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Mercosul: 20 anos.

Breve análise dos meios de solução de controvérsias

Mercosul: 20 anos. Breve análise dos meios de solução de controvérsias

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Sumário:1. Introdução. 2. Sistema de solução de controvérsias no âmbito do Mercosul: do Protocolo de Brasília ao Protocolo de Olivos. 2.1. Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul, no marco do Protocolo de Brasília. 2.2. Direito aplicado pelo Tribunal Arbitral. 3. Controvérsias tramitadas no marco do Protocolo de Olivos: Tribunal Arbitral ad hoc e Tribunal Permanente de Recursos (TPR). 3.1. Recurso declaratório com relação ao Laudo Arbitral na controvérsia "Proibição de Importação de Pneumáticos Remodelados Procedentes do Uruguai". 3.2. Recursos de Revisão. 4. Considerações finais.


1. Introdução

Neste dia 26 de março de 2011, comemora-se 20 anos de Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) sem que tenha alcançado a plena união aduaneira, condição necessária para se alcançar a fase de Mercado comum. O Mercosul foi criado em 26 de março de 1991 pela República da Argentina, República Federativa do Brasil, República do Paraguai e República Oriental do Uruguai (Tratado de Assunção). Não obstante, o tema da integração econômica latino-americano já tenha sido discutido antes da criação do Mercosul e o conceito de integração econômica já esteja sendo usado desde a 2º Guerra Mundial, nunca se viu um envolvimento maior em torno do fortalecimento das integrações regionais.

Mesmo com os múltiplos entraves e as crises econômicas globais, o Mercosul representa uma integração econômica em permanente busca de aperfeiçoamento da União aduaneiro. Politicamente estável, tem buscado aproveitar os ensinamentos e as oportunidades da globalização econômica e, assim, tem atraído, cada vez mais, o interesse de outros países vizinhos, como exemplo a Venezuela.

A compreensão dos limites e possibilidades do Mercosul, como projeto de integração, passa pela interpretação e eficácia de suas normativas (Tratado de Assunção, Protocolos, Acordos, Decisões, Resoluções, Diretrizes etc.), no âmbito do Tribunal Arbitral ad hoc (TAH)e do Tribunal Permanente de Revisão (TPR), ou seja, no marco do Protocolo de Brasília e do Protocolo de Olivos, verificadas nos casos concretos.

O presente artigo procura abordar os meios de solução de conrovérsias no Mercosul, a partir do sistema normativo Mercosul pertinentes e dos Laudos prolatados pelo Tribunal Permanente de Revisão, com o objetivo principal de compreender como esse Tribunal vem interpretando o processo de integração (Mercosul) e sua influência no processo de consolidação do bloco.

As respostas foram buscadas no estudo dos laudos, prolatados pelo TPR. As controvérsias versaram sobre aspectos corriqueiros do comércio, tais como, Acesso a Mercados, Regras de comércio, Subsídios à produção e exportação, Medidas de salvaguarda, Medidas antidumping, Barreira fitossanitária, medidas compensatórias, meio ambiente etc. De modo que, em vários casos, as controvérsias giraram em torno de incompatibilidade entre normas internas dos Estados Partes com o propósito do Tratado de Assunção e o sistema normativo Mercosul.

A profundidade e amplitude das fundamentações jurídicas alegadas pelas partes, nos casos julgados, indicam claramente que a tarefa do Tribunal não consistia em decidir acerca da aplicação de alguma ou algumas disposições específicas e isoladas, mas em situar e resolver as controvérsias sob a perspectiva do conjunto normativo, interpretando-o à luz das relações recíprocas que emanam do conjunto dessas normas "mercosureñas" e dos fins e objetivos que os Estados Partes assumiram explícita e implicitamente ao adotarem tais normas, confirmados por seus atos posteriores no contexto de um projeto integrador comum.

Com efeito, trata-se da aplicação de um conjunto normativo de formação sucessiva, por acumulação de disposições tomadas no andamento de um complexo processo de decisões políticas e jurídicas, inseridas numa realidade econômica cambiante, que Panayotis Soldatos chama de continuum integratif (Cf. SOLDATOS, 1989, p. 15-7).

Nesse contexto, o sistema normativo Mercosul foi analisado e interpretado a partir de uma perspectiva que levasse em conta meios apropriados para alcançar os fins comuns, estabelecidos nos tratados quadros, como o Tratado de Assunção. Do contrário, ao não ter em conta uma perspectiva finalista, na expressão de Robert Lecourt, um tratado quadro tornar-se-ia um tratado bloqueado (Cf. LECOURT, 1976, p. 235). O enfoque teleológico resulta ainda mais claro nos tratados e instrumentos que conformam organismos internacionais ou configuram processos ou mecanismos de integração.

Ademais, assumindo uma perspectiva teleológica, o 1º Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul (em 1999, no marco do Protocolo de Brasília), inspirou quase todos os tribunais posteriores, que buscaram a vocação comum de extrair a plenitude dos efeitos buscados pelo Tratado de Assunção e derivar das demais normativas invocados nas controvérsias, todas as conseqüências razoáveis. Segundo Fausto Quadros, os fins e objetivos não são um adorno dos instrumentos de integração, mas um guia concreto para a interpretação e para a ação. A interpretação das disposições em um conjunto normativo cujo fim é a integração deve guiar-se por este propósito e torná-lo possível. Este critério resulta especialmente pertinente quando apresentam situações duvidosas ou quando existem lacunas ou "vazios jurídicos" em parte da estrutura jurídica e faz-se necessário suprir as insuficiências (Cf. QUADROS, 1984, p. 426-7).


2. Sistema de solução de constrovérsias no âmbito do Mercosul: do Protocolo de Brasília ao Protocolo de Olivos

Há vários meios pacíficos de solucionar conflitos. No âmbito interno dos Estados, temos preponderantemente o meio judicial, exercido pelo Poder judiciário, que aplica as normas que esse mesmo Estado adotou soberanamente como suas, impondo suas decisões inclusive coativamente. No nível internacional, o sistema de solução de divergências é pautado em normas do Direito Internacional, tanto público quanto privado, e.g., a arbitragem pública ou privada.

No Mercosul, os meios para resolver as divergências entre os Estados têm assento no Direito Internacional. Mas, quando da aplicação do Direito do Mercosul, a solução deverá se revestir de maior eficácia e especificidade do que tradicionalmente obtido por aquele sistema do Direito Internacional Público (Cf. BAPTISTA, 1994, p.157). Vejamos sucintamente como a matéria é disciplinada no sistema normativo Mercosul.

O sistema de solução de controvérsias, no quadro normativo Mercosul, é misto. Nele, encontramos meios diplomáticos e meio jurisdicional. No primeiro, temos as negociações diretas e a intervenção do Grupo Mercado Comum (GMC); no segundo, a arbitragem. A seguir, buscar-se-á a base legal de tal sistema, previsto no Tratado de Assunção – Anexo III (1991), no Protocolo de Brasília (1991), no Protocolo de Ouro Preto – Anexo (1994), no Regulamento do Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias (1998) e no Protocolo de Olivos (2002).

Os meios para solucionar as divergências no Mercosul, já vêm explícitos no Tratado de Assunção. Conforme seu artigo 3, os Estados Partes terão adotado, durante o período de transição, entre outras medidas, um sistema de solução de controvérsias, constante no Anexo III do referido Tratado, que em seu ponto 1, manifesta predominância do mecanismo diplomático, através das negociações diretas e da intervenção do GMC. O ponto 2 do mesmo Anexo prevê a criação de um sistema provisório, que se deu através do Protocolo de Brasília, que igualmente manteve a via diplomática como predominante na solução dos conflitos no Mercosul. Prevê, antes de tudo, as negociações diretas, em seguida, a intervenção do GMC e, em última instância, a Arbitragem.

Na primeira reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC), ocorrida no dia 17 de dezembro de 1991, na cidade de Brasília, foi aprovada a Decisão CMC 01/91 – Sistema de Solução de Controvérsias (Protocolo de Brasília). Posteriormente, com o Protocolo de Ouro Preto (POP), acrescentou-se ao sistema a possibilidade de se apresentarem reclamações à Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), quando aquelas versarem sobre assuntos de competência dessa Comissão. É o que determina o artigo 21 do POP, quando define parte das funções e atribuições da CCM. Entretanto, o exame dessas questões não impede a ação do Estado Parte que, em sua reclamação, encontra-se amparado pelo Protocolo de Brasília. As reclamações para CCM seguem procedimento específico, previsto no Anexo ao POP.

O POP confirmou os meios previstos no Protocolo de Brasília, estipulando, entretanto, que ao culminar o processo de convergência da tarifa externa comum (TEC), rever-se-á o atual sistema, com vistas à adoção de um sistema permanente (arts. 43 e 44). Por outro lado, decorreram quase duas décadas de formação do Mercosul, já surgiram várias controvérsias ao longo desse processo, tramitadas no marco do Protocolo de Brasília (Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul) e no marco do Protocolo de Olivos. Maristela Basso, criticando a provisoriedade de parte dos instrumentos vigentes para solucionar as controvérsias no Mercosul, demonstrou, com razão, a fragilidade do próprio sistema, que aos poucos vai se fortalecendo até alcançar seu estágio mais acabado ou definitivo (Cf. BASSO, 1995, p. 25-33).

Por outro lado, existe a preocupação constante de se buscar um aperfeiçoamento do sistema de solução, e quem sabe até a possibilidade de se criar um Tribunal de Justiça do Mercosul, como meta a ser alcançada. As Cortes Supremas dos Países do Mercosul se reunem anualmente, como forma de dialogar e buscar uma aproximação de questões relacionadas ao processo de integração. Nesse passo, centralizar-se-á aqui nossa atenção para o texto do Protocolo de Brasília, em particular ao que se refere aos conflitos entre os Estados Partes.

Reconhecendo que o desenvolvimento do processo de integração no Mercosul requer o aperfeiçoamento do Sistema de Solução de Controvérsia, considerando a necessidade de garantir a correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de integração e do conjunto normativo do Mercosul, de forma consistente e sistemática, e a conveniência de efetuar modificações específicas no sistema de solução de controvérsias para dar maior seguridade jurídica no Mercosul, o Conselho do Mercado subscreveu o Protocolo de Olivos, em 18 de fevereiro de 2002, como de aperfeiçoamento do Sistema de Solução de Controvérsia. O presente Protocolo marca um importante passo rumo a um sistema adequado. Uma das inovações, por exemplo, trazida por ele foi a criação do Tribunal Permanente de Revisão, criando um duplo grau de "jurisdição", até então não previsto nas normativas anteriores. Por meio do Recurso de Revisão, qualquer das partes na controvérsia poderá apresentar um recurso de revisão do laudo do Tribunal Arbitral ad hoc ao Tribunal Permanente de Revisão.

A seguir, tratar-se-á do Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul, para posteriormente, no marco do Protocolo de Olivos, apresentar o Tribunal Permanente de Recursos e algumas questões relacionadas aos Recursos de Revisão.

2.1. Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul, no marco do Protocolo de Brasília

O Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul, com sede fixada em cada caso, é formado por três árbitros pertencentes a uma lista de quarenta, entre juristas de reconhecida competência nas matérias que possam ser objeto de controvérsia. Essa lista fica registrada na Secretaria Administrativa, onde cada um dos Estados Partes indica dez árbitros. Cada Estado, parte na controvérsia, escolhe um árbitro, sendo que o terceiro, que não pode ser nacional de nenhum dos Estados Partes em conflito, é designado de comum acordo entre eles. Não havendo indicação por parte de um dos litigantes, a Secretaria Administrativa pode fazê-lo, assim como pode designar sorteio do terceiro árbitro, quando não haja acordo entre as partes.

Segundo preceitua o artigo 15 do Protocolo de Brasília, o Tribunal Arbitral ad hoc além de fixar sua sede, tem poderes para criar suas regras de procedimento, desde que seja garantida a plena oportunidade de manifestação das partes. O artigo 16 prevê que as Partes na controvérsia informarão o Tribunal Arbitral sobre as instâncias cumpridas anteriormente ao procedimento arbitral, bem como farão breve exposição dos fundamentos de fato e de direito de suas respectivas posições. Prescreve o artigo 17, que os Estados Partes, na controvérsia, designarão seus representantes ante o Tribunal Arbitral, podendo também designar assessores para a defesa de seus direitos.

Já o artigo 18 traz, para o procedimento arbitral a ser exercido no Mercosul, a possibilidade de que sejam ditadas medidas provisionais apropriadas, por solicitação da parte interessada e havendo presunções fundadas de danos graves e irreparáveis a uma das partes, tal qual nas medidas cautelares e nas antecipações de tutela vistas no âmbito do Direito Processual Civil.

O Tribunal Arbitral pode suspender o seu laudo, se assim considerar exigível, segundo as circunstâncias. O não-cumprimento do laudo arbitral por um dos Estados Partes permite aos demais a adoção de medidas compensatórias visando ao seu cumprimento efetivo. As despesas ocasionadas pela atividade do árbitro devem ser custeadas pelo Estado que o nomeou, assim como as despesas do presidente do Tribunal e as demais serão custeadas em montantes iguais pelos Estados Partes na controvérsia, a menos que o Tribunal arbitral estipule de modo diferente, como ocorreu na controvérsia entre a República Argentina (Parte reclamante) e a República Oriental do Uruguai (Parte Reclamada) sobre Incompatibilidade do Regime de Estímulo à Industrialização de Lã, outorgado pelo Uruguai.

2.2. Direito aplicado pelo Tribunal Arbitral

É importante lembrar que a questão do direito aplicado pelo Tribunal ad hoc do Mercosul, tem papel fundamental no presente trabalho, porque procuramos saber como o Tribunal tem interpretado o sistema normativo Mercosul, sobretudo o Tratado de Assunção, nos casos concretos.

Por força do artigo 19, o direito em questão deve estar fundamentado no Tratado de Assunção, nos acordos celebrados no âmbito do mesmo, nas Decisões do Conselho Mercado Comum, nas Resoluções do Grupo Mercado Comum, bem como nos princípios de direito internacional aplicáveis à matéria. Além desses, há também as diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, prevista pelo parágrafo único do artigo 43 do Protocolo de Outro Preto.

O próprio Tratado constitutivo do Mercosul tem suas regras submetidas à apreciação do Tribunal Arbitral, na medida em que ele (o Tratado de Assunção) é invocado, por uma das partes nas controvérsias que tramitam no âmbito arbitral. Nesse caso, o Tribunal ao interpretar o Tratado de Assunção e demais normativas produzidas pelos órgãos do Mercosul, concretiza paulatinamente regras que se integram no ordenamento jurídico da organização. Trata-se do conhecido problema da criação jurisprudencial do direito, que surge de fato no âmbito do Tribunal. Não obstante, o Direito da Integração no Mercosul seja positivado em suas normativas, há possibilidade dele conter lacunas, como qualquer ordenamento jurídico. Em havendo lacunas, a função do intérprete ou julgador é buscar mecanismo de solução com base no próprio sistema jurídico da integração ou nos textos normativos internacionais.

O Tribunal Arbitral está facultado, se as partes convierem, a decidir uma controvérsia ex aequo et bono, ou seja, pelos princípios de eqüidade. O pronunciamento do Tribunal Arbitral, segundo o artigo 20 do Protocolo de Brasília, para fins do laudo arbitral, deve ser feito por escrito e no prazo de sessenta dias, prorrogáveis por trinta dias, no máximo, a partir da designação do seu presidente.

O Regulamento do citado protocolo, em seu artigo 22, estabelece os elementos necessários do laudo arbitral, sem prejuízos de outros que o Tribunal Arbitral considere conveniente. São elementos necessários: indicação dos Estados partes na controvérsia; o nome, a nacionalidade de cada um dos membros do Tribunal Arbitral e a data de sua conformação; os nomes dos representantes das partes; o objeto da controvérsia; um relatório do procedimento arbitral, incluindo um resumo dos atos praticados e das alegações de cada um dos Estados Partes envolvidos; a decisão alcançada com relação a controvérsia, consignando os fundamentos de fato e de direito; a proporção que caberá a cada Estado Parte na cobertura dos custos do procedimento arbitral; a data e o local em que foi proferido; e, por fim, a assinatura de todos os membros do Tribunal Arbitral.

Os laudos deverão ser adotados por maioria, devendo, como ocorre nos Acórdãos dos Tribunais judiciários, estar devidamente relatado, fundamentado e firmado pelo presidente e demais membros. É ele inapelável, significando instância única, no procedimento arbitral, porque não existe o duplo grau de jurisdição. Como toda decisão jurisdicional, os laudos são obrigatórios para as partes, tendo, relativamente a mesma força de coisa julgada, devendo ser cumpridos no prazo de quinze dias. Segundo o art. 39 do Protocolo de Ouro Preto e art. 23 do Regulamento do Protocolo de Brasília (Decisão do CMC 17/1998), os laudos arbitrais deverão ser publicados no Boletim Oficial do Mercosul. Os Estados Partes na questão poderão, dentro de quinze dias da notificação do laudo, solicitar esclarecimentos do laudo ou a forma de seu cumprimento.

Eis aqui presente, no que tange ao poder coativo, a idéia de compartilhamento da soberania. O poder coativo da comunidade toma o espaço do poder coativo individualizado de cada Estado. O cumprimento a essa coação, todavia, depende da boa fé dos Estados Partes, o que ainda distancia o procedimento jurisdicional internacional (judicial e arbitral) da verdadeira efetividade com que pode revestir-se o processo civil interno, devido à existência, nesse plano, do processo de execução.

Outro aspecto que devemos ressaltar, é o de que os Estados Partes, mesmo não podendo apelar, podem solicitar um esclarecimento do laudo, o que corresponde ao "pedido de interpretação" presente na doutrina jus-internacionalista, algo como os embargos declaratórios do processo civil (Cf. REZEK, 1993, p. 357).

Em suma, o Protocolo de Brasília trata dois tipos de controvérsias: as que surgem entre os Estados Partes (Capítulos I, II, III e IV) e as formuladas como conseqüência de reclamações de particulares (Capítulos V e VI). Em ambos, o texto prevê um procedimento composto por três etapas necessárias e sucessivas. Entretanto, a única etapa que produz efeitos jurídicos é a arbitral, pela sua natureza jurisdicional. A de qualquer das duas primeiras etapas não produz efeitos jurídicos, exceto o de habilitar a instância seguinte. Portanto, o exercício da função jurisdicional é próprio e específico unicamente da etapa arbitral. Ao contrário, não está presente nas etapas prévias. Não obstante, o procedimento de solução de controvérsias no Mercosul se desenvolva em diferentes fases, estas formam um mesmo iter, destinado a encontrar uma solução para o conflito

A seguir tratar-se-á das controvérsias julgadas no âmbito do Mercosul, no marco do Protocolo de Olivos, visando perceber como o Tribunal Arbitral ad hoc e o Tribunal Permanente de Recursos (TPR) têm interpretado o processo de integração Mercosul, o Tratado de Assunção e seu sistema normativo.


3. Controvérsias tramitadas no marco do Protocolo de Olivos: Tribunal Arbitral ad hoc e Tribunal Permanente de Recursos (TPR)

No ano de 2003, visando o aperfeiçoamento dos mecanismos de Solução de Controvérsia, os Estados Partes do Mercosul aprovaram o Protocolo de Olivos. O Brasil aprovou, por meio do Decreto Legislativo n. 712, de 14.10.2003. Este "Protocolo de Olivos" substituiu integralmente o "Protocolo de Brasília" e seu Regulamento aprovado pela Decisão CMC 17/98. O "Protocolo de Olivos", ratificado em 02.02.2004, disciplina, em seu art. 9º, o início da etapa arbitral, nestes termos: 1. Quando não tiver sido possível solucionar a controvérsia mediante a aplicação dos procedimentos referidos nos Capítulos IV e V, qualquer dos Estados Partes na controvérsia poderá comunicar à Secretaria Administrativa do Mercosul sua decisão de recorrer ao procedimento arbitral estabelecido no presente Capítulo. 2. A Secretaria Administrativa do Mercosul notificará, de imediato, a comunicação ao outro ou aos outros Estados envolvidos na controvérsias e ao Grupo Mercado Comum. 3. A Secretaria Administrativa do Mercosul se encarregará das gestões administrativas que lhe sejam requeridas para a tramitação dos procedimentos.

Prevê o Protocolo de Olivos um Tribunal Arbitral ad hoc e um Tribunal Permanente de Revisão, quando diz que qualquer das partes na controvérsia poderá apresentar um recurso de revisão do laudo do Tribunal Arbitral ad hoc ao Tribunal Permanente de Revisão, em prazo não superior a quinze (15) dias a partir da notificação do mesmo.

O recurso estará limitado a questões de direito tratadas na controvérsia e às interpretações jurídicas desenvolvidas no laudo do Tribunal Arbitral ad hoc.

Os laudos dos Tribunais ad hoc emitidos com base nos princípios ex aequo et bono não serão suscetíveis de recurso de revisão.

O Tribunal Permanente de Revisão é integrado por 5 (cinco) árbitros. Cada Estado Parte do Mercosul designará 1 (um) árbitro e seu suplente por um período de 2 (dois) anos, renovável por no máximo dois períodos consecutivos. O quinto árbitro, que será designado por um período de 3 (três) anos não renovável, salvo acordo em contrário dos Estados Partes, será escolhido, por unanimidade dos Estados Partes, da lista referida neste numeral, pelo menos 3 (três) meses antes da expiração do mandato do quinto árbitro em exercício.

O TPR poderá confirmar, modificar ou revogar a fundamentação jurídica e as decisões do Tribunal Arbitral ad hoc. O laudo do Tribunal Permanente de Revisão será definitivo e prevalecerá sobre o laudo do Tribunal Arbitral ad hoc.

As partes na controvérsia, culminado o procedimento estabelecido no Protocolo de Olivos, poderão acordar expressamente submeter-se diretamente e em única instância ao Tribunal Permanente de Revisão, caso em que este terá as mesmas competências que um Tribunal Arbitral ad hoc, aplicando-se, no que corresponda, o que prescreve o referido Protocolo.

Aplicar-se-á às reclamações efetuadas por particulares (pessoas físicas ou jurídicas) em razão da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul.

A controvérsia sobre "proibição de importação de pneumáticos remodelados" no marco do Protocolo de Olivos foi julgada na cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai, aos 25 de outubro de 2005, envolvendo Uruguai e Argentina. Frise-se que o Laudo prolatado pelo Tribunal ad hoc foi revogado pelo TPR.

Assim, passaremos a demonstrar, de forma suscinta, o Laudo prolatado pelo Tribunal Arbitral constituído para solucionar controvérsia surgida entre a República Oriental do Uruguai (aqui simplesmente denominada "Parte Reclamante" ou "Reclamante" ou "Uruguai") e a República Argentina (aqui simplesmente denominada "Parte Reclamada" ou "Reclamada" ou "Argentina"), controvérsia essa versando sobre a "Prohibición de Importación de Neumáticos Remoldeados".

O Tribunal Arbitral, devidamente constituído para julgar a presente controvérsia, de conformidade com o disposto no Protocolo de Olivos, datado de 18 de fevereiro de 2002, foi constituído pelos árbitros, Hermes Marcelo Huck da República Federativa do Brasil (Presidente do Tribunal), José María Gamio da República Oriental do Uruguai e Marcelo Antonio Gottifredi da República Argentina.

Nesta controvérsia, por todo o exposto e pelo demais que deste processo consta, de conformidade com o Protocolo de Olivos, com as normas e princípios jurídicos aplicáveis à matéria e, nos termos das Regras de Procedimento aprovadas em data de 19 de agosto de 2005, o Tribunal Arbitral ad hoc constituído para conhecer e julgar a controvérsia envolvendo a República Oriental ddo Uruguai e a República Argentina sobre "Prohibición de Importación de Neumáticos Remoldeados" decidiu: pela maioria de votos dos Senhores Árbitros, que a Lei nº 25.626, promulgada pela República Argentina em 08 de agosto de 2002 e publicada no Boletín Oficial, em 09 de agosto de 2002, é compatível com o disposto no Tratado de Assunção e seu Anexo I, com as normas derivadas de tal Tratado, bem como com as disposições de Direito Internacional aplicáveis à matéria.

Por unanimidade, determinou, nos termos do artigo 36.1 do Protocolo de Olivos, que os custos e despesas deste procedimento arbitral sejam pagos ou reembolsados à Secretaria Administrativa do Mercosul, conforme o caso, da seguinte forma: (a) cada Parte arcará com os custos e despesas do árbitro por ela indicado, bem como com os custos e despesas de representantes, assessores e peritos por ela respectivamente nomeados ou indicados; (b) os custos e despesas incorridos com e pelo Presidente do Tribunal serão arcados em partes iguais pelas Partes; (c) as Partes partilharão igualmente entre si todos os custos e despesas, inclusive de natureza administrativa, incorridos pela Secretaria Administrativa do Mercosul com a organização e condução deste processo. Os pagamentos e reembolsos de custas e despesas, na forma aqui definida, deverão ser efetuados pelas Partes correspondentes diretamente à Secretaria Administrativa do Mercosul, dentro do prazo improrrogável de 30 (trinta) dias contados da notificação do Laudo.

Por unanimidade autorizou a Secretaria Administrativa do Mercosul a efetuar, de imediato, todos os pagamentos ainda pendentes e relativos ao presente processo, nos termos da decisão prolatada, com recursos disponíveis no Fundo Especial, debitando-os às Partes nas proporções aqui determinadas.

Por unanimidade determinou que os autos e todos os documentos relativos ao presente processo permaneçam arquivados na Secretaria Administrativa do Mercosul.

Por unanimidade declarou que, ressalvado o disposto nos artigos 28.1 e 17 do Protocolo de Olivos, o disposto neste Laudo é obrigatório para as Partes e tem efeito imediato, de conformidade com o que determinam os artigos 26 e 27 do mesmo Protocolo.

O segundo Tribunal ad hoc se reuniu, no marco do protocolo de Olivos, para apreciar a controvérsia apresentada pela República Oriental do Uruguai à República Argentina sobre "Omissão do estado argentino em adotar medidas apropriadas para prevenir e/ou fazer cessar os impedimentos à livre circulação derivados dos cortes em território argentino de vias de acesso as pontes internacionais Gral. San Martín e Gral. Artigas que unem a República Argentina com a República Oriental do Uruguai".

Em conformidade com o disposto no Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul, o Tribunal ad hoc foi formado pelo trio arbitral Luis Martí Mingarro, José Maria Gamio e Enrique Carlos Barreira, cidadãos nacionais da Espanha, do Uruguai e da Argentina, respectivamente.

O Tribunal, após considerar que a proposição da Parte Reclamada segundo a qual teria havido novação e ampliação do objeto demandado, a Reclamação é abstrata por carecer de objeto fático, os fatos que geraram as manifestações dos moradores da costa argentina que ocasionaram a controvérsia, sobre a existência de descumprimento por omissão em face da normativa do Mercosul, sobre a referência aos Direitos Humanos, a conduta devida perante as circunstâncias existentes, a responsabilidade do Estado Federal pelas omissões dos Governos Provinciais, a atitude dos moradores de Gualeguaychú, a relevância dos prejuízos, o pedido de que se imponha à Parte Reclamada a adoção das medidas apropriadas para prevenir ou cessar a possível reiteração futura de fatos similares, após várias considerações, chega ao seguinte entendimento, enumerados abaixo:

1. tem jurisdição para julgar e resolver o objeto da controvérsia apresentada. 2. Acolhendo parcialmente a pretensão da Parte Reclamante, declara que a ausência das devidas medidas que a Parte Reclamada deveria ter adotado para prevenir, ordenar ou, em seu caso, corrigir os bloqueios das rodovias que unem a República Argentina com a República Oriental do Uruguai, realizados pelos moradores da margem argentina do rio Uruguai e que foram enumerados nos considerandos deste laudo, não é compatível com o compromisso assumido pelos Estados Partes no tratado fundacional do Mercosul de garantir a livre circulação de bens e serviços entre os territórios de seus respectivos países. 3. Desestimando parcialmente a pretensão da Parte Reclamante, declara que, em atenção às circunstâncias do caso, não resulta procedente em direito que este Tribunal "ad hoc" adote ou promova determinações sobre condutas futuras da Parte Reclamada. 4. Conforme o estabelecido nos fundamentos deste laudo, não se faz ressalva alguma quanto à imposição de custas, pelo qual se respeitará o que prescreve o art. 36, primeiro parágrafo, do Protocolo de Olivos. Os pagamentos correspondentes deverão ser realizados pelas Partes através da Secretaria do Mercosul dentro do prazo improrrogável de 30 (trinta) dias contado a partir da notificação.

3.1. Recurso declaratório com relação ao Laudo Arbitral na controvérsia "Proibição de Importação de Pneumáticos Remodelados Proceentes do Uruguai"

Trata-se de Recurso declaratório interposto pela República Argentina com relação ao Laudo Arbitral ditado pelo TPR em 20 de dezembro de 2005 na Controvérsia "Proibição de Importação de Pneumáticos Remodelados Procedentes do Uruguai".

Na cidade de Assunção, República do Paraguai aos treze dias do mês de janeiro de 2006, tendo em vista o recurso declaratório apresentado pela República Argentina com relação ao laudo arbitral ditado por este TPR em 20 de dezembro de 2005 sobre a controvérsia "proibição de importação de pneumáticos remoldados procedentes da Uruguai", o TPR assim analisou e decidiu item por item.

O TPR considerando, que o recurso declaratório, ao menos quanto a seu alcance, nunca foi objeto de maior discussão. Assim o define: "O recurso declaratório é o  remédio que se concede às partes para obter que o próprio juiz ou tribunal que ditou uma resolução corrija as deficiências materiais ou conceituais que contenha, ou a integre em conformidade com as petições oportunamente formuladas".

A representação argentina solicitou esclarecimento com relação a trinta e um itens bem diferenciados em sua apresentação. Que o recurso declaratório, como se sabe, deve ter por objeto: a) a correção de um erro material, b) o esclarecimento de qualquer expressão obscura, sem obviamente alterar a substância da decisão objeto do recurso, c) suprir alguma omissão na qual o TPR tenha incorrido com relação a qualquer pretensão deduzida e discutida no litígio. Que, conseqüentemente, coube analisar item por item, de acordo com a consideração precedente, o conteúdo completo do recurso declaratório deduzido.

Pelo exposto, e de conformidade com as normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso, o Tribunal Permanente de Revisão, na controvérsia acima, decidiu: 1. Por maioria, inadmitir in limine o presente recurso de revisão interposto pela República Argentina. 2. Por maioria, como conseqüência do decidido no item anterior, indeferir o peticionado nos números 3, 4, 5 e 6 da petição da República Argentina, e não se pronunciar sobre o número 7 da referida petição. 3. Por maioria, deixar expressa a ressalva de que esta inadmissão in limine, não prejudica em absoluto o direito da República Argentina de voltar a alegar os mesmos fatos e as mesmas pretensões jurídicas em um eventual recurso de revisão contra um laudo arbitral final do Tribunal ad hoc.

3.2. Recursos de Revisão

O TPR julgou até o ano de 2008, em nível de Recurso de Revisão, ou seja, uma espécie de segundo grau, os seguintes recursos: Revisão da controvérsia entre Uruguai e Argentina sobre "proibição de importação de pneumáticos procedentes do Uruguai"; Recurso de Revisão para julgar a solicitação de pronunciamento sobre o excesso na aplicação de medidas compensatórias – controvérsia entre Uruguai e Argentina sobre proibição de importação de pneumáticos remodelados procedentes do Uruguai (Laudo n.1/2005 e seu Laudo declaratório n. 1/2006); Recurso de Revisão contra a Decisão do Tribunal Arbitral ad hoc sobre "Impedimentos a Livre Circulação derivado dos Cortes no território argentino de vias de acesso as Pontes Internacionais Gral. San Martín e Gral. Artigas"; Recurso de Revisão a respeito do assunto N. 1/2008 "Divergência sobre o cumprimento do Laudo N/05 iniciada pela República Oriental do Uruguai (Art. 30 do Protocolo de Olivos)". Abordaremos parte dos laudos, no tocante às decisões tomadas.

O primeiro Recurso de Revisão, em 2005, tramitou no Tribunal Permanente de Revisão apresentado pela República Oriental do Uruguai contra o Laudo arbitral do Tribunal Arbitral ad hoc datado de 25 de outubro de 2005 na Controvérsia "Proibição de Importação de Pneumáticos Remodelados Procedentes do Uruguai".

O TPR estava integrado conforme o Protocolo de Olivos pelos Árbitros Nicolás Eduardo Becerra da Argentina e Ricardo Olivera do Uruguai, sendo presidido pelo Wilfrido Fernández da República do Paraguai.

O recurso de revisão foi apresentado em 9 de novembro de 2005 pelo Uruguai, tendo sido contestado pela Argentina no dia 9 de dezembro de 2005. Por providência de 9 de dezembro de 2005, notificou-se a presente controvérsia à República Federativa do Brasil e à República do Paraguai, sem atribuir-lhes qualidade de partes. Outrossim, por tal providência, as partes foram convocadas para audiência oral que se celebrou em 19 de dezembro. Posteriormente à audiência, o TPR procedeu imediatamente a elaborar o laudo arbitral. Eis alguns dos temas importantes abordados nesse laudo: alcance do recurso: questões de direito, objeto da controvérsia, questões de direito em revisão: o princípio de livre comércio no Mercosul e as exceções, critérios de rigor para a análise da viabilidade das exceções ao livre comércio, inversão do ônus da prova – incerteza jurídica, estoppel – sua aplicabilidade ao direito da integração, pronunciamento sobre notificação a terceiros países não partes na controvérsia.

Por tudo que expôs e, em conformidade com as normas e os princípios jurídicos aplicáveis ao caso, o Tribunal Permanente de Revisão na presente controvérsia sobre "Proibição de Importação de Pneumáticos Remoldados Procedentes do Uruguai", decidiu: a) Por maioria, revogar com o alcance indicado o laudo arbitral em revisão nesta instância, datado de 25 de outubro de 2005. b) Por maioria, determinar que a Lei argentina 25626 promulgada em 8 de agosto de 2002 e publicada no Boletim Oficial em 9 de agosto de 2002 é incompatível com a normativa Mercosul, com base em uma correta interpretação e aplicação jurídica das exceções previstas no Art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980, as quais estão entroncadas no Anexo 1 do Tratado de Assunção, especificamente em seu Art. 2b, e, como conseqüência, a República Argentina deverá derrogá-la ou modificá-la com o alcance anteriormente exposto, por via institucional apropriada, dentro do prazo de cento e vinte dias corridos. c) Por maioria, determinar que, a partir da notificação do presente laudo, lhe seja vedado à República Argentina adotar ou empregar qualquer medida contrária a este pronunciamento ou que obste sua aplicação. d) Por maioria, determinar que a presente decisão terá vigência até que o Mercosul, pela via institucional apropriada, aprove uma normativa consentida sobre a questão debatida nestes autos com relação à importação de pneumáticos remoldados.

Em 2006, na cidade de Assunção, República do Paraguai, precisamente no dia seis do mês de julho de 2006, o Tribunal Permanente de Revisão, constituído em plenário, julgou o Recurso de Revisão apresentado pela Argentina contra a decisão do Tribunal Arbitral ad hoc, de 21 de junho de 2006, que foi constituído para julgar a controvérsia promovida pela Republica Oriental do Uruguai contra a República Argentina sobre a questão dos "Impedimentos impostos à livre Circulação pelas barreiras em território argentino de vias de acesso as Pontes Internacionais Gral. San Martin e Gral. Artigas".

Nesse passo, no dia oito do mês de junho de 2007, o Tribunal Permanente de Revisão volta a se reunir para julgar a solicitação de pronunciamento sobre o excesso na aplicação de medidas compensatórias – controvérsia entre Uruguai e Argentina sobre proibição de importação de pneumáticos remodelados procedentes do Uruguai (Laudo n.1/2005 e seu Laudo declaratório n. 1/2006).

Consta do laudo que através de Lei N. 25.626 (08/08/2002; BO 09/08/02), a Argentina decidiu proibir: "la importación de las mercaderías individualizadas y clasificadas en el Sistema Armonizado de Designación y Codificación de Mercancías, elaborado bajo los auspicios del Consenso de Cooperación Aduanero, firmado en Bruselas, Reino de Bélgica, el 14 de julio de 1983, y modificado por su Protocolo de Enmienda hecho en Bruselas el 24 de junio de 1986, y sus notas explicativas que figuran en la Nomenclatura Común del Mercosur bajo N.C.M. 4012.10.00 Neumáticos (llantas neumáticas) recauchutados y 4012.20.00 Neumáticos (llantas neumáticas) usados", sem discriminar a sua origem extra ou intra Mercosul.

Considerando que a dita normativa era incompatível com o Direito do Mercosul, o Uruguai recorreu ao TPR. Em primeira instância, o TAH estabeleceu que a norma impugnada, feriu princípios do Direito do Mercosul (Laudo de 25 de outubro de 2005, Proibição de importação de pneumáticos, TAH-2/2005, Boletim Oficial do Mercosul n. 00).

Em virtude do recurso de revisão dirigido contra a dita decisão, o Tribunal, por maioria, recebeu o recurso, revogou a decisão e, constatando que a lei em questão infringia o Direito do Mercosul, determinou, entre outras coisas, que a Argentina devia proceder a sua derrogação pela via institucional apropriada, dentro do prazo de cento e vinte dias corridos, a partir da publicação da decisão.

A "sentença" foi objeto de uma solicitação de Recurso Declaratório, decidido oportunamente pelo Tribunal (Recurso Declaratório de 13 de janeiro de 2006, Laudo de Revisão "proibição de importação de pneumáticos", TPR-1/05 – Laudo N. 1/2006).

Posteriormente, o Uruguai, considerando que a Argentina não havia dado cumprimento a decisão do Tribunal, solicitou o cumprimento da mesma e decidiu aplicar medidas compensatórias, através do Decreto 142/2007. Objeto questionado.

O Marco normativo da presente controvésia está regido pelos artigos 31 e 32 do Protocolo de Olivos, assim como os artigos 43 e 44 do Regulamento do citado Protocolo.

Neste sentido, alegou a Argentina, entre outras, que a medida compensatória tem efeitos que provocam desvio de comércio, em particular em benefício do Brasil e da China entre outros países.

Assinalou também que o Protocolo de Olivos não estabele o quanto da determinação do excesso de uma medida compesatória, nem critérios a serem aplicados, tampouco existem precdentes jurisprudências acerca do assunto, em especial no marco do sistema de solução de controvérsias no Mercosul.

Em consequência, solicitou ao Tribunal, que declarasse que a medida compensatória uruguaia é excessiva e despropricional em relação as consequências derivadas do descumprimento do Laudo N.1/2005.

Por sua vez, o Uruguai destacou que a Argentina reconheceu, neste caso concreto, a existência do pressuposto essencial para a aplicação da medida compensatória, a saber o descumprimento do Laudo N. 1/2005. Para o Uruguai, o sistema jurisdiconal do Mercosul e sua efetiva aplicação constitui a garantia do processo de integração. Por outro lado, o caráter obrigatório dos laudos surge do PO, razão pela qual seu descumprimento implica uma violação tanto da norma "mercosureña", como do próprio Protocolo, o que constitui assim uma afetação a essência mesma do processo de integração.

As medidas compensatórias adotadas pelo PO, segundo o Uruguai, têm por objetivo não só que o Estado acate o laudo do Tribunal, mas também reduzir o dano provocado pela demora na observância do dito laudo. Sem embargo, neste caso, entendeu o TPR que as medidas adotadas pelo Uruguai, são menos gravosas que as conseqüências que se derivam do descumprimento do Laudo n. 1/2005, acima citado, por parte da Argentina.

Por fim, o Uruguai agregou que a fim de estabelecer a proporcionalidade de uma medida compensatória não há de estar-se unicamente na comparação dos fluxos comerciais afetados, mas sobretude, a atitude da Argentina de descumprir um laudo do Tribunal, afeta outros valores que escapam ao aspecto meramente comercial, e que incidem negativamente na consolidação do processo de integração em si mesma, na conformação do mercado comum. As demais alegações da parte uruguaia, remetemos in totum ao texto do Laudo.

Em consequência de todo exposto, o Uruguai soliticitou que o Tribunal denegue a reclamação da Argentina e declare que as medidas compensatórias aplicadas são proporcionais e não excessivas, com relação às consequências derivadas do descumprimento do Laudo N. 1/2005, e por ele são ajustadas e despostas nas normas pertinentes do Protocolo de Olivos.

O dano institucional, explicitado em certa forma pelo Tribunal, não especificamente conceitualizado pelo Uruguai, comporta outro fator de vital importância na evolução da proporcionalidade para caso como o presente, considerando que o descumprimento se refere precisamente ao primeiro laudo emitido por este Tribunal desde sua constituição. Por sua vez, com as distâncias do caso e os que na União Européia estão proibidos as medidas compensatórias, sem embargo dos critérios mencionados neste laudo dados a conhecer pela Comissão Européia em relação ao sistema de cálculo de multas coercitivas, são igualmente de plena aplicação ao caso (gravidade da infração, duração da mesma e a necessidade de assegurar os efeitos decisórios da sanção para evitar a reincidência), para o qual o Tribunal não necessita na realidade normativa atual de nenhuma delegação de soberania.

Em síntese, por tudo que foi exposto, o Tribunal decidiu, por maioria, determinar que a medida compensatória contida no Decreto N. 142/07, de 17 de abril de 2007, emitida pela República Oriental do Uruguai é proporcional e não excessiva em relação às conseqüências derivadas do descumprimento do Laudo N. 1/2005 ditado pelo Tribunal em 20 de dezembro de 2005, conforme a normativa aplicável.

Em 2008, outro Recurso de Revisão foi julgado, na cidade de Assunção, República do Paraguai, pelo Tribunal Permanente de Revisão, sobre o assunto N.1/2008 "Divergência sobre o cumprimento do Laudo N. 1/05 iniciada pela República Oriental do Uruguai (Art. 30 do Protocolo de Olivos)".

Conforme previsto nos Artigos 30 do Protocolo de Olivos e 42 de seu Regulamento, bem como o que foi resolvido pelo Plenário do Tribunal Permanente de Revisão por meio da Resolução N° 1/08, o TPR foi formado pelos Árbitros Nicolás Eduardo Becerra, da República Argentina, Carlos Alberto González Garabelli, da República do Paraguai (em exercício da Presidência) e Ricardo Olivera García, da República Oriental do Uruguai.

Em conclusão, conforme as considerações apresentadas, o Tribunal entendeu que a medida adotada pela República Argentina, Lei N° 26.329, não cumpre o Laudo N° 1/2005.

Por tudo o que foi exposto e em concordância com as normas e princípios jurídicos aplicáveis neste caso, o Tribunal Permanente de Revisão na presente controvérsia sobre a "Divergência sobre o cumprimento do Laudo N° 1/05 iniciada pela República Oriental do Uruguai (Art. 30 Protocolo de Olivos)", resolveu: 1) Por maioria, determinar que a Lei argentina N° 26.329 não supõe o cumprimento do Laudo 1/2005 e, portanto, a República Argentina terá de revogá-la ou modificá-la (revogando ou modificando, portanto, a Lei N° 25.626) com o alcance exposto no Laudo 1/2005. 2) Por maioria, determinar que, tendo decorrido o prazo de 120 dias a partir do Laudo 1/2005 para que a República Argentina cumprisse o referido Laudo, e tendo em vista que a Lei N° 26.329 não supõe seu cumprimento, a República Oriental do Uruguai tem direito a manter as medidas compensatórias até o cumprimento do referido Laudo. 3) Por unanimidade, determinar que, para as partes, este laudo tem efeito imediato, conforme determinado pelos Artigos 26 e 27 do Protocolo de Olivos.


4. Considerações finais

O Mercosul, enquanto união aduaneira imperfeita, está em processo de desenvolvimento e de consolidação de suas instituições. Para que o processo de integração avance e se consolide como união aduaneira e, posteriormente, como mercado comum, há necessidade de que suas instituições ampliem sua competência para atuar em outras áreas da integração e não apenas na área comercial, visto que seus tratados constitutivos vislumbram uma futura integração social, cultural e política.

A importância do Mercosul para a região é inegável. Seu alargamento e aprofundamento elevam o número de controvérsias, o que tornará necessário um sistema de solução de controvérsias que garanta estabilidade do processo de integração, a fim de que mantenha credibilidade e segurança jurídica para atrair investimentos e fomentar o intercâmbio comercial, social, cultural e político.

Neste sentido, deixou claro o Tribunal Permanente de Revisão no Laudo N. 1/2007, de 08 de junho de 2007, constituído para entender na solicitação de pronunciamento sobre excesso na aplicação de medidas compensatórias – controvérsia entre Uruguai e Argentina sobre proibição de importação de pneumáticos remodelados procedentes do Uruguai. A falta de observância de uma decisão do Tribunal, desfavorável ao Estado Parte, põe em causa a estabilidade e efetividade das instituições do Mercosul, provocando, assim mesmo, uma preocupante sensação de descrédito na sociedade em relação ao processo como um todo.

O sistema de solução de controvérsias no Mercosul no marco do Protocolo de Brasília se mostrou insuficiente e provisório. Mas foi importante não só para se criar as condições de se estabelecer um sistema permanente, mas também para a busca do processo de convergência da tarifa externa comum (TEC), o que não ocorreu até a presente data. Do Protocolo de Brasília, aprovado em 1991, ao Protocolo de Olivos, subscrito em fevereiro de 2002, o sistema tem sido paulatinamente aperfeiçoado, mas não sofreu grandes alterações, no sentido de fortalecer o processo de integração. Entretanto, é de se reconhecer uma inovação significativa, produzida no interior do procedimento arbitral, trazida pelo Protocolo de Olivos, que foi a criação de um Tribunal Permanente de Revisão, integrado por 5 árbitros, uma espécie de segunda instância, com competência para apreciar os laudos arbitrais prolatados pelo TAH. O Tribunal de Revisão talvez venha a representar um passo importante para se pensar em um Tribunal de Justiça para o Mercosul, a partir da experiência que aquele tribunal possa proporcionar à integração sub-regional.

Os meios de solução de controvérsias entre os Estados Partes do Mercosul, previstos pelos Protocolos, são os clássicos meios previstos no Direito internacional. Entretanto, quando da interpretação e da aplicação das regras da integração pelos TAH e TPR, nos casos julgados, a solução se revestiu de maior eficácia e especificidade do que tradicionalmente é visto por aquele sistema do Direito internacional.

Ao empreender uma visão pragmática para as decisões, na qual o processo de integração é visto como uma realidade dinâmica, e que o sistema do Tratado de Assunção e de seus Anexos mostram claramente uma combinação de normas próprias de um tratado quadro com outras de caráter operacional, os TAH e TPR produziram uma interpretação corajosa, na qual o Tratdo de Assunção vai além de um tratado quadro, constituindo um esquema normativo que flutua entre um "direito diretivo" – com bases jurídicas gerais – e "um direito operacional" – constituído por compromissos concretos, apontado para o futuro.

Por fim, é justo anotar que o método teleológico, empregado pelos primeiros Tribunais ad hoc, serviu de parâmetro para os demais. Segundo esse método, ao aplicar as normas, procura-se garantir sua eficácia em relação com seu fim último, que é o de dar satisfação às exigências da integração. Partindo do Protocolo de Brasília e do Protocolo de Olivos, os Tribunais buscaram sua base argumentativa, considerando os textos dos instrumentos internacionais, em seu sentido gramatical e sistemático; do contexto desses instrumentos e do conjunto normativo Mercosul. Nesta perspectiva, conforme expresso pelos Tribunais, a interpretação teleológica acha-se controlada por sua combinação operacional com os outros métodos e, em si mesma, ao associar as noções de objeto e de fim que equilibram seus conteúdos reais e ideais.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Orione Dantas de. Mercosul: 20 anos. Breve análise dos meios de solução de controvérsias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2835, 6 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18845. Acesso em: 29 mar. 2024.