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A aplicabilidade da principiologia contratual no âmbito civil-constitucional

A aplicabilidade da principiologia contratual no âmbito civil-constitucional

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INTRODUÇÃO

A aplicabilidade da nova principiologia contratual no âmbito civil-constitucional, bem como a importância da teoria contratual e a preocupação com a banalização do negócio jurídico devem ser analisadas sob o paradigma do Estado Democrático de Direito.

O contrato, hoje entendido sob o prisma civil-constitucional, deve ser compreendido em seus vários aspectos e aplicações, evidenciado pelo fim da demarcação rígida entre a esfera pública e privada, na adoção dos fundamentos constitucionais, mantenedores da segurança jurídica, função social e demais princípios contratuais, como base de toda interpretação infraconstitucional, com a finalidade de demonstrar a principiologia a serviço do contrato, como instrumento hábil à concretização de direitos e satisfação das necessidades da sociedade como um todo.

O estudo do tema proposto permite examinar, com maior precisão, questões como as apresentadas e, outras também, como as relativas, por exemplo, ao Código de Defesa do Consumidor e sua influência no direito contratual, bem como a aplicação de suas normas, ou ainda, a viabilidade de sujeitar o contrato de consumo aos princípios gerais da teoria contratual.

Para responder perguntas como essas e muitas outras decorrentes da complexidade e diversidade das relações contratuais é que o presente trabalho revela sua importância e, tem a pretensão de responder tais questionamentos a fim de demonstrar como e quando a implementação de políticas públicas e os avanços dos direitos dos consumidores permitiram uma integração, ou pelo menos, a influência para uma releitura dos princípios contratuais.

Nesse sentido, a principiologia contratual consumerista também é tratada neste trabalho, não só por ter contribuído para a evolução contratual, mas, principalmente, por sua inteira relação com o hipossuficiente, demonstrando que o contrato é o instrumento capaz de equilibrar as relações, promovendo a integração entre as partes.

Confronta-se, dessa forma, a aplicação dos princípios contratuais e as transformações advindas com a nova teoria contratual e com a constitucionalização do direito civil, analisando o que a nova principiologia trouxe de útil para as relações contratuais e, mais do que isso, para a sociedade em geral.

Repensar, assim, os princípios contratuais e sua atuação em diversas esferas do Direito é o desafio ora encarado, que se inicia pela compreensão dos vários institutos envolvidos no Direito Contratual, perpassando pela evolução histórica do contrato até a concepção atual, civil-constitucional.


Capítulo 1: Do Contrato

1.1 Conceito

O atual Código Civil, assim como o código anterior, não conceitua contrato, que tem seu mote determinado pela doutrina e pela jurisprudência.

Orlando Gomes conceitua contrato como "espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral." [01]

Caio Mário, por sua vez, também conceitua o contrato como negócio jurídico, mas só menciona a bilateralidade:

O contrato é um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. Com a pacifidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. [02]

O contrato, então, é o negócio jurídico inter vivos, que se estrutura como resultado de um acordo de vontades simultâneas, que tanto podem ser contrapostas como convergentes, neste caso, negócio jurídico plurilateral, como ocorre, por exemplo, com o contrato de sociedade, no qual as vontades não são antagônicas.

Vale dizer que, embora o contrato seja uma espécie de negócio jurídico, estes não são sinônimos [03], devendo, nos contratos, existir a emissão de vontades reguladas por lei.

Embora pareça óbvio e pacífico o contrato ainda não atingiu, da forma como deveria, a dimensão e o poder que possui de promover e resguardar os direitos dos contratantes, que muitas vezes, ao revés, ficam subjugados à vontade da parte mais forte na relação.

Um dos problemas encontrados é que duas posições doutrinárias se conflitam, na análise do novo panorama, ambas equivocadas e ideologicamente divorciadas da realidade jurídico-econômica atual: a primeira fecha os olhos às modificações que de fato ocorreram ou as não considera profundas e, assim, continua a tratar o instituto do contrato pela ótica tradicional, como se ainda hoje se mantivesse substancialmente idêntico ao que era no século anterior. A segunda corrente, em atitude igualmente radical e divorciada da realidade contemporânea, propaga a ‘morte’ do contrato, porque já não mais se levaria em conta a vontade dos contratantes no tratamento jurídico do negócio contratual, dando-se como extintas a liberdade de contratar e a autonomia privada. [04]

Mas o importante aspecto que deve ser ressaltado, no direito hodierno, é que a conceituação do contrato deve levar em conta os preceitos constitucionais, conforme se extrai da lição de Paulo Roberto Speziali:

Com a evolução do contrato, seu conteúdo ideológico tornou-se mais complexo, a recomendar uma moldura conceitual mais ampla. O intérprete da atualidade não pode prescindir de um conceito integrado e abrangente do contrato, levando em conta seu conteúdo lógico, econômico, ético e sociológico, bem como sua finalidade social e seus reflexos nas atividades do desenvolvimento humano. Esses fatores informam a construção do contrato no Direito contemporâneo e influem em sua interpretação, em conjunto com os princípios contratuais e gerais do Direito, e o fenômeno do intervencionismo do Estado. Nesse contexto, o contrato deve ser interpretado sob o prisma da própria finalidade do Direito, que é a tutela dos interesses gerais e o bem-estar de todos, instrumento de organização e desempenho do Estado em sua inderrogável tarefa de promover com justiça e equidade o bem público e o progresso social. [05]

Portanto, o contrato deve passar por uma reconceituação, ou melhor, deve ser compreendido para além de seu conceito clássico, que baseava-se na liberdade plena de contratação, de forma a abranger as novas tendências e atenuações modernas que adquiriu com o passar do tempo em seu longo processo de adaptação às necessidades sociais.

Aliás, só se deve entender como contrato o instituto jurídico que preencha os requisitos exigidos pela atualidade, em consonância com a lei, em atendimento a função social que os contratos devem exercer, por toda a importância que têm, sem esquecer que não podem ultrapassar os limites impostos pela boa-fé e pela equidade e, ainda sim, atender à autonomia privada.

1.2 Evolução Histórica

O contrato surge muito antes do Direito Romano, mas neste surge como convenção, acordo de vontades, de forma a regulamentá-lo. Tendo como espécies o pacto e o contrato.

No Direito Romano a concepção de contrato advém da jurisprudência, do imperador e do pretor como um acordo de vontades revestido da forma solene exigida pela lei. Para que o acordo de vontades gerasse efeito era necessário que ele cumprisse todas as formalidades, pois do contrário seria apenas um pacto.

O excessivo rigor formal fez com que o costume romano desse preferência aos pactos, mesmo sabendo que os pactos não poderiam ser exigidos judicialmente. O que culminou com a recepção dos pactos no ordenamento jurídico, daí o brocardo jurídico pacta sunt servanda.

Essa noção romana do contrato perdurou por toda a Idade Média, mas seguiu a tendência de priorizar o consenso sobre a forma, de tal modo que aos poucos a forma deixou de ter importância maior que a própria execução do contrato.

O contrato moderno teve seus contornos traçados pelo jusnaturalismo e pelo direito canônico, que através do princípio da fé jurada permitiu a informalização dos contratos com a retirada das solenidades, que se mantiveram exclusivamente por exigência legal.

No período precedente à Revolução Industrial, praticamente todos os contratos eram paritários, sendo a base da economia européia a agricultura, o extrativismo e o artesanato. Com a invenção das máquinas, iniciou-se uma série de investimentos no setor fabril, aproveitando-se os donos das fábricas da superprodução agrícola. Os investimentos fabris atraíram a mão-de-obra do campo com melhores salários. Com isso, houve um acentuado êxodo rural para os grandes centros urbanos da época. [...] os empregados e os consumidores, adquirentes de produtos, passaram a se submeter ao conteúdo do contrato preestabelecido pelos fabricantes, que detinham o maior poderio econômico. Tudo isso revela, na época, da paridade ou igualdade contratual. Apenas a lei passou a manter a idéia de igualdade das partes contraentes, que se tornou, na realidade, meramente formal, posto que falsa, abstrata e metafísica. [06]

Nesse contexto surge o contrato de adesão e, com ele, um geral descontentamento da população que acaba por ensejar a intervenção estatal na ordem econômica, de forma a restabelecer o equilíbrio das relações contratuais.

Mais tarde esse dirigismo econômico culmina na promulgação do Código de Defesa do Consumidor, reconhecendo-se a hipossuficiência do consumidor como parte menos favorecida na relação.

Agora, no paradigma do Estado Democrático de Direito o contrato está sujeito a uma princiopiologia contratual moderna, voltada para os preceitos constitucionais, de forma a resguardar direitos e garantias fundamentais dos contratantes, conforme será demonstrado na presente pesquisa.

1.3Contrato/Convenção/Pacto

No Direito Romano estão presentes três institutos semelhantes, mas diferentes entre si, denominados contrato (contractum), convenção (conventio) e pacto (pactum).

O contrato tinha um caráter solene destinado à celebração de acordos de vontade, era realizado perante o oficial romano, e, permitia, o cumprimento da obrigação em juízo.

A convenção era um acordo de vontades sem as solenidades previstas no contrato, referente a obrigações de dar, fazer e não fazer. Os pactos e os contratos eram considerados como espécies do gênero convenção.

O pacto, por sua vez, consistia nas demais obrigações que não exigiam formalidades, decorrentes de um dever moral ou ético. Em contrapartida, o pacto não outorgava à parte invocar nenhum tipo de ação, além da exceptio, através da qual era possível defender o bem lesado.

Com o passar do tempo, a forma foi perdendo espaço e só quando a lei exigia que a forma era utilizada. Assim, os contratos e as convenções tornaram-se mais parecidos, hoje são utilizados como sinônimos, como ocorre com a convenção de condomínio, que nada mais é que um contrato e, como tal, pode ser exigido judicialmente.

Assim, também ocorre com os pactos, que podem ser equiparados aos contratos, mas que têm sua terminologia mormente aplicada às clausulas inseridas em determinados contratos, como ocorre, por exemplo, com as cláusulas especiais dos contratos de compra e venda, chamadas de pactos adjetos à compra e venda.


Capítulo 2: Princípios no Direito Contratual

2.1 A importância do sistema principiológico

Adentrar na investigação dos princípios contratuais é imprescindível para o ordenamento jurídico e para aqueles que atuam no universo do Direito, uma vez que tais princípios, como normas que são, influem, diretamente, na concepção das relações do Direito com a sociedade.

Tais concepções moldam as bases a que os juristas irão se reportar, bem como estabelecem as diretrizes para que o estudioso do direito acompanhe e atenda as necessidades sociais.

[...] a visão forte dos princípios jurídicos afasta a precedência hierárquica das regras, abrindo novas possibilidades de ajustar a solução normativa ao caso concreto. Por isso mesmo, seja na função normativa, seja na função hermenêutica, os princípios fundantes do Direito Civil devem ser enfrentados, na busca de uma nova visão desse ramo da Ciência Dogmática do Direito. [07]

Desse modo, a aplicação dos princípios contratuais revela a importância que o contrato atingiu na sociedade e define a socialização do direito contratual na modernidade, já que os princípios são normas e, como normas, implicam um dever ser.

Assim, na aplicação dos princípios contratuais a Constituição da República de 1988 será primordial para nortear a fundamentação e interpretação desses princípios, em atendimento ao processo de constitucionalização que o Direito Civil enfrenta como conseqüência do paradigma do Estado Democrático de Direito.

2.2 Princípios Fundamentais do Direito Contratual

O regime contratual é composto por princípios que desempenham importante função junto à formação dos contratos, servindo de base à liberdade de contratar e trazendo, também, a segurança necessária às relações negociais. Princípios esses, que atuam não só na criação dos contratos, como também orientam a sua duração e sua extinção.

O Direito Contratual conta, especificamente, com alguns princípios fundamentais, quais sejam, princípio da autonomia privada, princípio da obrigatoriedade, princípio da boa-fé, princípio da justiça contratual e princípio da função social do contrato. Tais princípios apresentam-se como conseqüência do desenvolvimento e evolução do direito contratual e orientam o funcionamento e aplicação da nova teoria contratual no ordenamento jurídico brasileiro, motivo pelo qual serão estudados especificamente em capítulo próprio.

Anote-se que o princípio da dignidade da pessoa humana [08], de dimensão social e jurídica imensurável, não foi aqui elencado como princípio fundamental do Direito Contratual.

Essa não inclusão deve-se à importância que tal princípio revela, não só à nova teoria contratual, mas a todo sistema normativo, sendo aqui considerado como princípio constitucional fundamental, antes de ser princípio simplesmente contratual. Mas, não se pretende aqui estabelecer nenhum tipo de hierarquia principiológica, tampouco atribuir valor aos princípios, haja vista que não se pode ignorar o caráter normativo dos princípios, pois possuem conteúdo deontológico e de aplicação, ensejando um dever ser pertencente a um código binário. [09]

Deve, sim, ser observado, principalmente nessa nova perspectiva civil-constitucional que o Direito enfrenta, na qual o indivíduo tem sua importância valorizada, principalmente pela preocupação estatal em salvaguardar seus direitos, mas tal observação deve ocorrer em todos os ramos do direito, em cada caso concreto, sob pena de se comprometer todo o Estado Democrático de Direito.

Essa orientação não afasta sua incidência no campo contratual, reforça, aliás, sua aplicação, mas esclarece que como basilar ao Estado Democrático de Direito, sua especificação como princípio fundamental do Direito Contratual poderia restringir e limitar sua importância, já que tem como fundamento primeiro a ordem jurídica constitucional.

2.2.1 Crise na Principiologia Clássica

O Direito é fenômeno cultural modificável historicamente e jurisprudencialmente, influenciado por circunstâncias sociais, econômicas e políticas que variam ao longo do tempo.

A teoria do contrato tem sofrido neste século numerosos impactos, que os grandes mestres civilistas registram. Alguns de tão profunda percussão que se podem assinalar quatro fases distintas: a primeira: da subsistência da idéia contratualista clássica; a segunda, da decadência ou do declínio do contrato; a terceira, da retomada de prestígio; e a quarta, do surgimento de novas figuras, que se enquadrariam na epígrafe deste estudo com a fixação da "nova tipologia contratual. [10]

As transformações que ocorreram com o contrato e o "surgimento de novas figuras" no Direito Contratual aconteceram em função da massificação, especialização, socialização e incremento das relações contratuais, que viabilizaram a mudança do paradigma do Estado Liberal.

A teoria liberal clássica teve o grande desafio de absorver as mudanças ocorridas no direito contratual desde o século XIX, com o advento dos contratos de adesão, o direito à informação, os mecanismos de nivelamento das relações de poder nos contratos, além do aumento do intervencionismo estatal.

Assim, entender a reação intelectual liberal a tais mudanças é um aspecto essencial para a compreensão do debate contemporâneo sobre teoria contratual e sua repercussão no ordenamento jurídico.

2.2.2 Princípios Gerais do Código de Defesa do Consumidor

A posição de debilidade do consumidor, verificada nas relações de consumo, faz com que o Direito assuma o caráter de proteção para intervir nessas relações de forma a amparar o consumidor em suas relações contratuais.

Tal intervencionismo é norteado por princípios gerais que têm o respaldo do Código de Defesa do Consumidor, na efetivação da aplicação e interpretação das normas referentes aos contratos de consumo.

A existência de princípios de interpretação em favor do devedor evoluiu até chegar ao favor debilis, em benefício do consumidor, e, a seguir, contemplou o cidadão privado. A generalização faz com que se passe de uma visão bilateral a um tipo de estrutural, que leva em conta a posição do indivíduo no mercado. Esta extensão faz com que o Direito Privado assuma um caráter defensivo ao indivíduo em geral sem aditamentos.[...] Os direitos da pessoa começam a ter nova entidade. Se enlaça aqui o Direito Público, que aporta sua teoria dos direitos humanos e fundamentais, e o Direito Privado, com direitos personalíssimos. [11]

Desta feita, o Código de Defesa do Consumidor evoca muitos princípios informadores da nova teoria contratual, com o fim de disciplinar as relações de consumo. Dentre esses princípios destacam-se o princípio da tutela do hipossuficiente, princípio da transparência, princípio da boa-fé, princípio da equidade e princípio da confiança.

Cumpre ressalvar que esses princípios, embora denominados de forma diversa dos princípios fundamentais do Direito Contratual, por serem específicos as relações consumeristas, nada mais são que desdobramentos daqueles, haja vista que, como princípios fundamentais que são, informam todas as relações contratuais, sejam reguladas pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor, assim, por exemplo, temos o princípio da tutela ao hipossuficiente como prerrogativa para se estabelecer a justiça contratual, como ocorre, também, com o princípio da equidade. A exceção é o princípio da boa-fé, adotado, com o mesmo nome, pelo Código de Defesa do Consumidor, Código Civil de 2002, Constituição da República, doutrina e jurisprudência.

2.2.3 Principiologia Moderna

Modernamente, o Direito Contratual não se pauta mais no formalismo exacerbado que vigorava no Direito Romano, em que as partes para contratar deveriam obedecer todas as exigências formais, sob pena de nulidade.

A principiologia tradicional também ficou para trás, caracterizada por valores liberais, que valorizam em demasia o indivíduo, marcada pela igualdade formal, igualdade essa que apenas supõe que as partes estejam em condições iguais no contrato, o que não mais é condizente com o modelo atual de contratar.

Os fundamentos da vinculatividade dos contratos não podem mais se centrar exclusivamente na vontade, segundo o paradigma liberal individualista. Os contratos passam a ser concebidos em termos econômicos e sociais. Nasce a Teoria Preceptiva, na qual as obrigações oriundas dos contratos valem não apenas porque as partes as assumiram, mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas consequências econômicas e sociais. [12]

Hoje, a forma especial de contratar, por exemplo, só é exigida em alguns casos, como na compra e venda de bens imóveis. O que no passado era regra agora é a exceção; os contratos são celebrados, em sua maioria, informalmente.

Para ilustrar a evolução contratual marcada pela socialização do contrato cita-se Marques, segundo a qual:

Esta renovação teórica do contrato à procura da equidade, da boa-fé e da segurança nas relações contratuais vai aqui ser chamada de socialização da teoria contratual. É importante notar que esta socialização, na prática, se fará sentir em um poderoso intervencionismo do Estado na vida dos contratos e na mudança dos paradigmas, impondo-se o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações. A reação do direito virá através de ingerências legislativas cada vez maiores nos campos antes reservados para a autonomia da vontade, tudo de modo a assegurar a justiça e o equilíbrio contratual na nova sociedade de consumo. [13]

Dessa forma, é preciso analisar criticamente o regime contratual composto por princípios que desempenham importante função junto à formação dos contratos, servindo de base à liberdade de contratar e trazendo a segurança necessária às relações negociais.

Ademais, os princípios atuam não só na criação dos contratos, como também orientam a sua duração e sua extinção, razão esta, que torna fundamental o estudo de cada princípio.


Capítulo 3: Os Novos Paradigmas Principiológicos Contratuais e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro

3.1 Da Autonomia da Vontade à Autonomia Privada

A autonomia da vontade ou liberdade contratual já foi considerada a essência do Direito Contratual e, com base nesse princípio, o indivíduo tinha o poder de autodisciplinar suas relações privadas.

A autonomia da vontade é o poder de autodeterminação da pessoa, de autoregular seus interesses, e o negócio jurídico é o instrumento que torna possível concretizar tal poder de autodeterminação. O ordenamento jurídico confere às pessoas esse poder de provocar efeitos jurídicos por meio da prática dos negócios jurídicos em cujo universo inserem-se os contratos. Desse modo, por sua vontade, os contratantes criam relações jurídicas concretas, admitidas e reguladas, in abstrato, na lei, prevendo efeitos em função dos quais estabelecem voluntariamente cláusulas que subordinam o seu próprio comportamento. [14]

A liberdade contratual implica escolher entre contratar ou não contratar, com quem contratar e como contratar, na possibilidade de determinar o conteúdo e as cláusulas do contrato.

É que a lei exige o cumprimento da forma, impondo a descaracterização da autonomia da vontade, não inteiramente, é certo, como não poderia deixar de ser. De modo que o princípio que informa a autonomia da vontade já não mais é a regra, sendo agora exceção. [...] Pode afirmar-se que, nos denominados contratos de adesão, pouco vale a autonomia da vontade: um dos contratantes adere ao contrato-tipo, não discutindo as cláusulas, ficando privado dos benefícios do contrato. [15]

No entanto, essa liberdade, com a evolução dos tempos, foi sofrendo alterações de forma a não mais permitir, por exemplo, cláusulas contratuais que infringissem a moralidade pública, os bons costumes, as normas de ordem pública e atualmente a função social do contrato e os demais princípios norteadores da relação contratual no âmbito civil-constitucional.

O Princípio da Autonomia Privada, acompanhando essa evolução,consiste na liberdade que cada indivíduo tem de contratar ou deixar de contratar. Cada um é livre para declarar sua vontade de produzir efeitos jurídicos, através de um contrato. Além disso, as partes, de acordo com sua vontade, podem livremente escolher as cláusulas, condições e conteúdo do contrato da maneira que melhor lhes aprouver.

Neste diapasão, a despeito de opiniões contrárias, como a dos renomados autores, Caio Mário [16] e Orlando Gomes [17], que tratam a autonomia privada e o consensualismo como princípios distintos, o presente trabalho, por toda renovação da teoria contratual, coloca o consensualismo como resultado da convergência da manifestação da vontade dos partícipes do contrato, que representa a autonomia privada das relações contratuais.

Portanto, o consensualismo será aqui analisado como expressão e conseqüência da autonomia privada, ou até mesmo como sub-princípio, mas, não ensejando estudo em capítulo apartado.

Ademais, não se pode admitir o consensualismo do período clássico, decorrente da autonomia da vontade plena, em que não se cogitava as funções sociais originárias do contrato, época essa, em que prevalecia o indivíduo e todo o seu egoísmo perante a sociedade.

A visão moderna do consensualismo, hoje adotada, é muito diferente da empregada pelos romanos. O formalismo exacerbado deu lugar ao consentimento capaz de formar o contrato sem preencher requisitos formais como era no passado. Como foi dito anteriormente, embora existam contratos solenes, que exigem certas formalidades, o consensualismo prevalece sobre a forma.

Para que o contrato exista é preciso que as partes manifestem a declaração convergente de vontades, tanto em relação ao objeto da avença, quanto ao seu respectivo conteúdo.

Do mesmo modo, o contrato, em sua nova concepção social, deve observar não só o momento da declaração da vontade, que representa nada mais nada menos que o consenso, mas principalmente a repercussão jurídica do contrato na sociedade e, para isso, deve atentar para a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas.

Nessa seara, como as partes já não negociam mais o conteúdo do negócio jurídico na contratação massificada e, como conseqüência, há uma limitação à autonomia da vontade para atingir o equilíbrio da relação contratual e a igualdade real, imposta pelo Estado como prioridade, tem-se a concepção de autonomia privada.

Assim, é possível inferir que os contratos de adesão comprometem o princípio da autonomia privada, pois a declaração de vontade do aderente fica submetida à vontade do predisponente que elaborou o conteúdo do respectivo contrato, daí a importância da ingerência estatal a fim de restabelecer o equilíbrio contratual.

Cumpre ressaltar que a liberdade de contratar sofre limitações e, apesar da autonomia privada ser a regra, a lei impõe limites. O interesse social deve prevalecer com relação ao interesse individual sempre que não forem compatíveis.

O artigo 421 do Código Civil de 2002 enfatiza essa idéia de que a liberdade de contratar deve ocorrer em razão e nos limites da função social do contrato. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor limitou o campo de atuação desse princípio em alguns aspectos de forma a equilibrar a relação contratual que tem no consumidor a parte mais fraca, até mesmo sobrepondo-se à vontade do contratante.

Há que se falar, ainda, que em um contrato, quando as partes deixam de manifestar a respeito de determinadas circunstâncias, a vontade que se presume é aquela estabelecida em lei, mesmo que a posteriori, uma das partes manifeste-se de forma diversa, já que mesmo não se tratando de normas cogentes, que podem ser livremente pactuadas pelas partes, até mesmo de forma diversa do dispositivo legal, a não manifestação dos contratantes importa absorção da expressão legal.

A aplicação do princípio da autonomia privada não pretende uma contraposição entre a autonomia do indivíduo e a vontade estatal, ao contrário, a tentativa é conciliar tais perspectivas, que dissociadas ou opostas acabam por comprometer a eficácia do contrato, que em última instância é a concretização da segurança jurídica almejada pelo Estado através do particular.

Observa, assim, Ricardo Luiz Lorenzetti:

O Estado requer um Direito Privado, não um direito dos particulares. Trata-se de evitar que a autonomia privada imponha suas valorações particulares à sociedade; impedir-lhe que invada territórios socialmente sensíveis. Particularmente, trata-se de evitar a imposição a um grupo, de valores individuais que lhe são alheios. Aqui faz seu ingresso a ordem pública de coordenação, e de direção. Por outra parte, os valores coletivos, que se traduzem juridicamente em obrigações, não devem enfraquecer, mas completar e ajustar a normativa individual. Trata-se de valores legais que concorrem com a autonomia privada para produzir um efeito jurídico determinado. Quando se diz que o contrato causa obrigações, faz-se referência a valores individuais; quando se alude a obrigações imperativas, implicam-se valorações coletivas. [18]

O dirigismo estatal, nesse sentido, coloca as necessidades sociais como prioridade, em nome da ordem pública, que estaria comprometida caso a liberdade contratual do indivíduo manifestasse-se de forma plena e absoluta sem sofrer qualquer tipo de limitação.

Dessa forma, a autonomia privada, que não afasta as normas de intervenção que visam à proteção do declarante da vontade, admite a mudança dessa vontade, que se dará pela intervenção processual, capaz de garantir igualdade de oportunidades em havendo diferenças socioeconômicas consideráveis.

3.2 Princípio da Obrigatoriedade

A obrigatoriedadese contrapõe ao princípio da autonomia privada,uma vez que, se há liberdade para contratar, havendo contrato, este deverá ser cumprido, para que não desapareça a segurança nas relações contratuais.

Observados os requisitos e pressupostos de validade do contrato o princípio da obrigatoriedade invoca o cumprimento avençado livremente pelas partes na celebração do contrato.

Esse princípio assegura o cumprimento do contrato vinculando as partes para essa finalidade, conforme nos ensina o saudoso mestre Caio Mário:

O contrato obriga os contratantes. Lícito não lhes é arrependerem-se; lícito não é revogá-lo senão por consentimento mútuo; lícito não é ao juiz alterá-lo ainda que a pretexto de tornar as condições mais humanas para os contratantes. Com a ressalva de uma amenização ou relatividade de regra [...], o princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada. A ordem jurídica oferece a cada um a possibilidade de contratar, e dá-lhe a liberdade de escolher os termos da avença, segundo as suas preferências. Concluída a convenção, recebe da ordem jurídica o condão de sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado o contrato, com observância dos requisitos de validade, tem plena eficácia, no sentido de que se impõe a cada um dos participantes, que não têm mais liberdade de se forrarem às suas consequencias, a não ser com a cooperação anuente do outro. Foram as partes que escolheram os termos de sua vinculação, e assumiram todos os riscos, a elas não cabe reclamar, e ao juiz não é dado preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocaçao de princípios de equidade, salvo a intercorrência de causa adiante minudenciada. [19]

Ocorre que o princípio da obrigatoriedade não é absoluto, visto que uma das partes pode deixar de cumprir suas obrigações invocando, por exemplo, a exceção de contrato não cumprido, que consiste no inadimplemento de uma das partes, o que permite a outra parte escusar-se do adimplemento de obrigação posterior (exceptio non adimpleti contractus).

Ressalte-se que a aplicação dessa teoria restringe-se aos contratos bilaterais, pela própria natureza do instituto, no qual se estabelecem direitos e obrigações recíprocas.

Outra hipótese que caracteriza a relatividade desse princípio é a ingerência estatal e a possibilidade de revisão judicial dos contratos nos casos de desequilíbrio da relação negocial.

Mas, a relatividade dessa obrigatoriedade foi uma conquista da nova teoria contratual, posto que no período liberal a força obrigatória dos contratos era regra que não podia ser quebrada, independentemente da superveniência de fatos extraordinários ou imprevisíveis, que culminassem em onerosidade excessiva para uma das partes ou comprometessem o equilíbrio da relação contratual. Prevalecia o brocardo pacta sunt servanda.

Não obstante, o princípio da obrigatoriedade continua a ser aplicado, com a relatividade conquistada ao longo da evolução da teoria contratual, tendo força vinculante pelo fato de ser estipulado livremente pelas partes que se predispuseram a impor restrições recíprocas à própria liberdade em consonância com seus respectivos interesses.

Nessa esteira, uma vez celebrado, o contrato deverá ser cumprido, desde que seus pressupostos e requisitos de validade tenham sido observados. Prevalecendo, portanto, ainda, nos dias atuais, o princípio da obrigatoriedade, com as ressalvas feitas à sua relatividade, para resguardar os interesses das partes que espontaneamente se vincularam, com o respaldo estatal que busca sempre a segurança jurídica como um dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

3.3 Princípio da Boa-fé

Visualizado como basilar à nova realidade contratual, está o Princípio da Boa-fé, não só por limitar o princípio da autonomia privada, mas também por desempenhar função importante junto à criação de novos deveres contratuais.

A boa-fé, hoje positivada pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, torna imprescindível sua aplicação, graças ao reconhecimento do legislador, que acompanhando as tendências e valores da Carta Magna de 1988 reforçou o campo de atuação de tão importante princípio.

Antes, porém, é preciso analisar o princípio da boa-fé, em seus dois sentidos, boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva, não só para diferenciá-los, mas, principalmente para compreender melhor o princípio contratual da boa-fé.

3.3.1 Boa-fé Subjetiva

A boa-fé subjetiva refere-se a uma qualidade atribuída a uma pessoa, que representa o estado psicológico relativo ao conhecimento ou desconhecimento do injusto.

Nesse sentido a boa-fé subjetiva corresponde ao estado psicológico e de ânimo do agente, bem como à sua intenção e ao seu convencimento na realização de determinado ato ou fato sem consciência do vício ai existente.

Em geral, a boa-fé subjetiva representa o estado de ignorância de determinado agente, sendo invocada para resguardar seus direitos, como "prêmio" por ter agido com a crença de que estava em conformidade com a lei e que sua conduta não violava os direitos de outra pessoa.

A boa-fé subjetiva, assim, não pode ser confundida com a boa-fé objetiva, pois aquela tem incidência maior nas relações do tipo real, como usucapião, artigo 1.238 e seguintes do Código Civil, enquanto esta é princípio fundamental do Direito Contratual, prevista no artigo 422 do Código Civil.

3.3.2 Boa-fé Objetiva

O princípio da boa-fé objetiva deve ser entendido como o responsável pelo cumprimento, ou não, dos deveres decorrentes das obrigações principais assumidas pelas partes, de modo a identificar qual utilidade resultará para os contratantes com o seu cumprimento.

É, dessa forma, uma regra objetiva de conduta, um dever de prestação mais amplo que o convencionado, um modo de proceder, acarretando assim, uma série de deveres que se encontram implícitos ao negócio jurídico realizado.

Dentre esses deveres podemos destacar o dever de lealdade, de informação, assistência técnica, transparência etc, de tal modo que a boa-fé seja o ajuste capaz de diminuir a diferença sócio-econômica dos contratantes, ao tutelar a conduta do contratante mais forte em relação ao hipossuficiente.

O Código Civil atual incluiu o princípio da boa-fé objetiva em seu artigo 422, estabelecendo que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Lembrando que a interpretação aqui deve ser extensiva, de forma a abranger a fase pré e pós-contratual e incidir em todos os contratos.

Em consonância com esse sentido de boa-fé objetiva é que os contratos em geral devem observar referidos padrões de conduta, na constante preocupação com a função social dos contratos, que jamais se realizará se a boa-fé objetiva não estiver presente.

Caio Mário assim explana sobre o princípio da boa-fé:

O princípio da boa-fé, apesar de consagrado em norma infraconstitucional, incide sobre todas as relações jurídicas na sociedade. Configura cláusula geral de observância obrigatória, que contém um conceito jurídico indeterminado, carente de concretização segundo as peculiaridades de cada caso. A boa fé referida no art. 422 do Código é a boa-fé objetiva, que é característica das relações obrigacionais. Ela não se qualifica por um estado de consciência do agente de estar se comportando de acordo com o Direito, como ocorre com a boa-fé subjetiva. A boa-fé subjetiva não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente, mas sim ao seu comportamento em determinada relação jurídica de cooperação. O seu conteúdo consiste em um padrão de conduta, variando as suas exigências de acordo com o tipo de relação existente entre as partes. A boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres jurídicos( dever de correção , de cuidade, de segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e ruptura de direitos. A positivação deste princípio certamente em mto contribuiu para o seu desenvolvimento na doutrina e jurisprudencia brasileiras. Na apuração da conduta contratual, em face da probidade e boa-fé, exigidos pelo artigo, o juiz não pode deixar de se informar dos usos, costumes e práticas que os contratantes normalmente seguem, no tocante ao tipo contratual que constitua objeto das cogitações no momento, ou em torno do qual surge o litígio. [20]

Em uma sociedade moderna, voltada para o indivíduo como partícipe de uma coletividade, não se pode admitir que as partes sobreponham sua vontade de tal maneira que ultrapassem os limites da boa-fé, agindo de maneira desleal ou desonesta, daí a importância desse princípio, que deverá ser visualizado sempre pelo julgador em havendo descumprimento por alguma das partes, antes, durante, ou após, a celebração do contrato.

3.4 Princípio da Justiça Contratual

O presente princípio pressupõe uma igualdade entre as partes, de modo a estabelecer direitos e obrigações correlatos, antes, durante e após a execução do contrato.

Mas essa igualdade não pode ser analisada simplesmente pela ótica formal, deve buscar a efetivação da igualdade real ou concreta das partes, na relação jurídica.

A incessante busca pela justiça contratual deve atentar para o fato de que, diante de um caso concreto, o julgador, em seu fundamental papel de aplicar a norma, deve utilizar-se do sistema principiológico para alcançar a igualdade real, já que a lei na maioria das vezes não é capaz de promover a justiça distributiva.

A promoção do nivelamento da situação econômico-financeira e do reequilíbrio da relação entre os contratantes no próprio contrato é de fundamental importância, pois possibilita que a parte menos favorecida, ou o hipossuficiente, possa obter, proporcionalmente, as mesmas vantagens e desvantagens que o outro partícipe obteve, na celebração do contrato.

A intervenção da nova ordem jurídica no domínio do contrato não visa abolir o princípio substancial da igualdade entre os contratantes; ao contrário, ao tutelar a parte débil e vetar ou alterar as cláusulas que lhe são perniciosas, o que realmente promove é o equilíbrio e, consequentemente, a igualdade efetiva dos contratantes. [21]

Assim, segurança jurídica e estabilidade devem ser entendidas como diferentes de imutabilidade, haja vista que o eixo contratual é a justiça, porque o injusto traz insegurança.

O contrato deve ser equilibrado, a idéia de justiça é a de equitatividade, paridade, idéia de justiça corretiva. Serve para corrigir qualquer injustiça contratual.

Desse modo, o contrato deverá observar a justiça formal e a justiça substancial, como resultado do respeito à igualdade formal e material das partes envolvidas, donde se presumirá a justiça contratual.

3.5 Princípio da Funcionalidade do Contrato

O Direito deve atender as necessidades sociais de forma a equilibrar as relações, permitindo que os contratos cumpram sua primordial função [22], qual seja, a função social, como fenômeno de socialização do contrato, que abrange, em sua concepção, as demais funções, traduzindo assim, a função econômica, pedagógica, normativa etc.

Significativamente, a funcionalidade do contrato deve ser compreendida como princípio informador de toda relação contratual, capaz de se sobrepor à vontade das partes a fim de preservar o interesse comum.

O legislador atentou aqui para a acepção mais moderna da função do contrato, que não é a de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes, como se ele tivesse existência autônoma, fora do mundo que o cerca. Hoje o contrato é visto como parte de uma realidade maior e como um dos fatores de alteração da realidade social. Essa constatação tem como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos. A função social do contrato, portanto, na acepção mais moderna, desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estao no exercício da autonomia da vontade. O reconhecimento da inserção do contrato no meio social e da sua função como instrumento de enorme influência na vida das pessoas, possibilita um maior controle da atividade das partes. Em nome do princípio da função social do contrato se pode, v.g., evitar a inserção de cláusulas que venham injustificadamente prejudicar terceiros ou mesmo proibir a contratação tendo por objeto determinado bem, em razão do interesse maior da coletividade. A função social do contrato é um princípio moderno que vem a se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade de seu conteúdo e da relatividade dos seus efeitos. Como princípio novo ele não se limita a se justapor aos demais, antes pelo contrário vem desafiá-los e em certas situações impedir que prevaleçam, diante do interesse social maior. [23]

Nessa mesma linha, o contrato tem por escopo a realização dos interesses individuais, tendo no princípio da funcionalidade um limite, nos casos em que o interesse social for conflitante ao individual, de forma que deva prevalecer.

Esse compromisso não pode estar apenas na esfera teórica, muito antes pelo contrário, deve ser aplicado a cada caso concreto de modo a prevalecer a justiça e a equidade, presentes no equilíbrio de prestações recíprocas.

Pois, de nada adiantaria um contrato de valioso potencial econômico e financeiro se fosse negativa sua repercussão social, ou, se seus efeitos, pudessem comprometer a coletividade.

A funcionabilidade do contrato, ao decorrer do tempo, ampliou-se. Isso porque o contrato faz parte do cotidiano, presente no dia-a-dia de cada cidadão, independentemente de sua condição financeira.

Daí a preocupação do legislador, que preferiu estabelecer expressamente o princípio da função social dos contratos, na redação do art 421, do atual Código Civil: a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

A fim de cumprir a função social dos contratos é que o referido diploma legal consagra a resolução por onerosidade excessiva, anula o contrato celebrado em estado de perigo, admite a rescisão do contrato lesivo, desaprova o enriquecimento sem causa, pois descumprir tal princípio significa atentar contra direitos fundamentais e indisponíveis do contratante, atingindo também toda a coletividade, servindo como apanágio de abusos.

O princípio da funcionalidade dos contratos, dessa forma, só concretiza-se quando coaduna interesses individuais e coletivos.

Como visto, o princípio da função social dos contratos, assim como os demais princípios contratuais, deve ser encarado não só como parâmetro interpretativo, mas como norma de caráter imperativo, devendo ser observado sempre que se tratar de contrato.

Por fim, registre-se que a aplicação do princípio da funcionalidade dos contratos está intimamente relacionada a nova perspectiva civil-constitucional enfrentada pelo Direito Privado, tendo na Constituição da República as diretrizes que deverão informar todo o sistema principiológico contratual.


Capítulo 4: Novas Perspectivas e Atenuações Modernas do Contrato

4.1 A Contribuição do Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor promulgado em 1990, em atendimento ao disposto pelo Poder Constituinte de 1988, no artigo 48, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, apresenta-se como um complexo de normas imperativas, protetivas e eqüitativas, como reflexo da intervenção estatal na esfera privada.

Nessa linha, é possível dizer que foi, atendendo às diretrizes ditadas pelo constituinte de 1988, que o legislador do Código de Defesa do Consumidor, em momento de extrema felicidade, no tocante à observância dos princípios constitucionais fundamentais – da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade substancial, integrantes do Estado Social de Direito, optou por prestigiar incisivamente os princípios da boa-fé e do equilíbrio das prestações, que, inequivocamente, restringem a importância antes conferida à vontade individual. [24]

As relações de consumo, principalmente as decorrentes de contratos de adesão, que atualmente são as mais freqüentes, embora sejam quase sempre celebradas entre particulares, não mitigam o interesse público, haja vista a repercussão social ocasionada, tanto pela fragilidade de uma das partes, no caso o consumidor, tanto pela dimensão dos interesses envolvidos, como também pela segurança jurídica que tanto interessa ao Estado.

Em matéria de contratos, hoje avulta a importância do Código de Defesa do consumidor. Entretanto a unidade do ordenamento não está confiada nem à continuidade dos valores do vetusto Código Civil, nem aos valores emergentes na forma da legislação extravagante, freqüentemente contraditórios e conflituais, mas aos valores e princípios constitucionais. [25]

Dentre as contribuições do Código de Defesa do Consumidor destaca-se a limitação à liberdade de contratar, a relatividade da obrigatoriedade contratual e a promoção da confiança, transparência e lealdade dos contratantes, já explicadas detalhadamente no Capítulo anterior.

O Código de Defesa do Consumidor tem a função primordial de equilibrar a situação de desigualdade estabelecida entre os partícipes do negócio jurídico, no exato momento em que intervém na esfera contratual e restaura o equilíbrio que estava prejudicado pela desigualdade substancial dos contratantes.

O CDC não instituiu somente um novo controle formal dos contratos de consumo, controle da manifestação da vontade livre e refletida, mas institui também um controle do conteúdo dos contratos de consumo, controle da eqüidade de suas cláusulas de suas prestações e contraprestações, dos direitos e deveres dele resultantes, controle que será exercido pelo Poder Judiciário, com a ajuda do Ministério Público e das Entidades de Proteção ao Consumidor, e que tem se mostrado eficaz nestes mais de dez anos em vigor. [26]

Cabe, desse modo, ao Ministério Público a legitimidade para tutelar os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, como pressuposto de sua finalidade institucional de defesa dos interesses sociais, devendo atuar judicialmente ou extrajudicialmente, de forma a assegurar e proteger os interesses dos consumidores, direitos esses previstos no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição da República de 1988.

A tutela processual aos titulares desses interesses (individuais e coletivos) se dá de acordo com os instrumentos fornecidos pela legislação própria, destacando-se, para os interesses transindividuais (individuais homogêneos, coletivos e difusos), a proteção a título preventivo ou repressivo de dano, por meio da ação civil pública e da ação popular. [27]

São, portanto, de ordem pública, as normas que regulam as relações consumeristas, tendo o Estado dever de promover a igualdade substancial dos consumidores, principalmente nas contratações em massa.

4.2 Inovações do Código Civil de 2002

As inovações trazidas pelo Código Civil de 2002, em matéria contratual, perpassam pela liberdade de contratar de cada indivíduo que só poderá ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores fundamentais da boa-fé e da justiça contratual.

Esse diploma legal recepcionou a nova concepção social do contrato reconhecida expressamente em seus artigos 421 [28] e 422 [29], ressalvando que tais dispositivos aplicam-se aos contratos em geral e, não apenas, aos contratos de adesão.

Para os contratos de adesão o codificador civilista trouxe no artigo 423 que a interpretação das cláusulas contratuais é feita sempre contra aquele que redigiu o instrumento, adotando a interpretação mais favorável ao aderente sempre que as cláusulas forem ambíguas ou contraditórias.

O Novo Código Civil também inovou em matéria contratual ao abordar matérias que não eram abordadas no Código anterior, como o contrato preliminar, contrato com pessoa a declarar, a resolução por onerosidade excessiva, venda com reserva de domínio, venda sobre documentos, contrato estimatório, comissão, agência, distribuição, corretagem e contrato de transporte.

Destaca-se, portanto, como inovação trazida pelo referido diploma legal, o contrato como instituto moderno do Direito, orientado pela nova teoria contratual, atento aos anseios sociais, nos exatos termos da função social, probidade, justiça contratual e boa-fé.

4.3 Interesse Público na Esfera Privada do Direito Contratual e o Âmbito civil-constitucional do Contrato

No direito atual o indivíduo ganha papel de destaque, com a preponderância da segurança jurídica, da proteção da vida e da garantia da dignidade da pessoa humana, seja através do reconhecimento da vulnerabilidade e hipossuficiência, seja pela solidariedade social ou funcionalidade dos institutos jurídicos.

Hodiernamente, foram editadas normas jurídicas de ordem pública e claro interesse social, reguladoras das cláusulas contratuais, que limitam a vontade das partes e afastam a possibilidade do contratante, hipossuficiente, dispor de seus direitos ao contratar.

In facto, o dirigismo deita efeitos tanto sobre os princípios gerais que governam obrigações e contratos edificados à época do liberalismo puro – como sobre a própria contratação, compreendendo a própria formação e a execução dos contratos. [30]

Adotar os preceitos constitucionais, na resolução de conflitos da esfera privada foi a saída encontrada pelo ordenamento jurídico, ao reconhecer a função social de institutos jurídicos como o contrato e a propriedade.

A função social do contrato, estabelecida a partir dos postulados, da boa-fé objetiva e da lealdade entre os contratantes não pode ser entendida, obviamente, como algo incompatível com a segurança jurídica. Sem esta segurança é claro que não se viabiliza a realização concreta dos fundamentos e objetivos permanentes do Estado Democrático de Direito, onde a preservação do ato jurídico perfeito e do direito adquirido se apresenta como condição sine qua non da estabilidade das relações sociais. [31]

Perlingieri, nesse sentido, entende o ordenamento jurídico como um conjunto unitário de normas, tendo a Constituição da República como a norma fundamental do ordenamento jurídico e, haja vista a possibilidade de ela ser aplicada nas relações interprivadas é possível inferir que a aplicação do princípio da boa-fé a todas as relações contratuais, não apenas as de consumo, é uma decorrência do reconhecimento da normatividade dos princípios constitucionais. [32]

A renovação do direito civil brasileiro tem no chamado "direito civil constitucional" o seu mais firme ponto de apoio. O reconhecimento da incidência dos valores e princípios constitucionais no direito civil reflete não apenas uma tendência metodológica, mas a preocupação com a construção de uma ordem jurídica mais sensível aos problemas e desafios da sociedade contemporânea, entre os quais está o de dispor de um direito contratual que, além de estampar operações econômicas, seja primordialmente voltado à promoção da dignidade da pessoa humana. [33]

A previsão constitucional do princípio da boa-fé corrobora a importância da segurança jurídica nas relações contratuais, priorizando a lealdade entre as partes em detrimento do formalismo.

A nova teoria contratual conta também com o princípio da tutela do hipossuficiente, que deriva do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 5º, da Constituição da República, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Com esse propósito foi editado o Código de Defesa do Consumidor, a fim de garantir a tutela ao hipossuficiente ao se estabelecer a igualdade substancial, das partes, com a proteção aos direitos do consumidor.

Nesse aspecto as partes são consideradas iguais, mas tal igualdade deve ser material, pois de nada adiantaria a igualdade formal se no caso concreto os sujeitos da relação não dispõem de iguais condições de contratar ou falta-lhes oportunidades, a ingerência estatal é de grande importância no estabelecimento dessa igualdade.

Assim, o economicamente debilitado ou aquele que se encontra em posição de fragilidade, deve ser privilegiado por normas capazes de conferir a igualdade real a esses partícipes, na busca pelo equilíbrio das relações contratuais, no combate a desproporção que gera injustiças e insegurança jurídica.

A perspectiva que privilegia as situações subjetivas existenciais do ser humano, preconizada pelo direito civil constitucional, revela-se, logo, ainda mais interessante, na medida em que, decorrendo da cláusula geral de tutela da personalidade humana, prevista na Constituição, coloca-se em nível superior no ordenamento, vocacionada a proteger a pessoa, qualquer que seja a participação em uma relação contratual. [34]

Além disso, o contrato para que produza seus efeitos e tenha repercussão jurídica e social deverá atender não só aos princípios contratuais, mas também atender aos princípios constitucionais fundamentais, sem os quais o contrato careceria de seus efeitos essenciais, representados pela funcionalidade, equidade e segurança jurídica e dignidade da pessoa humana. O contrato só pode ter força vinculante se observar esses princípios, estabelecendo o equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos.

O destaque dos elementos sociais impregnará o direito privado de conotações próprias, eliminando os resquícios ainda existentes do individualismo e do formalismo jurídico, para submeter o Estado brasileiro a uma ordem baseada em valores reais e atuais, em que a justiça social é fim último da norma, equilibrando-se mais os diferentes interesses por ela regidos, à luz de uma ação estatal efetiva, inclusive como a instituição de prestações positivas e concretas por parte do Poder Público para a fruição pela sociedade dos direitos assegurados. [35]

É difícil imaginar no direito atual um interesse particular que se desvincule em absoluto do interesse público, ou ao contrário, um interesse público, que em última instância não pretenda resguardar interesses individuais e promover a dignidade da pessoa humana.

De ordem pública são os temas respeitantes ao bem público, em que se impõe a vedação de ajustes contrários à moral ou aos bons costumes. Nesse campo subordina-se a vontade individual ao interesse coletivo, por meio de normas cogentes. Mas o conceito flutua ao sabor da consciência popular, em determinado momento e em cada Estado, alargando-se à medida que este vem assumindo posições na esfera privada (por exemplo, em matéria de locação, de seguros, de transportes, de direitos autorais, tradicionalmente inseridos do âmbito privado, normas de ordem pública têm se insinuado com freqüência, alterando substancialmente a visão privatista). [36]

Com isso, a dicotomia Direito Público e Direito Privado está mitigada, uma vez que a clássica divisão entre interesse individual e coletivo fundem-se para proteger o cidadão como partícipe da sociedade. O que se percebe, em alguns aspectos, é a preponderância de interesses privados, outras vezes, a preponderância dos interesses públicos, mas nunca estão dissociados.

O conteúdo civil das normas constitucionais deve ser delimitado em função do caráter material, estando constituído por aquelas regulamentações relativas à pessoa, a sua dimensão familiar e patrimonial, às relações jurídicas privadas gerais. A este critério material, deve ser adicionado outro de índole formal, derivado do caráter de norma fundamental que tem a Carta Magna, e, por isto, trata-se de normas destinadas a fixar as bases mais comuns e abstratas das relações civis. [37]

Enfim, o que se evidencia com a nova perspectiva civil-constitucional é o fim da demarcação rígida entre a esfera pública e privada, na adoção dos fundamentos constitucionais, mantenedores da segurança jurídica e da função social dos contratos, como base de toda interpretação infraconstitucional.


3 CONCLUSÃO

Através da análise comparativa entre as diversas fontes da pesquisa e de sua interpretação crítica, na busca da contextualização de suas relações com o direito contratual, direito do consumidor e direito constitucional é possível compreender e aplicar a principiologia contratual de maneira adequada e compatível com as necessidades trazidas pela modernidade, tanto no âmbito jurídico, quanto econômico e social.

O longo caminho percorrido pelo contrato, conforme foi analisado, caracteriza toda a socialização do instituto, com a inserção de princípios como a funcionalidade do contrato e a releitura de princípios clássicos que ganharam conteúdo e preocupações coletivas.

Os princípios trazidos pela nova teoria contratual são muito importantes, mais importantes até que os artigos de lei e, por isso, a necessidade de políticas públicas capazes de fomentar a aplicabilidade dessa nova realidade contratual.

Nessa finalidade o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor devem voltar-se para a implementação dessas políticas públicas, haja vista que o essencial não é saber como reparar o dano (lei), mas como evitar o dano (princípio), mesmo porque alguns danos são irreparáveis.

O Estado continua com a visão paternalista de que o consumidor não sabe defender-se, como ocorria no paradigma do Estado Social, mas por trás dessa proteção excessiva o Estado tenta mascarar suas falhas em não conseguir garantir os direitos fundamentais, intervindo em demasia na autonomia individual, que traduz a publicização do Direito Civil, caracterizada principalmente pela desmedida ingerência estatal no âmbito privado.

A proteção ao consumidor deve existir, porque ele realmente encontra-se em posição inferior, mas precisa existir, com maior razão de ser, a garantia dos direitos fundamentais, como a educação, para que o consumidor atinja uma posição de igualdade real, sem que esta precise ser feita pelo Estado.

O que ora defende-se é a constitucionalização do Direito Civil, como fenômeno moderno, que assegura que as normas de direito positivo estarão sujeitas ao crivo dos preceitos fundamentais do direito constitucional, como pretendeu o legislador ao elaborar o Código de Defesa do Consumidor e como devem ser efetuadas a interpretação e aplicação das normas civis, sempre em conformidade com a orientação trazida pela Constituição da República.

Observa-se, na atualidade, uma grande produção legislativa, oscilação na jurisprudência, mas os princípios são perenes, embora não sejam estáticos, daí a importância que exercem nas relações contratuais, devendo ser observados em todo o ordenamento jurídico.

Cumpre ressaltar, que a evolução dos princípios contratuais, apesar do implemento ocasionado pelo advento do Código de Defesa do Consumidor e pelo atual Código Civil, é muito mais um fenômeno social do que propriamente jurídico. Demonstrando mais uma vez que a realidade antecipou-se ao legislador, que apenas, mas não menos importante, adequou a legislação aos fatos.

Assim, a Constituição deve ser compreendida, em relação ao direito civil, como o centro de interpretação, a partir do qual as demais fontes normativas buscam sua essência, em prol da concepção moderna do indivíduo e sua dignidade e, a partir daí, a função social exercida pelo contrato.

As normas infraconstitucionais deverão ser apreciadas a luz da Constituição, sob pena de serem consideradas nulas de pleno direito, já que os princípios contratuais têm o respaldo constitucional para sua aplicabilidade e validade.

Isso ocorre porque a Constituição da República é norma fundamental e pode ser aplicada nas relações interprivadas, possibilitando dessa forma entender a aplicabilidade da nova principiologia a todas as relações contratuais, em decorrência do reconhecimento da normatividade dos princípios constitucionais.

Com o anseio de atingir o tão almejado equilíbrio contratual, na sociedade atual, os princípios serão fundamentais para limitar os abusos freqüentes e ajustar a discrepância existente entre os contratantes, através da legitimação da autonomia privada, da proteção dos direitos e garantias fundamentais, da valorização dos princípios informadores do direito contratual, em seu âmbito civil-constitucional.

Além disso, o contrato para que produza seus efeitos e tenha repercussão jurídica e social deverá atender não só aos princípios contratuais, mas também atender aos princípios constitucionais fundamentais, sem os quais o contrato careceria de seus efeitos essenciais, representados pela funcionalidade, equidade, segurança jurídica e dignidade da pessoa humana. O contrato só pode ter força vinculante se cumprir sua função social, estabelecendo o equilíbrio entre os interesses individuais e coletivos.

Cabe, dessa forma, ao intérprete do Direito, na aplicação da norma, atender aos preceitos constitucionais juridicamente possíveis consolidando o interesse social na busca do resultado útil.

Acompanhar essas mudanças não só é dever do jurista como é também uma necessidade capaz de mudar o rumo das relações contratuais.


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Notas

  1. GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.4.
  2. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003. p. 07.
  3. "Não há porque confundir-se contrato com policitação, dado que o contrato abraça o concurso de duas vontades, uma delas promete algo à outra, anuindo esta com a promessa feita. Já a policitação fica apenas na promessa ainda inaceita. Logo, há na policitação tão-só oferta, que depende do futuro. Se o futuro devedor convier com ela , haverá contrato. Donde até o momento da aceitação ser lícito ao ofertante retirar a oferta." VALLE, Christino Almeida do. Contratos: teoria, prática e jurisprudência. Rio de Janeiro: Aide Ed.,1993. p. 31.
  4. ROPPO, Enzo. O contrato, trad. portuguesa, Coimbra, Almedina, 1988. p.296
  5. SPEZIALI, Paulo Roberto. Revisão Contratual. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 04.
  6. LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2.ed. rev. e atual. em conformidade com o Novo Código Civil. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 41-42
  7. LIMA, Taisa Maria Macena de. Princípios fundantes do direito civil atual. In NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito civil: atualidades. – Belo Horizonte: Del Rey: 2003. p.257
  8. "o princípio da dignidade da pessoa humana, não obstante a sua inclusão no texto constitucional, é, tanto por sua origem quanto pela sua concretização, um instituto basilar do direito privado. Enquanto fundamento primeiro da ordem jurídica constitucional, ele o é também do direito público. Indo mais além, pode se dizer que é a interface entre ambos: o vértice do Estado de Direito. O seu reconhecimento, enquanto direito fundamental, leva a necessidade de uma série de dogmas civilísticos, em especial aqueles que constituem seu núcleo central: a autonomia, os bens, o patrimônio, a pessoa e a propriedade". CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana: o conceito fundamental do direito civil. In: A reconstrução do Direito Privado. Org. Judith Martins-Costa. São Paulo: RT, 2002. p. 260.
  9. GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no Estado Democrático de Direito: ensaio sobre o modo de sua aplicação. Disponível em <http://marcelogaluppo.sites.uol.com.br/os_principios_juridicos.htm>. Acesso em: 22 de fevereiro de 2006.
  10. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003. p. 571.
  11. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.p.137.
  12. FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 8ª ed. rev.; atual e ampl. de acordo com o Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 377.
  13. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.155.
  14. SPEZIALI, Paulo Roberto. Revisão Contratual. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, cit., p. 30.
  15. VALLE, Christino Almeida do. Contratos: teoria, prática e jurisprudência. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1993. p. 145.
  16. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003. p.16.
  17. GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 2002. p. 35.
  18. LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.
  19. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003. p. 14-15.
  20. Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003. p. 20-21.
  21. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 09.
  22. Explica PERLINGIERI que, a função é a síntese causal do fato, a sua profunda e complexa razão justificadora: ela refere-se não somente à vontade dos sujeitos que o realizam, mas ao fato em si, enquanto social e juridicamente relevante. A razão justificadora é ao mesmo tempo normativa, econômica, social, política e por vezes também psicológica. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional; trad. de: Maria Cristina de Cicco. 1 ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
  23. Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003. p. 13-14.
  24. TEPEDINO, Gustavo. Código Civil. Os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. In TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.209-211.
  25. MATTIETTO, Leonardo: O Direito Civil Constitucional e a Nova Teoria dos Contratos – Problemas de Direito Civil-Constitucional / Gustavo Tepedino (coordenador). Rio de Janeiro, Renovar, 2000.p. 171.
  26. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.741.
  27. LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2.ed. rev. e atual. em conformidade com o Novo Código Civil. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 72.
  28. Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
  29. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
  30. BITTAR, Carlos Alberto, BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Direito civil constitucional. 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p.122.
  31. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.14.
  32. A esse respeito ver NOVAIS, Alinne Arquette Leite, in Problemas de Direito Civil Constitucional / Gustavo Tepedino (coordenador) – Rio de Janeiro, Renovar, 2001. p.35.
  33. MATTIETTO, Leonardo: O Direito Civil Constitucional e a Nova Teoria dos Contratos – Problemas de Direito Civil-Constitucional / Gustavo Tepedino (coordenador). Rio de Janeiro, Renovar, 2000. p.163-164.
  34. MATTIETTO, Leonardo: O Direito Civil Constitucional e a Nova Teoria dos Contratos – Problemas de Direito Civil-Constitucional / Gustavo Tepedino (coordenador). Rio de Janeiro, Renovar, 2000. p. 181.
  35. BITTAR, Carlos Alberto; BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Direito civil constitucional. 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 27.
  36. BITTAR, Carlos Alberto; BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Direito civil constitucional. 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 123.
  37. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 253.

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BERLINI, Luciana Fernandes. A aplicabilidade da principiologia contratual no âmbito civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2897, 7 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19286. Acesso em: 26 abr. 2024.