricionariedade de interpretação, razão pela qual merece ser delineada também por outros princípios de fundamento constitucional, para que se chegue ao fim buscado pela Carga Magna: a proteção ao meio ambiente.

Por fim, conforme adverte Mirra (2002, p. 108) como "conseqüência dessa orientação política expressamente encampada pelo ordenamento jurídico brasileiro tem-se, sem dúvida, que o limite de tolerabilidade das agressões ao meio ambiente, para caracterização do dano ambiental nos casos concretos, deve ser averiguado com todo cuidado e atenção no que se refere ao ponto máximo aceitável de intervenção, em confronto com a capacidade de resistência do meio receptor a determinadas perturbações, merecendo ser prestigiada, cada vez mais, a idéia de prudência e precaução na identificação do limite e, cada vez menos, a de tolerância".

Verificada a existência desta capacidade de tolerância, surge na atividade ecoturística a importância desta observação para evitar que o fluxo de pessoas venha causar danos aos ecossistemas que são visitados.

Revela-se então para análise como questão intimamente ligada ao princípio da tolerabilidade: a noção de capacidade de carga ou suporte do meio natural para receber pessoas visitando-o.

Dias (2003, p. 81), conceitua o que seja capacidade de carga no turismo:

"No turismo, a capacidade de carga é o número de turistas que podem ser acomodados e atendidos em uma destinação turística sem provocar alterações significativas nos meios físico e social e na expectativa dos visitantes. É o limite além do qual pode ocorrer o abarrotamento, a saturação e o crescimento dos impactos físicos."

Saliente-se que a capacidade de carga não é o nível após o qual os impactos surgem – pois qualquer atividade turística causa impacto ambiental – mas sim qual o limite além do qual os impactos ambientais tornam-se inaceitáveis, por causarem desequilíbrio do meio ambiente. Também não se confunde a capacidade de carga com limite de saturação, pois a primeira traz consigo uma noção de sustentabilidade, de forma que a atividade se desenvolva mantendo as qualidades essenciais do meio ambiente (DIAS, 2003, p. 81).

Assim, a capacidade de carga ou suporte no ecoturismo está intimamente ligada ao princípio da tolerabilidade, sendo reflexo deste, e deve ser pautada, ainda, pelos princípios do desenvolvimento sustentável e da precaução.

8.2. PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A existência de um falso conflito entre o desenvolvimento da sociedade e a conservação do meio ambiente levou estudiosos de inúmeras áreas a questionar sobre a possibilidade ou não de compatibilização entre estes dois valores essenciais à preservação da raça humana.

Após muita discussão e embates chegou-se à concepção de que uma faceta não poderia prevalecer sobre a outra sendo necessário encontrar o ponto de equilíbrio entre as duas, surgindo assim a noção de desenvolvimento sustentável.

Em verdade, a adoção de caminho em direção a apenas um destes valores, seja a preservação do meio ambiente com estagnação do desenvolvimento, seja o desenvolvimento sem a preservação do meio ambiental com certeza levará à decadência da sociedade em que vivemos.

Na primeira hipótese – preservação do meio ambiente com estagnação do desenvolvimento – seriam penalizados todos os que utilizam destes recursos ambientais para viver, logrando-os à condição da mais pura miséria, fato este já constatável em alguns locais da floresta amazônica (com raras e louváveis exceções) que com o declínio da exploração da borracha ainda não se encontrou o ponto de equilíbrio entre a exploração dos recursos naturais e a conservação do meio ambiente.

Na segunda hipótese – desenvolvimento sem a preservação ambiental – seria o próprio suicídio da raça humana, pois, como se sabe os recursos naturais não são inesgotáveis, sendo cada vez mais patente a necessidade de preservá-los e usá-los com racionalidade para que não haja devastação total do planeta.

Por isto, é "falso, de fato, o dilema ‘ou desenvolvimento ou meio ambiente’, na medida em que, sendo um fonte de recursos para o outro, devem harmonizar-se e complementar-se" (MILARÉ, 2001, p. 42).

Verificando todos estes aspectos o Constituinte, no art. 170, IV e VI, ao tratar sobre a ordem econômica colocou em pé de igualdade a "livre concorrência" e a "defesa do meio ambiente", deixando de forma evidente o princípio do desenvolvimento sustentável – que por tal motivo tem assento constitucional – já que este configura-se justamente por ser o ponto de equilíbrio entre estes dois valores.

Desta forma, a livre iniciativa passou a ser pautada – dentre outros valores – também pela preservação ambiental, tendo seu âmbito de atuação restringido, por força da indisponibilidade do meio ambiente como macrobem. Esta concepção foi bem abordada por Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2003, p. 26):

"Assim, a livre iniciativa, que rege as atividades econômicas, começou a ter outro significado. A liberdade de agir e dispor tratada pelo Texto Constitucional (a livre iniciativa) passou a ser compreendida de forma mais restrita, o que significa dizer que não existe a liberdade, a livre iniciativa, voltada à disposição de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este deve ser o objetivo. Busca-se, na verdade, a coexistência de ambos sem que a ordem econômica inviabilize um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sem que este obste o desenvolvimento econômico."

Após toda esta análise, surge-se novamente – também dentro do princípio do desenvolvimento sustentável – a palavra chave: equilíbrio. Equilíbrio em duas faces, uma fora e outra dentro do meio ambiente como bem autônomo estritamente relacional. A primeira faceta é a do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente (desenvolvimento sustentável). A segunda, é a de que o desenvolvimento econômico não pode romper o meio ambiente equilibrado (equilíbrio entre as relações dos recursos ambientais), o que também não deixa de ser desenvolvimento sustentável.

O ecoturismo surge de forma satisfatória como atividade que reflete com exatidão a noção de desenvolvimento sustentável, pois é uma atividade – desde que bem manejada – completamente compatível com o meio ambiente, não sendo degradadora de seu equilíbrio.

Assim, deve tal atividade ser fomentada e incentivada pois atende com louvor as expectativas do Constituinte no que se refere ao desenvolvimento sustentável.

8.3. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO-PRECAUÇÃO

A ocorrência de dano ambiental já demonstra de forma antecipada a falha do aparelho estatal em sua principal fundação em termos de meio ambiente: a função preventiva.

Nesta matéria – mais do que em qualquer outra – deve-se evitar "correr atrás do prejuízo", se é que é possível correr atrás do prejuízo, já que se deve, isto sim, buscar-se o lucro, que em termos ambientais é a preservação.

Sabe-se que a reparação de um dano ao meio ambiente é extremamente difícil – quando não impossível – e por isto todos os esforços devem ser feitos para evitar que ele aconteça.

Por tais razões, um dos pilares do Direito Ambiental é o princípio da prevenção, que visa evitar a ocorrência de prejuízo ao meio ambiente. O princípio nº15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), dispõe:

"Para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir a degradação do meio ambiente."

Portanto, o princípio da prevenção está proximamente ligado à questão da certeza científica de que a atividade causa ou não dano ambiental, conforme ensina Paulo Affonso Leme Machado (2003, p. 64):

"A primeira questão versa sobre a existência do risco ou da probabilidade de dano ao ser humano e à natureza. Há certeza científica ou há incerteza científica do risco ambiental? Há ou não unanimidade no posicionamento dos especialistas? Devem, portanto, ser inventariadas as opiniões nacionais e estrangeiras sobre a matéria. Chegou-se a uma posição de certeza de que não há perigo ambiental? A existência de certeza necessita ser demonstrada, porque vai afastar uma fase de avaliação posterior. Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção."

Importa ressaltar que o princípio da precaução é contrário a comportamentos apressados, precipitados, improvisados e à rapidez insensata e vontade de resultado imediato. Não se trata, por evidente de tentativa de procrastinar o desenvolvimento ou prostrar-se diante do medo, nem se elimina a audácia saudável. Busca-se, isto sim, a segurança do meio ambiente e a continuidade da vida (MACHADO, 2003, p. 67).

Alguns autores como Paulo de Bessa Antunes (2002, p. 36) fazem diferenciação entre o princípio da precaução e o da prevenção. Segundo este mestre, o princípio da precaução aplica-se quando ainda não se tem certeza científica se a atividade causa ou não danos ambientais. Já o princípio da prevenção aplica-se a danos ambientais já conhecidos, fazendo com que se adotem as medidas preventivas necessárias.

Exemplos diferenciais destes princípios são trazidos por Luís Roberto Gomes (2003, p. 190/191), segundo o qual com base no princípio da prevenção deveriam ser coibidas as queimadas produzidas em lavouras de cana – que causam danos ambientais já estudados e definidos – e com base no princípio da precaução, ser enfrentada a questão dos alimentos transgênicos – em que ainda não se tem certeza científica de sua nocividade ou não ao meio ambiente e à saúde humana.

Mesmo cientes desta diferenciação, preferimos adotar a postura do Professor Édis Milaré (2001, p. 118) pois não "descartamos a diferença possível entre as duas expressões nem discordamos dos que reconhecem dois princípios distintos. Todavia, preferimos adotar princípio da prevenção como fórmula simplificadora, uma vez que prevenção, pelo seu caráter genérico, engloba precaução, de caráter possivelmente específico".

Note-se que o princípio da prevenção decorre diretamente da Carta Magna (art. 225), "haja vista a inserção de vários mecanismos preventivos do dano ambiental, como a) o dever de exigência do estudo prévio de impacto ambiental pelos órgãos públicos ambientais; b) a previsão de participação popular em audiência públicas, permitindo a discussão prévia à aprovação de atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente; c) o dever estatal de controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; d) o dever estatal relativo à preservação – que só se alcança com a prevenção – dos processos ecológicos essenciais; e) a preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético, bem como a fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético" (GOMES, 2003, p. 188-189).

Assim, tratando-se de princípio constitucional, nem mesmo a legislação e muito menos a Administração Pública podem contrariá-lo, de sorte que, qualquer ato precipitado que possa causar dano ao meio ambiente é passível de declaração de nulidade judicialmente por afrontar a Carta Magna.

O princípio da prevenção aplicado ao ecoturismo revela-se diretamente na questão da capacidade de carga do ecossistema, bem como da necessidade de licenciamento ambiental para as atividades e da elaboração de estudos ambientais para sua execução.

Ocorre que, a capacidade de carga é um conceito relativamente simples de compreender, mas na prática é difícil de operacionalizar, pois resulta de um grande número de componentes que a influenciam, como o regime das chuvas, da fauna, as modalidades de intervenção sobre o espaço (diária, semanal, sazonal, etc.) e os tipos de lazer praticados. Depende também do comportamento dos indivíduos e da dificuldade de determinação da quantidade ideal de turistas e de sua distribuição no tempo e no espaço (DIAS, 2003, p. 82).

Portanto, tendo-se em vista estas dificuldades, o princípio da prevenção-precaução deve ser aplicado quando houver dúvida, limitando-se sempre para menos a atividade que poderá causar desequilíbrio no meio ambiente.

Por outro lado, reflexo do princípio da prevenção é a exigência feita pela Resolução CONAMA 237-97, que em seu anexo determina que todo empreendimento turístico deve necessariamente submeter-se ao processo de licenciamento.

Como se sabe, o processo de licenciamento visa justamente a análise dos possíveis impactos ambientais da atividade e as formas de evita-los ou mitiga-los. Para tanto é dividido em três fases: a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação.

Na fase da licença prévia é analisada a viabilidade do empreendimento e a sua melhor localização. Na licença de instalação são autorizadas as obras de forma menos impactante ao meio ambiente. E na licença de operação é autorizado o funcionamento do estabelecimento, estabelecendo o número máximo de visitantes e as condicionantes de visitação.

É dentro do processo de licenciamento que deve ser analisada a capacidade de suporte do meio ambiente para a atividade solicitada. Para tanto, são imprescindíveis os estudos ambientais, visando dar embasamento técnico para a decisão do órgão ambiental.

Por fim, ainda dentro do princípio da precaução, é necessário que a autoridade ambiental determine, ainda, nestas atividades, o monitoramento ambiental, para que após o seu início seja observado se realmente a atividade exercida da forma como foi autorizada está respeitando a capacidade de suporte do meio ambiente local.

8.4 PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO MEIO AMBIENTE

Quando o constituinte originário determinou no art. 255 ser dever do Poder Público e da sociedade defender o meio ambiente para "as presentes e futuras gerações" já deixou consignado de forma expressa o princípio da indisponibilidade, pois as presentes gerações são meras detentoras deste bem em prol das futuras.

É esta a lição de Mirra (2002, p. 38):

"Nestes termos, o meio ambiente é, de fato, um bem que pertence à coletividade, como agrupamento natural não dotado de personalidade jurídica. O meio ambiente pertence, indivisivelmente, a todos os indivíduos da coletividade e não integra, assim, o patrimônio disponível do Estado. Para o Poder Público – e, logicamente, também para os particulares – o meio ambiente é sempre indisponível.

Essa idéia de indisponibilidade do meio ambiente vem reforçada pela própria norma do art. 225, caput, da Constituição Federal, que prevê a necessidade de preservação da qualidade ambiental em atenção às gerações futuras. Sob tal ótica, se existe, efetivamente, imposto pela Carga Magna, o dever de as gerações atuais transferirem o meio ambiente ecologicamente equilibrado às gerações futuras, parece certo não poderem dispor dele, no sentido da sua destruição ou degradação."

Além disto, a indisponibilidade do meio ambiente também decorre da sua qualidade pública de uso comum do povo (GOMES, 2003, p. 183).

Desta forma, é princípio constitucional basilar do Direito Ambiental a indisponibilidade do meio ambiente como macrobem, não podendo qualquer ente – seja público ou privado – dele dispor a ponto de causar-lhe degradação ou perda da qualidade ambiental.


9. ECOTURISMO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

Questão intrincada dentro do Direito Ambiental refere-se às atividades permitidas e proibidas dentro das áreas de preservação permanente, as quais têm por destinação primordial a manutenção do equilíbrio ecológico e da saúde humana.

As áreas de preservação permanente estão previstas no artigo 2º do Código Florestal e têm como funções primordiais a proteção dos recursos hídricos através do estabelecimento de faixa de vegetação nativa ao redor de nascentes, lagos, rios, dentre outros; busca-se também a conservação do solo com a preservação de vegetação nos topos de morros, montes, montanhas e serras, bem como em suas encostas nos locais com mais de 45º de inclinação.

Além destas, há também a preservação de bordas de tabuleiros ou chapadas, bem como de toda vegetação existente a uma altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros de altura.

A proteção legal das matas ciliares não é nenhuma novidade, sendo que desde 1797 a rainha Dona Maria I proibiu "o corte de madeiras paus reais em todas as matas e arvoredos à borda da costa, ou dos rios que desemboquem diretamente no mar, e por onde jangadas se possam conduzir as madeiras cortadas até as praias", ficando evidente que o motivo desta proibição era evitar o assoreamento e manter a navegabilidade destes rios (RAMOS RODRIGUES, 2000, p. 189).

Contudo, mesmo a progressão da legislação para proteção das áreas de preservação permanente não foi suficiente para barrar a degradação ambiental e o assoreamento dos cursos d´água, pois a realidade brasileira é recheada de exemplos de empreendimentos, hotéis, clubes, pesqueiros e ranchos que encontram-se às margens de rios, lagos e nascentes sem respeitar a metragem estabelecida por lei, isto sem contar a ausência de matas ciliares decorrente do desmatamento para desenvolvimento de atividade agropecuária.

Tal situação é de extrema gravidade pois a função desta vegetação – dentre outras – é a de proteger do fenômeno da erosão as margens de rios, nascentes, lagoas, reservatórios d´água naturais ou feitos pelo homem, as encostas e topos de morros e serras; garantir reservas de matas nas propriedades rurais e, genericamente racionalizar a exploração dos recursos florestais, visando à sua perenização. (CONTAR, 2004, p. 185)

Necessário ressaltar que a proteção das áreas de preservação permanente – conforme ensina Osny Duarte Pereira (1950, p. 210) – não é feita "... apenas por interesse público, mas por interesse direto e imediato do próprio dono. Assim como ninguém escava o terreno dos alicerces de sua casa, porque poderá comprometer a segurança da mesma, do mesmo modo ninguém arranca as árvores das nascentes, das margens dos rios, nas encostas, ao longo das estradas porque poderá vir a ficar sem água, sujeito a inundações, sem vias de comunicação, pelas barreiras e outros males conhecidamente resultantes de sua insensatez. As árvores nestes lugares estão para as respectivas terras como o vestuário está para o corpo humano. Proibindo a devastação, o Estado nada mais faz do que auxiliar o próprio particular a bem administrar os bens individuais, abrindo-lhe os olhos contra os danos que poderia inadvertidamente cometer contra si mesmo".

O próprio legislador constituinte entendeu a importância das áreas protegidas para a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, tanto que, em seu art. 225, § 1º, III, estabeleceu que tais áreas somente poderiam ter sua destinação modificada ou serem suprimidas por força de lei no sentido formal.

Portanto, não pode o administrador – e muito menos o particular – modificar a destinação de uma área de preservação permanente, e, de igual maneira, não pode desrespeitá-la ou suprimi-la, sob pena de ser responsabilizado por esta conduta.

A dicção do artigo 2º do Código Florestal deixa claro ser protegida a "área" de preservação permanente, e não somente as florestas, sendo que qualquer tipo de vegetação nativa é guarnecida pelo dispositivo legal.

Neste sentido, ao contrário da crença popular, ao longo dos cursos d´água não deverá haver necessariamente florestas ciliares, mas também é possível que os mesmos sejam margeados por vegetação rasteira nativa, sendo que a única vedação é sua substituição por gramíneas ou plantas exóticas (ou seja, que não sejam naturais da região).

Outro ponto a ser abordado em relação às áreas de preservação permanente é que tais restrições fazem parte do direito de propriedade e são condições imprescindíveis para que a mesma cumpra sua função sócio-ambiental.

Tais limitações não são extrínsecas a este direito, mas, ao contrário, fazem parte dele, conforme ensina Antônio Herman V. Benjamin (1996, p. 45):

"Daí que, a rigor, não se pode falar em intervenção (ato de fora para dentro) num direito que, por determinação constitucional, só é in totum reconhecível (= garantido) quando respeitados valores e objetivos (=direitos) que lhe são antecedentes. Eventual ‘intervenção’ ambiental, pois, como regra, opera, não no plano do direito de propriedade em si, mas, já como conseqüência de sua adesão a este, no âmbito do uso que dele faça ou queira fazer o proprietário.

Resumindo, a proteção do meio ambiente, no plano formal da Constituição, não está em conflito com o direito de propriedade. Ao contrário, é parte da mesma relação sociedade- indivíduo que dá à propriedade todo o seu significado e amparo."

Justamente por serem as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais limites internos ao direito de propriedade, em nenhuma hipótese são indenizáveis, pois integram a essência do domínio, sendo com o título transmitidas. Não importam, per se, em esvaziamento do conteúdo econômico do direito de propriedade (BENJAMIM, 1996, p. 57).

Estes comentários iniciais traçaram um panorama superficial sobre tais áreas; contudo, para compreensão do tema a ser abordado – ecoturismo em áreas de preservação permanente – é necessário que se ingresse no regime de uso das mesma para se chegar a quais tipo de atividades podem ali ser desenvolvidas.

Para a análise do tema é essencial a leitura do artigo 4º, do Código Florestal e de seus parágrafos terceiro, quarto e sétimo, com a seguinte redação:

"Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

...

§ 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.

§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.

...

§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa."

Pelo que se extrai do dispositivo somente poderá haver supressão de vegetação em área se preservação permanente em casos de utilidade pública e interesse social. De outro lado, é possível a supressão de baixo impacto, fora destas hipóteses, desde que haja autorização do órgão ambiental competente.

Em ambos os casos (supressão por utilidade pública ou interesse social e a de baixo impacto), deverão haver medidas mitigatórias e compesatórias em razão da autorização para tal.

Por fim, o acesso à água para pessoas e animais foi autorizado desde que não haja supressão de vegetação, bem como não comprometa a regeneração e manutenção da vegetação nativa a longo prazo.

Com base nestes dispositivos, Paulo Affonso Leme Machado (2003, p. 708) entende que estas florestas não podem ser suscetíveis de quaisquer exploração, sendo vedada a prática de qualquer atividade nestes locais.

Ousamos discordar do referido mestre quanto a este posicionamento, pois, retirar do proprietário a exploração total de uma área, sem que para isto haja uma justificativa ambiental à altura, parece violar o princípio constitucional da razoabilidade, o que tornaria tais dispositivos inconstitucionais.

Ao analisar as restrições estabelecidas, José Afonso da Silva (2002, p. 176) afirma que esta é "uma restrição muito severa, como se nota. Parece que pelo menos o proprietáiro particular da área e alguns de seus animais devem poder andar nela sem que seja apenas para a obtenção de água. O que ele não pode suprimir ou comprometer é a regeneração e a manutenção da vegetação nativa."

Vicente Gomes da Silva (2002, p. 82), de seu norte, traça críticas ainda mais severa ao regime jurídico das APPs traçado pelo Código Florestal. Confira-se:

"Ora, o direito de ir e vir é constitucional e está muito acima da necessidade de uma norma de hierarquia inferior que permita isso. É evidente que o proprietário, o posseiro, o arrendatário ou qualquer outra forma de domínio sobre o imóvel, garantem o direito de transitar livremente pelo imóvel. Aliás, qualquer cidadão, por exemplo, pode ter acesso á água por se tratar de um bem público, de propriedade da União, logo, de todos os cidadãos do País. É evidente, que há de se permitir o acesso dos animais às águas da propriedade, independentemente de qualquer norma que assim o determine, pois o que não se pode admitir é a destruição da vegetação de forma a comprometer ou acabar com as nascentes."

Portanto, deve-se observar que a função das áreas de preservação permanente são a proteção ao solo, recursos hídricos e manutenção de fauna e flora, sendo que, as atividades que possam se compatibilizar com esta finalidade não podem ser vedadas, sob pena de cerceamento integral do direito de propriedade.

Assim, qual a justificativa para proibir-se a extração de borracha de seringueira às margens de um rio de grande porte (em que a área de preservação permanente pode chegar à 500 metros – art. 2º, a, 5) feita por população tradicional de certa localidade?

Será que a extração controlada de castanhas, mel, ou qualquer outra atividade extrativista de baixo impacto não pode ser realizada em APP sem prejudicar sua função ambiental?

É evidente que a resposta a estes casos é que – respeitada a função ambiental das APPs – podem ser realizadas algumas atividades de baixo impacto ambiental nestas áreas, desde que licenciadas pelo órgão ambiental e que não impliquem em supressão da vegetação ou no seu comprometimento a longo prazo.

Com base nos argumentos acima, fica fácil perceber que a atividade de ecoturismo – devidamente manejada e controlada – pode ser exercida dentro das áreas de preservação permanente.

Exemplo de atividade que pode ser exercida nestas áreas é a de caminhadas por trilhas às margens de rios, bem como a escalada até topos de morros e montanhas, atividades estas que, interpretada a legislação ambiental em sua dicção literal seriam vedadas a qualquer pessoa, inclusive ao proprietário da área.

Todavia é necessário que se ressalte novamente: qualquer atividade a ser exercida dentro de área de preservação permanente, além de estar devidamente licenciada, somente pode ser autorizada se não venha a comprometer a função ambiental das mesmas, função esta que deve estar sempre em primeiro lugar.


10. FUNÇÃO TURÍSTICA DA PROPRIEDADE

Com o advento da nova ordem constitucional, o conceito da função da propriedade modificou-se, abandonando-se a visão privada do Código Civil de 1916, alcançando-se uma ótica social, conforme expressamente disposto no artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal.

Como corolário desta função social, surge também a necessidade de que a propriedade atenda sua função ambiental, exigência esta feita expressamente em relação à propriedade rural (art. 186, I e II, da CF) e implicitamente à propriedade urbana (art. 182, § 2, CF).

Ressalte-se que quando a Constituição Federal em seu art. 182, §2º, diz que a propriedade urbana atenderá sua função social quando atender o disposto no plano diretor, está ela reconhecendo implicitamente que tal propriedade também deve cumprir sua função ambiental, já que este instrumento – plano diretor – é justamente o instrumento legal da política ambiental urbana (meio ambiente artificial).

Ressalte-se que a propriedade como instituto jurídico teve radicalmente alterada sua estrutura, pois além de incorporar em seu conteúdo a função social, uniu-se em vínculo placentário a tutela ambiental. Em outras palavras, o respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui premissa básica para o atendimento da função social da propriedade, mormente quando diretamente relacionado à proteção da vida humana (GOMES, 2000, p. 170).

Mas não é só, além de evitar-se a ocorrência de degradação – como ensina Francisco José Marques Sampaio – a "recomposição do ambiente degradado e a reparação dos danos faz-se necessária para que se restabeleça a ordem constitucional no que diz respeito ao direito de todos à manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e à garantia de que a propriedade cumpra sua função social." (2003, p. 50)

Desta forma, a necessidade da propriedade – urbana ou rural – cumprir sua função ambiental é noção pacífica na doutrina e reconhecida expressamente pelo ordenamento jurídico. O que se impõe de novo é a verificação da função turística da propriedade.

Ocorre que, conforme já apontado acima, o turismo enquadra-se dentro da noção de meio ambiente cultural, razão pela qual é inquestionável existir uma faceta do direito à propriedade que tenha ligação com sua função turística e, portanto, ambiental.

Não se pode negar que o exercício do direito de propriedade, conforme o caso, pode agir tanto positivamente quanto negativamente no fenômeno turístico, bastando verificar o exemplo de várias praias no litoral brasileiro que perderam consideravelmente suas belezas naturais após a intensificação de construções de grandes prédios na orla marítima, retirando todo o aspecto agradável da paisagem local.

De igual forma, a construção de um grande prédio com visual moderno ao lado de monumento ou prédio histórico pode contribuir em muito para a redução do turismo em determinado local, em razão da quebra da harmonia na paisagem artificial-histórica que ali existia.

Portanto, não se pode desconhecer a existência da função turística da propriedade, sendo necessário que se busque um conceito para a mesma. Após fazer uma profunda incursão sobre a função social e ambiental da propriedade, o professor Antônio Carlos Brasil Pinto (2003, p.122), traça o conceito de função turística da propriedade, nos seguintes termos:

"A propriedade, pública ou privada, rural ou urbana, cumpre sua função turística quando, tomada em conjunto ou individualmente, não interfere na harmonia e contribui para a preservação e valorização de locais ou porção do território que desencadeiam e favorecem o fenômeno turístico e o especial interesse de visitação, ante seu grande significado histórico, artístico, paisagístico, pitoresco, natural, estético, arqueológico, palenteológico, ecológico, científico ou cultural, ou traduzam referências à identidade, à ação, e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade nacional."

Assim, para que a propriedade cumpra sua função social, deve ela exercer dois atributos, um positivo e outro negativo: o positivo, consiste em contribuir na harmonia ou melhora do local para fomentar o fenômeno turístico; o negativo, consiste em abster-se de causar quaisquer danos ou interferências na paisagem ou característica que fomenta o turismo no local.


11. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS BENS TURÍSTICOS E DO DIREITO AO TURISMO

11.1. DA DEFESA DOS BENS TURÍSTICOS

A Constituição Federal, em seu artigo 129, III, estabeleceu as seguintes funções institucionais para o Ministério Público:

"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

.

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;"

Conforme exposto anteriormente, os bens turísticos são espécies de recursos ambientais culturais, e portanto integram o conceito de meio ambiente, sendo inquestionável que a defesa deles é também incumbência do Ministério Público.

Portanto, qualquer violação ou ameaça de lesão a bens turísticos, estejam eles sob domínio de particulares ou do poder público, pode e deve ser combatida pelo Ministério Público, através da ação civil pública ou de outro meio processual adequado.

Ademais, a possibilidade de utilização de ação civil pública para defesa do patrimônio turístico – e portanto dos bens turísticos – vem expressamente estabelecida pela legislação infracionstitucional, nos seguintes termos (Lei n. 7.347-85):

"Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I – ao meio ambiente;

...

III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;"

Pois bem, a legislação específica nacional a respeito da defesa do bem turístico é a Lei n. 6.513, de 20 de dezembro de 1977, que dispõe sobre a criação de áreas especiais e de locais de interesse turístico, a qual em seu artigo 1º elenca os bens e valores a serem protegidos em nome do turismo:

"Art. 1º Consideram-se de interesse turístico as Áreas Especiais e os Locais instituídos na forma da presente Lei, assim como os bens de valor cultural e natural, protegidos por legislação específica, e especialmente:

I – os bens de valor histórico, artístico, arqueológico ou pré-histórico;

II – as reservas e estações ecológicas;

III – as áreas destinadas à proteção dos recursos naturais renováveis;

IV – as manifestações culturais e etnológicas e os locais onde ocorram;

V – as paisagens notáveis;

VI – as localidades e os acidentes naturais adequados ao repouso e à prática de atividades recreativas, desportivas ou de lazer;

VII – as fontes hidrominerais aproveitáveis;

VIII – as localidades que apresentem condições climáticas especiais;

IX – outros que venham a ser definidos, na forma desta Lei."

O dispositivo em questão estabelece o interesse turístico não só das áreas especiais e locais instituídos pela Lei n. 6.513-77, mas também dos bens de valor cultural e natural protegidos por legislação específica e, especialmente, aqueles mencionados nos incisos de I a IX.

Portanto, segundo interpretação teleológica, observa-se que aqueles bens elencados nos incisos, independentemente de serem declarados áreas ou locais especiais nos termos dos arts. 2º, 3º e 4º, ou de serem protegidos por legislação específica, por si só já devem ser protegidos, permitindo-se inclusive a utilização de ação civil pública, conforme expresso no artigo 1º, III, da Lei n. 7.347-85.

É de se destacar que alguns dos bens elencados nos incisos mencionados já têm proteção legislativa específica e suficiente – como as estações ecológicas e bens de valor histórico ou arqueológico – contudo, outros não têm tal proteção, como as localidades e os acidentes naturais ao repouso, à prática de atividades recreativas, desportivas ou de lazer. Também não têm proteção específica os locais onde ocorram as manifestações culturais e etnológicas (inciso IV).

Portanto, independentemente do bem ser protegido por alguma legislação específica, tendo ele função turística, seja para práticas recreativas ou desportivas, já poderá ser protegido por ser integrante do meio ambiente cultural.

Em relação aos efeitos desta lei, José Afonso da Silva (1981, p. 515-516) aponta como primordial o fato do condicionamento da propriedade ao objetivo do plano e programa a serem desenvolvidos no local, pois o interesse turístico assume a natureza de função social, devendo a propriedade privada conformar-se, motivo pelo qual os proprietários terão limitações e responsabilidade da proteção, conservação, segurança e higiene dos bens indicados.

Assim, em exemplo hipotético, parece ser possível a utilização de ação civil pública objetivando evitar a implantação de um grande resort em praia paradisíaca cujo projeto arquitetônico destoe totalmente da paisagem natural ali estabelecida, prejudicando assim o interesse turístico do local.

Não se sustenta, neste exemplo acima, de barrar a atividade do referido empreendimento, nem de redução de seu tamanho ou expressividade econômica, o que se discute é numa concepção de desenvolvimento sustentável adaptar seu projeto à paisagem local.

Em sentido semelhante, o Supremo Tribunal Federal desde há muito já se posicionou sobre a possibilidade de limitações ao direito de construir, sendo que na representação 1.048, em que se questionou os arts. 164 e 165 da Constituição do Estado da Paraíba que limitavam a altura e largura mínima de prédios na orla marítima, entendeu por manter tais restrições, sendo que, o Ministro Djaci Falcão assim sustentou seu voto:

"As regras em causa, sem dúvida de elevado alcance, visam salvaguardar e preservar valores que se sobrepões ao interesse meramente Municipal, constituindo, sim, um interesse comum ao Município e ao Estado, que colaboram no planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social, tendo em vista a saúde, a segurança, a comodidade da população, o patrimônio ecológico e paisagístico, etc. atendidas as peculiaridades não somente locais, como da própria região." (RTJ 101/474)

Exemplos de aplicação da legislação de áreas de interesse turístico são trazidos por Saint-Clair Honorato Santos (2003, p. 122), pois no Estado do Paraná o Parque Marumbi foi criado pelo Decreto 7.919/84 e as áreas litorâneas protegidas pelo Decreto 7.839/80, ambos com fundamento na legislação acima transcrita.

Outro exemplo de aplicação de tal lei é a decisão tomada pelo Conselho Nacional de Turismo (259ª Reunião de 13 de Dezembro de 1982, publicada no DU 19/01/83, Seção I, p. 1.108/10) em que declarou várias localidades de Santa Catarina, localizadas nos municípios de Piçarras, Penha, Camburiú, Itapema e Porto Belo, em que, por conseqüência, nos locais não poderá ocorrer construções além da conta altimétrica de mais de cem metros, vedação de movimentos de terras (cortes e aterros) que possam alterar as formas dos acidentes naturais da região, dentre outras.

Outro ponto interessante a ser abordado é a possibilidade de, por via judicial, compelir-se o Poder Público a instituir áreas e locais de interesse turístico, visando não só a proteção dos bens turísticos, mas também da atividade econômica a ser desenvolvida.

Antônio Carlos Brasil Pinto (2003, p. 32), sintetiza as finalidades desta proteção estabelecida pela mencionada lei:

"Então, o texto da lei permite concluir que a declaração de interesse turístico de áreas especiais, locais e bens naturais e culturais tem por finalidade disciplinar seu uso não predatório. Da mesma maneira, é possível concluir que a proteção almejada alcança bens que, embora protegidos por outros textos, possam ter destinação turística. Por fim, os bens situados nos locais declarados de interesse turístico, apesar de não contemplados com proteção em legislação específica, o são só pelo fato da declaração estabelecida nessa Lei 6.513-77.

Esta é a interpretação oriunda dos arts. 1º, 3º, 4º e 6º da lei, embora evidente a falta de clareza e a boa técnica legislativa, posto que mais fácil e compreensível seria o estabelecimento de conceitos claros de cada um, atrelados à descrição das finalidades pretendidas, segundo cada espécie, que assim poderiam ser resumidas:

a) realização de planos e projetos de desenvolvimento turístico para Áreas Especiais de Interesse Turístico;

b) realização de projetos específicos para os Locais de Interesse Turístico;

c) inventários de bens naturais e culturais que, protegidos por legislação específica, possam ter utilização turística;

d) definição dos usos turísticos compatíveis com esses bens. (J. A. Ferraz, op. cit., p. 57)

Ora, as duas primeiras finalidades representam puras ações de planejamento, embora possam representar tam´bem a adoção de providências de natureza urbanística, objetivando o desenvolvimento do setor econômico com exclusividade.

A terceira finalidade é típica ação administrativa, preparatória da última, a qual também é de natureza urbanística, caso trate de bens imóveis e administrativa, se tratar de bens móveis, ambas porém com endereço econômico.

Importante sublinhar então que o objetivo primordial da lei, muito antes do propósito preservacionista, é de natureza econômica, aliás sintoma próprio de lei setorial, de marcante significado estatizante."

Do texto acima transcrito percebe-se a importância dos zoneamentos estabelecidos na Lei n. 6.513-77, que a despeito de não ser uma legislação moderna ou eminentemente preservacionista, pode ser utilizada não só para a proteção dos bens nela descritos como para o fomento da atividade turística.

Contudo, não se tem conhecimento de sua aplicação pelo Poder Público, razão pela qual é de se indagar sobre a possibilidade de, por via judicial, compelir-se a Administração à instituição destas áreas ou locais de interesse turístico, visando seu zoneamento e regulamentação.

Ao tratar sobre a possibilidade do Ministério Público atuar no combate à omissão administrativa, Gomes (2003, p. 31) assim se manifesta:

"Insta salientar que o desrespeito aos direitos assegurados na Carta Magna pode se dar também quando houver omissão do Poder Público ou de serviço de relevância pública, detendo o Parquet função institucional que o autoriza a agir, promovendo as medidas necessárias para a supressão da inércia, quando ilícita.

Com efeito, se a própria norma constitucional é expressa quando diz que o exercício de reportada função dar-se-á promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129, inc. II), certamente legitima o Ministério Público a expedir recomendação ou ajuizar ação civil pública visando a que a entidade responsável saia da inércia quando configurada omissão inconstitucional, lesiva porquanto a direitos assegurados na Constituição."

É certo que talvez a instituição de local ou área de interesse turístico seja, conforme o caso, menos eficaz do que a proteção legal já existente ao referido bem (como a Lei dos Recursos Hídricos, Lei das Unidades de Conservações, etc...). Mas, não se pode descartar a hipótese de ser a instituição de área ou local de interesse turístico a melhor forma de proteção e do fomento à atividade em questão.

Então, nesta hipótese, e havendo omissão do Poder Público competente para tal, parece possível o ajuizamento de ação civil pública com pedido de obrigação de fazer, compelindo-o a instituir a área de proteção.

A hipótese de instituição seria análoga àquela já sedimentada na doutrina a respeito da possibilidade de, judicialmente, determinar-se o tombamento de bem de valor histórico, artístico ou cultural, conforme admitido expressamente por Wagner Júnior (2003, p. 199):

"Em outras palavras, temos claro que nas hipóteses de tombamento, o bem a sofrer a restrição, que até então era de interesse apenas do particular proprietário, passa a integrar o rol dos interesses públicos, razão pela qual, correto afirmar que toda a sociedade tem o direito, e por que não dizer, o dever, de conserva-lo.

Nessa linha de raciocínio, os entes legitimados poderão se valer da ação civil pública para discutir questões referentes ao tombamento, seja ajuizando processo contra o particular proprietário do bem a ser tombado, seja demandando contra a administração.

Para esse último caso, poderão os interessados, em especial, exigir posturas concretas da Administração, no sentido de providências visando a adoção de medidas com vistas à declaração do tombamento de um bem, ou mesmo de proteção daqueles já tombados."

De outro norte, Mazzilli (2001, p. 176) admite até mesmo a proteção judicial ao bem não tombado – em nossa analogia, ao bem não declarado de interesse turístico – permitindo inclusive que eventuais restrições ao uso da propriedade indenizáveis, sejam arcadas pelo Poder Público, a serem exigidas pelo proprietário em ação própria.

Assim, conclui-se que o papel do Ministério Público na defesa dos bens turísticos pode ser para exigir condutas comissivas ou omissivas, tanto do proprietário, como da Administração Pública.

Em relação ao proprietário podem ser exigidas ações no sentido de, dentre outras, conservar a propriedade – ajudando no fomento do turismo – ou omissões, tais como a não construção de imóvel que venha a romper o equilíbrio arquitetônico ou paisagístico do local, que venha a prejudicar o interesse turístico.

Também pode ser citada a possibilidade de ajuizamento de ação civil pública contra o proprietário que explora o ecoturismo, para que o mesmo respeite a capacidade de carga do meio ambiente em que exerce sua atividade.

No que pertine à Administração Pública, podem ser exigidas condutas omissivas – como a de não causar, com obras públicas, danos à paisagem de interesse turístico – e comissivas, como compeli-la a declarar certo bem ou bens como de interesse turístico, para os fins da Lei n. 6.513-77.

11.2. DA DEFESA DO DIREITO AO TURISMO

Outra questão ainda menos explorada diz respeito à atuação do Ministério Público na defesa do direito ao turismo como faceta do direito ao lazer assegurado constitucionalmente.

Nos termos do que já foi exposto anteriormente, é possível reconhecer a existência de um direito ao turismo – assegurado constitucionalmente – como forma de uma das fontes de lazer que a vida pode proporcionar.

Pois bem, o que se põe à discussão é se, caso haja por parte da Administração Pública ou do particular conduta prejudicando o direito de todos ao turismo, em ter acesso a algum lugar específico, poderia o Ministério Público exigir, judicialmente, o acesso àquele bem específico?

Em princípio é necessário que se reconheça o direito ao turismo como interesse difuso, pois é pertencente a um número indeterminável de pessoas, razão pela qual a legitimidade do Ministério Público se impõe, não só em razão do art. 129, III, da Constituição Federal, como também pelo inciso II, que atribui a esta instituição o dever de zelar pelos direitos nela garantidos.

Portanto, caso a Administração de um Parque Nacional, Estadual ou Municipal, venha a vedar acesso de ecoturistas sem que haja um fundamento razoável para tal, poderá o Ministério Público ingressar com ação contra o Poder Público visando garantir este acesso ao lazer.

É claro que, havendo fundamento justificável – tais como necessidade de preservação da área que foi degradada, ou em razão de falta de segurança – a conduta do administrador estará amparada pelo Direito, não podendo ser atacada.

Em relação ao bem de propriedade particular – como uma montanha de alto interesse turístico para esportes radicais, situada dentro de uma propriedade privada – torna-se difícil a garantia a este acesso, pois tal situação levaria a um conflito com o também garantido constitucionalmente direito à propriedade.

Contudo, a sub utilização da propriedade – incluindo-se aí na sua função turística – poderá levar o poder público a desapropria-la, seja para instituir um local de interesse turístico público, seja para implementar uma unidade de conservação.


12. CONCLUSÃO

Conclui-se do que foi exposto que o regime jurídico do ecoturismo deve ser analisado em relação a cada recurso ambiental nele composto, tendo contudo o traço comum destes bens serem de interesse público, não podendo ser utilizados de forma a degradar o meio ambiente, causando desequilíbrio.

O papel do Ministério Público nesta questão decorre do dever constitucional de zelar pelo meio ambiente, devendo fiscalizar se a atividade ecoturística vem respeitando as normas ambientais e não está causando danos ao meio ambiente.

De outro norte, deve o membro do parquet atuar também na defesa do direito ao turismo, sempre em que houver violação ilegal a este direito constitucional ao lazer.

Por fim, não se pode olvidar que a atividade turística – e a ecoturística em especial – quando bem manejada, atende em todos os fins o princípio constitucional do desenvolvimento sustentável, e por esta razão deve ser incentivada pois apresenta-se muito mais como aliada do que como degradadora do meio ambiente, além de ser extremamente importante para o desenvolvimento econômico das populações locais.


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  • Luciano Furtado Loubet

    Luciano Furtado Loubet

    Pós-Graduado em Direito Ambiental pela UNIDERP – Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal. Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso do Sul. Ex-Juiz de Direito no Estado do Acre. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUBET, Luciano Furtado. Regime jurídico do ecoturismo e o papel do Ministério Público em sua defesa e controle. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2809, 11 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18654. Acesso em: 4 maio 2024.