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A responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance

A responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance

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Resumo: A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance surgiu na França, na década de 60 do século passado. Foi criada pela doutrina francesa para tutelar aquelas situações em que uma pessoa era lesada em uma pretensão futura, séria e real, mas que não conseguia demonstrar, de forma inequívoca, que obteria a vantagem pretendida caso o normal desenvolvimento dos fatos não tivesse sido interrompido pela conduta lesiva do ofensor. Para sua aplicação é necessário que a chance perdida apresente certo grau de probabilidade quanto a sua efetivação, isto é, quanto à obtenção do benefício futuro pretendido pela vítima ou, quanto à evitabilidade de prejuízo iminente, não havendo que se falar em reparação no caso de mera possibilidade aleatória. Desse modo, ocorrendo à injusta frustração de uma chance séria e real, surge para a vítima o direito de ser indenizada, não pela perda da vantagem futura, mas sim pela frustração da oportunidade de consegui-la. A chance perdida, portanto, deve ser considerada como um patrimônio presente, materializado na possibilidade concreta de se alcançar uma situação futura mais benéfica. A indenização pela perda de uma chance, desse modo, deve sempre tomar por base à própria chance perdida, com amparo em um juízo de probabilidade quanto a sua efetivação, e não a vantagem patrimonial concreta que dela decorreria, caso se efetivasse da maneira esperada pelo lesado.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Chance séria e real. Indenização proporcional.

Base de Pesquisa: Educação, Direito e Psicanálise do vínculo social.


1 INTRODUÇÃO

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance surgiu na França, na década de 60 do século passado. Era utilizada pela doutrina francesa nos casos em que alguém, em virtude de ato lesivo perpetrado por outrem, se via privado da oportunidade de obter uma condição futura mais benéfica ou de evitar um prejuízo. Por meio desse importante instituto jurídico, os franceses buscaram resguardar os direitos daqueles que, tendo sido lesados em uma chance séria e real, de auferir vantagem futura ou de evitar um dano iminente, não conseguiam provar que caso o normal desenvolvimento dos fatos não tivesse sido interrompido, pela conduta lesiva de um terceiro, teriam alcançado o benefício pretendido.

Tais pessoas, em vista da impossibilidade de se desincumbirem do ônus da prova, notadamente no que diz respeito à certeza do dano, imprescindível à concessão de indenização a título de lucros cessantes, se viam privadas da tutela estatal, não obstante o prejuízo por elas suportado, em decorrência da chance perdida.

Essa teoria vem recebendo ampla aceitação no direito brasileiro, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, conforme restará demonstrado no decorrer deste trabalho. Apesar de tal fato, a teoria em análise tem sido erroneamente aplicada por alguns de nossos Tribunais, o que se deve, provavelmente, a escassez de estudos científicos específicos sobre o tema.


2 TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 ORIGEM

A responsabilidade, numa fase inicial das comunidades, resumia-se ao direito de vingança. A pessoa que sofria um mal podia, por meio da autotutela, ir à desforra, ou buscar fazer justiça pelas próprias forças, sem que sofresse qualquer tipo de reprimenda por parte do poder estatal que então existia.

Nesse momento histórico, os homens faziam justiça pelas próprias mãos, amparados na Lei do Talião, onde valia o brocardo "olho por olho, dente por dente", ou seja, vigorava o princípio da reparação do mal pelo mal, baseado na máxima de que "quem com ferro fere, com ferro será ferido".

Posteriormente, surgiu à figura da composição, pela qual se criou uma espécie de tarifação dos danos, aonde para cada ofensa era estipulada uma pena, ou uma retribuição.

De acordo com Rizzardo (2006, p. 33), "esse sistema já constava na Lei das XII Tábuas, e remanesce, ainda hoje, em certas regiões de origem islâmica, onde se prevêem diferentes penas corporais para delitos de furto, de estupro, de morte, de lesões".

Mas, segundo Gonçalves (2003, p. 34):

É na Lei Aquília que se esboça, afinal, um princípio geral regulador da reparação do dano. Embora se reconheça que não continha ainda uma regra de conjunto, nos moldes do direito moderno, era, sem nenhuma dúvida, o germe da jurisprudência clássica com relação à injúria, e fonte direta da moderna concepção de culpa aquiliana, que tomou da Lei Aquília o seu nome característico.

É por causa da Lei Aquília que se fala em responsabilidade aquiliana, como sinônimo de responsabilidade extracontratual.

A referida norma legal, conforme ensina Venosa (2007, p. 16):

Foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens.

Conforme se percebe da análise do entendimento acima transcrito, a Lei Aquília foi criada para regular os casos de responsabilidade civil extracontratual, decorrente da prática de ato ilícito.

Na lição de Diniz (2004, p. 11), a Lei Aquília:

Veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa.

Com o advento da Revolução Industrial, ganhou força à teoria da responsabilidade civil objetiva, principalmente pelo florescimento de idéias de cunho social, que visavam combater as injustiças sociais e a exploração do homem pelo seu semelhante nas relações de trabalho.

"Nas últimas décadas, tem adquirido importância à teoria do risco, que assenta a responsabilidade no mero fato de exercer uma atividade perigosa, ou de utilizar instrumentos de produção que oferecem risco pela sua manipulação ou controle" (RIZZARDO, 2006, p. 34).

É importante salientar, contudo, que a teoria do risco não anulou a teoria da culpa, mas passou a constituir, juntamente com ela, o fundamento da responsabilidade civil.

Hodiernamente, nosso Código Civil admite a imposição de responsabilidade civil com base na culpa (responsabilidade subjetiva) e na teoria do risco (responsabilidade objetiva), nos casos em que a lei assim determina.

Na tentativa de sintetizar o processo de evolução da responsabilidade civil, trazemos a lume o pensamento de Venosa (2007, p. 17), que assim o resumiu:

A história da responsabilidade civil na cultura ocidental é exemplo marcante dessa situação absolutamente dinâmica, desde a clássica idéia de culpa ao risco, das modalidades clássicas de indenização para as novas formas como a perda de uma chance e criação de fundos especiais para determinadas espécies de dano, como danos ecológicos.

Conforme restou demonstrado, a responsabilidade civil passou por um longo processo de evolução histórica, desde a idéia clássica de culpa até os dias atuais, onde é cada vez mais forte a tendência pela fixação de responsabilidades objetivas.

2.2 CONCEITO

Segundo Diniz (2004, p. 39), o vocábulo "responsabilidade" é "oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. Tal termo contém, portanto, a raiz latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais".

Para Venosa (2007, p. 1), "o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de uma ato, fato, ou negócio danoso".

Rodrigues (2007, p. 6), por sua vez, com amparo nos ensinamentos de Savatier, define a responsabilidade civil como sendo "a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam".

De acordo com Cavalieri Filho (2008, p. 2):

Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico.

"Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário" (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2).

Como se pode perceber, o supracitado autor, ao definir responsabilidade civil, o faz com base em dois outros conceitos estruturais, quais sejam os de dever jurídico originário e dever jurídico sucessivo, que por sua vez, formam a espinha dorsal da definição e permitem uma adequada noção do instituto da responsabilidade civil.

Ainda de acordo com o mencionado civilista, "em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto que na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo. Daí a feliz imagem de Larenz ao dizer que a responsabilidade é a sombra da obrigação" (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2).

Com o intuito de colocar em termos práticos a situação jurídica acima delineada pelo referido autor, podemos citar como exemplo o dever que incumbe a todos de respeitar a integridade física, psíquica e moral das pessoas. Tem-se aí um dever jurídico originário, correspondente a um direito personalíssimo, do qual surgirá para aquele que o descumprir, um outro dever jurídico, o de reparar o dano causado. A responsabilidade civil, portanto, apresenta-se como sendo o instrumento jurídico pelo qual se impõe a alguém o dever de indenizar ou reparar o dano por ele causado, direta ou indiretamente, como conseqüência da quebra de um dever jurídico pré-existente.

2.3 FUNDAMENTOS

Conforme ensina Diniz (2004, p. 57):

No nosso ordenamento jurídico reconhece-se em determinadas hipóteses a responsabilidade objetiva, conservando, porém, o princípio da imputabilidade do fato lesivo, fundado na culpa. Temos, de um lado, a culpa, e, de outro, o risco – por força de lei – como fundamentos da responsabilidade civil.

Sobre o tema, Cavalieri Filho (2008, p. 16/17) leciona que:

O Código Civil de 2002, em seu art. 186 (art. 159 do Código civil de 1916), manteve a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva. A palavra culpa está sendo empregada em sentido amplo, latu sensu, para indicar não só a culpa stricto sensu, como também o dolo. Por essa concepção clássica, todavia, a vítima só obterá a reparação do dano se provar a culpa do agente, o que nem sempre é possível na sociedade moderna. O desenvolvimento industrial, proporcionado pelo advento do maquinismo e outros inventos tecnológicos, bem como o crescimento populacional geraram novas situações que não podiam ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa. Importantes trabalhos vieram, então, à luz na Itália, na Bélgica e, principalmente, na França sustentando uma responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada na chamada teoria do risco, que acabou sendo também adotada pela lei brasileira em certos casos, agora amplamente pelo Código Civil no parágrafo único do seu art. 927, art. 931 e outros (...).

No mesmo sentido é o entendimento de Venosa (2007, p. 6), para quem "a insuficiência da teoria da culpabilidade levou à criação da teoria do risco, com vários matizes, que sustenta ser o sujeito responsável pelos riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano".

Com amparo nos ensinamentos acima delineados, pode-se concluir que a responsabilidade civil, em nosso ordenamento jurídico, apresenta-se sob duas vertentes principais, a da responsabilidade subjetiva, que é a regra, e tem como fundamento a teoria da culpa, e a da responsabilidade objetiva, que constitui uma tendência do atual Código Civil, fundamentando-se na lei e na teoria do risco.

2.4 PRESSUPOSTOS

Para que alguém seja responsabilizado civilmente, faz-se necessária a presença de algumas condições, vale dizer, de pressupostos, sem os quais a responsabilização não se efetivará.

Esses pressupostos, conforme o entendimento da doutrina majoritária são: a conduta humana (comissiva ou omissiva); o dano ou prejuízo; o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e a culpa.

Cavalieri Filho (2008, p. 23), ao tratar sobre o primeiro pressuposto da responsabilidade civil (conduta humana comissiva ou omissiva), leciona que:

Entende-se, pois, por conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo conseqüências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo.

Ao analisar o segundo pressuposto da responsabilidade civil (dano ou prejuízo), Diniz (2004, p. 42/43) se reporta a "ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima por ato comissivo ou omissivo do agente ou de terceiro por quem o imputado responde, ou por fato de animal ou coisa a ele vinculada".

Ainda sobre o dano, a supracitada autora ensina que "não pode haver responsabilidade civil sem dano, que deve ser certo, a um bem ou interesse jurídico, sendo necessária a prova real e concreta dessa lesão". (DINIZ, 2004, p. 42/43).

De acordo com Venosa (2007, p. 273), "Para que ocorra o dever de indenizar não bastam, portanto, um ato ou conduta ilícita e o nexo causal; é necessário que tenha havido decorrente repercussão patrimonial negativa material ou imaterial no acervo de bens, no patrimônio de quem reclama".

O nexo causal, terceiro pressuposto da responsabilidade civil, "é o liame que une a conduta do agente ao dano" (VENOSA, 2007, p. 45). "É o vinculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado" (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 45).

A relação de causalidade é elemento essencial da responsabilidade civil, evidenciada no vínculo jurídico que ata a conduta do agente ao resultado danoso. É por meio da análise desse elemento que se chega à conclusão de que determinado dano foi, ou não, ocasionado pela atuação do agente a quem se imputa responsabilidade.

Antes de conceituar o último pressuposto da responsabilidade civil (culpa), cumpre salientar que alguns autores a incluem como parte integrante da conduta, falando-se assim em conduta culposa e não em conduta e culpa como elementos distintos.

Segundo o magistério de Cavalieri Filho (2008, p. 32) a culpa:

Tem por essência o descumprimento de um dever de cuidado, que o agente podia conhecer e observar, ou, como querem outros, a omissão de diligência exigível, a dificuldade da teoria da culpa está justamente na caracterização precisa da infração desse dever ou diligência, que nem sempre coincide com a violação da lei.   

Para Stoco (1999, p. 66), "a culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na ilicitude, e o subjetivo, do mau procedimento imputável".

"Em sentido amplo, culpa é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar" (VENOSA, 2007, p. 22).

Como forma de sintetizar os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, pode-se afirmar que "há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade" (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 17/18).

Cumpre ainda ressaltar, que os três primeiros pressupostos apresentados (conduta humana; dano ou prejuízo e nexo de causalidade) são essenciais, devendo estar presentes em todas as espécies de responsabilidade civil, o que não acontece com a culpa, que se caracteriza como elemento acidental, podendo estar ou não presente, a depender da espécie de responsabilidade civil a ser aplicada.

2.5 EXCLUDENTES

Segundo Venosa (2007, p. 46), "são excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior e, no campo contratual, a cláusula de não indenizar".

Culpa exclusiva da vítima, conforme ensina Cavalieri Filho (2008, p. 64), "é causa de exclusão do próprio nexo causal, porque o agente, aparentemente causador do dano, é mero instrumento do acidente".

Para melhor compreensão, vale citar o exemplo de um individuo que, na tentativa de suicidar-se, se atira sob as rodas de um veículo que passa pelo local, sem que seu motorista possa, por qualquer meio, evitar o atropelamento.

Nesse caso, não se poderá falar em nexo de causalidade entre a conduta do motorista (dirigir de forma adequada) e o resultado morte causado ao suicida. Excluída estará, portanto, a responsabilidade do condutor do veículo.

Sobre o fato de terceiro, Cavalieri Filho (2008, p. 64) ensina que:

Terceiro, é qualquer pessoa além da vítima e o responsável, alguém que não tem nenhuma ligação com o causador aparente do dano e o lesado. Pois, não raro, acontece que o ato de terceiro é a causa exclusiva do evento, afastando qualquer relação de causalidade entre a conduta do autor aparente e a vítima.

Como exemplo de fato de terceiro, excludente da responsabilidade civil do causador aparente do dano, pode ser mencionada a situação do pedestre que é atropelado por um taxista em razão de um caminhão desgovernado ter lançado o veículo dirigido por aquele sobre o transeunte.

A respeito as excludentes do caso fortuito e da força maior, Rizzardo (2006, p. 91) leciona que:

O Código empresta o mesmo significado às expressões, como ocorria com o Código de 1916. Considera a força maior ou o caso fortuito o acontecimento, previsível ou não, que causa danos e cujas conseqüências são inevitáveis. Ou, o que vem a dar no mesmo, ocorre um fato sem que o homem, especialmente o devedor, tenha dado causa. De ordinário, é de acontecimento natural que se trata.

Cavalieri Filho (2008, p. 65), por sua vez, encontra distinção conceitual entre os institutos ora analisados, nos seguintes termos:

Estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável, se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face da força maior, como o próprio nome diz.

Vale aqui ressaltar que os institutos do caso fortuito e da força maior encontram disciplina legal no artigo 393, caput, e parágrafo único, do Código Civil, que os trata como sinônimos, senão vejamos:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultante de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

A cláusula de não indenizar, que exclui a responsabilidade civil no âmbito contratual, é "o ajuste que visa a afastar as conseqüências normais da inexecução de uma obrigação; a estipulação através da qual o devedor se libera da reparação do dano, ou seja, da indenização propriamente dita" (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 514).

Para Venosa (2007, p. 58), "trata-se da cláusula pela qual uma das partes contratantes, declara que não será responsável por danos emergentes do contrato, seu inadimplemento total ou parcial".

"Muito se discute a respeito da validade dessa cláusula. Muitos entendem que se trata de cláusula nula, porque imoral e contrária ao interesse social. No campo dos direitos do consumidor, essa cláusula é nula (art. 51, I)" (VENOSA, 2007, p. 59).

Cumpre também mencionar, como excludentes da responsabilidade civil, as causas excludentes da ilicitude, previstas no artigo 188 do código Civil, quais sejam: o exercício regular de um direito; a legítima defesa e o estado de necessidade.

Sobre o exercício regular de um direito, Venosa (2007, p. 54) ensina que:

Assim como a legítima defesa, também não são passíveis de indenização os danos praticados no exercício regular de um direito. Na mesma dicção, deve estar subentendida outra excludente de índole criminal, o estrito cumprimento do dever legal, porque atua no exercício regular de um direito reconhecido quem pratica ato no estrito cumprimento do dever legal. A compreensão dessas excludentes pertence ao Direito Penal, que as estuda em profundidade.

O conceito de legítima defesa pode ser extraído da dicção do artigo 25 do Código Penal, também aplicável no âmbito cível, para fins de exclusão da ilicitude, segundo o qual "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem".

Sobre o estado de necessidade, Cavalieri Filho (2008, p. 19) leciona que:

O estado de necessidade ocorre quando alguém deteriora ou destrói coisa alheia, ou causa lesão em pessoa, a fim de remover perigo atual ou iminente. O ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Venosa (2007, p. 54) ressalta, entretanto, que:

A escusabilidade do estado de necessidade sofre os temperamentos dos arts. 929 (antigo, art. 1.519) e 930 (antigo, art. 1520). O primeiro desses dispositivos assegura a indenização ao dono da coisa ofendida, se não for culpado pelo perigo, e o segundo dispositivo expressa que, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este deverá ser movida ação regressiva pelo autor do dano, para haver a importância, que tiver ressarcido ao dono da coisa. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano, na hipótese de legítima defesa.

Como se pode perceber, não obstante tratar-se de uma causa excludente da ilicitude, é extremamente complexa e reduzida à possibilidade de o ofensor, que agiu amparado pela descriminante do estado de necessidade, se desobrigar do dever de indenizar.


3 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA PERDA DE UMA CHANCE

3.1 ORIGEM

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance surgiu na França, na década de 60 do século passado. Foi desenvolvida pela doutrina daquele país para ser aplicada aquelas situações em que uma pessoa, por conseqüência de ato ilícito perpetrado por outra, se via privada da oportunidade de obter uma determinada vantagem futura, assemelhando-se assim, de início, ao instituto do lucro cessante.

A semelhança era apenas aparente, pois, conforme ensina Savi (2006, p. 3), "em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance".

Conforme se pode notar, os franceses desenvolveram uma teoria específica para a perda da chance, que defendia a concessão de indenização pela frustração da possibilidade de conseguir uma vantagem, e não pela perda da própria vantagem pretendida.

Em outras palavras, a doutrina francesa passou a fazer uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo, surgindo a partir daí a verdadeira idéia de responsabilidade civil por perda de uma chance.

3.2 CONCEITO

Perda, na língua vernácula, significa o ato ou efeito de perder, a privação de alguma coisa que se possuía, ausência, falta, desaparecimento, extravio, sumiço.

Chance, segundo Venosa (2007, p. 277), "é termo admitido em nosso idioma, embora possamos nos referir a esse instituto, muito explorado pelos juristas franceses, como perda de oportunidade ou expectativa".

De acordo com o supracitado autor, "a oportunidade, como elemento indenizável, implica a perda ou frustração de uma expectativa ou probabilidade" (VENOSA, 2007, p. 278).

Para Cavalieri Filho (2008, p. 75), caracteriza-se a perda de uma chance quando:

Em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante.

Savi (2006, p.1), por sua vez, descreve o instituto como sendo a situação em que, "tendo em vista o ato ofensivo de uma pessoa, alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar um prejuízo".

Desse modo, pode-se concluir que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance é o instituto jurídico por meio do qual a vítima de uma conduta lesiva perpetrada por outrem, pode buscar o ressarcimento pela frustração de uma chance séria e real de obter uma situação futura mais favorável, da qual foi privada.

3.3 NATUREZA JURÍDICA DO DANO CAUSADO PELA PERDA DE UMA CHANCE

No que diz respeito à natureza jurídica do dano ocasionado pela perda de uma chance, a doutrina e a jurisprudência controvertem sobre o tema, entendendo alguns tratar-se de dano moral e outros de dano material, surgindo ainda, entre os que adotam o segundo entendimento, sérias dúvidas sobre enquadrá-la como dano emergente ou lucro cessante.

No entender de Silva (2007, p. 109), poder-se-ia até:

Imaginar um exemplo em que haveria danos presentes e futuros, sendo observados no momento da decisão jurisprudencial: se o médico fez o paciente perder as chances de evitar uma deformidade física permanente, têm-se as despesas com possíveis próteses que já tenham sido adquiridas e implantadas como danos presentes, enquanto a diminuição da capacidade laborativa que subsistirá por toda a vida da vítima seria uma espécie de dano futuro.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar recurso de apelação que versava sobre responsabilidade civil do advogado, aplicou a teoria da perda de uma chance, e concedeu a indenização dela decorrente a título de dano moral, senão vejamos:

Ementa: MANDATO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM VIRTUDE DE PERDA DE PRAZO. DANOS MORAIS JULGADOS PROCEDENTES. A responsabilidade do advogado é contratual e decorre especificamente do mandato. Erros crassos como perda de prazo para contestar, recorrer, fazer preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante são evidenciáveis objetivamente. Conjunto probatório contrário à tese do Apelante. É certo que o fato de ter o advogado perdido a oportunidade de recorrerem conseqüência da perda de prazo caracteriza a negligência profissional. Da análise quanto à existência de nexo de causalidade entre a conduta Apelante e o resultado prejudicial à Apelada resta evidente que a parte autora da ação teve cerceado o seu direito de ver apreciado o seu recurso à sentença que julgou procedente a reclamação trabalhista, pelo ato do seu mandatário, o qual se comprometera ao seu fiel cumprimento, inserido que está, no elenco de deveres e obrigações do advogado, aquele de interpor o recurso à sentença contra a qual irresignou-se o mandante. Houve para a Apelada a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Estabelecidas a certeza de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial demonstrado está o dano moral. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

(TJRJ, Apelação Cível nº. 2003.001.19138, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Ferdinaldo do Nascimento, julgado em 07/10/2003)

(grifos nosso).

No mesmo sentido foi o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos seguintes julgados:

Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. ENSINO PARTICULAR. DANO MORAL E MATERIAL. REPROVAÇÃO DE ALUNA. Comprovada a irregularidade na reprovação da aluna, à qual não foi oportunizada adequada recuperação terapêutica, com perda da chance de ser aprovada e rompimento de seu equilíbrio psicológico, impõe-se seja indenizado o dano moral sofrido. A frustração dos pais, porém, não constitui dor passível de reparação, nas circunstâncias. Dano material afastado. Apelo provido em parte.

(TJRS, Apelação Cível nº. 70007261795, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Leo Lima, julgado em 27/11/2003)

(grifos nosso).

Ementa:responsabilidade civil. informações desabonatórias sobre a conduta do autor. perda da chance. dano moral. CARACTERIZAÇÃO. manutenção do quantum indenizatório. dano material. NÃO COMPROVAÇÃO.I - Indubitável que a ré é responsável pelos atos de seu preposto que, por ordem ou não de seus superiores, forneceu informações inverídicas sobre a conduta do autor, informações estas, determinantes para a não contratação deste por outras empresas. II – Dano material afastado. Ausência de comprovação. III – Danos Morais. Manutenção do quantum. Apelos improvidos.

(TJRS, Apelação Cível nº. 70003568888, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, julgado em 27/11/2002)

(grifos nosso).

Analisando o tema, Cavalieri Filho (2008, p. 77) registra a existência de "forte corrente doutrinária que coloca a perda de uma chance como terceiro gênero de indenização, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante".

Para Savi (2006, p. 102), a perda de uma chance deve ser considerada como uma subespécie do dano emergente. O referido autor fundamenta o seu entendimento na seguinte premissa:

Ao inserir a perda de chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial). Ou seja, não estamos diante de uma hipótese de lucros cessantes em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada. Assim, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem. Isto é, faz-se uma distinção resultado perdido e a chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo.

Conforme se pode observar, o supracitado autor considera a chance séria e real como um bem integrante do patrimônio da vítima, dotado de valor pecuniário próprio, distinto daquele atribuído ao resultado útil que se pretendia alcançar.

Nessa esteira de pensamento, ocorrendo à injusta frustração de uma chance, surge para o seu causador o dever de indenizar, não a perda da vantagem futura, mas sim a lesão a um patrimônio presente, materializado na possibilidade concreta de se alcançar uma situação futura mais benéfica.

Ressalta Savi (2006, p. 56), contudo, que:

Haverá casos em que a perda da chance, além de apresentar um dano material poderá, também, ser considerada um ‘agregador’ do dano moral. Por outro lado, haverá casos em que apesar de não ser possível indenizar o dano material, decorrente da perda da chance, em razão da falta dos requisitos necessários, será possível conceder uma indenização por danos morais em razão da frustrada expectativa.

O referido autor, de acordo com o entendimento acima esposado, não pretendeu enquadrar o dano decorrente da perda de uma chance no conceito de dano moral, mas apenas ressalvar a possibilidade de a chance frustrada funcionar como uma espécie de "agregador", de aditivo para a concessão da indenização por dano moral.

Dito de outro modo, a chance frustrada pode servir como um incentivador para que o magistrado conceda indenização por danos morais, não como forma de reparação da chance perdida, mas sim do sofrimento psicológico que se impõe a vítima, em sua decorrência.

Nesse sentido é o entendimento de Dias, citado por Silva (2007, p. 200), que ao analisar situação de advogado que perde o prazo para a interposição do recurso de apelação, cujo sucesso era improvável, ensina que:

O dano que se pode cogitar dessa "perda do direito de ver a causa julgada na instância superior", nesses casos de improbabilidade de sucesso do recurso, só pode ser pensado na esfera extrapatrimonial, do chamado dano moral. Isso, partindo do suposto de que o cliente não queria utilizar-se do recurso como forma de procrastinação do feito, mas que sinceramente encontrava-se inconformado com a decisão, de tal forma que o fato de não ver a causa reexaminada pela instância superior ter-lhe-ia causado um dano psicológico.

É importante ter em mente, contudo, que "o que não se pode admitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral" (SAVI, 2006, p. 56).

Desta forma, afastando-se do enquadramento da responsabilidade civil pela perda de uma chance como dano moral, por ser dentre todas as hipóteses a que mais se afasta das reais características do instituto, passa-se a analisar, dentre o dano emergente e o lucro cessante, aquele que melhor retrata a verdadeira essência da teoria em exame.

Para Cavalieri Filho (2008, p. 72), o dano emergente "importa efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima em razão do ato ilícito".

Já o lucro cessante, para o supracitado autor, consiste:

Na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, a cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 72).

No mesmo sentido é o entendimento de Rizzardo (2006, p. 17), ao ensinar que:

Quando os efeitos atingem o patrimônio atual, acarretando uma perda, uma diminuição do patrimônio, o dano denomina-se emergente damnum emergens; se a pessoa deixa de obter vantagens em conseqüência de certo fato, vindo a ser privada de um lucro, temos o lucro cessante lucrum cessans.

O Código Civil brasileiro, em seu artigo 402, conceitua ambos os institutos jurídicos, ao dispor que "salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar".

Conforme se depreende da própria narrativa legal, dano emergente é aquilo que a vítima efetivamente perdeu (atinge o patrimônio presente da vítima), enquanto que o lucro cessante qualifica-se como sendo aquilo que a mesma razoavelmente deixou de lucrar (atinge o patrimônio futuro, uma vantagem legitimamente esperada).

Analisando-se detidamente os institutos do dano emergente e do lucro cessante, verifica-se que teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance melhor se amolda à concepção do primeiro instituto.

Para a concessão de indenização por lucros cessantes, necessário se faz que a vítima demonstre, de forma inequívoca, que deixou de lucrar determinada quantia, em virtude de conduta lesiva perpetrada por outrem.

Esse é o grande empecilho para se enquadrar a responsabilidade civil por perda de uma chance como lucro cessante, visto que a prova do dano futuro, em alguns casos, é verdadeiramente diabólica, impossível de ser produzida, o que acaba por inviabilizar a aplicação do instituto.

Segundo os ensinamentos de Silva (2007, p. 137):

A responsabilidade pela perda de uma chance somente é utilizada porque a vítima está impossibilitada de provar o nexo causal entre a conduta do agente e a perda definitiva da vantagem esperada. Por exemplo, o empresário não logra provar que o seu negócio não se realizou pela falha de seu contador, assim como o cliente não consegue provar o nexo causal entre a ação ou a omissão do seu advogado e improcedência da demanda. Resta para a vítima, portanto, a reparação pela perda de uma chance, já que poderá provar o nexo causal entre a conduta do agente e as chances perdidas.

Ademais, cumpre ressaltar que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance foi criada pela doutrina francesa justamente para salvaguardar as pessoas que se encontravam nessa situação, ou seja, para garantir o direito de reparação àqueles que se viam lesados em uma pretensão futura, séria e real, mas que não conseguiam demonstrar, de forma inequívoca, que obteriam a vantagem pretendida caso o normal desenvolvimento dos fatos não tivesse sido interrompido pela conduta lesiva do ofensor.

É justamente por ter sido elaborada para acautelar tais situações que a teoria em exame visa indenizar a perda da chance de conseguir uma vantagem futura, apresentando-se a oportunidade frustrada como um bem presente e integrante do patrimônio da vítima, e não a própria vantagem perdida, sobre a qual não se pode ter certeza quanto à obtenção.

Enquadrar a reparação do dano causado pela perda de uma chance como espécie de lucro cessante é negar a utilidade e a relevância da própria teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, cuja utilização acarretaria, na prática, os mesmos efeitos que já podiam ser alcançados com a aplicação do instituto do lucro cessante.

Com base em tais considerações, percebe-se que o melhor entendimento quanto à natureza jurídica do dano causado pela perda de uma chance é o esposado por Savi (2006, p. 90), para quem:

O dano da perda de uma chance deve ser considerado uma subespécie de dano emergente e, como tal, encontra a sua previsão legal na primeira parte do art. 402, do Código Civil vigente. Ao dispor que as perdas e danos devidos ao credor abrangem o que ele efetivamente perdeu, o referido dispositivo legal está se referindo, conforme pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, aos danos emergentes. Ora, se o dano da perda de uma chance se enquadra no conceito de dano emergente, não há como se admitir o posicionamento contrário à integral reparação do dano sofrido pelas vítimas nestes casos, desde que, conforme afirmado, as chances sejam sérias e reais.

Conforme ensina Silva (2007, p.11), é mister não olvidar que:

Atualmente, a utilização da perda de uma chance é observada tanto nos danos advindos do inadimplemento contratual, quanto naqueles gerados pelos ilícitos absolutos, assim como nas hipóteses regidas pela responsabilidade subjetiva e pela responsabilidade objetiva.

A teoria da perda de uma chance, portanto, tem aplicação ampla, incidindo tanto nos casos de responsabilidade civil extracontratual, objetiva ou subjetiva, quanto nas hipóteses de danos oriundos de relações contratuais.


4 CONDIÇÕES NECESSÁRIAS À APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

De acordo com Silva (2007, p. 133), "é de extrema importância a fixação de alguns critérios gerais para a concessão da indenização, mormente em um país que está em pleno processo de descobrimento da teoria da perda de uma chance".

Para a aplicação da teoria em exame é necessário, portanto, que a chance perdida apresente certo grau de probabilidade quanto a sua efetivação, ou seja, quanto à obtenção do benefício futuro pretendido pela vítima ou, quanto à evitabilidade de prejuízo iminente, não havendo que se falar em reparação no caso de mera possibilidade aleatória.

No dizer de Cavalieri Filho (2008, p. 75):

A chance perdida reparável deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de fato consumado, não hipotético. Em outras palavras, é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória.

É necessário, portanto, analisar em cada caso concreto se o prejudicado poderia, razoavelmente, esperar a concretização da chance de lucro futuro, caso o desenvolvimento normal dos fatos não tivesse sido interrompido pela conduta lesiva, ou se a vantagem pretendida configuraria apenas uma construção hipotética, algo incerto e duvidoso.

Sobre o assunto, Silva (2007, p. 111) ensina que:

A impossibilidade de se provar que a perda da vantagem esperada (dano final) é conseqüência certa e direta da conduta do réu faz com que o operador do direito passe a lançar mão de estimativas e probabilidades. Como tais estimativas podem ser medidas com certo grau de precisão, a ciência jurídica vem aceitando a reparação da perda de uma chance, ora como espécie típica de dano, ora como utilização pouco ortodoxa do nexo de causalidade.

Para Venosa (2007, p. 277), "se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A ‘chance’ deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza".

Segundo o magistério de Cavalieri Filho (2008, p. 75):

Não se deve olhar para a chance como perda de um resultado certo porque não se terá a certeza de que o evento se realizará. Deve-se olhar a chance como a perda da possibilidade de conseguir um resultado ou de se evitar um dano; devem-se valorar as possibilidades que o sujeito tinha de conseguir o resultado para ver se são ou não relevantes para o ordenamento.

Corroborando o entendimento acima esposado, Silva (2007, p. 13) leciona que:

A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Essa probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza.

Boa parte da teoria pátria, fundada na experiência italiana, onde o instituto é amplamente utilizado, sustenta que a perda da chance só será indenizável se houver uma probabilidade de sucesso em sua concretização superior a 50% (cinqüenta por cento), de onde se pode concluir que nem todas as chances frustradas são passíveis de indenização.

Dentre os autores que comungam desse entendimento, merece destaque a lição de Savi (2006, p. 60/61), para quem:

Não é, portanto, qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) de obtenção do resultado esperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar em reparação da perda de uma chance como dano emergente.

Para a concessão de indenização pela perda de uma chance, deverá o magistrado, portanto, fazer um prognóstico, em cada caso concreto, sobre as reais possibilidades que o lesado tinha de conseguir o benefício pretendido, sempre com esteio no princípio da razoabilidade.

Dessa forma, a vítima da perda de uma chance, ocasionada por ato lesivo de outrem, deve demonstrar, quando do ajuizamento da ação de reparação civil, que suas chances de alcançar o benefício final pretendido eram sérias e reais, podendo ser aferidas com certo grau de probabilidade.

Bastante elucidativo sobre o tema, é o voto proferido pelo Desembargador Maldonado de Carvalho do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, relator na Apelação Cível nº. 2003.001.16359, julgada em 22 de julho de 2003, em que o apelante alega ter sofrido dano material ocasionado pela inscrição indevida de seu nome no cadastro dos maus pagadores, ficando ele, em razão disso, impossibilitado de obter empréstimo junto a Caixa Econômica Federal. Transcreve-se aqui trecho do respeitável voto acima referido:

O lucro cessante, por ser o reflexo futuro do ato ilícito sobre o patrimônio da vítima, consiste na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio, ou o que razoavelmente deixou de lucrar.

Aqui, como se vê, o fato está atrelado a indenização que tem como base a teoria objetivista da perda de uma chance, assim entendida a probabilidade de alguém obter lucro ou evitar prejuízo diante de uma situação concreta, previsível, porém não alcançada, por fato exclusivo de outrem.

Com efeito, desejando o autor-apelante obter determinado empréstimo que iria saldar as dívidas da empresa, junto a Caixa Econômica Federal, a negativação de seu nome, por ato culposo do Banco réu, impediu que o mesmo fosse concretizado.

Na verdade, em países europeus, alguns Tribunais vêm admitindo um alargamento do nexo de causalidade, dando especial ênfase, assim, ao resultado lesivo.

A jurisprudência francesa, em determinadas situações tem adotado, desde 1985, a teoria da perda de uma chance (pert d’une chance). Na pert d’une chance, todavia, o fato ilícito e culposo deve contribuir, de forma direta, para que outrem perca uma chance de conseguir um lucro ou de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo.

Contudo, é necessário que a chance perdure seja real e séria, tendo-se em conta, também, na avaliação dos danos, a álea susceptível de comprometer tal chance: leva-se em consideração, quanto à prova, o caráter atual ou iminente da chance de que o autor alega ter sido privado.

No caso em exame, o primeiro apelante não trouxe aos autos qualquer documento, qualquer outra prova indicativa de que, de fato, as tratativas com a CEF se encontravam em estágio avançado, a tal ponto poder ser afirmado que a concessão do empréstimo era, sem qualquer dúvida, uma chance real e séria.

A mera expectativa, a simples eventualidade, o decadente esperado não tipificam, por certo, a chance perdida, a perda irreparável.


5 ARBITRAMENTO DO DANO CAUSADO PELA PERDA DE UMA CHANCE

De acordo com o magistério de Savi (2006, p. 103):

Para a valoração da chance perdida, a premissa inicial a ser estabelecida é a de que a chance no momento de sua perda tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado.

No mesmo sentido é o entendimento de Silva (2007, p. 84), para quem "a chance pode ser isolada como uma propriedade anterior da vítima, que está incluída no seu patrimônio e se encontra totalmente independente do dano final".

Verifica-se, dessa forma, que o quantum indenizatório deverá ser calculado com base na perda da chance de se obter um determinado benefício e não na perda do próprio benefício, já que não se pode ter certeza sobre sua efetivação.

Ao tratar sobre o assunto, Cavalieri Filho (2008, p. 75) cita o clássico exemplo do advogado que perde o prazo para interposição do recurso de apelação contra sentença desfavorável ao seu cliente, e leciona que em tais casos "a indenização não será pelo benefício que o cliente do advogado teria auferido com a vitória da causa, mas pelo fato de ter perdido essa chance; não será pelo fato de ter perdido a disputa, mas pelo fato de não ter podido disputar".

No mesmo sentido é o entendimento de Venosa (2007, p. 251), para quem "na perda da chance por culpa do advogado, o que se indeniza é a negativa de possibilidade de o constituinte ter seu processo apreciado pelo judiciário, e não o valor que eventualmente esse processo poderia propiciar-lhe no final".

Savi (2006, p. 61) adverte, contudo, que "alguns julgados, apesar de reconhecerem a responsabilidade civil por perda de uma chance, se equivocam no momento de quantificar o dano sofrido pela vítima", e cita como exemplo a Apelação Cível nº. 70005473061, julgada em 10/12/2003, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa assim dispõe:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. ADVOGADO. MANDATO. DECISIVA CONTRIBUIÇÃO PARA O INSUCESSO EM DEMANDA INDENIZATÓRIA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO.

Tendo a advogada, contratada para a propositura e acompanhamento de demanda indenizatória por acidente de trânsito, deixado de atender o mandante durante o transcorrer da lide, abandonando a causa sem atender às intimações e nem renunciando ao mandato, contribuindo de forma decisiva pelo insucesso do mandante na demanda, deve responder pela perda de chance do autor de obtenção da procedência da ação indenizatória. Agir negligente da advogada que ofende ao art. 1.300 do CCB/1916.

APELO DESPROVIDO.

(TJRS, Apelação Cível nº. 70005473061, 9ª Câmara Cível, Rel. Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgada em 10/12/2003).

(grifos nosso)

Comentando a decisão supra transcrita, o referido autor salienta que:

Neste caso, o advogado perdeu o prazo para a interposição do recurso de apelação contra a sentença contrária aos interesses do constituinte. O acórdão reconheceu o dano da perda da chance. Contudo, ao quantificar o dano, condenou o advogado réu ao pagamento de tudo aquilo que seu cliente faria jus se o recurso tivesse sido interposto no prazo legal e provido pelo Tribunal. Ou seja, apesar de se tratar de um caso típico de responsabilidade civil por perda de uma chance, o acórdão, a nosso sentir equivocadamente, condenou o advogado ao pagamento dos lucros cessante sofridos pelo autor da ação. Isto porque ninguém poderia afirmar que se o recurso tivesse sido interposto, ele seria provido com certeza. O máximo que se poderia afirmar era que o mesmo tinha muitas chances de êxito, e essas chances é que deveriam ter sido indenizadas. Neste caso, não havia como se estabelecer um nexo causal entre a atitude culposa do advogado (perda do prazo para apelação) e a perda da vitória na ação judicial. Não sendo possível estabelecer este nexo causal, não há como se condenar o advogado ao pagamento de lucros cessantes (SAVI, 2006, p. 60/61).

Bastante apropriado para a compreensão do tema é o exemplo do programa de televisão conhecido por "Show do Milhão", que premiava com R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) o participante que respondesse de forma correta a todas as perguntas que lhe fossem formuladas.

Em um determinado episódio do programa, a participante, que já havia assegurado o prêmio de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), foi para a última pergunta, que se respondida corretamente, lhe daria o prêmio máximo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Ocorre que a candidata desistiu de responder "a pergunta do milhão", sob o argumento de que todas as alternativas apresentadas estavam incorretas, resguardando, dessa forma, o valor já acumulado.

Posteriormente, a referida participante do programa resolveu ajuizar ação de indenização contra a empresa organizadora, alegando que, se a pergunta formulada admitisse resposta correta, ela teria ganhado o prêmio máximo. O pedido da autora foi acolhido nas instâncias inferiores, que condenaram a ré ao pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a titulo de indenização.

A lide chegou ao Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial nº. 788.459 – BA, que teve como Relator o Ministro Fernando Gonçalves. Ao julgar o recurso, o respectivo Tribunal aplicou ao caso, de forma acertada, a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, conforme se verifica da análise de trecho do voto do Relator, in verbis:

Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente – ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso – que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à "pergunta do milhão".

Isto porque há uma série de outros fatores em jogo, dentre os quais merecem destaque a dificuldade progressiva do programa (refletida no fato notório que houve diversos participantes os quais erraram a derradeira pergunta ou deixaram de respondê-la) e a enorme carga emocional que inevitavelmente pesa ante as circunstâncias da indagação final (há de se lembrar que, caso o participante optasse por respondê-la, receberia, na hipótese de erro, apenas R$ 300,00 (trezentos reais).

Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza – ou a probabilidade objetiva – do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante.

Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com a questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano.

Resta, em conseqüência, evidente a perda de oportunidade pela recorrida, seja ao cortejo da resposta apontada pela recorrente como correta com aquela ministrada pela Constituição Federal que não aponta qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas, seja porque o eventual avanço na descoberta das verdadeiras condições do programa e sua regulamentação reclama investigação probatória e análise de cláusulas regulamentares, hipóteses vedadas pelas Súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao Tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado de outra.

A quantia sugerida pela recorrente R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) – equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma ‘probabilidade matemática’ de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens – reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).

O Desembargador Relator, no caso em exame, aplicou corretamente a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, uma vez que, para condenar a empresa organizadora do programa ao pagamento de indenização à participante no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a título de lucro cessante, era necessário que se tivesse certeza ou, no mínimo, que se pudesse demonstrar, com base em um alto grau de probabilidade, que esta acertaria a "pergunta do milhão".

Como não se podia ter certeza ou demonstrar objetivamente que a participante lograria êxito na pergunta final, só restou ao Tribunal indenizar a perda da oportunidade que esta tinha de fazê-lo, caso o normal desenvolvimento dos fatos não tivesse sido interrompido pela conduta lesiva da empresa organizadora do programa, que formulou como possíveis respostas, para a "pergunta do milhão", quatro alternativas incorretas.

O montante da indenização, em casos dessa natureza, deve ser fixado de forma proporcional ao grau de probabilidade que a pessoa lesada tinha de conseguir o resultado favorável, tal qual fez o Superior Tribunal de Justiça, na situação em comento, ao conceder indenização à participante do programa no valor de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), equivalente a ¼ (um quarto) do valor inicialmente pretendido por esta, e correspondente as chances de acerto que ela tinha em uma questão de múltipla escolha com quatro alternativas.

Desse modo, para a quantificação do montante da indenização decorrente da perda de uma chance, o juiz deve partir do resultado útil esperado (valor do dano final) e sobre ele fazer incidir o percentual de probabilidade de sua obtenção pela vítima, antes do ato lesivo.

Para facilitar o entendimento sobre tema, faz-se necessário, mais uma vez, recorrer ao clássico exemplo do advogado que perde o prazo para a interposição do recurso de apelação contra sentença de mérito desfavorável ao seu constituinte.

Suponha-se que o advogado tenha ajuizado uma ação de cobrança no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e que o Juiz, analisando equivocadamente as provas, tenha proferido sentença de mérito julgando improcedente o pedido de cobrança. Publicada a sentença de improcedência, o advogado do autor deixa transcorrer in albis o prazo recursal.

Na ação de indenização por perda de uma chance movida pelo cliente (autor na ação de cobrança) contra seu ex-advogado, o Juiz deve, a partir do exame dos autos da ação em que surgiu o dano, mensurar quais eram as reais chances que o autor tinha de ver provido o seu recurso, acaso tivesse sido tempestivamente interposto.

Se fixar a probabilidade de êxito em 70% (setenta por cento), por exemplo, deverá fazer incidir sobre o valor do resultado útil esperado (R$ 30.000,00) o percentual de probabilidade da efetivação da chance frustrada (aqui fixado em 70%), resultando como adequado para a indenização o valor de R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais).

Ademais, cumpre ressaltar, de acordo com o magistério de Silva (2007, p. 137), que "a regra fundamental a ser obedecida em casos de responsabilidade pela perda de uma chance prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima".

Portanto, conforme delineado no exemplo acima, o magistrado, ao conceder indenização pela perda de uma chance, deve sempre tomar por base à própria chance, amparado em um juízo de probabilidade, e não a vantagem patrimonial concreta que dela decorreria, caso se efetivasse da maneira pretendida pelo lesado.

Comungando desse entendimento, Silva (2007, p. 95), com amparo na doutrina de Joseph King Jr. ensina que "a única maneira sensível de se avaliar a oportunidade perdida pela vítima é quantificar o dano sofrido, levando em conta a probabilidade que tinha a vítima de auferir, ao final do processo aleatório, a vantagem esperada".


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme restou demonstrado ao longo deste trabalho, a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, para ser aplicada ao caso concreto, exige que a oportunidade perdida pela vítima seja séria e real.

Dito de outro modo, a chance perdida deve apresentar certo grau de probabilidade quanto a sua efetivação, isto é, quanto à obtenção do benefício futuro pretendido pela vítima, caso o normal desenvolvimento dos fatos não tivesse sido interrompido pela conduta lesiva do ofensor.

A chance perdida, desde que seja séria e real, deve ser considerada como um bem presente, integrante do patrimônio da vítima, dotado de valor pecuniário próprio, distinto daquele atribuído ao resultado útil que se pretendia alcançar, caracterizando-se, portanto, como uma subespécie de dano emergente.

Dessa forma, ocorrendo à injusta frustração de uma chance, surge para o seu causador o dever de indenizar, não a perda da vantagem futura, mas sim a lesão a um patrimônio presente, materializado na possibilidade concreta de se alcançar uma situação futura mais benéfica.

A indenização do dano causado pela perda de uma chance, portanto, deverá ter por base a perda da própria chance de se obter um determinado benefício futuro e não a perda do benefício pretendido, já que não se pode ter certeza sobre sua efetivação.

O montante da indenização, por conseguinte, deve ser fixado de forma proporcional ao grau de probabilidade que a pessoa lesada tinha de conseguir a vantagem esperada, devendo o Juiz, para encontrar o quantum da chance perdida, partir do valor da vantagem final pretendida pela vítima e sobre ele fazer incidir o percentual da probabilidade de êxito que esta tinha de consegui-la, antes da conduta lesiva do ofensor interromper o processo aleatório.


REFERÊNCIAS

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DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2004.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003.

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SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006.

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STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO NETO, Otacilio Cassiano do. A responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2821, 23 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18750. Acesso em: 28 mar. 2024.