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O incidente de uniformização dos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil

O incidente de uniformização dos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil

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A despeito de ser um dos mais velhos institutos do CPC tendentes a uniformizar a jurisprudência, ainda precisa ser alvo de maiores reflexões face ao cenário em que se encontra o direito processual civil.

Sumário • Resumo – 1. Introdução – 2. Nomenclatura, definição, finalidade e considerações outras – 3. Móbil do incidente uniformizador – 4. Diferenciação de outros institutos – 5. Pressupostos – 6. Procedimento – 7. Novas reflexões acerca do velho instituto – 8. Conclusões – 9. Referências bibliográficas.


RESUMO

O presente trabalho apresentará novas reflexões relacionadas ao incidente de uniformização dos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil.

pALAVRAS-CHAVE: Incidente de uniformização – Arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil – Novas reflexões.


1. introdução

No âmbito da atividade jurisdicional, a segurança jurídica [01] é alcançada não apenas pela imutabilidade [02] das decisões [03], mas também pela previsibilidade [04] dos seus resultados [05]. ROCHA (2005:168), apesar de enfocar o primeiro ponto, deixa antever que a segurança jurídica também rende tributo à previsibilidade, ao passo que é colocada como essencial à credibilidade e à eficácia jurídica e social do ordenamento:

A segurança jurídica é o direito da pessoa à estabilidade de suas relações jurídicas. Este direito articula-se com a garantia da tranqüilidade jurídica que as pessoas querem ter; com a certeza de que as relações jurídicas não podem ser alteradas numa imprevisibilidade que as deixe instáveis e inseguras quanto ao seu futuro, quanto ao seu presente e até mesmo quanto ao seu passado. Segurança jurídica diz, pois, com a solidez do sistema. É desta qualidade havida no ordenamento que emana a sua credibilidade e a sua eficácia jurídica e social.

E não haveria de ser diferente porque a previsibilidade é indispensável para que o próprio jurisdicionado tenha condições de fazer a análise [06] das suas atividades (se pautadas ou não pela justeza), a partir dos resultados que sabe poder esperar [07]. Passa-se, então, a ser intolerável "tentar a sorte" através da prestação jurisdicional como justificativa para desrespeitar a antevista esfera jurídica do próximo.

Sendo a previsibilidade consectária da segurança jurídica, apresenta-se como necessária a resolução [08] igualitária dos "casos idênticos" [09] (demandas onde os fatos, durante mesmo período histórico, são repetidos) [10]. Aliás, nas palavras de RUBIO LLORENTE (1995:68), a segurança jurídica "está ínsita la confianza del ciudadano em que su caso ou su pretensión será resuelta o merecerá respuesta que se dio em casos anteriores o iguales".

E mais: ao resolver casos idênticos de forma igualitária (a partir de um precedente constituído no âmbito da economia processual [11]), acaba-se por afirmar a isonomia [12] e a duração razoável do processo [13] e, por conseguinte, a legitimação dos pronunciamentos jurisdicionais [14] – sem contar que "a uniformidade na interpretação e aplicação do direito é um requisito indispensável ao Estado de Direito" [15].

Decorre, portanto, a intensa necessidade de se uniformizar os pronunciamentos jurisdicionais, a fim de formar a jurisprudência (entendida como sendo um conjunto de decisões repetidamente proferidas em idêntico sentido) pelo respeito ao precedente judicial. Somente assim é que aquela pode ser vista como uma fonte do direito e não como simples argumento da pretensão processual.

Ciente destas circunstâncias, o legislador inseriu [16], no ordenamento jurídico brasileiro, vários institutos com a finalidade de uniformizar os pronunciamentos jurisdicionais [17]. Um destes é o intitulado "incidente de uniformização de jurisprudência", descrito essencialmente nos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil (desde a redação originária).


2. NOMENCLATURA, DEFINIÇÃO, FINALIDADE E CONSIDERAÇÕES OUTRAS

O ‘nomen iuris’ atribuído pelo legislador ao instituto não foi o mais preciso, porquanto não revela sua verdadeira essência. Realmente, a nomenclatura é digna de crítica, considerando-se que a conjunção dos vocábulos empregados proporciona uma antinomia. É que, se a jurisprudência é um conjunto de julgados encetados repetidamente no mesmo sentido, tornar-se-ia desnecessária a sua uniformização.

Numa primeira tentativa de compreensão do instituto, o que geralmente ocorre com a análise da nomenclatura que lhe atribuída [18], o leitor quedar-se-ia em erro, traído pela imprecisão terminológica empregada pelo texto legal. Não se poderia censurar quem, decifrando a expressão legal, concluísse que o instituto teria uma finalidade oca, utilizando-se para isso a premissa de que a jurisprudência é um conjunto de decisões harmônicas, sendo desnecessária a sua uniformização (a despeito de não se desconhecer a possibilidade de existir "jurisprudência dominante" [19]).

Também é falha a nomenclatura, porque aponta para uma "uniformização" que não necessariamente ocorrerá [20]. É bem verdade que o julgamento do incidente, quando definido em mesmo sentido por quantidade de votos superior à maioria absoluta, enseja a edição de enunciado que compõe a súmula [21] de jurisprudência do tribunal respectivo. Todavia, ele não é vinculante [22] aos demais casos idênticos [23] (embora, no plano ideal, devesse ser). Pior ocorre quando o julgamento dá-se por maioria simples, pois nem a edição de enunciado é proporcionada (é, para a maior parte daqueles que representam a doutrina pátria [24], simples orientação para o caso concreto [25]). Neste trilhar, não se pode falar em "uniformização". É apenas uma tentativa de alcançá-la.

Assim, para ser mais fiel ao significado epistemológico, o instituto deveria ser chamado apenas de "incidente com intuito de uniformização". Caso se desejasse ser mais prolixo, com o intuito de tentar conceituar [26] o instrumento (o que não é o mais indicado [27]), poder-se-ia chamá-lo de "incidente com intuito de uniformização de normas jurídicas concretas destoantes", ou "incidente com intuito de uniformização de precedentes jurisdicionais dissonantes". Enfim, qualquer nomenclatura que, pelo menos, não atentasse o raciocínio jurídico.

Aqui será utilizada a nomenclatura "incidente de uniformização", por entender que, conquanto não seja vinculativa a decisão proferida pelo órgão plenário, ela pelo menos deve ser orientadora (sendo poucos aqueles que, localizados na hierarquia da organização judiciária em órgão inferior e conhecendo o conteúdo da decisão uniformizadora, insurgir-se-ão contra [28]).

Adotada esta nomenclatura, pode-se dizer que o incidente de uniformização [29] é instituto processual que objetiva evitar, dentro de um mesmo tribunal, a continuidade de interpretações desarmônicas sobre idênticas questões jurídicas, fazendo com que o entendimento interno seja uniformizado a partir da adoção da tese jurídica considerada "correta" [30].

Nos dizeres de SOUZA (2009:351), "o instituto de uniformização de jurisprudência previsto no artigo 476 do Código de Processo Civil é o incidente processual de competência exclusiva dos tribunais judiciários cujo escopo é a pacificação da divergência ‘interna corporis’ acerca da interpretação do direito em tese".

Apesar de se buscar a pacificação da divergência [31], não se quer dizer que o órgão competente para conhecer o incidente e, por consequência, definir a tese jurídica tida como "correta" (a ser observada, pelo menos, no caso concreto em que o instrumento em estudo foi suscitado) tenha de escolher alguma [32] entre as destoantes [33]. A "incorreção" (pela não adoção da tese jurídica entendida como sendo a "correta" [34]) pode se verificar em todos os pronunciamentos jurisdicionais anteriores, que ensejaram a instauração do incidente, pelo que o órgão julgador do incidente não está adstrito à obrigatória adoção de uma das teses jurídicas destoantes. Ele deve (pelo menos tentar) alcançar a tese jurídica "correta", não se descartando a hipótese de aquela escolhida pelo órgão uniformizador não ser a "correta" para o período histórico respectivo, pelo que, depois, pode ser modificada (inclusive em retorno a uma das teses superadas).

Traçado este horizonte, importa revelar que o incidente de uniformização é destinado a fazer com que seja alcançada a unidade dos pronunciamentos internos de determinado tribunal, não servindo (pelo menos de forma imediata) para que um unifique os pronunciamentos de outro(s) tribunal(is) [35]. NERY (2001:921) compartilha deste entendimento, ao professorar que o incidente "é destinado a fazer com que seja mantida a unidade da jurisprudência interna de determinado tribunal". Todavia, unificado o entendimento interno de um tribunal (principalmente aqueles alocados, dentro da organização judiciária interna, em superposição [36]), tal fato poderá influir no posicionamento de outros, fazendo com que eles, não por imposição, mas muitas vezes por orientação (assim como é a jurisprudência como fonte de direito [37]), unifique internamente seus pronunciamentos, independentemente da instauração de incidente local. Até porque prevalece o sentimento comum, ínsito ao ser humano, de que a maior injustiça não é o erro generalizado de aplicação do direito (passível de ocorrência pela instauração do incidente de uniformização), mas, sim, a existência de prestação jurisdicional dissonante a casos idênticos. É preferível que todos os casos idênticos sejam tratados igualmente, ainda que de forma "equivocada", do que apenas alguns alcancem a "correta" prestação jurisdicional.

Noutras palavras: o valor justiça está sempre imbricado à igualdade, pelo que deve ser vencida a dissonância [38]. Os tribunais, deste modo, tendem a seguir orientação delineada por outros, fazendo-se, presentemente, de fundamentação "per relationem" ou "aliunde".


3. MÓBIL DO INCIDENTE UNIFORMIZADOR

O incidente de uniformização de jurisprudência possui semelhante móbil que levou o legislador a possibilitar a interposição de recurso especial com fundamento em dissídio jurisprudencial [39]. De fato, se é inaceitável que o direito seja aplicado de forma diversa entre os tribunais (pelo que se autoriza a interposição de recurso especial fundado na alínea "c" do art. 105 da constituição Federal), a diversidade de interpretação dentro do mesmo tribunal (ou seja, intra muros) é ainda mais intolerável. Contudo, sua natureza jurídica não é de recurso, mas sim de incidente processual facultativo (não obriga o órgão judicial a aceitá-lo – conforme: STJ, REsp 3835/PR, DJU 29.10.90) e de caráter preventivo (pelo que o pedido de uniformização pode ser provocado somente até antes de finalizado o julgamento dos recursos, do reexame necessário, ou da apreciação de causas de competência originária dos tribunais).

É preciso, porém, adotar os corretos parâmetros para que sejam afinadas as conclusões logo encimadas (de que o incidente de uniformização é "facultativo" e "preventivo".

Quando se defende o caráter preventivo do incidente de uniformização, adota-se como ponto de referência o caso concreto que ensejou a instauração. Evita-se a "injustiça" do julgamento proporcionada pela dissonância jurisprudencial existente. Assim, finalizado o julgamento, as partes, os terceiros interessados, o Ministério Público e o próprio juiz votante (componente do órgão fracionário) não poderão mais suscitar a instauração. Contudo, se for considerada uniformização como ponto de referência, tem-se que o instituto corrige (ou pelo menos deveria corrigir) o problema da dissonância de pronunciamentos internos.

Assim, dependendo do ponto de referência, é que se pode definir o seu caráter (se preventivo [no sentido de evitar julgamentos injustos] ou corretivo [no sentido de corrigir a divergência jurisprudencial interna]. O Superior Tribunal de Justiça, em seus pronunciamentos, quando diz ser "preventivo" o instituto, considera o julgamento do caso concreto [40] e não o afastamento da dissonância interna.

Noutra toada, conquanto alguns defendam que o pedido de instauração (ou sua provocação judicial) do incidente de uniformização seja uma "faculdade" (vocábulo que se contrapõe à "obrigação", sendo esta a posição do Superior Tribunal de Justiça [41]), não deixa de ser é um dever (obrigação "ex lege") para os legitimados [42], por ser a divergência interna nefasta a valores de ordem constitucional [43], devendo, por isso, ser superada. Reconhecida a necessidade de uniformização, face à verificação atual de pronunciamentos internos destoantes, o incidente deve ser instaurado se apresentando como o remédio adequado [44].

Adiante, no item "Novas considerações acerca do velho instituto", serão tecidas considerações mais aprofundadas acerca do dever de instauração do incidente de uniformização. Passa-se, agora, a traçar os pontos que diferenciam o instituto em análise de outros de finalidade semelhantes, previstos no Código de Processo Civil.


4. DIFERENCIAÇÃO DE OUTROS INSTITUTOS

O incidente de uniformização se assemelha, pelo menos na sua finalidade, a outros institutos delineados pelo CPC. Um deles é o incidente de relevância (também chamado de delegação de competência [45] ou de uniformização de jurisprudência preventiva [46]), previsto no art. 555, § 1º, do CPC. Este dispositivo diz que, ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar. Reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso.

SOUZA (2009:379), ao tratar do incidente de relevância preleciona que:

Se o recurso versar sobre questão de direito já controvertida no tribunal, o relator pode sugerir a transferência da competência para colegiado "ad quem". O mesmo pode ocorrer para prevenir futura divergência "intra murus". Aliás, não só o relator, mas qualquer magistrado da turma ou da câmara pode suscitar o incidente do § 1º do art. 555. Também as partes e o Ministério Público têm legitimidade para arguição. A previsão legal explícita em favor do relator ocorre apenas em razão da maior probabilidade de o incidente poder ser suscitado pelo magistrado responsável pelo processamento do recurso no tribunal, além da redação do relatório.

Se a conveniência da afetação for declarada pela maioria da turma ou câmara, os autos são remetidos ao órgão coletivo "ad quem". Se igualmente reconhecida a existência de controvérsia acerca da questão de direito, ocorre o julgamento imediato do próprio recurso pelo colegiado maior, com participação dos respectivos magistrados. Com efeito, se o incidente de transferência de competência for deferido nos colegiados originários e superior, o próprio recurso é julgado desde logo pelo órgão coletivo "ad quem". Em contraposição, se o incidente de afetação de competência for rejeitado, o recurso é julgado na própria turma ou câmara, mas apenas com a participação dos respectivos magistrados.

O incidente de relevância não se confunde com o de uniformização [47], primeiramente, porque a sua finalidade é prevenir a divergência jurisprudencial, enquanto que o incidente de uniformização a harmoniza. Outra, porque, se for reconhecida a relevância da questão jurídica, o órgão competente para decidir o incidente de relevância (órgão plenário) é o mesmo que julgará o recurso [48]. Enquanto isso, no incidente de uniformização, há uma cisão no julgamento: o órgão plenário tem a função de definir a tese jurídica "correta" a ser aplicada, enquanto que o órgão fracionário de origem julga o caso concreto [49].

O incidente de uniformização, igualmente, não se confunde com os embargos de divergência [50], que é espécie recursal [51] admissível perante STF e STJ e se presta a eliminar divergência jurisprudencial interna causada por turma do respectivo tribunal (com sua interposição, a parte recorrente objetiva, em consequência da uniformização jurisprudencial proporcionada, o alcance da pretensão deduzida em sede de recurso extraordinário ou especial).

Os embargos de divergência têm natureza recursal, enquanto que o instrumento em estudo é incidente processual. O recurso tem finalidade corretiva, enquanto que o incidente, preventiva (pelo menos à luz do caso concreto). Além disso, o recurso só é cabível para atacar decisão proferida pelos órgãos fracionários do STJ ou do STF, enquanto que o incidente pode ser interposto quando do julgamento de recurso, reexame necessário e ação originária em trâmite nos tribunais locais. Outro ponto de diferenciação: de acordo com copiosos precedentes jurisprudenciais [52], não cabe a instauração do incidente de uniformização perante o Supremo Tribunal Federal (face ao silêncio do seu regimento interno e à existência de outros institutos que alcançam a mesma finalidade) sendo lá, ao contrário, possível a interposição de embargos de divergência.

Acerca deste último ponto de diferenciação (impossibilidade instauração do incidente de uniformização perante o Supremo Tribunal Federal), serão tecidas considerações específicas no item "Novas reflexões acerca do velho instituto". No momento presente, serão identificados e analisados os pressupostos de admissibilidade do incidente de uniformização.


5. Pressupostos

Os pressupostos para a admissibilidade do incidente de uniformização são: a) julgamento em curso; b) questão de direito envolvida com o recurso, reexame necessário ou ação de competência originária do tribunal; c) solução dessa questão de direito seja prejudicial ao julgamento restante do recurso, reexame necessário ou a ação de competência originária; d) divergência interna.

Vejam-se cada um deles separadamente:

a)Julgamento em curso: a tempestividade, aferida pelo julgamento em curso, é pressuposto de admissibilidade do incidente de uniformização. A instauração deve anteceder o julgamento colegiado, havendo, desse modo, de ser suscitado por algum dos legitimados até a sustentação oral (exceto no caso de algum juiz votante que, antes de concluído o julgamento, pode arguir a necessidade de instauração [53]).

Até porque o incidente de uniformização, adotando-se como ponto de referência o caso concreto, possui caráter preventivo (e não corretivo). Por este motivo, só pode ser requerido pelas partes, interessados ou pelo Ministério Público nas razões recursais, nas contra-razões, por simples petição ou em sustentação oral antes, logicamente, de finalizado o respectivo julgamento.

Incluído neste cenário, não se presta o incidente (pelo menos em regra) para uniformizar o julgamento já proferido a outro, do mesmo Tribunal, ainda que através de embargos de declaração (pois que estes visam apenas o aperfeiçoamento do pronunciamento jurisdicional). Esta questão será especificamente enfrentada no tópico "Novas reflexões acerca do velho instituto", disposto adiante.

b)Questão de direito envolvida com o recurso, reexame necessário ou ação de competência originária do tribunal: questão de direito é aquela que trata de uma situação jurídica que deve ser resolvida sem que se tenha de levar em consideração os fatos ocorridos e a sua avaliação enquanto fatos. O incidente se adstringe às questões de direito, porquanto mais abrangentes. Não se justificaria a instauração do incidente para definir a interpretação de questões de fato, porque estas, no mais das vezes, alcançam um universo reduzido de pessoas. Mobilizar a composição do órgão plenário (ou especial) para definir questões de fatos seria economicamente inviável, além do que desprestigiaria o poder de decisão dos órgãos fracionários [54].

Também, a questão, além de ser de direito, deve estar envolvida com o recurso, reexame necessário ou ação de competência originária, porque o incidente só pode ser suscitado perante ou por órgão colegiado integrante do tribunal. Não é possível suscitar o incidente perante ou por órgãos monocráticos. É necessário que o caso concreto esteja sendo analisado diretamente por órgão colegiado fracionário do tribunal. Se a competência originária for do órgão plenário, é desnecessária a instauração do incidente, porque o próprio julgamento delineia a orientação a ser seguida. Não haveria interesse.

c)Solução dessa questão de direito seja prejudicial ao julgamento restante do recurso, reexame necessário ou a ação de competência originária: o incidente de uniformização de jurisprudência tem como consequência a subordinação da decisão colegiada à solução de uma questão jurídica [55] dada pelo órgão uniformizador, sendo esta premissa necessária daquela.

Se não houvesse esta "relação de prejudicialidade", não se justificaria a instauração do incidente. Primeiramente, porque atentaria a economia processual. Outra, porque não se poderia proceder a um "julgamento em abstrato", o qual não seria aproveitado ao caso em deslinde. Por estes motivos, é pressuposto do incidente de uniformização de jurisprudência que a divergência interna acerca de interpretação de questões de direito seja prejudicial ao julgamento definitivo a ser proferido pelo órgão colegiado.

d)Divergência interna: o Código de Processo Civil pontua que o incidente poderá ser instaurado quando, acerca da interpretação do direito: I) verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II) no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.

Se a divergência for entre julgados [56] de diferentes tribunais, o remédio processual útil não é o incidente de uniformização. Portanto, a divergência, necessariamente, tem que ser interna ao tribunal. Para que ela exista, deve ser atual. Se a questão tiver sido uniformizada por incidente anterior, pelos precedentes mais recentes da corte, ou mesmo por precedentes de tribunais hierarquicamente superiores, a inadmissibilidade se justifica por ser o incidente desnecessário.

Outrossim, não importa a qualidade da divergência interna (se constitucional federal ou legal federal). Para BUENO (2009:367), "o incidente aqui tratado diz respeito à divergência porventura existente sobre qualquer tese jurídica, sendo de todo indiferente sua hierarquia ou fonte normativa", em qualquer que seja o tribunal. Possibilita-se, inclusive, a instauração do incidente perante o Superior Tribunal de Justiça, para resolver divergência acerca de questão jurídica que envolva matéria constitucional (o que não é uma regra, mas sim uma exceção, conforme será mostrado a seguir no item "Novas reflexões acerca do velho instituto").


6. Procedimento

O incidente de uniformização de jurisprudência deve ser suscitado por qualquer legitimado (juiz votante, partes, terceiro juridicamente interessado [57] ou Ministério Público) perante o órgão colegiado fracionário competente para conhecer de recurso interposto, de reexame necessário ou de ação de competência originária do tribunal. Na oportunidade, devem ser indicados os precedentes que evidenciam a divergência interna, cabendo ao órgão fracionário decidir acerca da existência do dissídio e da suspensão do processo.

Reconhecida a divergência suscitada, o órgão fracionário lavrará acórdão neste sentido, remetendo os autos ao órgão uniformizador (tribunal pleno ou órgão especial). Este acórdão deverá reconhecer a existência de divergência interna e apontar em que ela consiste. Do mesmo modo, constará a determinação de suspensão do julgamento do caso concreto. Se não for admitido o incidente, não será preciso a lavratura de acórdão específico (até porque a decisão respectiva é proferida quando da sessão de julgamento do caso concreto). Basta um, que mencionará a rejeição da instauração do incidente e o imediato julgamento do caso concreto, se for o caso.

Isso porque o juízo de admissibilidade é efetuado pelo órgão fracionário, na mesma sessão designada para o julgamento do caso concreto (violaria a economia processual e, no caso específico, a duração razoável do processo, aprazar-se uma sessão distinta para decidir apenas sobre a admissibilidade do incidente, tal qual uma "questão de ordem"). Por esta razão, se rejeitada a instauração, um acórdão decide, ao mesmo tempo, este ponto (com juízo negativo de admissibilidade do incidente) e o caso concreto.

Admitida a instauração do incidente pelo órgão fracionário, os autos, após a lavratura do acórdão, serão remetidos ao órgão plenário, que efetuará novo juízo de admissibilidade. Em sendo este positivo, aquele órgão terá a função de decidir acerca da tese jurídica a ser adotada como premissa de julgamento do caso concreto. Se negativo o juízo de admissibilidade pelo órgão plenário, os autos serão devolvidos ao órgão fracionário para julgamento do caso concreto. O juízo de admissibilidade do órgão fracionário, assim dizendo, não vincula o órgão plenário, que poderá inadmitir a instauração do incidente.

O relator do incidente de uniformização será escolhido de acordo com as regras do regimento interno de cada tribunal. Contudo, de preferência, aquele deve ser o mesmo que relata o recurso, reexame necessário ou a ação de competência originária. Sendo deste modo, estar-se-á prestigiando a economia processual e também a duração razoável do processo, porque o relator originário conhece as questões que envolvem o caso. Se o relator originário não compuser o órgão plenário, é de bom alvitre que o integrante mais novo dê espaço àquele [58].

Devido ao interesse público que circunda o incidente de uniformização, antes de seu julgamento, será ouvido o representante do Ministério Público, que funciona perante o tribunal. Em seguida, o presidente do tribunal designará sessão para o julgamento do incidente. A secretaria, para este mister, distribuirá cópia do acórdão (lavrado pelo órgão originário, reconhecendo a divergência) a todos os juízes integrantes do órgão uniformizador.

Caso não seja ratificada a divergência identificada pelo órgão originário ou não seja conhecido por qualquer outro motivo o incidente de uniformização, os autos, depois de lavrado novo acórdão, retornarão ao órgão fracionário, que lhe restará o julgamento o caso concreto (até então suspenso). O acórdão que não admite o incidente é irrecorrível porque não impõe qualquer ônus (comporta, no máximo, a interposição de embargos de declaração).

Caso seja ratificada a divergência, o órgão uniformizador, mediante a lavratura de acórdão específico, dará a interpretação a ser observada (escolhendo a tese prevalecente entre as contrastantes ou outra que lhe apresentar como a "correta"), cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposição fundamentada. O acórdão que aponta a tese jurídica correta também é irrecorrível (no máximo, cabem embargos de declaração). Não há interesse recursal, pois o caso concreto não é julgado.

Após admitido o incidente pelo órgão plenário e lavrado o acórdão respectivo (noutras palavras, depois de decidido o incidente de uniformização), os autos retornarão ao órgão fracionário, que, colegiadamente, adotará a tese fixada pelo órgão uniformizador como premissa inafastável do julgamento restante (decisão do caso concreto, e com a possibilidade de analisar, de forma primeva, pedido cumulado) [59]. A única situação que autorizaria a não aplicação da tese jurídica definida pelo órgão plenário é o advento de orientação diversa advinda de tribunal situado em posição superior na estrutura organizacional do Poder Judiciário.

A deliberação do órgão uniformizador no enfrentamento da divergência pode dar-se por maioria simples ou absoluta. Na primeira hipótese, de acordo com a doutrina [60], a vinculação à deliberação ocorrerá apenas entre as partes do processo. Na segunda hipótese, a deliberação transmudar-se-á em enunciado da súmula de jurisprudência, que, embora não seja vinculante, servirá de base, inclusive, para o desprovimento monocrático de recursos contrários ao seu teor. Acrescenta o CPC que os regimentos internos dos tribunais disporão sobre a publicação no órgão oficial dos enunciados da súmula de jurisprudência predominante [61].

Eventual interposição de recurso, repita-se, deve desafiar o acórdão que completa o julgamento do caso concreto e não a decisão plenária (ou do órgão especial), que resolveu o incidente de uniformização. Por uma razão simples: o julgamento do incidente não define o caso concreto (é mera premissa deste, no todo ou em parte). Inclusive, o enunciado 513 da súmula de jurisprudência do STF reza que: "a decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito". Não se descarta, contudo, a hipótese de interposição de embargos de declaração, nas hipóteses restritas do art. 535 do CPC.


7. novas reflexões acerca do velho instituto

Tecidas estas considerações gerais acerca do incidente de uniformização, apresentam-se algumas novas reflexões acerca do instituto, inclusive para situá-lo no atual contexto histórico. A este respeito, deve ser dito que, na época em que o incidente uniformizador foi apresentado pelo CPC (em sua redação originária), o processo era estruturado à resolução das demandas individuais. Acontece que, a partir das últimas reformas processuais, impulsionado pela inoperância das regras processuais à solução [62] das demandas repetitivas [63], constituiu-se um arquétipo legal destinado à solução das demandas repetitivas [64]. Daí a necessidade de reflexões balizadas pelo novo contexto processual sem, naturalmente, a pretensão de esgotá-las, pois o passar do tempo logo se encarregará de apresentar outras.

7.1. Aplicação do art. 557 do CPC alicerçada no entendimento sufragado pelo órgão plenário ou especial

O primeiro ponto de reflexão diz respeito à cisão de competência decorrente do juízo positivo de admissibilidade do incidente uniformizador pelo órgão fracionário. Preenchidos os pressupostos necessários a justificar a sua instauração, o órgão originário suspende o julgamento do caso concreto e cinde a competência. Por conta disso, ao tribunal pleno (ou ao órgão especial) competirá decidir a tese jurídica. Definida esta, os autos retornarão para o julgamento do caso concreto, que, segundo a doutrina e a jurisprudência, competirá ao órgão suscitante. Este adotará, com efeito vinculativo sobre o resto do julgamento, a tese jurídica delineada pelo órgão plenário, sendo utilizada como premissa necessária daquele.

A cisão apontada é típico caso de definição de competência pelo critério funcional. A função de delinear a tese jurídica uniformizadora é do órgão plenário, enquanto que a de julgar o caso concreto é do órgão fracionário. E a repartição da atribuição funcional realmente acontece, sendo equivocada a conclusão de que o julgamento do incidente de uniformização definiria necessariamente o julgamento originário da demanda, recurso ou reexame necessário apresentados ao tribunal. Nestes pode existir outras questões de direito e, ainda, questões de fato a serem analisadas, que, nem indiretamente, foram submetidas à uniformização.

É fácil imaginar que, em cumulação objetiva de demandas, fossem formulados vários pedidos e, apenas com relação a um deles, houvesse divergência interna acerca da tese jurídica a ser adotada. Somente com relação a ele é que teria incidência a premissa jurídica estabelecida pelo órgão plenário (o outro pedido seria julgado exclusivamente pelo órgão originário). Outro exemplo: definição do capítulo referente aos ônus sucumbenciais. Ela envolve a análise de fatos, os quais não são submetidos ao órgão uniformizador, pelo que hão de ser decididas pelo órgão fracionário, cuja atividade jurisdicional é-lhe atribuída.

De qualquer modo, propaga-se pela doutrina que, definida pelo órgão uniformizador a tese jurídica a ser utilizada como premissa, o julgamento do caso concreto caberia ao órgão fracionário de origem. Este paradigma foi estabelecido desde a redação originária do art. 557 do Código de Processo Civil [65], o qual somente admitia o desprovimento monocrático do recurso de agravo manifestamente improcedente. À época, os ensinamentos doutrinários (fazendo-se de um "cordial esforço") estavam consoante interpretação sistemática, que, hodiernamente, não se compatibiliza com a atual estruturação do sistema processual.

Após duas reformas processuais, o art. 557 do CPC ganhou nova redação, tendo ainda sido acrescentado o § 1º-A [66]. Agora, qualquer recurso pode ser provido ou desprovido monocraticamente se a decisão do relator estiver amparada em enunciado de súmula do respectivo tribunal. No incidente de uniformização, quando o julgamento é proferido por maioria absoluta, ele enseja a edição de enunciado de súmula pelo órgão competente. Portanto, nem sempre o julgamento do caso concreto deve ser devolvido ao órgão fracionário. Na maior parte das vezes, o ato de decidir pode ser tomado pelo relator monocraticamente, dispensando-se o julgamento colegiado. Basta que o entendimento esposado pelo órgão plenário (ou especial) alce o objeto do instrumento que apresenta a julgamento o caso concreto.

Imagine-se, por exemplo, que o órgão uniformizador, por maioria absoluta, tenha definido a tese jurídica a ser adotada pelo tribunal concernentemente ao pedido de pagamento de determinada gratificação requerida por servidores públicos. O pedido era simples (sem cumulação). Quando o órgão plenário (ou especial) decidiu por maioria absoluta, ensejou-se a edição de enunciado. Devolvidos os autos, não há necessidade de outro julgamento colegiado, na oportunidade, pelo órgão fracionário [67].

Apesar de a atual redação do art. 557 do CPC datar de 17/dezembro/1998, não se encontra na doutrina e na jurisprudência quem se tenha apercebido da influência daquela no processamento do incidente de uniformização, ao ponto de defender a necessidade de reestruturação procedimental (dispensando-se novo [68] "julgamento colegiado" pelo órgão fracionário). Melhor, portanto, tomar-se a iniciativa a partir do presente estudo. Nos casos em que forem editados enunciados de súmula pelo julgamento do incidente uniformizador e o pedido apresentado ao órgão originário for simples, estará dispensado o julgamento colegiado pelo órgão de origem. O relator poderá prover ou desprover o recurso monocraticamente (restando-lhe, ainda, a definição do capítulo das despesas processuais).

Não se olvide, porém, que esta regra pode comportar algumas exceções, principalmente quando ao órgão fracionário forem apresentados pedidos cumulados, cuja definição da premissa jurídica não os alcancem. Basta colocar como exemplo situações em que o órgão fracionário esteja analisando um pedido formulado por servidor público de pagamento de gratificação, que tenha sido cumulado com pedido de indenização pecuniária por uma situação fática específica do servidor público. Conquanto a questão de direito relativa ao pagamento da gratificação possa ter sido definida pela premissa estabelecida pelo órgão plenário (ou especial), a análise do pedido de indenização não foi contemplada pelo balizamento estabelecido, motivo porque pode ser necessária a análise colegiada [69].

Seja como for, em várias situações, o julgamento uniformizador que ensejou a edição de enunciado de súmula de jurisprudência pode dispensar a lavratura de um "terceiro acórdão" (considerando-se que houve um primeiro, para instaurar o incidente, e um segundo, para julgá-lo), haja vista o que dispõe o art. 557 do Código de Processo Civil. Basta que o pedido apresentado ao caso concreto seja simples e haja o estabelecimento da tese jurídica a ser adotado no julgamento. Nesta ocorrência, basta decisão monocrática do relator para definir o caso concreto.

7.2. Interposição de agravo regimental no julgamento do caso concreto

Entretanto, outra indagação decorrente da encimada admissão de aplicação do art. 557 do Código de Processo Civil apresenta-se pertinente: contra o julgamento monocrático do caso concreto, justificaria a interposição de agravo regimental? E, sendo positiva a resposta, não se apresentaria como desarrazoada a aplicação do art. 557 pelo órgão fracionário no julgamento do caso concreto?

Para apresentar e justificar as respostas, deve-se considerar se há ou não precedente junto aos tribunais superiores acerca da questão jurídica tratada no incidente de uniformização. Neste trilhar, pelo menos três situações precisam ser apresentadas. São elas: a) o julgamento monocrático está de acordo com entendimento de corte superior e também com o julgamento uniformizador; b) o julgamento monocrático está em desacordo com o entendimento de corte superior, mas em consonância ao julgamento uniformizador; c) o julgamento monocrático está em dissonância com o julgamento uniformizador, mas em harmonia com posterior entendimento delineado por corte superior. Serão tecidas algumas considerações a respeito de cada hipótese delineada:

a) o julgamento monocrático está de acordo com entendimento de corte superior e também com o julgamento uniformizador: nesta situação, a interposição de agravo regimental, "a priori", não se justificaria. Poder-se-ia apenas aventar interesse no caso de os precedentes locais e superiores não terem aplicação ao caso concreto, por se tratar de questão jurídica diversa. Seria a verificação de um "distinguishing".

A hipótese é bem singular, porque o órgão competente para o incidente uniformizador teria de cometer um erro de procedimento (analisando questão jurídica estranha), assim como o órgão fracionário (em aplicar sem qualquer cautela o delineamento estabelecido). Além disso, a própria parte interessada haveria de não ter interposto embargos de declaração (a ser julgado monocraticamente) para corrigir contradição do julgamento do incidente.

De qualquer modo, se fosse o caso específico, estaria justificada a interposição de embargos de declaração. Não o sendo, o recurso pré-falado poderia até ser interposto, mas o seu manejo não estaria justificado, pelo que se deveria aplicar as cominações decorrentes da prática de ato em desrespeito à boa-fé (punindo-se o abuso do direito de defesa).

b) o julgamento monocrático está em desacordo com o entendimento de corte superior, mas em consonância ao julgamento uniformizador: nesta situação, a interposição de agravo regimental tendente a fazer prevalecer o entendimento esposado pelo tribunal superior seria justificável, porque o caminho necessário ao ingresso na instância extraordinária passa pelo esgotamento das vias ordinárias, (conforme enunciado 281 da súmula de jurisprudência do STF [70]).

BUENO (2009:369) referindo-se não especificamente ao agravo regimental, mas aos embargos de declaração, diz que a interposição recursal seguinte é necessária para o esgotamento das instâncias ordinárias, a fim de viabilizar o ingresso nas instâncias extraordinárias. Pensa-se que pela mesma razão deve-se possibilitar a interposição de agravo regimental, sem, contudo, dispensar-se a aplicação das penalidades que se fizerem necessárias àqueles que não fortalecerem a insurreição recursal.

E nada mais justo do que tentar fazer prevalecer entendimento delineado por corte de superposição, pois, pelo menos em tese, a possibilitar o alcance da segurança jurídica, os tribunais locais devem obediência aos parâmetros estabelecidos por aquela. Até porque é função constitucional dos tribunais superiores uniformizar o entendimento por eles firmados nos órgãos de hierarquia organizacional judiciária inferior.

c) o julgamento monocrático está em dissonância com o julgamento uniformizador, mas em harmonia com posterior entendimento delineado por corte superior: esta última situação é comum quando tribunal superior tem a oportunidade de definir tese jurídica idêntica àquela apresentada à uniformização no tribunal local, mas chega à conclusão diversa. Quando do julgamento do caso concreto, o órgão fracionário acaba por ceder ao entendimento perfilado pelo tribunal "ad quem".

Em assim ocorrendo, a interposição de agravo regimental não estaria justificada, porque a parte recorrente não pode pretender que o tribunal local adote interpretação diversa daquela delineada pelo tribunal superior. E mais: não se adiantaria propugnar por julgamento colegiado, porque a questão de direito estaria definida pelo tribunal local e, sendo ela imposta, estar-se-ia contrariando entendimento do tribunal superior, a quem competiria conhecer eventual recurso de natureza extraordinária. Atentar-se-ia contra celeridade e economia processuais.

Mencionadas estas hipóteses, onde o incidente é estabelecido perante os tribunais locais, como se pôde notar, agora resta enfrentar as situações onde o incidente é suscitado em tribunal superior. Decidido o caso concreto monocraticamente, justificar-se-ia a interposição de agravo regimental? Como dito acima, em sendo o caso de um "distinguishing", justificada estaria a interposição de agravo regimental. Da mesma forma se o Supremo Tribunal Federal estabelecesse posicionamento diverso daquele definido pelos demais tribunais superiores (STJ, por exemplo). Nas demais situações, a interposição de agravo regimental apresentar-se-ia como injustificada, revelando abuso de direito.

7.3. Efeitos do incidente de uniformização julgado por maioria simples

Quando explicitado o procedimento do incidente de uniformização, foi dito que, se ele for julgado por maioria simples, a tese jurídica definida pelo órgão colegiado maior será aplicada unicamente ao caso concreto, não se homenageando a possibilidade de irradiação aos demais casos. É o que defende a maior parte da doutrina, por considerar que o julgado não ensejará a edição de enunciado de súmula de jurisprudência e, por isso, não serviria como orientação do tribunal aos demais casos.

Pois bem. Não se quer dizer que o julgado por maioria simples possibilite a edição de súmula. Longe disso. Mas, aqui, tentar-se-á estabelecer uma linha de convencimento no sentido de que o julgamento do incidente de uniformização apenas pode ser encerrado quando constituída maioria absoluta (acaso ela dependa apenas de "quorum"), sob pena de malferir a própria finalidade do instituto. Com efeito, já foi posto que a finalidade do incidente de uniformização é vencer a divergência interna, evitando-se a permanência de julgamentos contraditórios.

Para alcançar este mister, o incidente é instaurado com o empenho dos membros do tribunal (especialmente aqueles que compõem o órgão plenário ou a órgão especial) e com a promessa de afirmar a segurança jurídica a partir da uniformização de entendimentos. Em contrapartida, o caso concreto sofre o ônus do retardo da prestação jurisdicional para que se possa dar economia aos casos vindouros. Por isso, aquele fica suspenso até o julgamento do incidente.

Acontece que, depois de suspensa a análise do caso concreto e cindida a competência de acordo com a função, instaura-se o incidente para que ele efetivamente alcance a sua finalidade. A instauração, pelo menos "a priori", não pode ser justificada com a possibilidade de solução da divergência, estando o risco de não ser alcançada a finalidade pelo fato de não estarem presentes (ou não poderem votar) os membros do órgão colegiado maior.

Bem que se admite a hipótese de o incidente não alcançar o êxito pretendido pela "rebeldia" (disfarçada de "independência") daqueles que ocupam os órgãos jurisdicionais inferiores. Entretanto, o risco de não superação da divergência não pode estar atrelado à ausência de membros votantes a ponto de impossibilitar a construção de uma maioria absoluta. O ideal, até para cumprir o fim almejado, seria apenas encerrar o julgamento quando alcançada a maioria absoluta. Justificaria, também, o retardo do deslinde do caso concreto em favor de um bem maior.

Se o incidente é encerrado por uma maioria simples sem possibilitar a edição de enunciado de súmula de jurisprudência, o precedente (pelo menos é o que apregoa a doutrina e jurisprudência) serve apenas ao caso concreto, que acabou ficando prejudicado com o retardo da prestação jurisdicional (tendo em vista a instauração do incidente que pretendia a uniformização). A finalidade pretendida não foi alcançada. Então não se justificaria encerrar o julgamento do incidente antes de alcançada maioria absoluta, se o motivo (superável) fosse a ausência de alguns dos integrantes do órgão colegiado respectivo.

Deveras, a proclamação de resultado apenas deveria ser apresentada quando alcançada a maioria absoluta. Se esta dependesse do voto de algum membro ausente, o presidente do órgão determinaria (ou aguardaria) a volta do membro eventualmente faltante para tentar alcançar o "quorum" exigido à edição de enunciado de súmula da jurisprudência. Assim, evitaria, pelo menos na maior parte das vezes, a instauração do incidente sem alcance de finalidade desejada. Além da segurança jurídica, estaria sendo efetivamente afirmada a economia processual.

De qualquer modo, não se esquece a hipótese de, durante o julgamento do incidente, surgir mais de uma tese jurídica e o julgado final acabar por não atingir a maioria absoluta. Ou seja: a maioria absoluta não deixaria de ser alcançada pela ausência de algum membro, mas sim pelo aparecimento de uma terceira (ou mais) via de interpretação da questão de direito abstratamente considerada. Não adiantaria, na hipótese, o presidente do órgão colegiado maior aguardar o retorno dos seus membros, porque a maioria absoluta não seria atingida.

Vai-se mais longe. A visão não deve ser voltada à conclusão de que o julgamento por maioria simples sirva apenas ao caso concreto. Primeiramente, porque é um precedente de qualidade, constituído em órgão de composição plenária ou especial, que não pode ser ignorado à solução de casos repetitivos. Outra porque, mesmo que o precedente não tenha sido constituído por maioria absoluta, ele revela a posição "majoritária possível" do tribunal (representado pelos membros que compõem o órgão competente à solução do incidente). Dizer-se que o julgamento plenário serve apenas ao caso concreto, é ignorar o precedente constituído que, dentro do tribunal, tem maior qualidade (por advir de participação, pelo menos numérica, a maior).

Se o precedente formado por maioria simples não é vinculante, o enunciado de súmula de jurisprudência também não é [71]. Entretanto, ambos, de forma semelhante, revelam a conclusão alcançada (tese jurídica indicada) pelo tribunal quando submetido à apreciação do julgamento do incidente de uniformização. Se o ideal é que o enunciado sumular deve ser seguido pelo tribunal e órgão inferiores, o mesmo deve ocorrer com o precedente formado por maioria simples [72] (até que se alcance uma maioria absoluta em sentido contrário, ou que advenha precedente de tribunal superior). Assim, não pode a doutrina e jurisprudência, em sua maioria, desdenhar deste fato.

Adotando esta concepção, colocar-se-ia o incidente de uniformização no lugar onde ele merece estar, por ter finalidade nobre. Resolver-se-ia o caso concreto e, ao mesmo tempo, proporcionaria a uniformização da jurisprudência interna. Ao mesmo passo, evitar-se-ia a demora injustificada ao caso concreto e a mobilização da composição plenária do tribunal para julgar, muitas vezes, questão de direito que envolvesse, no particular, bem jurídico de pequena monta. Esta aferição econômica da demanda, certamente, não foi considerada quando se propôs a instauração do incidente, porquanto, a razão para tal, seriam as demandas repetitivas e não o caso concreto.

7.4. Obrigação, dever e discricionariedade na instauração do incidente de uniformização

Já restou consignado que os pressupostos para a admissibilidade do incidente de uniformização são: a) julgamento em curso; b) questão de direito envolvida com o recurso, reexame necessário ou ação de competência originária do tribunal; c) solução dessa questão de direito seja prejudicial ao julgamento restante do recurso, reexame necessário ou a ação de competência originária; d) divergência interna.

De uma rápida leitura, poder-se-ia concluir que a instauração do incidente de uniformização não seria um ato discricionário do juiz, mas sim um ato vinculado e, por conseguinte, uma obrigação, acaso preenchidos os pressupostos de admissibilidade. Tal ilação seria fomentada pelo fato de que os pressupostos descritos, pelo menos na forma literal posta pelo legislador, serem objetivos.

Realmente, a aferição dos pressupostos não guarda qualquer carga de subjetivismo. Ou o julgamento está em curso ou não está. Ou a apreciação encontra-se no tribunal ou não se encontra. Ou a questão é prejudicial ou não é. Ou há divergência interna ou não há. Não existe espaço para meio termo, bem assim para conclusões diferenciadas em relação à pessoa que faça a investigação acerca da presença dos pressupostos.

Em razão disso, a instauração do incidente de uniformização, levando-se em conta a objetividade dos seus pressupostos, não seria uma "faculdade" do órgão julgador fracionário, mas, antes, uma "obrigação" [73]. Preenchidos os requisitos, o incidente deveria ser necessariamente instaurado [74]. Contudo, a instauração do incidente circunda região em que habitam a conveniência e a oportunidade, pelo que nem seria uma "faculdade", nem uma "obrigação", mas, antes, um "dever" [75] do órgão jurisdicional, acaso preenchidos os pressupostos encimados. Por ser "dever", não sujeita aquele que o tem à pretensão das partes ou outro legitimado.

É o que acontece com a decisão de instaurar ou não o incidente de uniformização. Para justificar esta ilação, basta dizer que "não é toda divergência sobre a tese jurídica que deve levar à uniformização de jurisprudência, mas apenas aquela que, pela reiteração e repercussão, bem como prognóstico futuro de repetição, convenha se ver uniformizada e consagrada em Súmula" [76].

E, efetivamente, não se há de instaurar um incidente de uniformização para regular as questões jurídicas que não tenham larga repercussão. Economicamente, não seria viável compor o tribunal pleno ou órgão especial para uniformizar questões que não tenham (ou pouco tenham) chances de repercutir na prestação jurisdicional ou atos vindouros. Não haveria conveniência.

Do mesmo modo, entende a jurisprudência, que se a divergência ainda não estiver sedimentada, não seria conveniente instaurar o incidente. Em caso específico, onde verificados apenas dois precedentes, sendo eles destoantes entre si, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não se devia instaurar o incidente. Relativamente a esta justificativa, deve-se manifestar discordância [77].

A justificativa da instauração do incidente é a divergência interna. Todavia, não se qualifica quantitativamente a sua ocorrência, basta que ela exista. Não sendo o suficiente, há outro meio processual destinado a manifestar o posicionamento da corte, através de órgão específico, mesmo que não haja divergência (sendo suficiente a verificação da relevância) – é o incidente de relevância previsto no § 1º do art. 555 do CPC.

Portanto, a instauração do incidente de uniformização não depende da quantidade da divergência [78] (nova ou velha, consolidada em quantitativo ou não), basta que ela exista e que seja conveniente a sua descontinuidade. Esperar amadurecimento da divergência é tolerar injustiças (calcadas em soluções não idênticas a casos idênticos que podem se multiplicar). Embora ele possa ser benéfico à formação do convencimento, os valores ínsitos à uniformização se sobrepõem à espera de momento "oportuno".

Seja como for, se a instauração do incidente fosse entendida como sendo uma "obrigação" do órgão julgador, a decisão seria passível de recurso, porque não haveria sujeição à "justa" pretensão do legitimado. Não é o que ocorre [79]. É, assim, um dever do órgão fracionário.

Com relação à iniciativa das partes à formulação do pedido de instauração do incidente, acredita-se tratar também de um dever delas em provocar o órgão fracionário na primeira oportunidade possível. Com efeito, BRAGHITTONI (2001) lembra que:

A doutrina [80], no geral, entende que até mesmo na sustentação oral o incidente pode ser suscitado - e que, por falta de previsão legal expressa, pode sê-lo até o momento em que o presidente do colegiado em questão anuncie o resultado do julgamento (porque isso o torna público).

Não há, portanto, forma ou momento especiais para suscitá-lo; a exigência de quaisquer fórmulas não previstas em lei seria descabida e constituiria em entrave indevido à instauração do incidente.

Acontece que, conhecedora da divergência interna, a parte só suscitará o incidente se o posicionamento do órgão não lhe for favorável. Caso contrário, tratará com desdém a divergência jurisprudencial interna, porquanto, a si, mais importante é o êxito no seu caso particular. A uniformização, portanto, dependerá da iniciativa da parte adversa (prejudicada com o posicionamento do órgão fracionário) ou de algum outro legitimado.

Mas, convenha-se que o dever apenas mostra a boa-fé [81], o que também não significa dizer que aquela parte que não suscita o incidente na primeira oportunidade esteja de má-fé [82]. Aliás, em difíceis situações é que se poderia concluir pela má-fé dela, o que, infelizmente, na prática, verificar-se-á, por ambas as partes, a espera pelo "momento oportuno", qual seja, momento qualquer posterior à distribuição do feito no tribunal. É que, neste momento, saberão se o órgão fracionário julgador guarda ou não simpatia à pretensão deduzida perante o tribunal, diante dos precedentes existentes na corte.

Estas colocações servem como advertência para que os juízes votantes e os representantes do Ministério Público, mais do que qualquer outro legitimado, estejam sempre atentos à conveniência e oportunidade da instauração do incidente de uniformização. Apesar da iniciativa das partes, eles devem estar sintonizados com a jurisprudência do tribunal, evitando-se a propagação da insegurança pelo tratamento desigual dispensado em casos idênticos.

7.5. Instauração do incidente de uniformização provocada em julgamento de embargos de declaração

Feitas algumas considerações acima acerca do momento de instauração do incidente de uniformização, é conveniente investigar se é ou não possível instaurá-lo quando do julgamento de embargos de declaração. Há agigantado posicionamento jurisprudencial no sentido de que não caberia a instauração do incidente nesta hipótese [83] (conforme dito alhures). A justificativa é que o incidente só caberia enquanto não realizado o julgamento do caso concreto, o que não seria quando interpostos embargos de declaração, cuja finalidade seria unicamente aperfeiçoar o pronunciamento jurisdicional decisório.

Crê-se, porém, que não seja a melhor orientação aquela indicada pelos tribunais, notadamente quando se trata de interposição justificada por omissão no julgamento. Sendo omisso o pronunciamento jurisdicional, o julgado não está completo. Assim, com relação à parte não analisada, perfeitamente possível a instauração do incidente, já que o julgamento não se encerrou. Neste momento, o julgado incompleto ainda pode ser alterado (art. 463, II, do CPC [84]). Entretanto, a iniciativa estaria restrita aos juízes votantes, porquanto a faculdade estaria preclusa aos demais legitimados.

Nos demais casos que legitimam a interposição de embargos de declaração, seria muito difícil justificar a instauração do incidente de uniformização. Mas verifica-se um caso em que é possível. Ele diria respeito à interpretação da tese jurídica relacionada à definição do que seria "contradição" e "obscuridade" – enfim, do alcance da cognição dos aclaratórios (conquanto estes pontos já estejam bem maturados). De toda forma, a tese jurídica relacionada ao julgamento de fundo do caso concreto não justificaria a instauração do incidente, quando do julgamento do recurso referido, de interposição justificada pela verificação de contradição ou obscuridade.

7.6. Desnecessidade de instauração do incidente de uniformização perante o STF

Seguindo noutra toada, copiosamente, o STF tem pontuado que o incidente de uniformização (dos arts. 476 e seguintes do CPC) não pode ser instaurado perante a Corte. A justificativa, conforme se extrai do inteiro teor do acórdão lavrado na AR 1198/DF, cuja relatoria coube ao Ministro DJACI FALCÃO, é de que "os arts. 478 e 479 escapam ao processo no Supremo Tribunal Federal, em que a divergência jurisprudencial entre as turmas ou com o plenário são solucionadas pelos embargos de divergência".

No voto do Ministro MOREIRA ALVES, ele acrescentou que: "o incidente de uniformização de jurisprudência não se aplica ao STF, certo como é que este, por força de seu Regimento Interno, que vale como lei, tem procedimentos próprios para a estratificação da sua jurisprudência (súmulas) e para a eliminação de divergência jurisprudencial entre suas turmas, ou de uma delas com o plenário".Ou seja: por falta de previsão regimental, não seria cabível a instauração de incidente em estudo.

Acontece que o art. 476 do CPC [85] refere-se aos tribunais de uma forma genérica, que são compostos por turmas ou câmaras. Neles, naturalmente, inclui-se o STF, que é composto por turmas. Logo, se o RISTF foi omisso acerca do incidente, o CPC não o foi com relação ao Supremo Tribunal Federal, pelo que não se sustenta o fundamento de ausência de previsão regimental.

Porém, como dito no precedente parcialmente transcrito, perante o STF há outros institutos a cumprir idêntica função do incidente de uniformização. O art. 11 e o art. 22 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal atribuem à turma e ao relator a possibilidade de remeter feitos ao plenário para imediato julgamento, inclusive justificando a remessa pela existência de divergência "intra muros". Em sendo assim, desnecessário seria o incidente (não haveria interesse).

SOUZA (2009:355-356), apesar de não desconhecer a existência de outros institutos regimentais a sanar a divergência jurisprudencial, que não o incidente de uniformização dos arts. 476 e seguintes do CPC, defende o cabimento deste sob a justificativa de que a legitimidade para os outros institutos seria exclusiva dos órgãos, o que não alcançaria as partes, Ministério Público e terceiros interessados. Isso é bem verdade.

Mas, como antes defendido, a instauração do incidente de uniformização não constitui direito subjetivo de qualquer legitimado, a despeito de ser um dever do juiz. Em última análise, portanto, quem instaura o incidente são os componentes do órgão fracionário, queiram ou não os demais legitimados. Significa dizer, então, que apesar da legitimidade, não é ela que define a instauração ou não do incidente.

Trilhando este rumo, pode-se dizer que os mesmos legitimados à instauração do incidente de uniformização podem sugerir aos integrantes das turmas do STF que remetam o feito em análise para julgamento pelo plenário, onde será definida a tese jurídica a ser aplicada ao caso concreto. Da mesma forma, não terão direito, contudo poderão sugerir a remessa ao plenário, do mesmo modo como, em análise última, ocorre com o incidente de uniformização dos arts. 476 e seguintes do CPC.

Assim, pode-se dizer que não há necessidade de se requerer a instauração do incidente de uniformização junto ao STF, porque outros instrumentos destinados ao mesmo fim são colocados à disposição daqueles que realmente decidem pela instauração ou não. E tudo sem retirar a possibilidade de os "legitimados" sugerirem a remessa dos autos ao plenário do STF para a definição da tese jurídica, inclusive quando verificada a divergência entre os órgãos internos.

7.7. Incidente de uniformização em matéria constitucional

Absorvida a compreensão de que não é admitida a instauração de incidente de uniformização perante o Supremo Tribunal Federal, resta indagar se perante outros tribunais é possível que aquele instituto traga à discussão questão de ordem constitucional. Com efeito, já se disse que, mesmo perante o Superior Tribunal de justiça seria possível a declaração de inconstitucionalidade. Então esta poderia advir de pronunciamento jurisdicional proferido no incidente de uniformização em estudo?

A uma primeira análise, poder-se-ia responder que sim, sob o argumento de que seria plenamente possível a declaração ou não de inconstitucionalidade pelos tribunais em julgamentos diversos. Mas esta conclusão, limpa da forma como apresentada, não resistiria a uma reflexão que considera as particularidades que são ínsitas ao procedimento de declaração de inconstitucionalidade.

É que, para se declarar a inconstitucionalidade, faz-se necessário o respeito da "cláusula de reserva de plenário". A decisão que declarasse a inconstitucionalidade de um dispositivo legal sempre seria a posição atual do órgão plenário, pelo que não haveria divergência interna. Assim, sem a divergência interna, não caberia, por falta de pressuposto, o incidente de uniformização.

Há situações particulares, entretanto, que possibilitariam a instauração do incidente a respeito de questão de ordem constitucional, mesmo havendo anterior decisão proferida pelo órgão colegiado em sede de arguição incidental de inconstitucionalidade. Basta imaginar o caso em que o órgão competente à declaração de inconstitucionalidade tivesse declarado a inconstitucionalidade de um dispositivo legal. Contudo, pela modificação de sua composição, a interpretação nos órgãos fracionários passou a ser outra, no sentido que o dispositivo referido seria constitucional. Assim, havia uma declaração de inconstitucionalidade pela anterior composição do órgão maior (que justificaria a declaração por órgão fracionários da inconstitucionalidade), mas, de outra banda, haveria pronunciamentos de outros órgãos fracionários declarando a constitucionalidade.

Neste cenário, os órgãos fracionários poderiam estar em divergência acerca da interpretação da tese jurídica de natureza constitucional. Se fosse o caso, seria perfeitamente cabível a instauração do incidente de uniformização, pois preenchidos os pressupostos autorizadores. No caso, mesmo a divergência interna estaria verificada, pelo que necessária a instauração do incidente. O mesmo, contudo, não se poderia dizer se o posicionamento do órgão plenário tivesse sido pela constitucionalidade. De fato, posterior pronunciamento pela inconstitucionalidade teria que partir do mesmo órgão plenário, que refletiria a posição atual do tribunal. Não haveria divergência, apenas uma suplantação do entendimento, que passou a ser, de modo uniforme, outro (agora pela inconstitucionalidade).

Seguindo este viés, é coerente (embora não seja uma regra) afirmar o incidente de uniformização por albergar tanto questões de ordem legal, como questões de ordem constitucional.


8. CONCLUSÕES

O incidente de uniformização, como definiu TEIXEIRA (2003:822), é "louvável e belo". Todavia, a despeito de ser um dos mais velhos institutos (do atual Código de Processo Civil) tendentes a uniformizar a jurisprudência, ainda precisa ser alvo de maiores reflexões face ao cenário processual que se encontra o direito processual civil. As atuais experiências fazem que velhos institutos devam ser submetidos a novas reflexões. É o que urge acontecer.


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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos. Tradução: Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.


Notas

OVÍDIO BAPTISTA A. DA SILVA, em "Processo e Ideologia: o paradigma racionalista" professora que "há outro componente ideológico que sustenta a plenariedade das ações. É o ‘princípio da economia processual’, que , a um exame desatento, poderá sugerir que se trate de um instrumento concebido para acelerar a prestação jurisdicional. Em geral, imagina-se que o princípio da economia seja uma arma contra a morosidade processual, quando, na verdade, ele contribui para que os processos se tornem mais lentos (...) Cândido Rangel Dinamarco teve a perfeita compreensão da lógica do princípio de economia processual ao dizer que o ‘princípio econômico’ obedece a uma razão de ordem pública ‘que transcende a esfera de interesses das partes em conflito’. Na verdade, quem pretende fazer economia é o Estado, obrigando que as partes controvertam logo, num único processo, tanto a causa principal, quando aquelas ligadas a um vínculo de conexão ou dependência".

Além destas, CUNHA (2010) enumera outras destinadas à resolução de demandas repetitivas (seriam: 1. suspensão de segurança para várias liminares em casos repetitivos; 2. incidente de uniformização de jurisprudência; 3. incidente de relevância; 4. pedido de uniformização da interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Federais). Depois, ele pontua que a difundida utilização de todas estas técnicas pode mitigar o congestionamento e, assim, proporcionar tramitação processual em prazo razoável.

"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso".

Instituto tradicional em nosso sistema, a uniformização de jurisprudência é, no geral, bastante elogiada pela doutrina, como instrumento valioso a serviço da aplicação uniforme do direito - e, portanto, da própria segurança jurídica, por conta da redução do número de demandas idênticas ou muito semelhantes com julgamentos diversos ou até mesmo opostos.

aludido regramento permite, como é sobejamente sabido, que o tribunal conheça, analise e fixe posicionamento a respeito de determinada matéria jurídica, não fática, e formule uma interpretação colegiada, representativa de todo o tribunal, a respeito dessa matéria. É, sem dúvida, valioso mecanismo de segurança (e, talvez até, de legitimação mesmo) de que o sistema processual civil dispõe.

"São muitos os aspectos importantes a destacar no confronto dos dois institutos, tanto nas semelhanças quanto nas significativas diferenças. Barbosa Moreira explica que se trata, sim, de mais um expediente que objetiva também uniformização de jurisprudência, mas que se espera seja mais eficiente que o até então disponível, talvez até substituindo-o. Uma das suas vantagens práticas é justamente a de que, no novo instituto, o colegiado maior não se limita a declarar a solução da questão jurídica, mas procede ao próprio julgamento que competia a outro. Com isso, "evita-se o vaivém, causa de maior demora."

Para Vigliar, tal "substituição" não ocorrerá; bem ao contrário, o novo instituto é muito mais restrito que o anterior, porque não tem a uniformização de jurisprudência como meta, nem poder para atingi-la. Isto se dá porque, para ele, a prevenção ou composição de divergência se dará somente para aquele caso concreto específico, com mera substituição de órgão fracionário por outro mais complexo. Assim, não poderá haver súmula da decisão daí extraída, nem se poderá falar em "jurisprudência dominante" pelo mesmo motivo. "Incontestável", diz o autor, "a superioridade do incidente de uniformização de jurisprudência".

Também é crítico do novo sistema José Rogério Cruz e Tucci, que afirma que o desdobramento do julgamento em dois momentos (primeiro fixa-se a tese jurídica mais correta, depois julga-se o recurso propriamente) não é defeito, mas "fator que supera, em muito sob o aspecto técnico", a nova regra. A responsabilidade pelo uso tão restrito da uniformização de jurisprudência seria "dos próprios componentes dos tribunais, infensos em aceitar a atualidade da divergência pelo inescondível temor de imaginada influência recíproca, intra muros, consistente na eficácia vinculante em futuros julgamentos." Basta ver, explica o professor, como são raros os casos de acolhimento de incidentes de uniformização, em especial no TJSP. E arremata: "bem por isso, dificilmente o relator do recurso se disporá a propor a seus pares, integrantes do julgamento, seja o recurso apreciado pelo órgão colegiado que o regimento indicar, o qual, reconhecendo a relevância pública da questão de direito, julgará o recurso."

A opinião de Dinamarco é o exato inverso; diz ele que a nova regra é mais "rica", "seja por conter abertura para sua própria utilização para casos mais frequentes e numerosos, seja por conferir maior eficácia aos julgamentos". Diverso também o posicionamento de Dinamarco no que tange à possibilidade de utilização dos julgamentos daí extraídos para consolidação de jurisprudência que sirva a casos futuros, até podendo ser qualificada de dominante - ter-se-ia aí, também para este caso, a razão de ser o instituto, o que seria a maior das semelhanças.

instituto seria mais amplo, a começar, pela fundamental diferença de que está no interesse público o critério central para deslocar a competência para o colegiado maior. Também é mais amplo porque se presta ele a prevenir divergências, e não apenas atuar sobre as que já existem. E afirma que "espera-se, com isso, que se possa colher da nova técnica mais utilidade do que a antiga jamais teve, porque os tribunais costumam ser muito restritivos na apreciação aquele requisito da divergência atual e não meramente previsível e futura, para efeitos da uniformização de jurisprudência."

Como dito, também no que toca à questão da utilidade como meio de uniformizar jurisprudência, mais do que apenas julgar uma causa específica, Dinamarco tem entendimento diverso. Segundo ele, haverá a "tendência" de que os tribunais considerem com "dominante" a jurisprudência extraída também desta forma de julgamento - afinal, o colegiado aqui também é ampliado, o que lhe confere, ao menos, legitimidade para tanto, afirmamos nós.

Podemos concluir, então, que o escopo de uniformizar jurisprudência, e mesmo a força e a legitimidade para tanto, estão presentes em ambos os institutos - são pontos de proximidade, não de diferença.

Diferente mesmo é o fato de que, no novo instituto, as partes e o Ministério Público não podem suscitá-lo. Esta é uma diferença crucial - e, a nosso ver, lamentável. A uma porque, se há tal previsão na uniformização, não haveria porque excluí-la aqui. A duas porque, se lá tudo que existe é a fixação do entendimento da questão jurídica, aqui se faz o próprio julgamento do recurso dessa parte (ou de sua ação de competência originária).

máximo que a parte poderá fazer, conforme criativa sugestão do professor Dinamarco, é sugerir ao relator a providência prevista em lei. Menos mal se se consolidar jurisprudência acatando a sugestão do Mestre.

Ao fim, esta outra é, talvez, a maior das diferenças: na uniformização de jurisprudência, tudo que faz o colegiado mais amplo é determinar, de modo cogente, como deve ser a interpretação adotada, e em seguida o caso é devolvido ao órgão de origem para que julgue, seguindo porém essa orientação. Se atingida maioria absoluta, a interpretação dada se torna objeto de súmula. No caso do novo § 1.º do art. 555, CPC, ao contrário, o colegiado ampliado julga o próprio recurso, e não apenas a questão jurídica divergente".

"Não se trata, por certo, de um "recurso", por não ter várias das características típicas destes. Ausentes, como explicou de maneira muito sistemática Nelson Nery Jr., a voluntariedade, a tipicidade, o efeito devolutivo e a finalidade recursal. Cumpre analisar cada uma dessas características, ainda que rapidamente, a fim de se constatar se, de fato, não é a uniformização de jurisprudência um recurso, ao contrário do que afirmava Pontes de Miranda.

Voluntariedade pode ou não haver, já que a uniformização de jurisprudência pode ser suscitada de ofício, ao contrário do que ocorre com todos os recursos, que sempre exigem manifestação inequívoca de uma das partes. Tipicidade, também, inexiste aqui, pois só é típico o recurso previsto com tal em legislação federal.

Já o "efeito devolutivo" traz alguma dificuldade a mais em sua análise; afinal, existe uma "remessa" para um "outro órgão", que é um colegiado mais amplo. Isso, contudo, não caracteriza tecnicamente a devolução, porque a esse outro órgão não é devolvido (rectius: entregue) o poder/dever de julgar a própria causa, mas apenas uma tese jurídica que lhe é prejudicial. Não se devolve, portanto, o julgamento do recurso; apenas se pede um julgamento prévio de uma questão teórica.

Pelo mesmo e fundamental motivo também não existe finalidade recursal. Recurso, na clássica definição de Barbosa Moreira, é essencialmente remédio, que objetiva corrigir algo que esteja errado (tecnicamente, reformar, anular, esclarecer ou complementar). Se não há julgamento da própria causa, se não há julgamento sequer do recurso original, então este julgamento que em uniformização de jurisprudência se faz não pode ser qualificado de "recurso".

Não sendo recurso, sua natureza jurídica é, como hoje se crê de maneira uniforme pela doutrina, a de incidente processual preventivo".

Art. 120. Cópia do acórdão será, no prazo para sua publicação, remetida à Comissão de Jurisprudência, que ordenará:

I - seja registrada a súmula e o acórdão, em sua íntegra, em livro especial, na ordem numérica da apresentação;

II - seja lançado na cópia o número recebido no seu registro e na ordem dessa numeração, arquivando-a em pasta própria;

III - seja a súmula lançada em ficha que conterá todas as indicações identificadoras do acórdão e o número do registro exigido no inciso I, arquivando-se em ordem alfabética, com base na palavra ou expressão designativa do tema do julgamento;

IV - seja o acórdão publicado na Revista do Tribunal, sob o título "uniformização de jurisprudência".

Parágrafo único. Se o acórdão contiver revisão de súmula compendiada, proceder-se-á na forma determinada neste artigo, fazendo-se, em coluna própria, a sua averbação no registro anterior, bem como referência na ficha do julgamento.

Art. 121. Se for interposto recurso extraordinário, em qualquer processo no Tribunal, que tenha por objeto tese de direito compendiada em súmula, a interposição será comunicada à Comissão de Jurisprudência, que determinará a averbação dessa comunicação em coluna própria do registro no livro especial e a anotará na ficha da súmula compendiada.

Parágrafo único. A decisão proferida no recurso extraordinário também será averbada e anotada, na forma exigida neste artigo, arquivando-se, na mesma pasta, cópia do acórdão do Supremo Tribunal Federal.

Adiante, complementa: "o desenvolvimento de um sistema mais avançado de tutelas coletivas, que possa gera prestação jurisdicional unificada em uma só demanda para todo o conjunto de relações congêneres, seguramente poderá mitigar o congestionamento do judiciário, à medida em que evita a proliferação de ações repetitivas".

"As normas que disciplinam o processo civil brasileiro foram inspiradas no paradigma liberal da litigiosidade, estruturadas de forma a considerar única cada ação, retratando um litígio específico entre duas pessoas. Em outras palavras, o processo civil é, tradicionalmente, individual, caracterizando-se pela rigidez formalista.

processo individual, de forte influência liberal, é marcado pela adoção da forma escrita, pela incidência do princípio dispositivo e pela manutenção da igualdade formal. As regras processuais, nesse contexto, pressupõem a ausência de disparidades entre os litigantes, sendo impossível ao juiz adotar medidas que atenuem, compensem, minimizem ou eliminem as desigualdades existentes entre as partes.

Esse perfil individualista, marcado pela influência do liberalismo, foi contemplado no Código de Processo Civil brasileiro em vigor.

É bem verdade que as bases orais do Código de Processo Civil brasileiro e as reformas empreendidas, ao longo dos anos, no seu texto, com o reforço do papel diretor do juiz e a ampliação de seus poderes, confiram-lhe uma tendência socializante, afastando-se um pouco do perfil liberal contido em sua redação originária. Isso, contudo, não elimina a evidência de que as regras contidas no Código de Processo Civil brasileiro destinam-se a regular o processo individual".

Parágrafo único. Do despacho de indeferimento caberá recurso para o órgão a que competiria julgar o agravo.

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

§ 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

§ 2º Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;

II - por meio de embargos de declaração.

  1. Diferencia-se da proteção à confiança porque, diferentemente da segurança jurídica (que está relacionada a elementos objetivos), ela, segundo Canotilho (2002:257). está relacionada a "componentes subjetivos da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos".
  2. Considerando que a segurança jurídica, quando apoiada na imutabilidade, decorre, por exemplo, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido (colocados com sendo garantia constitucional).
  3. O maior exemplo é a garantia constitucional da coisa julgada material (qualidade da sentença de mérito).
  4. Conquanto, não se possa defender a "manutenção da jurisprudência". Aliás, como adverte Canotilho (1993:381), "sob o ponto de vista do cidadão, não existe um direito à manutenção da jurisprudência dos tribunais, mas sempre se coloca a questão de saber se e como a proteção da confiança pode estar condicionada pela uniformidade, ou pelo menos, estabilidade da orientação dos tribunais".
  5. A este respeito, é indispensável a leitura do artigo "Jurisprudência Lotérica", de autoria de Eduardo Cambi, disponibilizado pela Revista dos Tribunais, volume 786, páginas 108-128.
  6. A tarefa de subsunção não ficaria adstrita ao texto legal (que muitas vezes utiliza técnicas de elaboração que o torna abstrato), mas também aos precedentes constituídos a partir da análise de casos idênticos. Sendo, pois a observação do jurisdicionado balizada pelos pronunciamentos jurisdicionais, prefere-se utilizar o vocábulo "análise" ao invés de "auto-análise".
  7. Como pontua Marinoni (2010:63), "nada adianta a lei quando o cidadão não sabe o que esperar dos juízes". Adiante, complementa: "o cidadão precisa ter segurança de que o Estado e os terceiros se comportarão de acordo com o direito e de que os órgãos incumbidos de aplicá-lo farão valer quando desrespeitado. Por outro lado, a segurança jurídica também importa para que o cidadão possa definir o seu próprio comportamento e as suas ações. O primeiro aspecto demonstra que se trata de garantia em relação ao comportamento daqueles que podem contestar o direito e têm o dever de aplicá-lo; o segundo quer dizer que ela é indispensável para que o cidadão possa definir o modo de ser das suas atividades".
  8. Pelo menos no mesmo momento histórico, de modo a afirmar a estabilidade dos pronunciamentos jurisdicionais.
  9. "A lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico. De fato, de nada adiantaria a existência de comando constitucional dirigido ao legislador se o Poder Judiciário não tivesse que seguir idêntica orientação, podendo decidir, com base na mesma lei, no mesmo momento histórico (ou seja, sem que fatores históricos possam influir no sentido que se deva dar à lei) em face de idênticos casos concretos, de modos diferentes." (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sobre a Súmula 343. RePro 86. São Paulo: Ed. RT, abr.-jun. 1997, p. 150).
  10. "As demandas de massa devem submeter-se a regime jurídico próprio, orientado pelos princípios da isonomia e da segurança jurídica, com adoção de medidas prioritárias tendentes à uniformização da jurisprudência quanto às questões jurídicas contidas nas causas repetitivas". (CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo, São Paulo, n. 179, jan. 2010).
  11. Economia processual não significa, necessariamente, celeridade processual. Muitos atos que ensejam economia processual podem significar retardamento da prestação jurisdicional definitiva para o caso específico. O incidente de uniformização de jurisprudência se insere neste cenário. Não acelera a resolução do processo em que ele é instaurado, mas possibilita que demandas outras sejam rapidamente resolvidas, por evitar a desenfreada interposição de recursos e orientar a interpretação jurídica a ser adotada pelos órgãos jurisdicionais.
  12. Conforme caput do art. 5º da Constituição Federal: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)".
  13. Que, para alguns, como é o caso de DIDIER (2011:62) toma definitivamente o espaço da "celeridade processual". Não existiria processo célere, mas processo que se estendesse de forma suficiente a respeitar todas as garantias processuais.
  14. Para Nunes (2010:83), "parece certo afirmar que a segurança jurídica e a justiça se imbricam e se condicionam reciprocamente, dado que não é imaginável uma situação em que o valor segurança jurídica haja desaparecido e, mesmo assim, se possa falar em realizar justiça; de outra banda, a só redução do direito à segurança jurídica sem consideração do valor justiça transformaria o direito num simples instrumento de legitimação do poder qualquer que fosse sua qualidade".
  15. Marinoni. Op cit., p. 124.
  16. Muitos transportados ou adaptados do direito estrangeiro.
  17. Por conta disso, afirma GRINOVER (2008:1-2), o legislador apresentou, no plano constitucional e infraconstitucional, técnicas para a solução destas causas repetitivas. Seriam elas: 1. súmula vinculante; 2. aferição, por amostragem, de repercussão geral da questão constitucional junto ao STF, para estender a decisão da excelsa Corte a outras demandas; 3. julgamento de recursos especiais por seleção, com extensão do entendimento adotado a outras demandas pendentes; 4. enunciados de súmulas de jurisprudência impeditivos de recurso; 5. julgamento imediato de improcedência.
  18. "Trata-se de expediente de pouco uso, a respeito do qual a jurisprudência é escassa, cuja existência, todavia, revela a preocupação do legislador (que, na verdade, existe por trás de todo o sistema processual e processual constitucional) no sentido de, conforme sugere o nome do instituto, uniformizar o entendimento a respeito de teses jurídicas nos tribunais (no caso, intra muros)" (WAMBIER, 2001:328).
  19. "O conceito de ‘jurisprudência dominante’ não se equipara, obrigatoriamente, a jurisprudência sumulada". (AGRESP nº 443.703, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 19.12.2002, p. 406)
  20. Embora fosse o ideal.
  21. Segundo DIDIER e CUNHA (2010:572), com a precisão que lhes é peculiar, ensinam que "é incorreto falar em ‘súmulas’ do tribunal. Só há uma súmula, que tem diversos enunciados. Explica o tema BARBOSA MOREIRA, referindo-se à súmula do STF: ‘A súmula, sempre no singular, foi publicada como anexo ao Regimento Interno, e a respectiva citação, feita pelo número do enunciado, dispensaria, perante a corte, a indicação complementar de julgados no mesmo sentido. Mais tarde, outros tribunais seguiram o exemplo: o Superior Tribunal de Justiça tem sua própria súmula, o Tribunal de Justiça do rio de Janeiro a sua, e assim por diante. Em todos os casos, a denominação oficial de súmula corresponde ao conjunto, ao todo, à totalidade das teses compendiadas. O modo de citar a súmula, pelo número do enunciado, levou a curiosa corruptela na linguagem forense. Era correto dizer "n. X da súmula" ou "súmula, n. X." Mas passou-se a falar com frequência de súmula n. X, sem pausa, como se cada enunciado, individualmente, constituísse uma súmula...Pois bem. A Emenda Constitucional 45 rende-se ao uso informal, tolerável em conversas de corredor do fórum, nunca porém num documento oficial, e menos que alhures em texto que se incorpora à constituição. O novo art. 103-A desta autoriza o Supremo Tribunal Federal a editar súmula que (...) terá efeito vinculante, e já se generalizou, até fora dos meios especializados, a referência às futuras súmulas vinculantes, no plural, para designar as proposições ou teses a que a Corte, reunidos os pressupostos, imprimirá esse efeito".
  22. O procedimento para edição de súmula vinculante está previsto no art. 103-A da Constituição Federal (regulamentado pela Lei nº 11.417/06), que assim dispõe:
  23. Vincula unicamente o órgão fracionário que está decidindo o caso concreto, que deve seguir a orientação estabelecida pelo órgão plenário.
  24. A guisa de ilustração: "por outro lado, o julgamento tomado em incidente de uniformização por maioria simples tem utilidade bastante reduzida, se comparada com o proferido por maioria absoluta. A decisão tomada por maioria simples tem serventia somente para o caso concreto o qual foi suscitado o incidente e indica mera tendência de orientação do tribunal". (SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 6ª Ed. P. 371. São Paulo: Editora Saraiva, 2009).
  25. Na hipótese, além de não significar celeridade, não significa também economia.
  26. "Não cabe à lei, de regra, definir ou conceituar institutos jurídicos, axioma que se aplica, é claro, para os institutos jurídicos consagrados, cuja definição e explicitação é mister atribuído aos juristas e doutrinadores". (STJ. REsp 215.811/PR. DJU 27.09.99)
  27. Até porque conduziria sempre para uma interpretação mais restritiva, sem a possibilidade de alargar a utilidade do instituto a situações novas, sem que, com isso, pudesse comprometer a epistemologia.
  28. Notadamente quando advinda de tribunal superior. Por conta disso, é que o Superior Tribunal de Justiça vem mitigando a aplicação do enunciado 343 da súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A este respeito, leia-se: "Ação rescisória: fortalecendo a necessidade de revisão da Súmula 343 do STF", disponível em http://jus.com.br/revista/texto/16944.
  29.  
  30. OVÍDIO BAPTISTA A. DA SILVA defende que a utilização das expressões "certo" ou "errado" e "lícito" ou "ilícito", relativamente aos resultados apresentados por pronunciamentos jurisdicionais, decorre de paradigma racionalista que colocava o juiz como sendo "a boca da lei". Em sua obra "Processo e Ideologia: o paradigma racionalista", em aprofundado estudo, o autor mostra que o Poder Judiciário tem funções outras, a contrariar aquela antiga conclusão. Hodiernamente, as decisões judiciais (em sentido lato sensu) hão de ser consideradas como sendo justas ou injustas, mormente porque a interpretação do texto legal pode variar, em face de vários fatores (inclusive de ordem subjetiva), sem estar cometendo "erros" numa ou noutra situação.
  31. A dissonância interna, embora possa trazer, de forma mediata, benefícios ao amadurecimento da cultura jurídica, denota "falha" (ou, para ser mais preciso, "injustiça"), pois situações idênticas são resolvidas de formas diferentes. O ideal seria que, de logo, fosse identificada a tese jurídica "correta" (ou seja, aquela entendida como "justa") a ser aplicada às situações idênticas. Mas nem sempre isso sói ocorrer. Na maior parte das vezes, principalmente quando o texto legal é recente, há "falhas" reveladas pela existência de pronunciamentos jurisdicionais desarmônicos.
  32. A não ser assim, estar-se-ia colocando a atividade jurisdicional em nível de infalibilidade, o que não ocorre porque utiliza material humano ao seu desempenho.
  33. Conquanto não seja comum, mas é crível que, dentre as interpretações destoantes, não se encontre a considerada "correta" e, por isso, enverede-se para uma nova.
  34. Conquanto não seja comum, mas é crível que, dentre as interpretações destoantes, não se encontre a considerada "correta" e, por isso, enverede-se para uma nova.
  35. Aliás, pedido de uniformização amparado neste fundamento é impertinente, pelo que há de ser indeferido.
  36. Ressaltando-se de logo (conforme será explanado a seguir), que, conforme entendimento jurisprudencial, no Supremo Tribunal Federal, por falta de previsão no Regimento Interno, não comporta a instauração do incidente de uniformização.
  37. Inclusive, já tivemos a oportunidade de destacar que "as fontes materiais, que apesar de não terem força vinculante como aquelas, orientam a aplicação dos institutos e buscam revelar o seu verdadeiro propósito. Nesta seara, portanto, pode-se atribuir a qualidade de fontes materiais do Direito Processual aos princípios gerais do Direito, à Doutrina, à Jurisprudência e ao Costume" (2010:31).
  38. "A igualdade parece justiça, e efetivamente o é; porém não de modo geral, e sim apenas entre os iguais. A desigualdade também parece que o é entre os que não são iguais. Aparece essa diferença sem se indagar para que, e dela se considera muito mal. Isso advém do fato de ser apenas por si que se julga, e em geral se é mau juiz em causa própria" (ARISTÓTELES, 2001:91).
  39. Esta é a posição defendida por FUX (2002:1002)
  40. Na ementa do acórdão lavrado quando do julgamento do AgRg no Ag 1264145/SP, aquele tribunal assim consignou: "o incidente de uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 476 do Código de Processo Civil, é de caráter preventivo e não corretivo, não sendo cabível a sua arguição em sede de agravo regimental, além de não vincular o juiz relator quanto à obrigatoriedade de sua análise". Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=incidente+e+uniformiza%E7%E3o+e+jurisprud%EAncia+e+preventivo&b=ACOR. Acesso em 12/fevereiro/2001 às 11h:41min.
  41. "A suscitação do incidente de uniformização de jurisprudência em nosso sistema constitui faculdade, não vinculando o juiz, sem embargo do estímulo e do prestígio que se deve dar a esse louvável e belo instituto." (REsp 3.835/PR, Quarta Turma, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 29/10/90). Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=incidente+e+uniformiza%E7%E3o+e+jurisprud%EAncia+e+preventivo&b=ACOR. Acesso em 12/fevereiro/2011 às 11h:49min.
  42. Partes, terceiro interessado, Ministério Público e órgãos jurisdicionais.
  43. A começar do art. 5º da Constituição da República.
  44. Considerando que há outros meios de uniformização.
  45. Nomenclatura sugerida por BERNARDO PIMENTEL SOUZA.
  46. Nomenclatura sugerida por CASSIO SCARPINELLA BUENO no seu Curso Sistematizado de Direito Processual Civil,segundo o qual: "o incidente ora examinado permite que o magistrado, antevendo que a questão pode multiplicar-se dando ensejo a diversidade de interpretações e entendimentos, requer que o órgão colegiado indicado no regimento interno se manifeste desde logo sobre a interpretação que deve ser aplicada à hipótese" (2009:370).
  47. A este respeito, SOUZA (2009: 380) diz que "ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não há lugar para confusão entre o incidente de uniformização de jurisprudência do art. 476 do Código de Processo Civil e o previsto no § 1.º do art. 555 do mesmo diploma. Na uniformização de jurisprudência, o colegiado ‘ad quem’ julga apenas em tese, indica a melhor interpretação da lei, com a posterior baixa ao colegiado fracionário competente para o julgamento do recurso, ação originária ou reexame necessário, quando só então o direito é aplicado à espécie. O mesmo não ocorre no incidente de afetação para o colegiado superior, com imediato julgamento do próprio recurso. Por outro lado, a uniformização de jurisprudência pressupõe sempre a existência de divergência, ainda que surja durante o julgamento. Já o incidente do § 1.º do art. 555 pode ser suscitado quando há dissídio jurisprudencial, mas também é admissível com a mera possibilidade de ulterior dissídio; basta a probabilidade da futura divergência para transferir a competência ‘ex vi’ do § 1.º. Por fim, o art. 476 alcança qualquer processo em tribunal: recurso, ação originária e remessa obrigatória. O mesmo não acontece com o incidente do § 1.º, já que restrito aos recursos, embora seja admitido em todas as espécies recursais: ao contrário do ‘caput’ do art. 555, não há limitação no § 1.º quanto ao tipo de recurso". Quanto a este último ponto de diferenciação, mostra-se aqui nossa discordância, por entender que o emprego do vocábulo "recurso" utilizou sua acepção mais ampla, incluindo-se, aí, ação originária e reexame necessário. Até porque o fim não pode ser restringido pelo gênero.
  48. Prefere-se utilizar o vocábulo "recurso" em sua acepção ampla (contemplando os recursos em sentido estrito, além do reexame necessário e as ações originárias no tribunal.
  49. Distinta é a lição de BRAGHITTONI (2002) ao diferenciar ambos os institutos:
  50. Segundo as lições de BRAGHITTONI (2002):
  51. SOUZA (2009:351) afasta a possibilidade de confusão entre o incidente de uniformização com qualquer espécie recursal, ao defender que: "Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o instituto de uniformização de jurisprudência inserto no art. 476 do Código de Processo Civil não tem natureza recursal. Em primeiro lugar, a uniformização de jurisprudência pode ser instaurada por força de requerimento do próprio relator, do revisor e até mesmo do vogal; e o magistrado não tem legitimidade recursal à luz do art. 499 do Código. Sob outro enfoque, a uniformização também pode ser instaurada em ação de competência originária de tribunal (‘verbi gratia’, ação rescisória), e não apenas no exercício da competência recursal. Ademais, o instituto não tem finalidade corretiva, ou seja, a uniformização da jurisprudência não tem como escopo a correção de decisão jurisdicional por meio de reforma ou cassação. Na verdade, o instituto tem finalidade preventiva: prevenir a continuação do dissenso ‘intra murus’ acerca da exegese da norma jurídica".
  52. Na Ação Rescisória registrada sob o n.º 1198/DF (Tribunal Pleno, DJ 17-06-1988), o Ministro DJACI FALCÃO assim constou em seu voto: "Porém, disso não cogitou o egrégio Tribunal Federal de Recursos. Por outro lado, esse incidente não existe no âmbito jurisdicional do Supremo Tribunal. O nosso Regimento Interno cogita da Súmula, síntese que corresponde a jurisprudência assentada pelo tribunal, passível de modificação ou cancelamento por deliberação da Corte (arts. 102 e 103)".
  53. Entretanto, não se pode olvidar que, em meio ao julgamento, qualquer dos legitimados sugira a instauração do instituto uniformizador e o órgão colegiado acabe com concordar, lavrando acórdão neste sentido, remetendo os autos ao órgão plenário ou especial.
  54. MARINONI (2010:12), dialogando com a melhor doutrina italiana, diz que "o duplo grau reflete, historicamente, uma idéia hierárquico-autoritária da jurisdição de do Estado, além de gerar uma profunda desvalorização dos juízos de primeiro grau. Isso porque o duplo grau se assenta em um ambiente de desconfiança em relação ao juiz de primeiro grau, que não poderia ter poder de decidir, livre e solitariamente, qualquer demanda. Como demonstrou Cappelletti defeito essencial do segundo grau, que não está presente – especialmente nos países anglo-saxões, é a profunda desvalorização do juízo de primeiro grau, com a consequente glorificação, se assim se pode dizer, dos juízos de segundo grau".
  55. Que pode ser de ordem material ou processual.
  56. É inaceitável cogitar em instauração de incidente de uniformização por conta de divergência doutrinária.
  57. Mesmo que ainda não integre a relação processual, até porque o juiz votante pode suscitar, "ex-officio" a instauração do incidente uniformizador.
  58. É o que preconiza o § 3º do art. 118 do Regimento Interno do Superior Tribunal de justiça: "O relator, ainda que não integre a Corte Especial, dela participará no julgamento do incidente, excluindo-se o Ministro mais moderno".
  59. BARBOSA MOREIRA (2002:175) que, definida a tese jurídica a ser aplicada ao caso concreto, poderia surgir outra questão que justificasse a instauração de novo incidente, advertindo, porém, que o ideal é que único incidente estabeleça todas as premissas jurídicas.
  60. Guarda-se ressalva a este entendimento, conforme será visto no item "Novas reflexões acerca do velho instituto".
  61. O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça preconiza que:
  62. RODRIGUES (2010:38) afirma com propriedade: "A expansão das atribuições do Poder Judiciário decorrentes da operação dos direito sociais e de sua nova posição no âmbito dos demais poderes, naturalmente contribuiu para o aumento considerável da massa de ações. Na mesma linha, e seguramente com maior volume, os conflitos decorrentes do modelo de produção e consumo em massa de bens e serviços. Em ambas as frentes, contudo, percebe-se o avanço da demandas repetitivas".
  63. Em artigo intitulado "Tratamento dos Processos Repetitivos", GRINOVER (2008:1) diz que a maior quantidade de processos, os quais acabam atravancando a administração da justiça (e, por conseguinte, comprometendo a efetividade dos pronunciamentos jurisdicionais), constitui-se de causas que discutem questões de direito repetitivas. Consequência: passou a ficar ainda mais evidente, como realça ZAFFARONI (1995: 29), a necessidade da estruturação estatal para a solução das demandas judiciais, a fim de, no dizer propositivo de MANCUSO (2010:313), superar o déficit de confiabilidade social do serviço judicial.
  64. Sobre este tema, disseca CUNHA (2010):
  65. Art. 557. Se o agravo for manifestamente improcedente, o relator poderá indeferi-lo por despacho. Também por despacho poderá convertê-lo em diligência se estiver insuficientemente instruído.
  66. Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
  67. Muito se tem propagado, e com razão, que o indiscriminado duplo grau de jurisdição seria apenas uma etapa necessária ao alcance da solução definitiva, o qual tinha o condão de tornar ilegítima a atividade dos juízos monocráticos. Todavia, pouco se tem feito para resolver esta "crise existencial" que entorna o Poder Judiciário. Conquanto o sistema seja plástico, ele não tem voz própria, sendo imprescindível que os pronunciamentos doutrinários e jurisprudenciais ditem a conjectura que aquele se encontra envolto.
  68. Além dos julgamentos colegiados para a instauração e julgamento do incidente.
  69. Que, no caso, será efetuada pela primeira vez, já que, quando instaurado o incidente de uniformização e firmada a orientação, o pedido cumulativo não havia sido objeto da análise colegiada (tanto fracionária quanto plenária).
  70. Súmula 281 STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada".
  71. Para MACHADO (1993:413), "ainda que ocorra a formação de súmula, a tese nela consagrada não vincula outros tribunais, órgão de primeira instância, nem vincula de forma absoluta o próprio tribunal que a fez nascer, posto que é sempre possível a revisão da tese sumulada".
  72. Como afirma MANCUSO (2010:162), "O direito é um produto cultural, e, assim, cabe-lhe guardar aderência aos acontecimentos emergentes do interno da sociedade, para ir assim respondendo aos novos anseios e interesses por meio da formatação de categorias e institutos que sejam adequados e eficazes. Quando os tribunais decidem os casos concretos mediante suas competências originária e recursal realizam em verdade uma tripla missão: a primeira, imediata, de resolução do caso concreto, dita função ‘dikelógica’; a segunda, mediata, dita função ‘nomofilácica’, viabilizada pela aplicação da norma de regência; a terceira, dita ‘paradigmática’, que se realiza quando vem a ser emitida uma decisão quadro (v.g. nos processos-piloto, representativos de recurso repetitivos) ou quando se forma uma coleção iterativa e homogênea de acórdãos sobre um mesmo tema, permitindo a extração de um entendimento assentado, que servirá de guia para decisão de outros casos análogos".
  73. BUZAID (1985:109) defendia que "reconhecida a divergência, tem o tribunal não apenas o interesse senão o dever de interromper o julgamento da causa pelo órgão a que foi distribuída e proceder à exata interpretação do direito". Com idêntico tom se pronunciava PONTES MIRANDA (1998:26): "Se a turma, câmara ou grupo de câmaras reconhece a discrepância entre os votos ou entre os julgados, nenhum pode deixar de remeter os autos ao presidente do tribunal".
  74. VIGLIAR (2003:122) sustenta que a instauração do incidente de uniformização é "um dever dos tribunais e não de ato discricionário".
  75. De acordo com as lições de DIDIER e CUNHA (2010:571-572), "segundo Vicente Greco Filho, o requerimento da parte não é vinculante, não gerando direito subjetivo processual ao incidente. De fato, a jurisprudência tem entendido que o art. 476 confere uma certa discricionariedade para o tribunal na instauração ou não do incidente. Não parece correto este entendimento. Conforme anunciado, a uniformização de jurisprudência é instrumento indispensável para a segurança jurídica. É preciso examinar este instituto à luz do papel que desempenha a jurisprudência no sistema normativo brasileiro. Preenchidos os pressupostos legais, é possível falar, como afirma José Marcelo Vigliar, no surgimento de um dever de uniformizar, a que corresponderia um direito subjetivo processual de ver harmonizada a divergência jurisprudencial interna corporis. Não suscitado o incidente, não obstante preenchidos os pressupostos, viola-se o art. 476 do CPC, o que autoriza a interposição de recurso especial para o STJ".
  76. GRECO FILHO, Vicente (1989:329).
  77. Não se desconhece, repita-se, que o debate, advindo da divergência, amadurece as conclusões jurídicas, proporcionando o reconhecimento daquela que é (ou deveria ser) a "correta" (a mais "justa"). Todavia, o desrespeito à igualdade (e, por conseguinte, à segurança jurídica) justifica a instauração do incidente, mesmo que as discussões ainda não tenham evoluído a chegarem ao exato "ponto de poda". Tanto é que o incidente de relevância (previsto no § 1.º do art. 555 do CPC) pode ser instaurado antes de qualquer divergência.
  78. Ressalte-se que, se o órgão plenário (ou especial) definir o parâmetro de uniformização, restará superada a divergência com relação aos órgãos inferiores.
  79. Inclusive, há infindáveis precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a instauração do incidente é ato discricionário do órgão julgador. Confira-se: AgRg no REsp 908984/SP, DJe 17/12/2010.
  80. Sendo este também o posicionamento unânime do Superior Tribunal de Justiça. Veja-se: EDcl nos EDcl no RMS 20101/ES, DJU 30/05/2006
  81. O que não retira do Poder Judiciário o dever de identificar a dissonância interna de seus pronunciamentos.
  82. Para DIDIER (2011:71), "a boa-fé é a fonte normativa da proibição do exercício inadmissível de posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a rubrica do ‘abuso do direito’ processual (desrespeito à boa-fé objetiva). Além disso, o princípio da boa-fé processual torna ilícitas as condutas processuais animadas pela má-fé (sem boa-fé subjetiva). Ou seja, a cláusula geral de boa-fé objetiva processual implica, entre outros efeitos, o dever de o sujeito processual não atuar imbuído de má-fé, considerada como fato que se compõe o suporte fático de alguns ilícitos processuais. Eis a relação que se estabelece entre boa-fé processual objetiva e subjetiva. Mas ressalte-se: o princípio é o da boa-fé processual, que, além de mais amplo, é a fonte dos demais deveres, inclusive o de não agir com má-fé".
  83. "O incidente de uniformização de jurisprudência constitui remédio a ser utilizado quando da interposição do recurso principal, sendo incabível sua arguição no âmbito dos embargos de declaração" (STJ. EDcl no AgRg no Ag 1201447/AL. Relator(a) Ministro CELSO LIMONGI. Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA. Data do Julgamento: 17/06/2010. Data da Publicação/Fonte: DJe 02/08/2010).
  84. Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:
  85. Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:

I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência;

II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rinaldo Mouzalas de Souza e; MOUZALAS, Ilcléia Cruz de Souza Neves. O incidente de uniformização dos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2879, 20 maio 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19155. Acesso em: 29 mar. 2024.