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Regularização fundiária no município de Parnamirim/RN

Regularização fundiária no município de Parnamirim/RN

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RESUMO

O problema da informalidade e irregularidade das moradias urbanas brasileiras é grave e inconteste. O Poder Público, em razão da crescente e desordenada urbanização das cidades, não consegue exercer suas atividades e dispor seus serviços de maneira eficiente, enquanto isso a população permanece numa situação precária de inacessibilidade e insegurança. Como resultado do processo democrático e social do nosso país, bem como dos movimentos sociais organizados, a Constituição Federal de 1988 trouxe disposições acerca da política urbana e promoção da regularização fundiária nacional no intuito de promover o acesso à moradia digna e regular, bem como à cidade urbanizada e ambientalmente sustentável. Nesse sentido, destaca-se as diretrizes traçadas em âmbito nacional que atribui competências e responsabilidades aos agentes locais para a concretização da regularização fundiária, como exemplo demonstraremos o programa de regularização fundiária do município de Parnamirim, por meio do estudo dos instrumentos legais disponíveis, bem como das ações efetuadas através de seus órgãos competentes.

Palavras-chave: Irregularidade. Regularização. Direito. Urbanização. Moradia.


ABSTRACT

The problem of informality and irregularity of urban housing in Brazil is serious and undisputed. The government, due to the increasing urbanization of towns and unorganized, can be not perform their activities and provide its services efficiently, while the population that remains in a precarious situation of inaccessibility and insecurity. As a result of the democratic process and social development of our country and the organized social movements, the Constitution of 1988 brought about the policy provisions urban regularization of land tenure and national level to promote access to adequate housing and regular, and the urbanized and environmentally sustainable city. In this sense, the guidelines set up nationwide to assign powers and responsibilities to local staff for the completion of settlement land, as an example will demonstrate the program of regularization of the municipality of Parnamirim, through the study of the legal instruments available, and as the actions taken by their agencies.

Keywords: Irregularity. Regularization. Right. Urbanization. Housing.


1.INTRODUÇÃO

É notório que há nas cidades brasileiras uma marcante presença de moradias informais, irregulares, clandestinas e muitas vezes precárias. Infelizmente, no nosso país tal irregularidade se fez regra e não exceção, com milhões de habitantes excluídos do processo formal habitacional e sem acesso à mínima infraestrutura urbana. O crescimento desordenado das cidades fez com que a partir da década de 60 fosse possível verificar os efeitos nocivos dessa urbanização desigual, tendo como consequência a edição da Lei Federal nº 6.766/79 a fim de minimizar tais efeitos através da regularização do parcelamento do solo urbano. Em razão disso, desde a década de 80, movimentos sociais se mobilizam na luta pela reforma urbana a partir da construção de uma nova ordem jurídico-urbanística que tem como marco a Carta Magna de 1988, a qual trouxe um capítulo específico sobre a política urbana onde se reconhece o direito à regularização, à moradia e à cidade.

Em 2001, foi consolidado o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01, bem como a Medida Provisória nº 2.220/01, que estabeleceram os instrumentos jurídicos e urbanísticos basilares para reduzir o quadro de irregularidade fundiária existente no país, proporcionando a gestão democrática das cidades através do Plano Diretor Participativo, o qual tem como principal diretriz concretizar a função social da propriedade. Em 2003, o Governo Federal, por meio do Ministério das Cidades, formulou, pela primeira vez no país, uma política nacional de regularização fundiária de áreas urbanas com o intuito de apoiar ações dos diversos agentes públicos na promoção da regularização fundiária sustentável sendo editada em 2009 a Lei Federal nº 11.977 que tratou especificamente da matéria.

A regularização fundiária sustentável deve ser entendida como o processo pelo qual envolve a regularização não só urbanística, como também a ambiental, administrativa e patrimonial. A dimensão urbanística implica garantir a integração do assentamento à cidade formal melhorando as condições de infraestrutura urbana, acessibilidade, mobilidade e disponibilidade dos serviços públicos. A dimensão ambiental busca a melhoria das condições do meio ambiente, incluindo o saneamento, o controle de risco de desastres naturais, a preservação, a recuperação da vegetação e dos cursos d´água. A regularização administrativa e patrimonial trata do reconhecimento do direito à moradia, por meio de títulos registrados em Cartórios de Registro de Imóveis e de processos que assegurem a permanência da população nas áreas ocupadas, resultando na inserção desses assentamentos nos mapas e cadastros da cidade. Todas essas dimensões devem ser garantidas e combinadas nos programas municipais e estaduais de regularização fundiária. [01]

Nesse sentido, o Governo Federal elaborou o programa Papel Passado para fomentar os programas locais através da aplicação de recursos financeiros do Orçamento Geral da União por meio de transferência de recursos que se deu a partir de consulta pública onde foram selecionados os proponentes beneficiários considerando critérios conforme a magnitude do problema. Além disso, destacam-se as ações a fim de regularizar assentamentos em terrenos que constituem o patrimônio público da União, onde, por meio de convênios, prefeituras e governos estaduais receberam áreas sob o domínio da União, comprometendo-se regularizá-las em prol dos moradores, assim como terrenos pertencentes ao patrimônio da Rede Ferroviária Federal S.A. que se somaram ao Programa Habitar Brasil no intuito de contribuir com a resolução de conflitos fundiários urbanos e evitar tragédias associadas a processos violentos de despejos forçados.

É importante destacar que a viabilidade dessas ações, especialmente para a remoção dos obstáculos legais, necessita da efetiva cooperação dos diversos operadores do direito, tanto na esfera do Poder Judiciário com a promoção do acesso à justiça, como daqueles que trabalham na elaboração das leis no âmbito do Poder Legislativo para adequar os instrumentos legais aos propósitos estabelecidos na Constituição. Outro ponto importante e que precisa ser enfrentado é a diminuição dos custos e desburocratização do processo de regularização fundiária, sendo indispensável a colaboração dos tabeliães para garantir a gratuidade do primeiro registro de títulos advindos do processo de regularização fundiária em assentamentos ocupados por famílias de baixa renda, o que se efetivou a partir do convênio celebrado entre o Ministério das Cidades e a Associação dos Notários e Registradores do Brasil.

O presente trabalho tem por finalidade apresentar a evolução da estrutura legal do instituto da regularização no ordenamento jurídico nacional e os mecanismos que o município de Parnamirim/RN tem utilizado para efetivar o seu programa de Regularização Fundiária. Para isso, o desenvolvimento do estudo dar-se-á através da análise da matéria, partindo da perspectiva hierárquica do ordenamento jurídico, para isso, abordaremos inicialmente a regulamentação trazida pela Constituição Federal acerca do direito de propriedade e sua função social inserida no contexto nacional da regularização fundiária. Em seguida analisaremos o Estatuto da Cidade e sua importância norteadora para a elaboração das diretrizes municipais, bem como os instrumentos trazidos pela Lei nº 11.977/2009. Por fim, o estudo de caso específico que é a regularização fundiária no município de Parnamirim/RN.

Ao tratar do caso específico de Parnamirim, traremos informações sobre a legislação local que fundamenta o instituto da regularização fundiária do município, estudando as disposições encontradas em sua Lei Orgânica, seu Plano Diretor, na Lei Complementar que institui o sistema municipal de habitação e interesse social, sempre em consonância com a sistemática do ordenamento jurídico que dispõe sobre a matéria. Por fim, trataremos das atribuições e das ações específicas que a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária, como órgão municipal responsável pelo exercício do programa de regularização fundiária, vem exercendo e quais as perspectivas que o município busca atingir.


2.FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Dentre os direitos e garantias fundamentais elencados no rol do artigo 5º da Constituição Federal está a garantia institucional ao direito de propriedade em seu inciso XXII, com destaque à vinculação estabelecida no inciso seguinte de que a propriedade deverá atender a sua função social como estabelecimento da conformação ou limitação do direito. Além desses, temos o artigo 170 da CF, que ao tratar da ordem econômica, atenta para observação do princípio da função social da propriedade em seu inciso III. Nesse sentido, a Carta Magna prevê ainda a possibilidade de desapropriação em casos de necessidade de utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, segundo art. 5º, XXIV, ressalvados os casos nela previstos (arts. 184, caput, e 182, § 4º) nos quais é admissível o pagamento mediante títulos públicos.

Com efeito, é possível afirmar que não existe um conceito estático de propriedade, haja vista que a propriedade, enquanto instituto jurídico, visa promulgar um complexo normativo que assegure não só a existência, mas também a utilidade privada desse direito, o que pressupõe um conceito necessariamente dinâmico. Nesse passo, deve-se reconhecer que a garantia constitucional da propriedade está submetida a um intenso processo de relativização, devendo ser interpretada em conformidade com as disposições fixadas na legislação ordinária, observando especialmente o princípio da proporcionalidade e da ponderação.

Segundo Maria Helena Diniz (2009, p. 20), a propriedade seria o núcleo do sistema dos direitos reais, pois estaria caracterizada de acordo com a extensão de seus poderes e teria como caracteres jurídicos: a) oponibilidade erga omnes; b) seu titular possui direito de seqüela e de preferência; c) adere imediatamente ao bem corpóreo ou incorpóreo, sujeitando-o, de modo direto ao titular; d) obedece ao numerus clausus, pois é estabelecido pelo Código Civil e leis posteriores, não podendo ser criado por livre pactuação; e) é passível de abandono; f) é suscetível de posse; g) a usucapião é um dos seus meios aquisitivos. Dessa forma, o direito de propriedade se apresenta como um direito real, garantido constitucionalmente desde que atendida a sua função social, podendo ser considerado objeto de direito na medida em que se faz representar por um objeto capaz de satisfazer um interesse econômico, suscetível de gestão econômica autônoma e capaz de ser objeto de uma subordinação jurídica.

Pode ser objeto de propriedade tudo aquilo que dela não for excluído por lei, ou seja, os bens corpóreos móveis e imóveis. Como nosso estudo versa a respeito da regularização fundiária urbana, só nos interessa falar a respeito de bens imóveis urbanos como um núcleo mínimo de propriedade privada fundamental para a preservação da dignidade humana e de acesso material à moradia, segurança, patrimônio, saúde, lazer, meio ambiente, entre outros correlatos. Por isso, é essencial compreender a extensão do princípio da função social da propriedade no regime jurídico-constitucional como algo superior ao princípio da propriedade privada em prol de sua coletivização, a fim de torná-la mais associativa e construtiva, tutelando sua integridade jurídica a fim de tornar sua existência sensível ao impacto social do exercício dos poderes relativos ao domínio, ou seja, usar, gozar, dispor e reaver (art. 1228 do CC) [02].

Resumindo o pensamento acerca do princípio da função social da propriedade, Vladimir da Rocha França (1999, p. 12) aduz a possibilidade de coadunar a função social com a existência da propriedade privada e da livre iniciativa, desde que o direito de propriedade não sirva de instrumento de marginalização da maioria esmagadora do povo brasileiro. Dessa maneira, a atual sistemática da propriedade, apesar da previsão constitucional de observação de sua função social, induz necessariamente a instabilidade institucional e social brasileira, o que não significa dizer que ela deve ser suprimida, haja vista ser uma irrefutável fonte de riqueza. Entretanto, deve-se reconhecer que os princípios da função social da propriedade, bem como o da ordem econômica são essenciais à sua existência a fim de concretizar o bem-estar social exigido pela própria Constituição.

Portanto, para se realizar uma regularização fundiária que de fato atenda às necessidades da coletividade urbana, é fundamental que seja observado o princípio da função social da propriedade. Nesse passo, a Constituição Federal prevê em seus artigos 182 e 183, os quais tratam da Política Urbana, que o Poder Público Municipal deve executar uma política urbana, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais das cidades para garantir o bem-estar de seus habitantes. Nesse aspecto, traz ainda a obrigatoriedade da elaboração do Plano Diretor para as cidades com mais de vinte mil habitantes, a ser aprovado pela Câmara Municipal, como instrumento básico para a consolidação da política de desenvolvimento e expansão urbana em consonância com a função social da propriedade, sendo perfeitamente admitida a desapropriação de imóveis que não atendam ao princípio.

Observa-se também a previsão da Ação de Usucapião Especial Urbano como forma de aquisição originária da propriedade para atender a regularização fundiária da população de baixa renda que, ininterruptamente e sem oposição, possua como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, utilizando-a para fins de sua moradia ou de sua família, há mais de cinco anos, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Logo, a lei prevê requisitos específicos para se conferir o título de domínio ou a concessão de uso, conforme o caso, advertindo que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião e que tal direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. Presume-se, por conseguinte, o caráter social dos artigos e o princípio da boa-fé em relação à posse como sendo os fundamentos norteadores para a elaboração da Lei 10.257/2001 que estudaremos a seguir.


3.ESTATUTO DA CIDADE

O texto jurídico trazido pelo Estatuto das Cidades foi introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro para regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal estabelecendo as diretrizes gerais da política urbana a ser adotada pelos governos estaduais e municipais, expandindo as atribuições deste último, garantindo a participação democrática da população na tomada de decisões de interesse público, especialmente no que diz respeito à elaboração, implementação e avaliação do Plano Diretor da cidade.

As primeiras notícias do que viria a ser o Estatuto da Cidade datam de 1976 quando da elaboração do "anteprojeto de desenvolvimento urbano" desenvolvido pelo antigo Conselho Nacional de Política Urbana, órgão vinculado ao Ministério do Interior. [03] Entretanto, tal iniciativa não logrou êxito, pois o tratamento dado pela imprensa ao anteprojeto foi o de atribuir, às elites autoritárias e oligárquicas da época, a autoria e a intenção de regular uma das fontes de ganhos patrimoniais que é o solo urbano. Em razão disso, somente no decorrer dos anos 80 foi que emergiu uma proposta de reforma urbana baseada nos ideais reformistas dos anos 60, cujo principal objetivo seria a instituição de um novo padrão de política pública, orientado para instituir uma gestão democrática da cidade, fortalecer a regulação pública do dolo urbano, por meio da introdução de novos instrumentos de política fundiária e inverter as prioridades no tocante à política de investimentos urbanos que favoreça as necessidades coletivas de consumo das camadas populares.

Assim, o Estatuto da Cidade contém dois modelos de políticas urbanas. O primeiro é redistributivo, na medida em que pretende utilizar os recursos advindos da renda real gerada pela expansão urbana para financiar ações públicas que equalizem as condições habitacionais e urbanas da cidade, e é ainda, regulatório, pois visa submeter o uso e ocupação do solo urbano e sua valorização às necessidades coletivas, modelo que coaduna com o princípio da função social da propriedade. O segundo modelo é distributivo e se relaciona com a provisão de serviços habitacionais e urbanos, direta ou indiretamente, pelo Poder Público, como a promoção da regularização fundiária.

Como princípio, o Estatuto traz a justa distribuição dos benefícios e dos ônus decorrentes do processo urbanização, reafirmando a obrigatoriedade do Poder Público agir em favor do interesse coletivo para garantir que todos os cidadãos tenham acesso aos serviços, equipamentos e melhorias realizadas pela Administração, evitando a concentração de investimentos em determinados pontos da cidade em detrimento de outros que arcam somente com os ônus. Essa equalização promove também a recuperação de parcela da valorização imobiliária gerada pelos investimentos públicos em infraestrutura social e física, realizados com a utilização dos tributos recolhidos, com o intuito de adequar os instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos de desenvolvimento urbano.

Nesse sentido, a lei dispõe sobre a possibilidade de desapropriação de imóveis urbanos com pagamento de títulos, a ação de usucapião especial urbano atentando para o fato de se fazer coletivamente à medida que não seja possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, do direito de superfície, do direito de preempção que confere ao Poder Público municipal a preferência para a aquisição de imóvel urbano, objeto de alienação onerosa entre particulares, acaso o imóvel esteja situado em área indispensável para a realização de ações de interesse da lei, sendo uma delas a regularização fundiária, conforme artigo 26, I. Tem-se ainda a disposição acerca da outorga onerosa do direito de construir, bem como a possibilidade de transferência desse direito, observando que não se trata de mitigar o direito relativo à propriedade privada e sim adequá-lo, conforme as necessidades urbanas, aos objetivos gerais do estatuto em prol do bem-estar social, partindo de um conjunto de intervenções consorciadas de todos os atores dessa transformação independentemente de serem agentes públicos ou privados.

Não obstante a previsão dessa atuação conjunta, o estatuto prioriza a atuação e a autonomia do Município, considerando que esta é a esfera de governo mais próxima do cidadão, cabendo ao mesmo promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo, sendo competente para adotar as medidas que propiciem o desenvolvimento territorial sustentável. Deverá ainda o Município cumprir com sua política urbana através do Plano Diretor [04] possibilitando e garantindo o direito à moradia, aos serviços e equipamentos urbanos, ao transporte público, ao saneamento básico, à saúde, à educação, à cultura e ao lazer, ou seja, todos eles direitos intrínsecos aos que vivem na cidade a fim de atingir o pleno desenvolvimento das funções sociais da mesma, bem como da propriedade.

Assim, a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixo poder aquisitivo também estão previstas na lei, segundo artigo 2º, XIV do Estatuto, devendo o Poder Público municipal se responsabilizar pelo estabelecimento de normas especiais de urbanização, de uso e ocupação do solo e de edificação, conforme a situação sócioeconômica da população atendida de forma simplificada e participativa. Como o texto legal traz disposições muito amplas e generalizadas acerca dos instrumentos da política urbana, foi indispensável a elaboração de uma lei específica que regulamentasse o procedimento legal e adequado à real promoção da regularização fundiária urbana. Nesse passo, foi elaborada a lei federal que trata especificamente da matéria, conforme veremos a seguir.


4.LEI FEDERAL 11.977/2009

A Lei 11.977/2009 é um grande marco na efetivação da Política Nacional de Regularização Fundiária e cria instrumentos e procedimentos importantes com objetivo de agilizar os processos de regularização, além de trazer disposições sobre o programa Minha Casa, Minha Vida a qual compreende o Programa Nacional de Habitação Urbana. Dentre as novidades trazidas pela lei, destacaremos as disposições relativas ao capítulo III, que define as competências e responsabilidades dos autores envolvidos no processo de regularização fundiária, em especial: a competência dos municípios; a diferenciação entre regularização fundiária de interesse social e de interesse específico; a obrigatoriedade de elaboração de um projeto de regularização fundiária que integre as dimensões social, jurídica, urbanística e ambiental; a possibilidade de compatibilização do direito à moradia e do direito a um ambiente saudável, estabelecendo regras para a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente; criação dos instrumentos demarcação urbanística (artigo 47, inciso III) e legitimação de posse (artigo 47, inciso IV) os quais visam agilizar os processos de regularização fundiária de interesse social em que antes só poderiam ser tratadas através de ações judiciais de usucapião. [05]

Além das inovações já citadas, a lei trouxe ainda importantes mecanismos para a efetivação da regularização fundiária referentes ao pagamento de indenizações decorrentes da desapropriação de imóveis e ao registro de parcelamentos irregulares efetuados antes da Lei 6.766/79 [06], facilitando a regularização da situação jurídica de glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979.

Considerando que a regularização fundiária é um instrumento para a promoção da cidadania e inclusão social, devendo ser articulada com outras políticas públicas, a Lei 11.977/09 estabeleceu os seguintes princípios: I – ampliação do acesso a terra urbanizada pela população de baixa renda, priorizando sua permanência na área ocupada, assegurando o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade; II – articulação com as políticas setoriais de habitação, de meio ambiente, de saneamento básico e de mobilidade urbana, voltadas à integração social e à geração de emprego e renda, nos diversos níveis de governo e com as iniciativas públicas e privadas; III – participação plena dos interessados em todo o processo; IV – estímulo à resolução extrajudicial de conflitos; e V – concessão do título preferencialmente à mulher.

Além dos princípios elencados, a lei procurou estabelecer instrumentos específicos para regularizar não só moradias de famílias de baixa renda que foram obrigadas a viver de forma irregular por falta de alternativa legal de moradia, mas também as de famílias de média e alta renda que construíram suas casas em loteamentos e condomínios irregulares almejando assim um ordenamento legal que compreenda a cidade como um todo, porém de forma diferenciada. Para isso, estabeleceu dois tipos básicos de regularização fundiária que se molda a cada uma das situações já explanadas, a regularização fundiária de interesse social, disposto na seção II do capítulo III da lei, para os assentamentos irregulares de população de baixa renda, e a regularização fundiária de interesse específico, disposto na seção III, aplicável aqueles que não se enquadrarem na anterior.

A regularização fundiária deve ser um processo realizado de forma coletiva através da participação e articulação de todos os interessados. Dessa maneira, de acordo com a lei, são legitimados para atuar no processo: a União, Estados, Distrito Federal e Municípios; a população moradora dos assentamentos informais, individual ou coletivamente; cooperativas habitacionais, associações de moradores, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público; e entidades civis constituídas com a finalidade de promover atividades ligadas ao desenvolvimento urbano e à regularização fundiária. Além desses, destacamos também a participação de atores importantes que, apesar de não fazerem parte do rol de legitimados, podem ou devem participar do processo, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, as concessionárias de serviços públicos e os Cartórios de Registro de Imóveis.

Conforme dito alhures, o processo de regularização fundiária não deve se resumir apenas à promoção de um título de registrado em cartório. Deverá contemplar ainda uma solução integrada que proporcione uma melhoria significativa na infraestrutura urbana, ambiental e social. Em razão disso, o texto legal dispõe como obrigatório a elaboração de um projeto que estabeleça a identificação de todas as edificações existentes na área a ser regularizada e seu rearranjo em lotes, independentemente do tipo de regularização, podendo, a critério do gestor, ser o projeto implementado por etapas.

No que tange à modalidade de regularização fundiária de interesse social, as ocupações devem atender a pelo menos uma das seguintes condições: preencher os requisitos para usucapião ou concessão de uso especial para fins de moradia; situar-se em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) [07]; ou ser declarada de interesse para a implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social por quaisquer dos entes federativos partindo de suas respectivas áreas de atuação. Considerando essas condições, a lei criou instrumentos específicos a fim de facilitar a concretização da regularização dessas áreas, quais sejam a demarcação urbanística, a legitimação de posse e a regularização fundiária em Áreas de Preservação Permanente (APP´s).

A demarcação urbanística só pode ser feita pelo Poder Público e é o instrumento utilizado para áreas em que já haja uma ocupação consolidada sem oposição do proprietário do imóvel, objetivando delimitar a área ocupada para fins habitacionais identificando seus limites, localização e confrontantes, áreas de superfície para viabilizar a realização dos procedimentos de regularização fundiária de interesse social, identificando seus ocupantes e qualificando a natureza e o tempo das respectivas posses.

Já a legitimação de posse é o mecanismo destinado ao reconhecimento da posse dos moradores de áreas já demarcadas, desde que sejam identificados os requisitos legais estabelecidos no artigo 59 da lei. Assim, o lote deverá possuir área inferior a duzentos e cinqüenta metros quadrados, posse mansa e pacífica da área por pessoas que não possuem título de propriedade ou de concessão e que não sejam foreiras de outro imóvel urbano ou rural. Com isso, o objetivo principal da legitimação é tornar pública tais posses através da confecção de um título conferido pelo poder público e seu respectivo registro em cartório.

Caso a legitimação seja realizada em áreas privadas, será feita por meio de usucapião administrativa, podendo seus beneficiários, decorrido o prazo de cinco anos do registro da legitimação de posse, requerer o reconhecimento de propriedade em cartório, conforme artigo 60. No entanto, em áreas públicas poderá ser feita por concessões de uso para fins de moradia ou de outra forma que o titular da área definir mais adequada.

Ressalta-se ainda a possibilidade de se promover, por decisão fundamentada, a regularização fundiária em APP´s [08], segundo os §§ 1º e 2º do artigo 54, desde que se restrinja a espécie de regularização fundiária de interesse social, que a ocupação seja anterior a 31 de dezembro de 2007, bem como o assentamento esteja em área urbana consolidada [09] e estudo técnico comprove que a regularização implicará melhorias ambientais em comparação com a situação de irregularidade. Por fim, aplicam-se à regularização fundiária de interesse específico os mesmos mecanismos utilizados para a de interesse social exceto no que se refere às APP´s, conforme já mencionamos.


5.REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM PARNAMIRIM/RN

Por fim, versaremos acerca do caso específico do município de Parnamirim, apontando, inicialmente, os dispositivos que tratam do assunto em estudo inseridos na Lei Orgânica do Município. Dentre os regramentos observados, destacamos no capítulo II, seção I: a competência privativa do município de planejar e promover o desenvolvimento integrado do mesmo, através de seu Plano Diretor (artigo 11, II); planejar o uso e ocupação do solo em seu território, especialmente em áreas urbanas, estabelecendo normas de edificação, arruamento e zoneamento urbano em consonância com a legislação federal pertinente (artigo, 11, XV, XVI); adquirir bens mediante desapropriação (artigo 11, XX). Ao tratar das competências comuns, na seção II do mesmo capítulo, referentes ao Município, a União e ao estado, observa-se em seu artigo 12, XI, a previsão da promoção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.

No título II da lei, que trata da organização dos poderes, temos no capítulo I, seção III disposições acerca das atribuições da Câmara Municipal, dentre as quais o artigo 38 destaca: a função de legislar sobre autorização de concessão de direito real de uso de bens municipais (inciso VII); votar o plano de desenvolvimento sustentável integrado (inciso X); delimitar o perímetro urbano, atendidos os preceitos do Plano Diretor e do Estatuto da Cidade (inciso XII) e estabelecer normas urbanísticas, particularmente as relativas a zoneamento e loteamento (inciso XIV). Já no capítulo II, que versa sobre o Poder Executivo, na seção II das atribuições do prefeito, prevê o artigo 73, XI, que compete a esta autoridade decretar, nos termos da lei, a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, bem como por interesse social, podendo ser declarado por meio da edição de decreto, de acordo com artigo 38, I, "e" da lei, assim como aprovar projetos de edificações e planos de loteamento, arruamento e zoneamento urbano ou para fins urbanos (inciso XXII).

Além dessas disposições esparsas no decorrer da Lei Orgânica, temos um texto específico que aborda a política urbana, situada no título IV, capítulo VI. Preceituam os artigos 200 ao 203 que o principal objetivo da política urbana do município é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, a fim de garantir uma cidade sustentável por meio da gestão democrática e participativa, cooperação entre governos e iniciativa privada, planejamento urbanístico, oferta de equipamentos e serviços urbanos públicos e convenientes, ordenação e controle do uso do solo para evitar os efeitos nocivos da urbanização irregular, justa distribuição dos benefícios e dos ônus decorrentes da urbanização, regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação e a simplificação da legislação de parcelamento. Considera ainda que propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade em conformidade com o plano diretor, que as desapropriação serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro, prevê os requisitos referentes à regularização fundiária de interesse social e por fim a possibilidade de isenção do IPTU quando se tratar de proprietários de pequenos recursos e que não possua outro imóvel.

Diante das determinações apresentadas na Lei Orgânica Municipal, continuaremos agora com a análise do Plano Diretor de Parnamirim, Lei nº 1058/2000, no tocante ao objeto deste trabalho. O texto da lei expõe seus assuntos principais, através de seis títulos, quais sejam da política urbana, do zoneamento ambiental e funcional, das diretrizes setoriais, do uso e da ocupação do solo, do sistema de planejamento e participação popular, das infrações, penalidades e do procedimento administrativo e das disposições gerais e transitórias. Dessa forma, nos interessa versar mais detidamente sobre o primeiro e o quarto títulos.

O Plano Diretor de Parnamirim é o instrumento próprio e orientador para estabelecer a política de desenvolvimento urbano de forma planejada e contínua, contando com a participação de toda a coletividade na produção e gestão da cidade, objetivando garantir a qualidade de vida de seus habitantes partindo dos critérios ecológicos e de justiça social, observando ainda a função social da cidade e da propriedade. Nesse contexto, apresenta a promoção da regularização fundiária das áreas ocupadas pela população de baixa renda como um objetivo estratégico, segundo artigo 3º, X, bem como a atuação conjunta do setor público e privado na efetivação das transformações urbanísticas, necessárias ao desenvolvimento urbano (inciso XI), podendo o município celebrar convênios, contratos e consórcios (especificamente previsto no artigo 20) para atender esta meta.

Há na redação um capítulo destinado unicamente para versar sobre a função social da propriedade, no qual se afirma que para cumprir o princípio dever-se-á atender, simultaneamente, três exigências, conforme artigo 5º, § 2º, I, II e III, relacionadas com o aproveitamento e utilização, os quais deverão ser compatíveis com a capacidade de atendimento dos serviços públicos, com a preservação da qualidade do meio ambiente e do patrimônio cultural e paisagístico, assim como com a segurança, saúde e conforto de seus usuários e da vizinhaça. Nesse sentido, é permitida a desapropriação de terrenos não edificados, não utilizados ou subutilizados podendo ser aplicados os instrumentos de parcelamento ou edificação compulsórios, aplicação do IPTU progressivo no tempo ou a desapropriação do imóvel com pagamento mediante títulos da dívida pública.

Ressalta-se também a previsão da declaração de áreas de especial interesse, segundo artigo 21, no qual o Poder Público Municipal poderá criá-las, sendo as mesmas divididas em duas categorias. A primeira delas é a área de especial interesse social constituída por ocupações irregulares, favelas ou assentamentos, e.g., as quais são destinadas para o processo de regularização fundiária e urbanização, e a segunda é a área de especial interesse urbanístico e ambiental sendo objeto de transformações que promovam a infraestrutura urbana de serviços públicos, preservando o aspecto ambiental e paisagístico. Ao declarar determinada área como de especial interesse, permite a lei que seja suspensa a concessão de licenças e alvarás de construção até que seja promovida regulamentação ulterior.

O artigo 38 lei aduz que o município deverá assegurar o direito à moradia por meio do desenvolvimento de um plano de programas de interesse social que deverá reconhecer as áreas de especial interesse social, priorizando programas de recuperação ambiental e regularização fundiária com aplicação dos recursos do Fundo Municipal de Urbanização e Conservação Ambiental, bem como estabelecer programas de assentamento de populações de baixa renda. Em relação ao uso e ocupação do solo, o Plano Diretor apresenta informações a respeito dos parâmetros legais relativos a dimensões dos lotes, vias públicas, áreas reservadas para o município, infraestrutura básica, requisitos para aprovação dos pedidos de loteamentos e desmembramentos, aproveitamento do solo regulamentando as potencialidades construtivas, os recuos, os gabaritos, os parâmetros de uso e ocupação do solo relacionados com os usos causadores de impactos, ocupação do subsolo e reservas para estacionamento. Enfim, expõe todas as condições necessárias para que uma propriedade imobiliária urbana seja regular.

Os diplomas legais apresentados alhures, ao mencionarem a necessidade da promoção da regularização fundiária municipal, prevêem de forma geral o instituto, foi editada a Lei Complementar nº 32/2009, que instituiu o Sistema Municipal de Habitação e Interesse Social (SMHIS), criou o Conselho Municipal de Habitação e Interesse Social (CMHIS) e o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS). Assim, podemos observar que a lei complementar buscou pormenorizar o tratamento dado à matéria, estabelecendo competências específicas, assim como criando instrumentos próprios para a efetivação da regularização fundiária do município em compasso com a adoção de uma política local de habitação.

Nesse aspecto, a lei complementar elenca como objetivos, princípios e diretrizes do SMHIS a promoção do acesso à moradia urbana para a população de interesse social; promoção da regularização fundiária nos termos do Estatuto da Cidade e legislação correlata; garantir recursos em caráter permanente para o financiamento de programas e projetos de moradia para a população de interesse social; contribuir para o planejamento com vistas à erradicação das necessidades habitacionais do município; garantir à população de Parnamirim o acesso à habitação digna, segura, sustentável e produtiva e promover igualitariamente o acesso e as condições de permanência na habitação. Ainda inseridas nessas disposições, temos a definição do que se entende por população de interesse social, segundo o § 1º do artigo 2º. Trata-se de população com renda familiar mensal de zero a três salários mínimos, prevendo ainda que o sistema poderá atender a população com renda familiar mensal de três a seis salários mínimos no caso de projetos habitacionais ou ações governamentais voltados a essa faixa de renda.

Segundo a lei complementar, compõem o SMHIS os órgãos municipais elencados no artigo 4º, I ao XII, devendo os mesmos observar as normas estabelecidas pelo CMHIS, permitindo ainda que a gestão de execução dos programas, projeto e ações habitacionais possam ser de diversas formas, tais como autogestão, gestão compartilha com o Poder Público, administração direta, empreitada, mutirão, autoconstrução assistida, desde que previstas em sua formulação e aprovadas pelo Conselho.

O artigo 5º atribui à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Habitação (SEDES) a função de órgão executor do SMHIS, sendo responsável pela integração com os demais órgãos integrantes. Compete ainda a essa secretaria administrar o FMHIS em conformidade com as deliberações do CMHIS; propor políticas de aplicação dos recursos; formular normas para concessão de financiamentos; submeter ao CMHIS demonstrações mensais de despesas e de receitas do FMHIS, assim como à Secretaria de Finanças e à Controladoria Geral do Município; ordenar empenhos e pagamentos das despesas do FMHIS; firmar termos de adesão ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social; oferecer contrapartidas necessárias às transferências de recursos federais; firmar contratos com empresas privadas para a realização dos objetivos da política municipal de habitação de interesse social; firmar convênios e contratos; fornecer recursos humanos e materiais necessários à consecução dos objetivos do CMHIS e do FMHIS; elaborar relatórios de gestão; e executar e implementar as decisões do Conselho.

O CMHIS é um órgão deliberativo e consultivo e se constitui na instância de controle social do SMHIS, daí sua importância na concretização das ações para a promoção da regularização fundiária, especialmente no que diz respeito à aprovação das ações e normas de gestão, fiscalização da aplicação dos recursos do FMHIS, avaliação da execução dos programas realizados, estabelecimento das prioridades sobre a alocação dos recursos, análise de relatórios de gestão, aprovação das contas e normas para a administração do patrimônio vinculado ao FMHIS, zelo pela ampla publicidade dos atos exercidos no âmbito do SMHIS e a promoção de audiências públicas para debate e avaliação de critérios de alocação dos recursos. No artigo 9º da lei, temos a previsão dos membros que fazem parte do Conselho, totalizando dezoito representantes das mais diversas searas da sociedade, sendo a designação feita por ato do Executivo respeitando a indicação dos respectivos setores. Adverte a lei que os conselheiros não serão remunerados, mas sua função é considerada um relevante serviço público prestado à sociedade.

No que tange ao FMHIS o texto legal determina que a aplicação dos recursos se destinam especificamente a dar suporte e apoio financeiro para implementação de programas habitacionais de interesse social, devendo ser aplicados na aquisição, construção, melhoria, reforma, locação social, e arrendamento de unidades habitacionais urbanas e rurais; aquisição ou desapropriação de glebas; aquisição de imóveis; produção de lotes para fins habitacionais; urbanização, produção de equipamentos comunitários e regularização fundiária das áreas de interesse social; implantação de infra-estrutura e equipamentos urbanos; recuperação de imóveis em áreas encortiçadas; urbanização de favelas; construção e reforma de equipamentos sanitários; incentivo a estudos e pesquisas destinados ao melhor conhecimento da situação da população que mora em habitações precárias; serviços de assistência técnica e jurídica e aquisição de tecnologias, equipamentos e material bibliográfico. No artigo 14, temos elencadas as diversas fontes de receita que constituem o Fundo e o artigo 15 preceitua que a administração será realizada pela Secretaria executora mediante deliberações do Conselho.

Diante das disposições legais, passamos a tratar sobre a aplicação prática das leis através da atuação do órgão destinado a esse fim. Impende ressaltar que, atualmente, a Secretaria responsável pela execução do SMHIS não é mais a SEDES e sim a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária (SEHAB). Em 2009, a Secretaria, instalada provisoriamente no setor jurídico municipal de atendimento ao cidadão, realizou o cadastro de diversas pessoas interessadas em regularizar suas posses, sendo coletados os dados e documentos dos imóveis que se enquadrassem nos requisitos próprios para a realização da usucapião especial urbano. Porém, em razão da mudança da Secretaria para um prédio próprio, em 2010, as atividades foram suspensas e esse cadastro passou a servir de referência para futuras ações, como a realização do programa "Banheiro Legal", lançada em março deste ano, que se destina a oferecer a construção de unidades sanitárias e paralelamente providenciar a regularização fundiária dos imóveis beneficiados pertencentes a famílias de baixa renda.

Segundo o secretário Homero Grec em entrevista concedida e publicada no site eletrônico do jornal Tribuna do Norte [10], o programa proporcionará "uma infraestrutura digna de habitabilidade, através da construção de banheiros e de todo aparato referente a tanques sépticos que serão adotados como solução temporária para tratamento e disposição final dos efluentes, enquanto todo o sistema de saneamento ambiental não estiver funcionando". Afirmou ainda que nas primeiras metas estabelecidas para execução do programa, pretende-se realizar a construção de doze unidades sanitárias por mês, sendo cerca de cento e oito famílias contempladas, conforme critérios de seleção especificados para o ingresso dos beneficiários do programa minha casa, minha vida. As famílias beneficiadas com a construção dos banheiros terão ainda seus imóveis regularizados em consonância com o SMHIS.


CONCLUSÕES

Diante do exposto, podemos concluir que o processo de regularização fundiária é uma ação complexa e para entendê-la é necessário compreender as diversas disposições legais que tratam a matéria partindo da Constituição Federal, Estatuto da Cidade e diplomas legais de âmbito local, além dos conceitos relativos ao direito social à moradia e ao direito real de propriedade. Nesse sentido, a Constituição Federal traz disposições sobre a matéria em seus artigos 182 e 183 que foram regulamentados pelo Estatuto da Cidade e expressam a importância da elaboração de uma política urbana que promova a regularização fundiária com observância ao princípio da função social da propriedade.

O Estatuto da Cidade demonstra a importância do Município como o agente mais adequado a promover a regularização fundiária atentando para os assentamentos irregulares de populações de baixa renda a fim de propiciar um ambiente urbano mais digno para essas pessoas, bem como uma cidade com melhor infraestrutura urbana e ambiental em que todos possam ter acesso aos serviços públicos essenciais. Apesar de o Estatuto dispor acerca dos possíveis intrumentos para a realização da regularização fundiária, foi necessária a edição de uma lei federal que explicitasse com maiores detalhes tais mecanismos, o que se deu através da lei 11.977/2009.

Estabelece a lei federal que o processo de regularização fundiária deve ser realizado de forma conjunta e participativa através da integração dos diversos atores sociais. Prevê também duas modalidades de regularização fundiária, a de interesse social e a de interesse específico, podendo em ambas ser utilizados os instrumentos de demarcação urbanística e legitimação de posse para fins de regularização, além da usucapião especial urbana e administrativa.

Considerando o caso específico do Município de Parnamirim analisamos os textos legais municipais, partindo da Lei Orgânica do Município que trata a matéria de forma geral, em seguida vimos o Plano Diretor da cidade como o instrumento adequado e orientador da política urbana de desenvolvimento e gestão urbana, o qual prevê as normas regulamentadoras relacionadas ao uso e ocupação do solo e da promoção da regularização fundiária de áreas de especial interesse. Nesse sentido, foi editada a Lei Complementar nº 32/2009, especificamente para dispor sobre a regularização fundiária dessas áreas, instituindo o Sistema Municipal de Habitação e Interesse Social, que tem como órgão executor a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária, podendo fazer uso dos recursos do Fundo Municipal de Habitação e Interesse Social, de acordo com as deliberações e fiscalização do Conselho Municipal de Habitação e Interesse Social.

Em relação às ações desenvolvidas pela Secretaria de Habitação, podemos conluir que ainda são módicas, porém considerando o pouco tempo de edição das leis estudadas, especialmente a lei complementar nº 032/2009, podemos afirmar que estão sendo conduzidas a contento dada a importância social do atual programa em curso. O programa "Banheiro Legal" é realmente uma ação fundamental, pois além de melhorar as condições de habitabilidade das pessoas, trata ainda de uma questão de saúde pública, proporcionando uma maior dignidade para a população de baixa renda. Não obstante a feliz iniciativa, é importante registrar que ainda há muito o que fazer haja visto que a maioria dos imóveis em Parnamirim encontram-se em situação irregular independentemente do nível social dos possuidores.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. PAPEL PASSADO – PROGRAMA NACIONAL DE APOIO À RECULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA SUSTENTÁVEL. Disponível em: http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-urbanos/biblioteca/regularizacao-fundiaria/textos-diversos/regularizacao-regularizacao-fundiaria-e-governo-federal/programa_papel_passado.pdf Acesso em: 06 jul 2010.
  2. Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar, e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
  3. RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; CARDOSO, Adauto Lucio. Reforma urbana e gestão democrática: promessas e desafios do estatuto das cidades. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 12.
  4. Capítulo III da Lei nº 10.257/2001.
  5. BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Regularização fundiária urbana: Como aplicar a lei federal 11.977/2009. Disponível em: http://www.cidades.gov.br/ministerio-das-cidades/destaques/acesse-a-cartilha-regularizacao-fundiaria-urbana-como-aplicar-a-lei-federal-11-977-2009 Acesso em: 01 julho 2010.
  6. Lei que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6766.htm
  7. Parcelas de área urbana destinadas predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeitas a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo, que devem ser definidas no Plano Diretor ou lei municipal específica, conforme art. 47, inciso V da Lei 11.977/2009.
  8. Áreas de Preservação Permanente são áreas protegidas com a finalidade de preservar o meio ambiente natural e assegurar o bem-estar das populações, encontram-se definidas na Lei federal 4.771/65 mais conhecida como Código Florestal (art. 1º, inciso II).
  9. Parcela da área urbana com densidade demográfica maior que cinqüenta habitantes por hectare, com malha viária implantada e que tenha no mínimo dois equipamentos de infra-estrutura urbana consolidados, quais sejam drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica, limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos, de acordo com o artigo 47, inciso II da lei nº 11.977/2009.
  10. TRIBUNA DO NORTE. Melhorias habitacionais em foco. Notícia publicada em 18 mar 2010. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/melhorias-habitacionais-em-foco/143295 Acesso em: 05 jul 2010.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Tatiane Dantas. Regularização fundiária no município de Parnamirim/RN. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2867, 8 maio 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19059. Acesso em: 29 mar. 2024.