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Linguagem e argumentação: a sua importância para a interpretação no Direito Tributário

Linguagem e argumentação: a sua importância para a interpretação no Direito Tributário

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O objetivo deste trabalho é estudar a interpretação e a tomada de decisão no âmbito jurídico, mais especificamente na seara jurídico-tributária.

SUMÁRIO: 1 O ESCOPO E A METODOLOGIA; 2 A INTERPRETAÇÃO E A LINGUAGEM; 2.1 O CONHECIMENTO, A MENTE E O OBJETO: CONCILIANDO REALISMO E CONSTRUTIVISMO; 2.2 A LINGUAGEM É CONSTITUTIVA DA REALIDADE?; 2.2.1 A realidade; 2.2.2 A linguagem; 2.3 A INTERPRETAÇÃO (CONSTRUÇÃO) DO DIREITO TRIBUTÁRIO; 3 A INTERPRETAÇÃO E A ARGUMENTAÇÃO; 3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARGUMENTAÇÃO NO DIREITO; 3.2 O CATÁLOGO DE ARGUMENTOS UTILIZADOS PARA A TOMADA DE DECISÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO; 3.3.1 Argumentos sistemático-teleológicos; 3.2.2 Os argumentos, os seus pesos e as suas interrelações; 3.3 O CATÁLOGO DE ARGUMENTOS UTILIZADOS PARA A TOMADA DE DECISÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO; 3.3.1 Argumentos sistemático-teleológicos; 3.3.2 Argumentos sistemático-jurisprudenciais; 4 CONCLUSÕES; 5 REFERÊNCIAS


1 O ESCOPO E A METODOLOGIA

O objetivo deste trabalho é estudar a interpretação e a tomada de decisão no âmbito jurídico, mais especificamente na seara jurídico-tributária. Como veremos, a tomada de decisão é o momento final no processo de interpretação jurídica, estando presente tanto na atividade de decidir conflitos, veiculando enunciados prescritivos, como na atividade de examinar cientificamente o direito, elaborando enunciados descritivos sobre ele.

Buscaremos, portanto, um estudo que envolva temas dentro da teoria formal e da teoria dogmática, mas almejando chegar às conclusões principais no âmbito da teoria da decisão jurídica. Aliás, a teoria dogmática e a teoria da decisão deixaram, nos últimos tempos, de ser vistas como estanques, passando a estar totalmente imbricadas. Se a interpretação não encontra uma resposta pronta, mas pode chegar a várias respostas diferentes, quais os caminhos que o doutrinador – emissor de enunciados descritivos do direito – e o julgador – emissor de enunciados prescritivos do direito – devem tomar? Quais as respostas que eles devem encontrar, uma vez que não existem respostas corretas? Existe uma dogmática do direito que não seja determinada por uma teoria da decisão?

A Ciência do Direito, de modo acertado em nossa opinião, vem aumentando a sua atenção sobre a teoria da decisão jurídica. Até o momento em que se pensava que as normas estavam prontas para serem extraídas do texto, não se preocupava tanto com o momento da decisão, que era tão-somente um instante de revelação do que estaria já perfeito e acabado. Pensava-se nele, inclusive, como um momento fora do âmbito jurídico, algo posterior, mera adjudicação.

Com a mudança de paradigma da Filosofia do Ser para a Filosofia da Consciência e desta para a Filosofia da Linguagem, muda-se a visão acerca da interpretação, a decisão torna-se aspecto essencial do direito, porquanto é percebido que não se sabe mais aquilo que deve ser decidido, não se sabe onde está a norma a ser aplicada. Antes se imaginava que o sujeito, para decidir, devia encontrar a norma no texto; agora o sujeito deve construir a norma por uma decisão a partir do texto e dos fatos, mas levando em consideração os valores em jogo. Que norma deve ser construída pelo julgador em cada caso? Dogmaticamente, a quais conclusões pode chegar o doutrinador? Onde está a garantia de veracidade, de certeza sobre a correção da decisão? Mesmo que o operador do direito parta do texto, não seriam possíveis, a depender da finalidade que se queira dar à norma, diferentes possibilidades para a sua construção?

GREGÓRIO ROBLES, muito apropriadamente, chama a atenção para a necessidade de um maior desenvolvimento da teoria da decisão jurídica [01]. É o que têm feito os estudiosos da retórica, da tópica e da argumentação, por exemplo. A doutrina tem procurado respostas para as dúvidas decorrentes da descoberta da interpretação enquanto construção de sentidos, o que revelou a complexidade e a insegurança que cercam o direito, não havendo respostas prontas, corretas, mas respostas aceitáveis, racionais, convincentes.

A própria teoria da dogmática jurídica foi relativizada, tendo em vista que as normas estão muito longe de representar dogmas. Pelo contrário, elas foram bastante relativizadas, necessitando, para que sejam construídas, de decisões jurídicas (valorativas) acerca de casos concretos. Deste modo, uma teoria dogmática, se é que ainda se pode utilizar esta expressão, não existe sem uma boa teoria da decisão, uma vez que, para realizarmos um processo de enunciação, gerando normas jurídicas, é necessária a tomada de decisão conclusiva do processo interpretativo.

O direito é um fenômeno extremamente complexo, tendo em vista que é resultado deste processo interpretativo referido, o qual pode levar a resultados diversos e discutíveis. Pela sua natureza de se voltar para a regulação das condutas intersubjetivas, envolvendo fatos e valores, pela necessidade de um sujeito que crie os textos normativos que servirão de objeto à interpretação e pela necessidade de um sujeito que realize a interpretação e decida eventuais conflitos, o direito é um fenômeno pluridimensional, influenciado por aspectos diversos, que precisam ser levados em consideração por aqueles que o operam.

Esta complexidade do fenômeno jurídico, ainda que permita e, diversas vezes, necessite de cortes epistemológicos para que sejam realizados estudos aprofundados acerca de um ou outro aspecto seu, exige, em outras ocasiões, uma visão mais ampla, que não deixe de lado as leis, os fatos, os valores, o contexto social etc. Deste modo, entendemos que a eleição do método e do corte epistemológico para o estudo do direito deve ser extremamente cuidadosa, de modo a impedir que se esqueça qualquer dos seus fatores essenciais em uma análise.

Para um estudo adequado do direito, por conseguinte, não é suficiente – apesar de muito relevante – uma visão analítica, que objetiva uma análise profunda da linguagem, almejando construções bem definidas, seguindo o rigor da lógica formal, mas se afastando da influência subjetiva do intérprete, do modo como a sua pré-compreensão determina o resultado da construção de sentidos, da pragmática etc. A analítica e a hermenêutica se complementam e possibilitam uma melhor compreensão do direito [02]. Note-se que, para se construir um método a partir destas duas teorias, é preciso aproveitar aquilo que é coerente entre elas, afastando eventuais contradições que poderiam ser negativas para o novo método.

A conjugação da Analítica com a Hermenêutica tem sido aceita por diversos autores [03]. Segundo entendemos, nada impede que a esta soma de técnicas e de noções ainda possam ser acrescidas algumas outras para uma boa e completa compreensão do direito. Na seara da teoria da decisão jurídica, por exemplo, são imprescindíveis outros elementos teóricos já referidos, como a retórica, a tópica e argumentação jurídica. A conjugação das noções retiradas de todas estas teorias, naquilo em que não se contradizem, é interessante para a compreensão do direito enquanto fenômeno pluridimensional, envolto por influências de naturezas diversas [04].

Como veremos, a argumentação, que é uma atividade necessariamente vinculada à interpretação, tem como um dos seus objetivos levantar os diferentes argumentos em torno de uma tomada de decisão, colaborando para a decisão interpretativa e possibilitando ainda a sua justificação. Os argumentos de naturezas distintas, no caso do direito, revelam exatamente o seu pluridimensionalismo, que ocasiona a possibilidade de utilizar, no processo decisório, topois construídos com base no caráter sistemático do direito, focando, por exemplo, nas finalidades que este sistema indica buscar atingir; podem ser construídos com base no contexto histórico-social; ou ainda com base em aspectos da língua, direcionando a interpretação para os elementos do texto; etc.

Para um estudo do processo construtivo do Direito Tributário descritivo e prescritivo, será imprescindível, como podemos perceber, passar pelos tópicos da interpretação e da argumentação, analisando-os sob uma perspectiva pós-moderna, buscando dar uma contribuição atual para o tema.


2 A INTERPRETAÇÃO E A LINGUAGEM

A interpretação, faz bastante tempo, é um tema central no estudo do direito, tendo em vista que a maior parte da doutrina concordou que as normas jurídicas não se confundem com o seu suporte físico, ou seja, com os enunciados prescritivos. A definição da atividade interpretativa, entretanto, veio evoluindo com o transcorrer dos anos, passando de uma noção de extração de sentidos para o reconhecimento da importância da participação do sujeito, culminando numa ideia de interpretação enquanto construção de sentidos.

Os autores tradicionais defendiam que a interpretação representava a revelação da norma contida no texto, de uma norma única e correta que deveria ser dele extraída [05]. Devido a diferentes aspectos, destacando-se a evolução no que toca à noção de conhecimento, que desembocou no movimento chamado de Giro-Linguístico, a interpretação veio a ser compreendida como uma construção de significações a partir do significante (suporte físico) [06].

A noção de interpretação enquanto construção se deve, como dito, a diferentes aspectos que convergiram para esta conclusão. Inicialmente, pode-se falar da mudança de foco do objeto para o sujeito nos estudos em torno do conhecimento e, em seguida, numa linha que envolve tanto o objeto como o sujeito, sem diminuir nenhum dos dois. Enfim, o Giro-Linguístico e a difusão do Construtivismo, dentre outros aspectos, colocaram a linguagem no centro das discussões do conhecimento humano, conferindo a ela papel essencial para que o sujeito pudesse compreender o mundo. Passa-se a dar mais atenção à linguagem e, também, ao sujeito que a opera. Alguns autores, inclusive, chegam a afirmar que ela não somente representa (ou tenta representar) a realidade, porém ela a constitui.

A crítica à visão da linguagem como representativa da realidade é muito comum nos discursos pós-modernos. Destaca-se como uma das principais evoluções das últimas décadas a noção de que a linguagem é construtiva, e não meramente representativa. Vale abrir parênteses para lembrar que, mesmo conferindo conteúdo aos objetos, sendo, portanto, construtiva, a linguagem não perde a sua finalidade de tentar representá-los. O problema não está em dizer que a linguagem tenta representar o mundo a nossa volta, pois é exatamente isso que tentamos fazer com ela, ainda que a nossa linguagem dê sentido a esse mundo. O problema está na ideia de que ela poderia corresponder a esses elementos, como veremos à frente [07].

Se a linguagem confere conteúdo aos objetos, não há como o sujeito extrair o sentido verdadeiro de um objeto, a noção correta, mas ele pode apenas construir a sua ideia sobre um objeto ou construir o objeto como ele o compreende. Ao mesmo tempo em que muda a compreensão do que seja "linguagem", muda também a definição de "verdade", de "objeto", de "interpretação" e de outros importantes conceitos. Mais à frente, trabalharemos alguns deles, os quais são imprescindíveis para entendermos o que significa interpretar.

Como se nota desta mudança de paradigma para a fase chamada de Filosofia da Linguagem, o sujeito ganha total relevância no papel de conferir sentidos ao mundo. O resultado da interpretação é, assim, grosso modo, uma espécie de equação entre o dado bruto existente no mundo e a atividade intelectiva do sujeito, que irá, a partir das suas sensações sobre um determinado dado e com base naquilo que ele compreende sobre este dado, construir sentidos: primeiro, constituindo o dado bruto enquanto um objeto do seu conhecimento; segundo, construindo sentidos acerca do objeto linguístico construído.

O resultado da interpretação é, portanto, muito mais incerto do que antes se pensava, tendo em vista que depende do sujeito que a realiza, o qual é influenciado pela sua compreensão, ou melhor, pré-compreensão; pelos seus valores; e pelo seu interesse [08]. Para estabelecermos o que é a "interpretação do direito tributário" e os problemas que ela gera para a teoria da dogmática e da decisão jurídica, é necessário um esforço analítico de definição dos conceitos aqui citados, evitando incongruências nas conclusões que buscamos encontrar.

2.1 O CONHECIMENTO, A MENTE E O OBJETO: CONCILIANDO REALISMO E CONSTRUTIVISMO

As teorias acerca do conhecimento têm evoluído bastante nos últimos séculos. Trata-se de um tema central na filosofia o de saber como o homem conhece o mundo, como ele apreende (ou constrói) os objetos (ou os sentidos sobre eles) que estão à sua volta. Inicialmente, o foco se dava sobre os objetos que eram conhecidos. Entendia-se que o conhecimento era determinado pelo dado bruto (objeto externo, alheio ao homem) e pelas leis que a ele diziam respeito, cabendo ao sujeito tão-somente apreendê-lo da melhor forma possível. Esta fase ficou conhecida como a Filosofia do Ser. Com o foco no objeto, era natural que a interpretação fosse entendida como a extração do sentido correto presente nos tais objetos.

Em uma fase posterior, na Filosofia da Consciência, que tem como expoente IMMANUEL KANT [09], passou-se a questionar tamanha importância do objeto frente ao sujeito que o conhecia, gerando, como é comum, algumas teorias diametralmente opostas, com foco exacerbado no sujeito que conhecia o objeto. Deu-se importância à consciência humana, enfatizando no sujeito o processo de conhecimento, afirmando que esse é quem dava sentido às coisas, as quais teriam menor relevância.

Basicamente, pode-se falar que a Epistemologia – teoria do conhecimento – evoluiu da Ontologia (parte da filosofia que confere foco ao ser), para a Gnosiologia (parte da filosofia que confere foco ao sujeito) e, enfim, para a Ontognosiologia (dialética entre sujeito e objeto). Entendo que o método dialético é o mais adequado para o conhecimento de todos os objetos, não somente os culturais, uma vez que parte do pressuposto de uma interação constante entre sujeito e objeto, não focando excessivamente em nenhum dos dois.

O Realismo é uma teoria de cunho ontológico, tendo em vista que confere foco aos objetos reais, àquilo que está a nossa volta. Já o Construtivismo é uma teoria de caráter gnosiológico, pois levanta a bandeira do homem como um construtor de significações, fundamental para que o objeto possa ganhar sentido. Realismo e Construtivismo, assim como Ontologia e Gnosiologia, não precisam necessariamente se negar, mas podem ser também conjugados.

O Realismo tem várias vertentes, porém é possível destacar algo de comum em todas elas ou não poderiam ser todas desmembradas de uma mesma raiz, sendo descabida a sua inclusão na classe do Realismo. As teorias realistas defendem existir um mundo independente da mente, desvinculado do sujeito, o que não exclui a importância deste no estudo do conhecimento, por exemplo [10].

O Construtivismo, do mesmo modo que o Realismo, se ramificou em diferentes linhas construtivistas, porém sempre mantendo um caráter gnosiológico. O Construtivismo, filosoficamente, acentua o papel do sujeito frente ao objeto. São clássicos os debates, portanto, entre realistas e construtivistas.

PIAGET, célebre estudioso do conhecimento humano sob a ótica da Filosofia da Psicologia, é um dos autores mais destacados que trata do Construtivismo [11]. Ele afirma que o conhecimento é uma troca entre meio e sujeito, e este, através do seu sistema nervoso, não apenas reflete o meio, mas o constrói. Da obra de PIAGET, nota-se claramente a sua linha construtivista, que sustenta o papel central do sujeito enquanto constituidor dos sentidos, mas não se esquece do meio como determinante dos sentidos que serão constituídos.

No nosso modo de ver, Construtivismo e Realismo precisam ser conjugados em uma análise de cunho epistemológico – no estudo do direito, por exemplo – não se esquecendo nem de sujeito, nem de objeto, elementos essenciais para o conhecimento, cada um cumprindo o seu papel. Trata-se de uma posição ontognosiológica, que considera uma relação constante entre sujeito e objeto [12].

Uma vez assumida uma posição ontognosiológica, utilizando o método dialético para o conhecimento dos objetos, faz-se necessário analisar o que seja conhecimento, o que seja objeto e o que seja realidade. A Fenomenologia, iniciada por KANT e trabalhada por HUSSERL, MERLEAU-PONTY, SARTRE e HEIDEGGER, por exemplo, cada um seguindo uma vertente distinta, trata o objeto do conhecimento como um fenômeno. Esses autores defendem que a coisa em si não pode ser conhecida, mas apenas o fenômeno que se desperta em nossa consciência.

Cabem alguns comentários acerca desta posição. Concordamos que a mente humana não tem acesso direto às coisas em si, aos – chamados por VILÉM FLUSSER – dados brutos. A mente humana processa, raciocina em torno daquilo que é construído nela acerca do objeto. No entanto, a construção linguística acerca do dado bruto, que produz o objeto linguístico, já é obra de um processo mental.

Para que se possa pensar sobre um dado bruto, os sentidos fundamentais do homem (olfato, tato, audição, paladar e visão) primeiramente têm acesso a ele, enviando mensagens para o cérebro, que as processará, construindo o objeto linguístico. Em seguida, com mais calma, o sujeito poderá pensar sobre aquele objeto linguístico construído, sobre a imagem linguística mentalmente construída. Todo este percurso ocorre em uma fração de segundos (ou milésimos de segundo), sendo difícil cindir claramente o que seria apenas sensação sobre o dado bruto do que seria construção mental do objeto linguístico e do que seria interpretação do objeto linguístico.

A conclusão a que se chega é a de que o dado bruto é importantíssimo, pois, ainda que a interpretação recaia sobre objetos linguísticos, inteligíveis, que o sujeito compreende e pode sobre ele pensar (Construtivismo), estes objetos linguísticos são construídos com base nos objetos externos, dados brutos (Realismo). Quando o sujeito construir sentidos em torno do objeto linguístico (Construtivismo), ele deverá manter coerência entre os sentidos atribuídos por ele e o objeto real (Realismo) acessado sensorialmente, ou aquilo que se diz do objeto real.

O fato é que o conhecimento não é livre e desregrado. Ao menos, ele precisa seguir o contexto em que se insere o sujeito e seguir os sentidos fundamentais do corpo humano ou não fará sentido para os demais que vivem no mesmo meio. A importância do objeto real será maior ou menor a depender daquilo que o sujeito conhece, mas ela sempre existirá.

Tanto a Ontologia como a Gnosiologia devem ser estudadas e devem sê-lo em interrelação. Tanto a coisa em si determina o conhecimento humano, como o ser humano determina o conhecimento. Trata-se de posição que leva em consideração ambos os lados da moeda do conhecimento, não prejudicando o seu estudo.

Nessa linha de raciocínio, entendemos que Construtivismo e Realismo podem conviver em perfeita harmonia, assim como Ontologia e Gnosiologia. Os realistas focam naquilo que se entende por real, nas coisas em si que são conhecidas. Os construtivistas focam no sujeito, no acréscimo que o homem dá ao construir um objeto linguístico e ao pensar sobre ele. Se não levarmos nenhum dos dois entendimentos a extremismos, podemos concluir que o objeto real ou dado bruto, com as características que são passíveis de percepção pelo homem – ainda que não sejam conhecidos em sua inteireza, em sua essência, que nunca saberemos se existe – determina a construção do objeto linguístico. Por outro lado, o sujeito que constrói esse objeto linguístico – note-se que nem chegamos ainda à fase posterior, quando se interpreta o objeto linguístico – dá a sua contribuição, pois confere sentido ao dado bruto por meio da sua linguagem.

Outros autores já propuseram uma conciliação entre Construtivismo e Realismo, ou seja, uma linha filosófica intermediária que aproveita aquilo que há de coerente em ambas as linhas citadas. GUSTAVO CASTAÑON, por exemplo, sob a ótica da Filosofia da Psicologia, defende uma conciliação entre Construtivismo, Inatismo e Realismo [13]. Ele se preocupa com o fato de o ser humano passar a crer que o conhecimento não se volta para uma realidade, mas que a sua mente está livre para tudo criar, o que, de fato, é uma tendência causada pelas linhas construtivistas extremadas.

CASTAÑON explica que JEAN PIAGET, grande expoente do Construtivismo e estudioso da Filosofia da Psicologia, nunca renegou a existência de uma realidade a ser conhecida, que determina o conhecimento humano. A grande questão, em nossa opinião, muito bem levantada por ele, é a de que há uma grande diferença em reconhecer que todo conhecimento é socialmente construído e que toda realidade é socialmente construída. A primeira hipótese pode ser aceita, mas a segunda não [14].

Passaremos à frente, numa continuação do que vem sendo dito aqui, porém focando na linguagem como meio que encontrou o ser humano para poder se expressar e para poder raciocinar de forma lógica, possibilitando chegar à razão. A linguagem é elemento central na vida humana, mas ainda assim a entendemos como canal para construção de sentidos, para o raciocínio, para a comunicação, para quase tudo que faz o homem. A mensagem em si, no entanto, é construída pelo corpo humano, que associando sinapses cerebrais às informações recebidas das suas sensações, pode verter sentidos em linguagem.

2.2 A LINGUAGEM É CONSTITUTIVA DA REALIDADE?

Como base para a nossa análise sobre a linguagem, utilizaremos a obra "Língua e Realidade", de VILÉM FLUSSER, introduzida e bem analisada por PAULO DE BARROS CARVALHO no cenário jurídico brasileiro [15]. Para FLUSSER, "a linguagem cria, forma e propaga a realidade". Mas quais os sentidos que devem ser conferidos, dentro desta assertiva, a "linguagem", "cria" e "realidade"? Antes de discutirmos a afirmação do filósofo tcheco-brasileiro, é preciso definir os seus elementos linguísticos, como nos ensina a Teoria Analítica.

O pensamento de FLUSSER é uma vertente do Solipsismo, entendendo que apenas existe mundo dentro do sujeito? Qual linguagem cria a realidade e que realidade é esta? Flusser nega a existência de uma realidade externa? Qual a importância da linguagem em Flusser para o fenômeno "direito"?

2.2.1 A realidade

"A linguagem cria a realidade". Uma afirmação desta é extremamente forte, sobretudo para aquele que não é tão iniciado na teoria de VILÉM FLUSSER. O sentido que é corriqueiramente conferido ao termo "realidade" – que advém daquilo que é real, que existe – envolve tudo o que está a nossa volta: universo sideral, estrelas, sistema solar, planetas, planeta terra, homens, mares, árvores etc. Tudo isso é real e componente da realidade, pois existe, pode ser constatado por meio dos sentidos fundamentais do corpo humano. Afirmar que somente há realidade onde há linguagem dá a entender que nada disso existe, gerando inúmeras discussões que não têm fim. A afirmação apenas pode estar falando de outra realidade, outra existência que não aquela da qual normalmente se fala [16].

Segundo VILÉM FLUSSER, aquilo que chamamos de realidade comumente é dado bruto e a realidade da qual ele trata é aquela conhecida pelo homem [17]. Ela apenas se mostra quando o dado bruto torna-se objeto linguístico, passível de compreensão pelo homem. Deste modo, a linha de FLUSSER não deixa de ser uma conciliação entre Construtivismo e Realismo, tendo em vista que, apesar de conferir total foco ao sujeito e à sua linguagem, não esquece a existência de um dado bruto que permitirá a construção de um objeto linguístico.

A definição de realidade é uma questão semântica que diz respeito à polissemia. Às palavras, muitas vezes, podem ser atribuídos diferentes sentidos que foram associados a ela num sistema linguístico. A depender do contexto, ela poderá assumir um ou outro sentido. Na mesma senda, a depender do sentido que o estudioso pretenda atribuir à palavra "realidade", ele poderá empregá-la como um conjunto de dados brutos ou mesmo como o resultado da apreensão e da compreensão do dado bruto pelo intelecto. FLUSSER explica que empregará o termo "realidade" com o segundo sentido. É fundamental que o autor defina bem o sentido atribuído a determinados termos, evitando discussões sem fim que decorrem, em alguns casos, do fato de cada sujeito participante do debate estar utilizando um sentido distinto para uma mesma palavra.

VILÉM FLUSSER explica claramente que "realidade", para ele, é sinônimo daquilo que é compreendido, e não de tudo aquilo que pode ser, que existe, que é real. Em seguida, sabiamente, ele afirma que a definição dos termos é essencial em qualquer análise. Apesar de longo, é lapidar o seguinte trecho da sua conclusão e merece citação:

"O propósito deste trabalho era examinar a proposição diversas vezes formulada e reformulada e cuja forma mais elaborada é: a língua, isto é, o conjunto dos sistemas de símbolos, é igual à totalidade daquilo que é apreendido e compreendido, isto é, a totalidade da realidade. A proposição parte de duas definições, formuladas ad hoc, e que precisam ser aceitas como definições de termos pelo leitos (sic), se este quiser seguir o desenvolvimento do argumento. A primeira é a definição da língua como conjunto dos sistemas de símbolos. A segunda é a definição da realidade como aquilo que pode ser apreendido e compreendido. Trata-se, repito, de definições de termos, formuladas ad hoc para o uso específico desses dois termos no curso desta investigação. Se as conclusões às quais chegamos têm alguma validade, esta se refere aos termos como definidos acima. Isto, entretanto, não diminui, por si só, seu valor. Toda discussão é uma manipulação de termos, conforme foram definidos explícita ou implicitamente." [18]

FLUSSER sustenta que a língua é tudo aquilo que é apreendido e compreendido, o que nos parece ser irreparável. As significações que o ser humano constrói se revelam em linguagem. A língua permite ao homem dar sentidos ao mundo, ainda que seja o próprio homem quem constrói os sentidos por meio do seu intelecto, do seu cérebro, da sua mente.

Apesar de o Realismo ser deixado em segundo plano na teoria de FLUSSER, não se pode negar que ele reconhece a existência de uma realidade externa, ou realidade dos dados brutos, e ele admite isso [19]. A realidade que a linguagem cria, forma e propaga é aquela que é traduzida na mente do ser humano, aquela compreendida por uma pessoa determinada. A realidade externa, alheia ao ser humano, existe e, para isto, independe da linguagem [20], apesar de FLUSSER afirmar, acertadamente, que a linguagem é que permitirá a criação da realidade (compreendia), uma vez que é a linguagem que permitirá tornar a realidade dos dados brutos realidade para ele.

No seu louvável esforço para conferir a devida importância à linguagem, FLUSSER defende que a realidade dos dados brutos não é, em verdade, realidade, pois apenas passa a sê-lo, a existir para o homem, depois de vertida em linguagem por este. Em nossa opinião, é apenas uma questão de ótica e estabelecimento de premissas afirmar que existe uma realidade independente da linguagem ou que existem dados brutos que são vertidos em linguagem e tornam-se reais. É dizer a mesma coisa de modos distintos. FLUSSER não nega a existência de algo externo à mente humana. Se ele não quis chamar isso de realidade, caímos em um problema analítico, de definir o que seja realidade para ele, o que, como visto, ele faz brilhantemente, separando a realidade dos dados brutos daquela apreendida e compreendida por meio de palavras. Enfim, não nos parece que FLUSSER negue totalmente o Realismo, apesar de poder parecer isso.

O objeto linguístico tem um quê de dado bruto. Podemos afirmar que objeto linguístico é o dado bruto passado pelo intelecto do sujeito. A construção do objeto linguístico é o primeiro passo da dialética entre sujeito e objeto externo ou objeto não-linguístico ou dado bruto.

2.2.2 A linguagem

Para se tratar da linguagem, é necessário, antes de tudo, defini-la. Se começamos a falar sobre um objeto sem defini-lo, torna-se depois impossível aferir a coerência das funções que lhe impomos, por exemplo, se sequer sabemos o que ele é. A linguagem é definida por FERDINAND DE SAUSSURE, em linhas gerais, como um conjunto de signos (língua) que pode ser articulado pelo sujeito de diferentes modos, segundo códigos distintos (fala) [21]. Segundo FLUSSER, "a língua é o conjunto de todas as palavras percebidas e perceptíveis, quando ligadas entre si de acordo com regras preestabelecidas." [22]

A linguagem é, então, o modo pelo qual o homem se comunica com os demais: é o meio para que ele se relacione, que viva em sociedade; e é também o modo pelo qual ele articula o que pensa, manifesta os sentidos construídos. Parece-nos que estas funções da linguagem são inegáveis. Cumpre perquirir se ela tem outras funções, e não questionar que a linguagem possibilita o intercâmbio entre os seres humanos.

A questão não está, portanto, em questionar a linguagem como meio para diversas ações humanas, mas questionar se ela somente serve para isso. A linguagem também confere sentido aos objetos, ela os forma, os cria, segundo VILÉM FLUSSER. Mas é a linguagem, conjunto de signos, que cria o objeto ou é o sujeito por meio da linguagem? Pode-se dizer que os dois. O homem verá um dado bruto enquanto um objeto (linguístico, compreendido), quando tiver acesso, por meio de seu intelecto, a ele sensorialmente ou quando tiver acesso a um relato sobre ele também sensorialmente [23].

O homem irá pensar sobre ele e poderá articulá-lo no momento em que colocá-lo dentro da sua linguagem, somente assim podendo conhecê-lo e compreendê-lo. Essa constituição do objeto linguístico é influenciada pela pré-compreensão do homem, ou seja, pela linguagem que conseguiu até hoje apreender. Deste modo, o sujeito tem sua "bagagem" cognoscitiva adquirida ao longo dos anos, os seus valores e o seu interesse que determinarão a construção de qualquer sentido por ele [24]. A linguagem que ele emprega para isso irá determinar também os sentidos que ele conferirá aos dados do mundo externo [25].

O dado bruto existe, é real e é pressuposto para que o sujeito possa construir o objeto linguístico. Não cabe questioná-lo, portanto. Pelos nossos sentidos: visão, tato, olfato, audição e paladar, nós temos acesso aos dados brutos, que são coisas-em-si, únicas. Se cada sujeito irá pensar sobre isso de um modo distinto ou, se cada grupo de sujeitos irá construir o fenômeno, a imagem mental do dado bruto, e pensar sobre ele de modos distintos, esta é outra questão.

O conhecimento e a linguagem não são sinônimos, portanto, em nossa concepção. Apenas podemos conhecer algo, para depois compreender, se este algo estiver vertido em linguagem, que é o meio pelo qual o ser humano articula o seu pensamento e se expressa exteriormente [26].

Considerar compreensão e linguagem como sinônimos, por outro lado, depende da definição que é dada à linguagem. Se o signo, elemento linguístico, é uma figura tridimensional, envolvendo significante, significado e significação, e aquilo que o ser humano compreende é significação, a compreensão humana terminar por ser um aspecto linguístico, uma dimensão da linguagem. Uma vez que pensemos na linguagem enquanto significantes, torna-se difícil aceitar que a compreensão humana seja linguagem, mas, ao pensarmos que as significações apenas podem ser atribuídas pelo homem por meio dos signos, percebemos que aquilo que o homem compreende não pode ser outra coisa senão linguagem.

Se entendermos ao pé da letra que VILÉM FLUSSER defende que a linguagem cria, forma e propaga a realidade; compreensão e linguagem serão sinônimos. De fato, partindo do pressuposto de que a linguagem é significante, significado e significação; linguagem é forma e conteúdo. Ela permite a existência do conteúdo materialmente ou mentalmente. A linha teórica que trata a linguagem como o próprio pensamento humano, como aquilo que compreendemos, como a própria realidade, é uma vertente do Construtivismo, este que é desenvolvido por diversos autores com diferentes focos e, consequentemente, diferentes conclusões.

Outra questão envolve a confusão entre mente e linguagem. Se a linguagem é normalmente compreendida como um sistema de signos que pode ser articulado em códigos distintos, ela não pode, em nossa opinião, ser confundida com a mente humana, com as atividades (sinapses) cerebrais que possibilitam a construção de sentidos a partir do mundo externo.

De acordo com JOHN SEARLE, o homem conhece e compreende a realidade por meio da intencionalidade, ou seja, da sua relação com o mundo externo e consequentes sinapses cerebrais realizadas com base nesta relação. Os seus estudos neurolinguísticos demonstram que é a mente que constrói sentidos, ainda que todos eles se revelem por meio da linguagem. Esta, todavia, não é capaz de possibilitar a construção de sentidos, uma vez que não faz parte do sujeito, não é um dos seus órgãos, não se confunde com o cérebro humano. Se a linguagem, enquanto conjunto de signos, construir sentidos, então não é o sujeito que o faz.

Para a linguagem ser, ela mesma, construtiva de sentidos, formadora da realidade, ela precisa ser definida como parte da mente humana ou algo parecido. Há uma linha teórica inatista, que é construída a partir da obra de NOAM CHOMSKY, a qual vê a linguagem como um fator genético, que já nasce com cada ser humano. NOAM CHOMSKY defende, numa linha biolinguística, que a linguagem foi possível após evoluções genéticas do ser humano, de modo que o cérebro foi se permitindo construir linguagem e desenvolvê-la. O próprio autor admite que passa a tratar da linguagem como outra coisa, distinta daquela linguagem mais comumente conhecida. Este é um cuidado que se deve tomar. No ímpeto de defender a extrema relevância da linguagem, alguns autores terminam por defini-la de um modo diferenciado, não mais tratando daquilo que se entende corriqueiramente por linguagem.

CHOMSKY explica que as crianças podem articular linguagem com a qual ainda não tiveram qualquer contato. Isto se deve ao fato de a faculdade da linguagem já nascer com elas, não dependendo da sua relação com o mundo. O que CHOMSKY sustenta é a aptidão do homem para apreender uma linguagem específica, pois a natureza o programou para isso. Assim como outros animais têm aptidões para algo, o homem, dentre outras coisas, tem, de forma inata, corpo e mente preparados para articular linguagem.

O ser humano não nasce sabendo a linguagem, sabendo as palavras. Por mais que possua algum inatismo, nada foi provado cientificamente acerca da articulação da linguagem pelos bebês sem que eles tenham tido qualquer contato com ela. Muito pelo contrário, os estudos demonstram que os bebês vão construindo a sua linguagem de acordo com os fatores externos que o vão influenciando e a partir da sua capacidade mental, psíquica.

Ainda que os bebês possam produzir frases que eles não tenha ouvido, eles as construirão com base naquilo que já apreendeu durante a sua vida. CELSO LUFT realiza uma leitura da obra de CHOMSKY que está de acordo com o que vem sendo dito aqui [27]. Para ele, CHOMSKY explica que o ser humano, ao longo do tempo, foi desenvolvendo uma pré-disposição para articular linguagem [28]. Deste modo, o homem não nasce com linguagem, ela não faz parte do ser humano, mas a natureza humana evoluiu para que pudesse operá-la, de modo que o cérebro do homem, mesmo quando este é um recém-nascido, está pronto para construir e desenvolver linguagem, sendo possível expressá-la pelo corpo humano.

Como já levantado anteriormente, não se pode negar totalmente o Inatismo. O homem nasce propenso a produzir linguagem. As evoluções genéticas humanas construíram um sistema cerebral que permite a apreensão, a produção, a emissão etc. de linguagem. Isto não significa que a linguagem se torne um órgão do ser humano, mas que o seu cérebro – este sim parte do corpo humano – se desenvolveu para operar a linguagem, assim como ouvidos e boca, por exemplo, evoluíram para permitir a comunicação, a recepção e a emissão de sons linguísticos.

2.3 A INTERPRETAÇÃO (CONSTRUÇÃO) DO DIREITO TRIBUTÁRIO

Preferimos denominar a chamada "interpretação do direito tributário" de construção do direito tributário, pois este é, em regra, resultado de processos interpretativos, e não o seu objeto. Quando se fala em interpretação do direito tributário, quer-se dizer interpretação do plano da expressão, sendo que o direito tributário é o produto, e não o objeto do processo [29].

Na linha do que vem sendo dito, a interpretação, a despeito de ser uma atribuição de sentidos por parte do sujeito, deve seguir uma racionalidade, ou seja, ainda que o operador do direito, enquanto intérprete, possa construir qualquer norma jurídica que quiser, ela será ou não aceita pelos demais a depender do conteúdo da norma e dos argumentos que sejam oferecidos para justificá-la.

Uma vez que a justificação se dá por meio do convencimento dos demais, valendo-se de argumentos passíveis de aceitação pelas partes, por seus advogados, pelos órgãos superiores do Poder Judiciário e da sociedade de um modo geral; o resultado da interpretação deve estar baseado naquilo que é normalmente compreendido pela comunidade (pelo auditório) como justificante de normas jurídicas. A argumentação jurídica será tratada logo à frente, cumprindo agora destacar as dificuldades que nos chamam atenção no que toca à interpretação jurídico-tributária.

Diferentes argumentos podem impulsionar a decisão jurídica que encerra o processo interpretativo. Inicialmente, realiza-se uma análise linguística para a construção das possibilidades significativas (normativas), ou seja, a primeira fase interpretativa é aquela em que são construídas as significações possíveis a partir de determinado caso concreto em face dos textos normativos que o regulam. Neste momento, cresce a importância da Semiótica, cabendo a análise dos signos sob os ângulos semântico, sintático e pragmático.

Em seguida, é preciso tomar uma decisão pela norma jurídica que será aplicada, resolvendo pela solução a ser dada ao problema do mundo social trazido ao direito. A tomada de decisão é extremamente argumentativa. Em outras palavras, é neste momento que um ou mais argumentos pesará(ão) sobre os demais e determinará(ão) uma solução para o caso concreto. Daí, mais uma vez, a importância da argumentação jurídica, que estuda os motivos que são aceitos ou não pelo direito para a tomada de decisão. Um juiz pode tomar uma decisão de modo a beneficiar os contribuintes, pois o filho dele é empresário e pagará menos tributo, assim como pode tomar a mesma decisão com base na necessidade de máxima proteção dos direitos fundamentais, da existência de um princípio da estrita legalidade etc.

Se ele justificar a sua decisão no primeiro argumento – do menor pagamento de tributos pelo seu filho – ela será facilmente impugnável, uma vez que não se trata de argumento válido para o direito. Se expuser o segundo argumento, então a sua decisão terá maiores chances de aceitação.

A preocupação maior hoje é definir como uma decisão poderá ser mais ou menos aceitável. No caso do Direito Tributário, a sua interpretação é determinada pelas próprias normas do Direito Tributário. O direito, na medida em que vai sendo construído, determina aquilo que venha a ser construído pela frente. Assim como na Ciência do Direito, aquilo que é "dito" no direito deve manter coerência com aquilo que já foi "dito" no sistema do direito.

A interpretação no Direito Tributário tem as suas especificidades, decorrente das peculiaridades das normas e dos fatos tributários regulados por elas. Isto não quer dizer que o Direito Tributário seja interpretado diferentemente das demais subáreas, mas que o conteúdo resultante da interpretação será direcionado pelas particularidades do próprio Direito Tributário. As decisões tomadas em questões entre Estado e cidadão-contribuinte, provavelmente, não seriam as mesmas se envolvessem uma relação entre dois cidadãos, dois particulares.

As normas constitucionais, por exemplo, são construídas sob algumas circunstâncias específicas. "Quatro delas merecem referência expressa: a) superioridade hierárquica; b) a natureza da linguagem; c) o conteúdo específico; d) o caráter político." [30] Os autores do Direito Constitucional, a exemplo de CANOTILHO e do citado BARROSO, pouco divergem sobre a necessidade de uma construção diferenciada de suas normas, uma vez que, como em qualquer outro sub-ramo do direito, as suas peculiaridades são determinantes para o resultado da interpretação [31].

Não se trata de um método de interpretação próprio, até porque, como visto, a interpretação não é método, mas ato de compreensão. Aliás, os chamados métodos de interpretação sistemático, teleológico, gramatical e outros não são propriamente métodos que serão aplicados autonomamente em determinada situação, afastando uns dos outros. São óticas, perspectivas da interpretação. Todas elas sempre são utilizadas quando se interpreta, porém uma, ou algumas delas, poderá prevalecer sobre as demais para que se chegue a uma resposta procurada [32].

O fundamento que suportou o referido argumento da maioria dos autores, contrário ao princípio do in dubio pro contribuinte, sempre foi o de que o Direito Tributário não comportaria critérios interpretativos próprios [33]. Realmente, não há formas de interpretações específicas para cada sub-ramo do direito. O que há é singularidade nos conteúdos de cada um, decorrente da singularidade dos seus respectivos objetos, determinando o resultado da interpretação, que ocorrerá pelos mesmos critérios para qualquer texto normativo e para qualquer fato posto ao exame do operador do direito.

Pedimos vênia para discordar, portanto, da clássica doutrina que utiliza o argumento de que o Direito Tributário é um direito como qualquer outro, não comportando singularidades em sua interpretação. O Direito Tributário, além de ter os seus mais importantes princípios e regras construídos a partir do texto constitucional, envolve uma relação jurídica muito específica entre Estado – ou quem lhe faça às vezes – e cidadão. Esta relação tem como objeto uma prestação que afeta os direitos fundamentais de propriedade e de liberdade do contribuinte, dentre outros direitos.

As peculiaridades do sistema constitucional tributário impedem, por exemplo, que se tribute em desrespeito à estrita legalidade, à tipicidade cerrada, à capacidade contributiva, à proibição de confisco, dentre outros diversos princípios e regras que determinam o resultado da chamada interpretação do Direito Tributário. Uma vez que não poderão ser construídas normas que afrontem aos princípios e às regras do sistema constitucional tributário, as próprias normas tributárias estão a determinar a interpretação dos textos e fatos postos ao crivo do operador do Direito Tributário.

O mesmo acontece, como dito, com o Direito Constitucional e não é diferente para os demais sub-ramos. O direito processual civil, à guisa de exemplo, é construído sob a égide do devido processo legal, que chega a ser considerado uma "cláusula" que fundamentaria todas as demais normas do sistema constitucional processual. O Direito Penal, de maneira igual, não pode ser construído de modo a limitar o direito de liberdade do réu mais do que o permitido pelo sistema. O in dubio pro reo é um princípio que fundamenta e emana eficácia interpretativa, influenciando todas as demais normas do sistema penal e processual penal. Aliás, como se verá, as proximidades entre o Direito Tributário e o Direito Penal não são poucas.

Enfim, o argumento mais recorrente dentre os doutrinadores para negar a inexistência do in dubio pro contribuinte é descabido em nossa opinião. Entendemos que há sim um argumento sistemático favorável ao princípio em decorrência da especificidade das normas contidas no subsistema constitucional tributário, as quais têm como objeto uma relação muito peculiar, a tributária. A chamada interpretação do Direito Tributário comporta, por conseguinte, características próprias nos seus resultados, ou seja, nos conteúdos das normas jurídicas construídas.

Entendemos que a construção do Direito Tributário deve se dar de um modo a permitir o abastecimento dos cofres do Estado, porém com o máximo de cuidado com a propriedade do contribuinte, um direito fundamental seu. Essas e outras matérias serão analisadas em seguida quando do exame em torno dos argumentos que determinam a tomada de decisão no direito. A interpretação jurídica, se entendida como um processo decorrente de duas fases, que se inicia com a construção das significações possíveis e se finda com a tomada de decisão, está totalmente imbricada com os temas da linguagem na primeira fase e da argumentação na segunda. Já analisamos a relação entre linguagem e interpretação, vejamos agora como a teoria da argumentação jurídica pode colaborar para a teoria da decisão do direito.


3 A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARGUMENTAÇÃO NO DIREITO

Como não poderia deixar de ser, já viemos tratando da argumentação ao falarmos um pouco da linguagem e da interpretação, tendo em vista que são temas totalmente imbricados. Deste modo, continuaremos falando da interpretação, porém com maior foco na argumentação, ou seja, no processo argumentativo, que pode ser destacado basicamente em dois contextos: da descoberta e da justificação. Quando se fala em argumentação, ela é normalmente associada à retórica, ao convencimento, à sua fase justificativa, esquecendo-se da sua função na própria descoberta, na decisão que encerra o processo interpretativo.

A importância dos argumentos para a solução dos problemas jurídicos é um imperativo que se torna claro a partir do que está sendo aqui apresentado. Quando se pensava que existia uma norma única que deveria ser aplicada ao caso concreto, a interpretação estava voltada unicamente para encontrá-la, como uma verdade inexorável. Ainda entendida como um método, que teria diferentes vertentes: literal ou gramatical, sistemático etc.; a interpretação seria utilizada para revelar a norma escondida (implícita) ou já manifesta (expressa) no texto.

Com a evolução nos estudos linguísticos, hermenêuticos e argumentativos, nota-se hoje que, em muitos casos, diferentes normas podem ser construídas. A despeito de existirem algumas situações menos complexas, nas quais os fatos e os dispositivos normativos não criam maiores problemas para o operador do direito, em grande parte dos casos concretos, diferentes construções aceitáveis são possíveis, o que nos permite perceber que a tarefa interpretativa do direito é muito mais engenhosa do que se pensava.

As normas jurídicas podem, então, ser construídas a partir de diferentes perspectivas, impulsionadas por fundamentos distintos, ou seja, diferentes argumentos podem ser empregados para a construção das normas jurídicas (contexto da descoberta) e, posteriormente, para a sua justificação (contexto da justificação).

Cabe aqui abrir parênteses para tratar de tema muito em voga, o do processo decisório do julgador. Ainda que boa parte dos autores defenda que os julgadores, primeiramente, decidem, para depois ir procurar no sistema o modo que irão justificar a sua decisão, entendemos que, em diversos casos, não é bem assim. Mesmo que assim o seja, não são, em nossa opinião, tais julgamentos comprometidos com a realização do sistema jurídico. O julgador deve buscar a resposta nos argumentos (válidos) que estão ao redor do caso a ser solucionado e tomar a decisão somente após a análise, a interrelação e o sopesamento dos argumentos.

Decidir em um sentido porque o texto é aparentemente claro revela a aplicação de um argumento linguístico. Decidir contrariamente à suposta clareza do texto, pois outro texto, de hierarquia superior, diz contrariamente, apesar de ser menos claro, revela a aplicação de um argumento sistemático. Quando tomamos posições cientificamente ou quando um juiz decide um caso concreto, estamos, a todo o momento, argumentando. Usamos os argumentos para tomar as nossas posições e depois os empregamos para justificá-las. Daí escolhermos, em regra, se quisermos obter êxito, a decisão que se embasa nos argumentos que serão mais facilmente aceitos pelos demais (pelo auditório receptor da argumentação).

Como ficou claro, partimos do pressuposto de que existem diferentes possibilidades normativas, mas é possível se falar em uma norma melhor que as demais? "Depende" seria a resposta mais adequada. Pergunta-se: melhor norma em que sentido? Qual seria a melhor norma? Se estivermos a falar da norma que melhor decida o caso concreto, a resposta é, peremptoriamente, "não"! O direito é objeto cultural, impregnado de questões valorativas, não sendo possível se determinar qual é a melhor decisão ou a pior.

Por outro lado, é possível se falar em decisões mais bem justificadas de acordo com o sistema jurídico e outras menos. É possível falar em decisões mais bem justificadas no sistema linguístico em jogo do que as outras. Como é possível perceber, a norma jurídica está muito mais relacionada aos argumentos e à retórica do que poderíamos antes imaginar. Em todo caso, é inegável que análises qualitativas como as que tratam da melhor norma, da mais adequada ao sistema etc. estarão sempre submetidas à subjetividade do operador do direito.

A teoria da argumentação jurídica não tem, portanto, a pretensão de devolver a certeza que antes se pensava existir no direito. Assumindo a impossibilidade de uma certeza total, a argumentação busca compreender como se formam as diferentes possibilidades normativas, facilitando ao operador do direito o afastamento daquelas que não respeitem algumas regras para a racionalidade da decisão. Estudar os argumentos permite-nos, por exemplo, saber quais aqueles podem e quais não podem ser utilizados para a tomada de decisão.

Especificamente no Direito Tributário, podemos destacar algumas características peculiares dos argumentos empregados para a tomada de decisões, designando algumas características deles, vislumbrando algumas relações e, quem sabe, conferindo-lhes algum peso em casos específicos. Entendemos que uma das partes mais importantes da teoria da argumentação é o estudo do catálogo de argumentos que dispõe o emissor de uma mensagem. Veremos, em seguida, um pouco sobre o catálogo de argumentos que o Direito Tributário utiliza para a solução das suas questões.

3.2 O CATÁLOGO DE ARGUMENTOS UTILIZADOS PARA A TOMADA DE DECISÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.2.1 A importância do estudo dos argumentos

Quando se fala em decisões jurídicas e na sua justificação, surge logo uma dúvida: quais os argumentos possíveis para a justificação das decisões jurídicas? Um tema sempre em voga e que está intrinsecamente vinculado a esta pergunta é o da interpretação econômica do Direito Tributário. É possível tomar uma decisão jurídica valendo-se de aspectos econômicos? E a partir de argumentos políticos e sociológicos?

Muitos dos estudiosos da argumentação tentaram elaborar catálogos de argumentos [34], ou seja, relações de topoi que poderiam ser utilizados para o convencimento, para a justificação de algo. Esse catálogo sofre mudanças de acordo com a matéria que é objeto da argumentação. No caso da argumentação jurídica, a importância dos argumentos acompanha, evidentemente, as especificidades do objeto "direito".

Os argumentos, chamados de topoi [35], são o sustentáculo da construção das normas jurídicas. Em outras palavras, os argumentos regem o sopesamento das possibilidades interpretativas e a sua interrelação define a escolha pela solução que parecer mais adequada. Após a interpretação dos textos normativos e dos fatos, quando surgem as possibilidades de normas jurídicas a serem aplicadas a determinado caso concreto, a decisão por uma das opções se dará em face das relações de prevalência entre os argumentos em jogo.

Nota-se, portanto, a essencialidade do estudo dos argumentos jurídicos, os quais conferem maior objetividade (ou menor subjetividade) e rigor técnico para a construção das normas jurídicas. Este estudo, porém, a despeito de poder ser realizado em forma de teoria geral, deverá ser adequado a cada ramo do direito, pois cada qual possui as suas peculiaridades, o que leva a uma mudança, em certos casos, na importância e no interrelacionamento dos argumentos.

HUMBERTO ÁVILA traz uma classificação dos argumentos jurídicos que é interessante [36]. Ele não apenas cataloga os argumentos jurídicos, mas também trata da sua multidirecionalidade, da sua interrelação, tudo pensado para o objeto "direito". A partir da discussão acerca da imunidade dos livros eletrônicos, ele organiza os argumentos que podem ser empregados no direito, em forma classificatória, para facilitar o seu estudo e a sua utilização na prática.

Como o próprio autor lembra [37], uma classificação dos argumentos não pode ser totalmente rígida a ponto de criar óbices para outras espécies de topoi ou para outras relações entre os mesmos que possam vir a surgir de um caso concreto de maior complexidade, os chamados hard cases [38].

Outra observação que deve ser feita diz respeito à multiplicidade e à multidirecionalidade dos argumentos. O estudo da argumentação jurídica revela que a grande maioria das decisões judiciais tomadas por juízes brasileiros são justificadas insuficientemente, assim como a grande maioria das tomadas de posição por parte da doutrina. Os argumentos em jogo, quando da aplicação de uma norma jurídica a um caso difícil, podem ser inúmeros, assim como um mesmo argumento pode ter diferentes vieses que levam a diferentes conclusões. As soluções aceitáveis podem ser duas ou mais. Como então é possível decidir a partir de um único argumento?

Tanto o Poder Judiciário como a doutrina do direito têm pecado no que toca à argumentação. As decisões, sejam judiciais, sejam doutrinárias, precisam ser suficientemente justificadas, e não apenas fundamentadas [39], sob pena de perderem a sua força e se tornarem inconsistentes [40]. O maior número possível de argumentos deve ser examinado e sob os seus diferentes vieses. O primeiro erro clássico é buscar um argumento e, a partir dele, decidir, quando existem inúmeros outros argumentos favoráveis e contrários que estão em jogo. O segundo erro é não perceber que os argumentos não são unidirecionais, ou seja, muitas vezes um argumento que é empregado para sustentar uma decisão num sentido pode ser empregado para justificar outra decisão em sentido totalmente contrário.

Desse modo, para se ter uma justificação suficiente, é preciso muito mais do que decidir e se apoiar em um argumento. Faz-se necessário levantar todos os argumentos prós e contra, analisá-los com cuidado e, somente então, decidir. Se assim for feito, teremos decisões judiciais melhor justificadas, o que levará a uma evolução do seu próprio nível e permitirá uma maior ampla defesa, um maior debate por meio dos recursos. Do ponto de vista descritivo-doutrinário, o emprego da argumentação jurídica e a análise minuciosa dos argumentos permitirão uma melhora no nível das construções científicas, elevando o debate na doutrina jurídica brasileira, evitando, por exemplo, discussões intermináveis entre posições que defendem a mesma tese, porém parecem ser contrárias por falta de postura analítica (definição acurada dos termos lingüísticos) e argumentativa (justificação adequada).

3.2.2 Os argumentos, os seus pesos e as suas interrelações

Na concepção de HUMBERTO ÁVILA, é possível estabelecer um catálogo de argumentos, assim como conferir pesos a cada um deles, colocando-os em uma enumeração por grau de importância para a tomada de decisão no direito. Aos argumentos, podem ser atribuídos pesos tendo em vista o direito brasileiro, permitindo chegar a decisões jurídicas justificadas, com mais objetividade, e não somente explicadas, de modo subjetivo [41].

O próprio autor, em seguida, afirma que os argumentos se interrelacionam e possuem distintas dimensões, de modo que somente os fatos poderão determinar aqueles argumentos que pesarão mais. Concordamos com esta última colocação. Apesar de ser instigante enumerar os argumentos por peso e, apesar de ser até possível utilizar argumentos razoáveis para situar uns à frente dos outros no plano abstrato, apenas perante as circunstâncias do caso concreto, apenas frente ao problema é que se terá uma resposta acerca da relevância de cada topoi. Isto porque, a depender do caso que deve ser decidido, o contexto histórico-social pode assumir um caráter central e determinar que a interpretação sistemática se dê de um modo não tão esperado. Ou, ainda, uma circunstância específica do fato a ser regulado pode exigir uma norma determinada, e não aquela comumente aplicável aos casos semelhantes.

HUMBERTO ÁVILA situa os argumentos sistemáticos e os linguísticos como os mais fortes, pois são imanentes ao ordenamento jurídico. Os históricos, os genéticos e os práticos, estes últimos chamados pelo referido autor de não-institucionais, teriam menor força, seguindo esta ordem decrescente. No entanto, como viemos defendendo, as práticas culturais da sociedade (argumentos históricos), os valores que determinaram a criação de um texto normativo (argumentos genéticos) e as circunstâncias do caso concreto (argumentos práticos) ingressam na fórmula para a construção da norma jurídica. Até que ponto então eles seriam mais fracos do que os demais? Há casos em que, apesar de haver um forte argumento lingüístico, há uma circunstância prática que exige a opção por determinada norma jurídica.

Por mais que se tente afastar os argumentos práticos das decisões jurídicas, tendo em vista que abrem espaço a uma maior subjetividade do intérprete, é para os fatos que a norma se voltará. Negar a sua influência sobre ela nos parece um retrocesso aos estudos que vem realizando o pós-positivismo, encabeçado por HESSE [42], HÄBERLE [43] e MÜLLER [44]. Por evidente, o argumento prático terá que encontrar respaldo nos argumentos lingüísticos, ou não poderá ser utilizado, tendo em vista que a norma jurídica deflui de uma conjugação dialética entre os textos normativos e os fatos, ou os relatos dos fatos.

Os valores envolvidos nas discussões jurídicas têm papel essencial para a sua solução. Em caso de conflitos entre normas, deve prevalecer aquela que tem maior peso valorativo, ou seja, que realiza valores de maior importância. Os argumentos genéticos baseiam-se exatamente nos valores que justificaram a elaboração de determinado texto normativo. Verifica-se o que o legislador, representante da sociedade, buscava realizar com a lei que foi elaborada, quais os valores que pretendia ver protegidos e procura-se realizar uma projeção para a realidade atual e para os fatos em discussão, analisando se os fins que levaram à edição do ato normativo condizem com o momento presente. A mudança dos costumes, por exemplo, pode levar à mudança de interpretação, assim como as necessidades da sociedade podem ser outras.

A relevância dos argumentos genéticos [45] não pode, por conseguinte, ser descartada [46]. Aliás, estes argumentos estão imbricados aos próprios argumentos teleológicos [47], que são uma espécie de argumento sistemático, o que impede a colocação a priori do argumento genético como um topoi inferior ao argumento sistemático.

Os argumentos históricos decorrem das evoluções históricas ocorridas e buscam demonstrar que um enunciado prescritivo que tinha uma interpretação não pode mais tê-la em face das mudanças ocorridas ao longo do tempo. É fundamental que a norma corresponda ao contexto histórico ao qual será aplicada, o que confere importância aos argumentos históricos.

A sua relação com os demais argumentos é também indiscutível. As evoluções históricas se dão no plano fático, o que leva a crer que os argumentos históricos refletem os argumentos práticos. Aqueles advêm das mudanças ocorridas na realidade social, na realidade prática. A razão do argumento é exatamente a demonstração de mudanças nas práticas sociais. Aliás, o argumento histórico também demonstra que o legislador elaborou o texto normativo frente a um contexto determinado, porém as mudanças fáticas não mais suportam a aplicação da norma que imaginou o legislador que seria construída a partir do texto por ele criado. Deste modo, a interrelação entre argumentos históricos e genéticos é total.

Os argumentos sistemáticos são importantes sem dúvida, uma vez que o direito é um sistema e deve ser conhecido em sua unicidade. Eles envolvem os argumentos teleológicos [48], pois os valores são determinados pelo próprio sistema e somente é possível apreciar os valores subjacentes a uma norma após construí-la sistematicamente. Os argumentos sistemáticos também envolvem os jurisprudenciais, uma vez que a jurisprudência dá a última "palavra normativa" e seus arestos, suas súmulas, são utilizados como base para a construção das normas jurídicas também.

Por outro lado, apesar da importância dos argumentos sistemáticos, deve-se notar que o sistema é um conjunto de normas jurídicas. O argumento sistemático surge após um primeiro esforço interpretativo, ou seja, os próprios argumentos sistemáticos advêm da já referida dialética entre textos e fatos, o que mostra que, em verdade, todos os argumentos estão imbricados e o seu maior peso apenas pode ser verificado no momento da justificação, com fundamentos razoáveis que busquem satisfazer as necessidades da sociedade, este sim o fim do direito, que pode guiá-lo. Mas ainda ficamos com o problema de saber qual a decisão que melhor satisfaz aos anseios da sociedade em cada caso.

Não há como se afirmar objetivamente o que mais satisfaz à sociedade, representando a decisão mais justa, até porque, nos casos mais difíceis, podem surgir vontades diversas apontando para decisões diferentes. O que pode ser feito é proporcionar, cada vez mais, uma participação efetiva desta sociedade nas decisões jurídicas.

Enfim, há caminhos que podem ser traçados para guiar o operador do direito a soluções que sejam de grande razoabilidade e próximas do que a maior parte da sociedade deseja. Decidir de forma totalmente objetiva, no entanto, é algo impossível. Isto parece estar claro. Não se pode mais afirmar que há sempre uma solução mais adequada [49]. O direito busca agora estudar meios para que se chegue o mais próximo possível de decisões que revelem as ideologias prevalecentes na sociedade, que permitam uma melhor convivência, maior igualdade, dignidade etc., além de buscar controlar as decisões daqueles que ainda insistem, por desconhecimento ou por má vontade, em deixar de utilizar a argumentação jurídica como norte para a justificação das suas tomadas de posição.

3.3 O CATÁLOGO DE ARGUMENTOS UTILIZADOS PARA A TOMADA DE DECISÕES NO DIREITO TRIBUTÁRIO

3.3.1 Argumentos sistemático-teleológicos

A partir da análise da imunidade dos livros eletrônicos sob o ângulo da argumentação jurídica, perpetrada por HUMBERTO ÁVILA, é possível desenvolver algumas ideias no que toca especificamente ao Direito Tributário. Apesar de informações óbvias, nunca é demais repeti-las, pois, no momento de colocar a teoria em prática, elas são realmente, muitas vezes, esquecidas. Falamos da importância das normas constitucionais no Direito Tributário. Aliás, qualquer sub-ramo do direito está determinado pelas normas constitucionais a ele afetas. No caso do Direito Tributário, destaca-se o longo caminho percorrido pelo constituinte originário e reformador, que redigiu inúmeros dispositivos constitucionais, os quais permitem a construção de uma infinidade de normas constitucionais tributárias.

Não é surpresa, então, que a maioria dos argumentos sistemáticos tributários decorra da aplicação de normas constitucionais. Praticamente toda discussão tributária resvala necessariamente na CF/88, uma vez que tocará no direito fundamental de propriedade ou no direito fundamental de liberdade, colocando-os frente ao poder estatal de tributar, também concedido pela Constituição.

De início, entendemos que os direitos fundamentais têm uma maior carga axiológica do que os demais direitos e, sobretudo, do que os poderes estatais [50]. Seriam necessárias muitas páginas para tratar a fundo do tema. Em linhas gerais, os direitos chamados fundamentais não são assim denominados à toa; o próprio sistema jurídico demonstra isso quando considera cláusulas pétreas aqueles dispositivos que os veiculam e diz que eles devem ter máxima aplicabilidade etc. [51] Nesta linha de pensamento, os direitos fundamentais geram um maior ônus argumentativo para a sua limitação, exigindo argumentos robustos, mais contundentes do que o normal, para que possam ser "vencidos", como afirma ROBERT ALEXY [52].

HUMBERTO ÁVILA sustenta que o direito à igualdade, por exemplo, exige um maior ônus argumentativo para a sua limitação [53]. Não se pode dizer que ele prevalecerá sempre sobre os demais direitos ou sobre os poderes estatais, mas serão necessários argumentos muito fortes para que ele ceda espaço. A despeito de ser possível estabelecer uma espécie de hierarquia, em abstrato, dos próprios direitos fundamentais, parece-me evidente que todos eles têm essa aptidão de possuir maior carga axiológica do que os demais direitos e do que os poderes estatais [54].

Os direitos fundamentais são o âmago protetivo da pessoa humana, do cidadão. Estão ali os direitos básicos à sobrevivência do homem no mundo, devendo receber uma atenção especial, mesmo que se saiba que eles poderão e deverão, de qualquer modo, sofrer limitações.

Fechando esses parênteses sobre os direitos fundamentais, o fato é que o Direito Tributário é puro Direito Constitucional e, a partir deste último, ele deve ser construído. Os julgamentos do STF, por exemplo, que se eximem de analisar uma questão tributária sob a alegação de que a matéria constitucional estaria tocada por via reflexa, são, com o devido respeito, uma imensa afronta aos direitos do cidadão. É lá na CF/88 que estão encartados os direitos fundamentais do cidadão-contribuinte, com todas as suas garantias. Quando o STF deixa de analisar uma discussão tributária, está impossibilitando que essa seja vista sob o ângulo dos direitos fundamentais, com aplicação das limitações constitucionais do poder de tributar etc.

3.3.2 Argumentos sistemático-jurisprudenciais

O STF, acertadamente, vem seguindo uma linha protetiva dos direitos fundamentais em diversos julgamentos. Por repetidas vezes, o Egrégio Tribunal deixa clara a necessidade de limitar o poder estatal, evitando os seus naturais excessos. Mesmo em julgamentos de questões tributárias, o STF já se manifestou num sentido de conter a atuação estatal. Ocorre, entretanto, que esta linha não é mantida. Uma vez que o próprio tribunal reconhece a importância de uma efetivação dos direitos fundamentais, o tratamento conferido ao cidadão deve ser, em regra, o de proteção, de cuidado, o que não é observado com muita frequência.

A CF/88 indica uma necessidade de proteção dos direitos fundamentais; a doutrina estrangeira e nacional também segue este sentido; por fim, a própria jurisprudência do STF, tribunal constitucional do país, dá indícios de seguir uma linha de limitação do poder estatal como uma regra. As circunstâncias parecem convergir para uma aceitação do in dubio pro contribuinte enquanto um argumento constitucional, que impõe o aumento do ônus argumentativo para as decisões contrárias aos direitos fundamentais dos contribuintes.

Se não há normas prontas ou mesmo consideradas corretas, sabemos quais as normas que devem ser aplicadas em determinados casos concretos ou em certos gêneros de casos. A jurisprudência é que determina aquilo que é ou não é normativamente. Uma vez assentada a inconstitucionalidade, em controle abstrato, de uma norma pelo STF, o único modo de ver outra norma aplicada é fazendo o próprio tribunal modificar o seu entendimento.

Essas e muitas outras considerações podem ser realizadas num sentido de aclarar o processo que determina a construção de uma norma tributária por meio dos argumentos que estão em jogo. Pelo objetivo que tem este trabalho, não nos alongaremos no tratamento de cada espécie de argumentos, deixando essa tarefa para outra oportunidade. O importante é deixar clara a vinculação entre linguagem, interpretação e argumentação, propondo uma maior intersecção entre os temas e, sobretudo, um crescimento de interesse pelo estudo dos argumentos jurídicos.


4 CONCLUSÕES

O presente trabalho busca realizar uma análise da interpretação levando em consideração os estudos mais contemporâneos sobre o tema. Trata-se de uma investigação de ordem filosófica, que busca chegar a resultados dentro da teoria da decisão do direito. Esta não é mais tão desvinculada da teoria formal do direito e, principalmente, da teoria dogmática, como se pensava, crescendo, cada vez mais, a atenção do jurista sobre a tomada de decisão, que antes era vista como algo extrajurídico, um momento posterior ao que interessava realmente ao direito.

Hoje se nota que a decisão é o ato que encerra o processo interpretativo (percurso gerador de sentido), construindo a norma jurídica a ser aplicada. Deste modo, a teoria dogmática do direito, anteriormente pensada como uma, até certo ponto, simples construção crítica a partir dos textos, como se nele fosse possível encontrar as normas jurídicas prontas e acabadas, não tem mais espaço. A mera análise dos textos, mesmo que crítica, é apenas o primeiro passo do processo interpretativo que se encerrará por meio de uma decisão.

Do século passado para este, a Ciência do Direito passou por inúmeras evoluções que precisam ser estudadas com mais afinco. As mudanças ocorridas em concepções filosóficas centrais para o conhecimento humano provocaram necessidades de alterações em diversas teorias jurídicas. Dentre as noções mais importantes que passaram por evoluções está a de "interpretação". Esta deixou de ser compreendida como um método para extração de sentidos, sendo entendida como um ato que permite a compreensão por parte do ser humano, uma construção de sentidos realizada pelo sujeito a partir do mundo.

As passagens da Filosofia do Ser para a Filosofia da Consciência e depois para a Filosofia da Linguagem refletiram intensamente na Ciência do Direito. Se o direito é normalmente entendido como um sistema de normas jurídicas e a construção destas (interpretação), que solucionam os problemas do caso concreto, é hoje estudada de modo bem diferente, nota-se que a Ciência do Direito passou por alterações em suas bases, no seu âmago.

As passagens referidas levaram à conferência de uma maior importância ao sujeito no processo interpretativo, atribuindo-se também maior ênfase à linguagem. O Giro-Linguístico permitiu perceber que a linguagem não somente busca representar os objetos do mundo, mas que ela também confere sentidos a eles. Ainda, estes objetos não contêm sentidos em si, apesar de terem sentidos associados a eles ao longo do tempo dentro de uma comunidade lingüística.

Quanto ao conhecimento humano, assumimos uma posição ontognosiológica, compreendendo ser possível uma conciliação entre Construtivismo e Realismo naquilo em que não se contradizem. É possível estudar o conhecimento (Epistemologia) valorizando o sujeito e o dado bruto, sem retirar a importância que ambos têm nesse processo comunicacional.

O sujeito é quem atribui sentidos aos objetos por meio da linguagem. Este é o ato interpretativo, que inicia com um levantamento das possibilidades significativas e é concluído com uma decisão do sujeito pela significação que lhe parece mais adequada. Na fase inicial, de construção das significações, a linguagem é determinante, uma vez que é ela que permite ao sujeito atribuir sentidos aos textos normativos frente aos fatos que serão regulados. Na fase final, de tomada de decisão, a argumentação assume papel central, pois os argumentos determinarão a norma jurídica que será aplicada e deverão ser empregados para a sua justificação perante o auditório, que deve aceitá-la.

No que toca à linguagem, que constitui a realidade compreendida pelo homem a partir do acesso do intelecto à realidade dos dados brutos, ela assume papel central na primeira fase interpretativa, quando o sujeito atribui os sentidos possíveis ao texto normativo e aos fatos que serão regulados. Aqui o sujeito constrói significações observando os aspectos semântico, sintático e pragmático. Linguisticamente, ele elenca as significações aceitáveis, deixando para a fase argumentativa a maior parte das valorações, das ponderações etc.

No que toca à argumentação, ela guia a fase de tomada de decisão, inserida no contexto argumentativo da descoberta, quando se interrelaciona as significações consideradas possíveis, sopesando os argumentos favoráveis a cada uma e decidindo pela que se julga mais adequada.

Uma vez que os argumentos determinam as nossas tomadas de decisão e são empregados para justificá-las, o seu estudo torna-se claramente relevante. O sujeito deve conhecer as espécies de argumentos utilizados para decidir juridicamente, tornando possível, frente ao caso concreto, detectá-los, interrelacioná-los e sopesá-los. Basicamente, pode se falar em cinco espécies de argumentos particularmente jurídicos: sistemáticos (teleológicos e jurisprudenciais), lingüísticos, genéticos, históricos e práticos.

No caso do Direito Tributário, a especificidade do seu objeto leva à particularidade de suas normas, o que permite, inclusive, falar num sistema constitucional tributário. Se as normas do sistema determinam a construção das demais normas, então a interpretação no Direito Tributário leva a resultados diferenciados com relação às demais subáreas.

Entendemos que o Direito Tributário, quando da análise dos argumentos sistemáticos gerais (teleológicos e jurisprudenciais), impõe uma especial proteção ao cidadão-contribuinte, parte mais fraca na relação, protegendo os direitos fundamentais, os quais são dotados, a priori, de uma carga axiológica maior do que os demais direitos e, principalmente, do que os poderes estatais.

Para a limitação dos direitos fundamentais, o que inclui os direitos de propriedade e de liberdade do contribuinte, o ônus argumentativo imposto à tomada de decisão é maior. Para os julgamentos contrários ao cidadão, a justificativa deve ser forte, robusta, ou não será válida a decisão, por ferir a CF/88. É o que esperamos que venha a consolidar o STF em um futuro próximo.


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Notas

  1. "Apesar da enorme importância deste conceito em relação a todo fenômeno jurídico, é pequena a atenção que lhe tem dedicado a teoria do direito. Esta tem se preocupado mais com a teoria formal, especialmente com a teoria das normas, ou com a teoria da ciência jurídica, aqui em dimensões menores, e menos ao grande tema das decisões como motor do desenvolvimento jurídico e portanto institucional. Essa deficiência só pode ser atribuída à visão estreita do positivismo jurídico, que se dedicou quase permanentemente à dissecação anatômica do direito de lege lata, isto é, pressupondo a ordem jurídica já produzida, o que leva a abandonar o aspecto dinâmico" (ROBLES, Gregorio. O direito como texto. Trad. Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005, p. 60).
  2. "Mas apesar de toda essa crítica que a filosofia analítica faz à hermenêutica, percebemos a expressão de uma certa concessão que a filosofia analítica faz à hermenêutica e que é muito maior do que se pensa, quando ela diz que a filosofia analítica sem a hermenêutica é vazia e a hermenêutica sem a filosofia analítica é cega. Quer dizer, a filosofia analítica se não der conta de certos temas fundamentais da hermenêutica, não tem assunto, não tem conteúdo, mas que por outro lado, se a hermenêutica não der valor aos instrumentos formais da analítica, ela não utiliza tudo para poder enxergar de verdade as questões fundamentais da linguagem" (STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre: Edipucrs, 2004, p. 84-85).
  3. Paulo de Barros Carvalho é um dos autores que destaca a importância de conciliar a Analítica e a Hermenêutica, tendo desenvolvido o método que chama de Construtivismo Lógico-Semântico, que é uma excelente proposta para o estudo do direito. O método que utilizamos neste trabalho é uma vertente do Construtivismo Lógico-Semântico, porém que se foca mais na argumentação – que também não é esquecida por Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Noeses, 2009, passim).
  4. Ampliando as teorias tridimensionais do direito, que veem este como um fenômeno que comporta três dimensões: norma, fato e valor; preferimos falar em uma pluridimensionalidade, levando também em consideração a pré-compreensão do sujeito-intérprete e o texto enquanto suporte físico. A a) norma é o elemento central do direito, mas, para a sua construção, influem diversos aspectos: b) o texto (suporte físico) que é o objeto de interpretação por um sujeito influenciado pela sua c) pré-compreensão e pelos seus d) valores, que deve levar em consideração, nesta atividade construtiva, as e) circunstâncias fáticas específicas e gerais (contexto) e os f) valores em jogo no caso concreto que será regulado.
  5. "Interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta" (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 10).
  6. "O plano de conteúdo do direito positivo (normas jurídicas) não é extraído do substrato material do texto, como se nele estivesse imerso, esperando por alguém que o encontre. Ele é construído como juízo, na forma de significação, na mente daquele que se propõe a interpretar seu substrato material. O suporte físico do direito posto é apenas o ponto de partida para a construção das significações normativas, que não existem senão na mente humana." (TOMAZINI, Aurora. Curso de teoria geral do direito. São Paulo: Noeses, 2009, p. )
  7. "Assim, enquanto para os construtivistas a validade do conhecimento é dada pela sua coerência e consistência com a experiência compartilhada pela comunidade de observadores, os objetivistas buscam a correspondência entre a representação e a realidade" (GRANDESSO, Marilene. Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica e hermenêutica da prática clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000, p. 79).
  8. A pré-compreensão, os valores e o interesse são todos conteúdos significativos presentes na mente humana. Entendemos ser interessante a distinção entre eles. Basicamente, a pré-compreensão é o conjunto de tudo aquilo que o sujeito já compreendeu até dado momento, é a "bagagem" adquirida ao longo da sua vida. O valor é um conteúdo significativo que denota as percepções do sujeito acerca do mundo, aquilo que ele acha bom ou ruim, bonito ou feio etc. O interesse é, portanto, em regra, um resultado do valor, uma vez que o sujeito se interessa por aquilo que ele entende como bom, por exemplo. O interesse é a vontade por algo, é o que conduz as ações humanas.
  9. Kant foi fundamental para evolução da teoria do conhecimento, conferindo importância ao sujeito, à sua mente, à sua consciência, explicando que o sujeito não conhece o objeto em si, diretamente, em sua essência, mas conhece o fenômeno, a imagem que o objeto desperta em sua mente.
  10. Cristiano Carvalho se diz um adepto do Realismo, que ele toma, baseado em Popper, como uma condição para a inteligibilidade do seu discurso, e não apenas como uma teoria. Nota-se que, além de realista, ele é também construtivista, não negando que a mente humana conheça o mundo e o reduza em linguagem, sendo um exemplo de estudioso do direito (tributário) que concilia estas visões acerca do conhecimento. "O grande erro de muitos céticos, relativistas radicais ou solipsistas, é inverter a causalidade: achar que a mente é que constitui a realidade ou que uma vez que só é possível conhecer alguma coisa a partir da sua própria perspectiva, então, na verdade, só temos acesso a nossa própria mente e nada mais, sendo que a própria realidade pode ser uma ilusão mental. O fato de a mente perceber o mundo, e de a linguagem descrever o mesmo não o constitui nem o altera" (CARVALHO, Cristiano. Ficções jurídicas no Direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008, p. 2). Cristiano Carvalho conclui, então, que "a interdisciplinaridade que vem unindo disciplinas e campos do conhecimento, tais como a Teoria dos Sistemas, a Teoria da Comunicação, a Teoria da Evolução, a Epistemologia Genética de Jean Piaget, a Teoria da Percepção e tantas outras, enfoca o tema do conhecimento como uma interação comunicacional entre sistemas ou entre sistema e ambiente" (Ibidem, p. 3-4).
  11. "A um quadro sumariamente esquematizado desta maneira correspondem as grandes linhas, não menos esquemáticas, do processo cognitivo. Os conhecimentos não partem, com efeito, nem do sujeito (conhecimento somático ou introspecção) nem do objeto (porque a própria percepção contém uma parte considerável de organização), mas das interações entre sujeito e objeto, e de interações inicialmente provocadas pelas atividades espontâneas do organismo tanto quanto pelos estímulos externos" (PIAGET, Jean. Biologia e conhecimento. 4. ed. Trad. Francisco M. Guimarães. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 39-40).
  12. "A Ontognoseologia desdobra-se, por abstração, em duas ordens ou momentos distintos de pesquisas: ora indaga das condições do conhecimento pertinentes ao sujeito que conhece (Gnoseologia); ora indaga das condições de cognoscibilidade de algo, ou, por outras palavras, das condições segundo as quais algo torna-se objeto do conhecimento, ou, em última análise, do ser enquanto conhecido ou cognoscível (Ontologia tomada essa palavra em sentido estrito). Poderíamos, em síntese, dizer que a Ontognoseologia desenvolve e integra em si duas ordens de pesquisas: uma sobre as condições do conhecimento do ponto de vista do sujeito (a parte subjecti) e a outra sobre essas condições do ponto de vista do objeto (a parte objecti). Mais tarde ver-se-á que a Ontognoseologia, após essa apreciação de caráter estático, culmina em uma relação dinâmica entre sujeito e objeto, como fatores que se exigem reciprocamente em um processo dialético de complementaridade" (REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 30).
  13. "Como demonstrado aqui, não há qualquer incompatibilidade entre construtivismo e inatismo, na verdade, ambas as posições acerca do conhecimento se pressupõe em alguma medida. Não podemos conceber um construtivismo absoluto, que não parta de um sujeito ativo que, no mínimo, possua alguma forma inata a aptidão para construir, ou ainda, no dizer de Piaget, que possua um mecanismo geral de inteligência. Da mesma forma, não há qualquer incompatibilidade entre construtivismo e realismo, a não ser em interpretações radicais desta tradição filosófica, que são inconsistentes e que geram consequências pedagógicas profundamente danosas" (CASTAÑON, Gustavo Arja. Construtivismo, Inatismo e Realismo: compatíveis e complementares. Ciências & Cognição, v. X, p. 115-131, 2007. Disponível em: http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v10/m346131.pdf. Acesso em: 27 de novembro de 2009, p. 129).
  14. "A cultura, ao determinar a visão de mundo do homem, não é meramente ‘situacional’ em relação à ação; chega a ser diretamente constitutiva das personalidades, como viu PARSONS. Cada cultura cria uma realidade social, molda as possibilidades do universo humano, uma vez que, ao nascer em determinado plexo social, o influxo oriundo de fora para dentro no sujeito acaba por configurar seu cosmos.[...] Por ser o meio pelo qual a cultura se manifesta, a linguagem é responsável por instaurar a realidade no homem. É a via de acesso do sujeito à realidade mesma. Agora, instaurar não significa criar" (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005, p. 6).
  15. Por exemplo: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Noeses, 2009, p. 170-172 e HARET, Florence (coord.); CARNEIRO, Jerson (coord.). Vilém Flusser e juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009, passim.
  16. "Linguagem e realidade não são idênticas nem poderiam sê-lo. Não há ponto de intersecção entre a linguagem e a realidade física. Se, por um lado, a linguagem ‘representa metaforicamente a realidade’, consolida um ‘modelo de vida’, no dizer de HALLIDAY, por outro, permanece distante das coisas mesmas.
  17. Ao descrever a árvore verde em sua frente, o sujeito não ‘cria’ a árvore verde. A água salgada no oceano Atlântico ‘existia’ antes de alguém identificá-la. Os átomos ‘se encontravam no mundo’ antes mesmo de serem observados" (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005, p. 7).

  18. "Nesse momento, é bom esclarecer um ponto: há distinção entre a realidade entendida como mundo natural ou físico e a realidade compreendida como universo sociocultural, ainda que se empregue a palavra ‘realidade’ em ambos os casos. A linguagem exerce diferentes papéis em cada uma. O próprio SEARLE verificou essa questão ao diferençar os fatos brutos (brute facts ou non-institucional facts) dos fatos institucionais (institucional facts)" (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005, p. 8).
  19. FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007, p. 201.
  20. "Se definimos realidade como ‘conjunto dos dados’, podemos dizer que vivemos em realidade dupla: na realidade das palavras e na realidade dos dados ‘brutos’ ou ‘imediatos’. Como os dados ‘brutos’ alcançam o intelecto propriamente dito em forma de palavras, podemos ainda dizer que a realidade consiste de palavras e de palavras in statu nascendi" (FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007, p. 40).
  21. "No entanto, assim como o fato de eu sempre ver a realidade de um determinado ponto de vista e sob determinados aspectos não quer dizer que eu nunca perceba a realidade diretamente, do mesmo modo o fato de eu precisar de um vocabulário de maneira a afirmar os fatos ou de uma linguagem para identificar e descrever os fatos, não implica que os fatos que estou descrevendo ou identificando não tenham existência independente" (SEARLE, John R.. Mente, linguagem e sociedade: filosofia no mundo real. Trad. F. Rangel. Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p. 29-30).
  22. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Trad. Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 15 e ss.
  23. FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007, p. 41.
  24. "No entanto, de maneira curiosa, o intelecto sente a diferença entre palavra de dado bruto. Quando os sentidos lhe fornecem palavras já feitas, isto é, quando eu ouço ou leio palavras, a reação do intelecto difere de sua reação em face dos dados brutos. Em face do dado bruto, inalcançável, mas intimamente próximo, o intelecto se precipita sobre uma palavra, ele articula. Em face da palavra, ele compreende e toma contato imediato, ele conversa (FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007, p. 47).
  25. "Mesmo quando percorrida por uma interpretação, ela se recolhe novamente numa compreensão implícita. E é justamente nesse modo que ela se torna fundamento essencial da interpretação cotidiana da circunvisão. Essa sempre se funda numa posição prévia (N54). Ao apropriar-se da compreensão, a interpretação se move em sendo compreensivamente para uma totalidade conjuntural já compreendida. A apropriação do compreendido, embora ainda velado, sempre cumpre o desvelamento guiada por uma visão que fixa o parâmetro na perspectiva do qual o compreendido há de ser interpretado. A interpretação funda-se sempre numa visão prévia (N54)" (HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 211). "A reflexão hermenêutica de Heidegger tem o seu ponto alto não no fato de demonstrar que aqui prejaz um círculo, mas que este círculo tem um sentido ontológico positivo. A descrição como tal será evidente para qualquer intérprete que saiba o que faz. Toda interpretação correta tem que proteger-se da arbitrariedade de intuições repentinas e da estreiteza dos hábitos de pensar imperceptíveis, e voltar seu olhar para "as coisas elas mesmas" (que para o filólogos são textos com sentido, que tratam, por sua vez, de coisas)" (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. 9. ed. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 2008, V. I, p. 355).
  26. Não se deve confundir o fato de a linguagem poder ser articulada de diferentes modos, produzindo diferentes sentidos, distintas realidades, com o fato de a linguagem construir o que é real. A linguagem permite distintas visões da realidade, do mundo que está à volta, dos acontecimentos. A linguagem revela sentido e a visão que damos às coisas. A linguagem constrói a nossa visão de realidade (compreendida), e não realidade (dados brutos). "‘A qualidade da linguagem que a torna única não parece ser tanto o seu papel na comunicação de diretrizes para a ação’ ou outras características comuns da comunicação animal, prossegue Jacob, mas, antes, ‘seu papel na simbolização, na evocação de imagens cognitivas’, em ‘moldar’ a nossa noção de realidade e em produzir a nossa capacidade de pensamento e planejamento, por intermédio de sua exclusiva propriedade de permitir ‘infinitas combinações de símbolos’ e, portanto, ‘a criação mental de mundos possíveis’, ideias estas que podem ser datadas da revolução cognitiva do século XVII" (CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. Trad. Roberto Leal Ferreira. 3. ed. São Paulo: UNESP, 2009, p. 318).
  27. "Para ser elevado ao nível do discurso, todo objeto requer linguagem, mesmo que sua existência dela independa. Isso não pode acarretar a confusão entre pensamento, palavras e coisas" (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005, p. 9).
  28. Assim como Luft, entendemos que Noam Chomsky não sustenta que a linguagem nasça dentro do ser humano, que seja uma parte do seu cérebro, mas que seja uma pré-disposição. O homem não nasce com a linguagem, mas o seu cérebro se desenvolveu para articulá-la, de modo que os bebês podem dizer uma frase ou uma expressão, ainda que não tenham tido acesso direto a elas, pois terão tido acesso a outras que permitirão a construção de novas. "O ser humano nasce provido de uma gramática genérica, ‘gramática universal, de universais linguísticos’. É a tese do inatismo, muitas vezes mal interpretada. Evidentemente ninguém nasce com a gramática de uma língua determinada. Nasce, isto sim, com uma estrutura linguística genérica, base para a apreensão das estruturas linguísticas específicas de qualquer língua natural" (LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: por uma nova concepção da língua materna. São Paulo: Ática, 2008, p. 52).
  29. "Do leque de fenômenos que podemos, grosso modo, considerar relacionados com a linguagem, a abordagem biolinguística concentra a atenção num componente da biologia humana que participa do uso da aquisição da linguagem, seja como for que se interprete o termo ‘linguagem’. Chamemo-la ‘faculdade da linguagem’, adaptando um termo tradicional a um novo uso. Esse componente está mais ou menos no mesmo nível que o sistema visual dos mamíferos, a navegação dos insetos ou outros" (CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente. Trad. Roberto Leal Ferreira. 3. ed. São Paulo: UNESP, 2009, p. 314).
  30. "Antes disso, no entanto, um aspecto importantíssimo deve ser explicitado, atinente ao equívoco reiteradamente consumado pelos que supõem que se interpretam normas. O que em verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos resultam as normas" (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 27).
  31. "Embora seja uma lei e deva ser interpretada, a Constituição merece uma apreciação destacada dentro do sistema, à vista do conjunto de peculiaridades que singularizam suas normas" (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 111).
  32. Canotilho trata, assim como Barroso, das especificidades encontradas na construção das normas constitucionais. Ele afirma que a construção das normas constitucionais deve observar "dimensões específicas": "metodológicas", "teorético-políticas", "teorético-jurídicas", "metódicas", "teorético-linguísticas" e "teorético-constitucionais". Ver CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1206-1210.
  33. O que queremos sustentar é que não existe um método interpretativo que exclui os demais em determinado caso concreto. Isto negaria aquilo que defende a teoria da argumentação jurídica, que utilizamos como uma de nossas premissas, pois, na construção da norma jurídica que será aplicada, temos diferentes argumentos que refletem distintas possibilidades interpretativas. O sujeito sempre interpreta aplicando todos os chamados métodos interpretativos. Daí advém os argumentos linguísticos, sistemático-teleológicos, práticos etc. Estes argumentos são consequências da ótica interpretativa que é imposta: gramatical, teleológica, pragmática etc.
  34. MICHELI, Gian Antonio. Curso de Direito Tributário. Trad. Marco Aurélio Greco e Pedro Luciano Marrey Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 48; VILLEGAS, Hector. Curso de Direito Tributário. Trad. Roque Antônio Carraza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 75; FALCÃO, Amílcar. Introdução ao Direito Tributário. Atual. Flávio Bauer Novelli. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 65-66; TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do Direito Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 52-53.
  35. "Como se vê, Aristóteles esboça na sua tópica uma teoria da dialética (entendida, aqui, no sentido de arte retórica, cf. supra I, I), na qual ele proporciona um catálogo de tópicos estruturado de modo flexível e apto a fornecer relevantes serviços à prática. É isso que interessa a Cícero. Ele entende por tópica uma prática da argumentação que adota um catálogo de tópicos, que com este propósito ele elaborou. Apesar de Aristóteles tratar, ainda que não de modo exclusivo, mas em primeiro lugar, da formação de uma teoria, para Cícero importa, ao invés, a aplicação de um catálogo de topoi. Não obstante o interesse de o primeiro estar voltado, essencialmente, aos fundamentos, o segundo se preocupa com os resultados" (VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. 5. ed. Trad. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008, p. 30).
  36. "Topoi são para Aristóteles, então, pontos de vista empregáveis em muitos sentidos, aceitáveis universalmente, que podem ser empregados a favor e contra ao opinável e podem conduzir à verdade" (Ibidem, p. 25-26).
  37. ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 5, agosto, 2001. Disponível em: <www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 02 jul. 2008, passim.
  38. "É verdade que fazer as distinções entre os argumentos pode conduzir à rigidez classificatória; e a rigidez classificatória pode levar à desconsideração da multiplicidade de relações entre os argumentos diferenciados, bem como pode deixar de fazer frente ao caráter prático-institucional do Direito. Não é menos verdade, no entanto, que deixar de fazer as devidas distinções entre os argumentos pode levar à arbitrariedade argumentativa; e a arbitrariedade argumentativa conduz à não-fundamentação das premissas utilizadas na interpretação jurídica" (Ibidem, p. 5).
  39. LENIO STRECK afirma ser inadequada a clássica distinção entre easy e hard cases (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso – Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 377-379). Ousamos discordar do autor. Para ele, sempre há a pré-compreensão em jogo. Em nenhum caso haverá um zero de sentido, de modo que nenhum caso seria fácil. Cremos que ninguém discordaria totalmente disso. A distinção em questão tem objetivos muito mais didáticos e separa aqueles casos em que as possibilidades de discussões – sejam valorativas, sejam lingüísticas, sejam de qualquer outra espécie – são bem menores. Trata-se daqueles casos concretos que geram pouquíssimas discussões, requerendo menor esforço argumentativo. Os casos difíceis, por outro lado, trazem problemas de maior agudeza, necessitando de um esforço argumentativo muito maior, da aplicação da ponderação e de outras ferramentas que permitam chegar à solução mais adequada. É evidente que a divisão não é perfeita e alguns casos poderiam gerar dúvidas a respeito da sua facilidade ou dificuldade, o que, a nosso ver, não retira a sua importância didática.
  40. A teoria da argumentação jurídica diferencia fundamentação e argumentação. Fundamentar significa dar um motivo para decidir, o que é insuficiente. Não basta explicar porque decidiu, mas é necessário detalhar o porquê de ter chegado ao motivo que levou à decisão, explicando a sua validade, a sua aplicabilidade àquele caso. A justificação envolve a fundamentação e a fundamentação da fundamentação. O operador do direito deve remeter aos textos normativos aplicáveis, demonstrar porque são aplicáveis e, se possível, porque outros de possível aplicação deveriam ser afastados em determinado caso. HUMBERTO ÁVILA não fazia essa diferenciação, como se pode ver de alguns trechos aqui citados, mas passou a realizá-la em ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, passim.
  41. HUMBERTO ÁVILA tem a mesma opinião. "O que deve ficar claro é que não se pode tolerar, num Estado Democrático de Direito, uma ‘justificação’ que, a pretexto de fundamentar uma interpretação, termine por encobri-la. Ora, fundamentar é justamente proporcionar acesso interpessoal às razões que motivaram determinada decisão de interpretação. Esse esclarecimento é possível de ser feito; e deve ser levado a cabo não só pelo Poder Judiciário, mas também pela doutrina. Fundamentar é, pois, como levar alguém para um passeio informando-lhe o ponto de partida e o ponto de chegada, o veículo de transporte e as razões da viagem" (ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 5, agosto, 2001. Disponível em: <www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 02 jul. 2008. p. 33).
  42. ÁVILA, Humberto. Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 5, agosto, 2001. Disponível em: <www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 02 jul. 2008. p. 4-5.
  43. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, passim.
  44. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Sérgio Antônio Fabris, 2002, passim.
  45. MÜLLER, Friedrich. A teoria estruturante do direito. Trad. Peter Neumann, Eurides Avance de Souza. São Paulo: RT, 2008, passim.
  46. Robert Alexy ressalta a importância dos argumentos genéticos, sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais. "No âmbito dos direitos fundamentais, por vinculação da argumentação ‘à lei’ deve ser compreendida uma vinculação ao texto das disposições de direito fundamentais e à vontade do legislador constituinte. Expressão dessa vinculação são, sobretudo, as regras e formas da interpretação semântica e da interpretação genética" (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 552).
  47. Sobre a importância dos argumentos genéticos, Sacha Calmon afirma: "frequentemente a doutrina lança-se sobre a lei no afã de interpretá-la, sem querer conhecer a sua ‘exposição de motivos’, ao argumento de que feita a lei, doravante importa apenas examiná-la, desimportante a vontade dos seus fautores (sic). Nada é tão arrogante quanto essa prepotência interpretativa. Desprezam-se os valores, interesses e objetivos que informaram a feitura da lei. Sua genética não pode nem deve ser relegada pelo intérprete, mormente nos Direitos Tributário e Penal. Não é com evolver da história que os valores e as normas se transmutam?" (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária – o significado do art. 116, parágrafo único, do CTN. São Paulo: Dialética, 2003, p. 140).
  48. "Na interpretação genética inclui-se ainda a interpretação subjetiva-teleológica, que se refere aos objetivos que o legislador constituinte associou às disposições de direitos fundamentais" (ALEXY, Robert. Op. cit., p. 552).
  49. "Por outras palavras: não é tarefa do pensamento teleológico, tanto quanto vem agora a propósito, encontrar uma qualquer regulação <<justa>>, a priori no seu conteúdo – por exemplo no sentido do Direito Natural ou da doutrina do <<Direito justo>> - mas apenas, uma vez legislado um valor (primário), pensar todas as conseqüências até o fim, transpô-lo para casos comparáveis, solucionar contradições com outros valores já legislados e evitar contradições derivadas do aparecimento de novos valores" (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. 3 ed. Trad. de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 75).
  50. "A ‘exatidão’ dos resultados, que são obtidos no procedimento exposto de concretização de normas constitucionais, não é, por causa disso, uma tal de uma demonstrabilidade exata como aquela das ciências naturais; esta, no âmbito da interpretação jurídica, pode permanecer nunca mais que uma ficção e ilusão dos juristas, atrás da qual se escondem, não expressamente e incontroláveis, as verdadeiras razões da decisão, ou, também, só decisão calada" (HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 68-69).
  51. "Nada obstante, tornou-se corrente o registro doutrinário de que determinadas normas constitucionais desempenham funções diferentes ou são dotadas de uma ‘superioridade axiológica’ quando comparadas com outras. [...] Mais que isso, quando se trata da Constituição, a questão do conteúdo das normas assume importância ainda maior: como se sabe, uma das características mais marcantes das Cartas contemporâneas é precisamente a decisão de constitucionalizar valores materiais e opções políticas, de modo que ignorar as diferenças que existem entre as normas constitucionais no que diz respeito ao seu conteúdo não faria sentido algum diante das opções do próprio constituinte originário" (BARCELLOS, Ana Paula. Alguns parâmetros normativos para a interpretação constitucional. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 108).
  52. "Se, portanto, todas as normas constitucionais são dotadas de um mínimo de eficácia, no caso dos direitos fundamentais, à luz do significado outorgado ao art. 5º, §1º, de nossa Lei Fundamental, pode afirmar-se que aos poderes públicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficácia possível, outorgando-lhes, neste sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a presunção da aplicabilidade e plena eficácia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui, em verdade, um dos esteios de sua fundamentalidade formal no âmbito da Constituição" (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 271).
  53. "Assim, o texto das disposições de direitos fundamentais vinculam a argumentação por meio da criação de um ônus argumentativo a seu favor" (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 553).
  54. "[...] pode-se afirmar que não são os contribuintes que devem aduzir razões de extrema importância para serem tratados da mesma forma, mas é o ente estatal que deve aduzi-las para tratá-los de forma diferente. [...]
  55. Até aqui foi analisada a repercussão geral da prevalência axiológica da igualdade, notadamente com relação ao ônus argumentativo decorrente da denominada presunção de igualdade dos contribuintes" (ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 160).

  56. "Algo semelhante é o que Schlink tem em vista quando diz que ‘direitos fundamentais [são] regras sobre o ônus argumentativo’. Aqui não interessa ainda investigar se tais regras sobre ônus argumentativo são corretas. O que aqui interessa é somente que a aceitação de uma carga argumentativa em favor de determinados princípios não iguala seu caráter prima facie ao das regras. Mesmo uma regra sobre ônus argumentativo não exclui a necessidade de definir as condições de precedência no caso concreto. Ela tem como conseqüência apenas a necessidade de se dar precedência a um princípio em relação a outro caso haja razões equivalentes em favor de ambos ou em caso de dúvida" (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 106). Mais à frente, Alexy conclui que "o texto das disposições de direitos fundamentais vinculam a argumentação por meio da criação de um ônus argumentativo a seu favor" (ALEXY, Robert. Op. cit., p. 553).

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VILLAS-BÔAS, Marcos de Aguiar. Linguagem e argumentação: a sua importância para a interpretação no Direito Tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2811, 13 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18681. Acesso em: 28 mar. 2024.