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Aspectos históricos do tribunal do júri ao longo do tempo e sua relevância para o ordenamento jurídico brasileiro

Aspectos históricos do tribunal do júri ao longo do tempo e sua relevância para o ordenamento jurídico brasileiro

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RESUMO

A presente pesquisa tem por escopo analisar a origem e a evolução do Tribunal do Júri ao logo do tempo e sua relevância para o ordenamento jurídico brasileiro. Para atingir o objetivo colimado, os métodos adotados foram o exegético-jurídico e o dedutivo, com a finalidade de se buscar o embasamento teórico necessário para elucidar a temática. Para uma melhor compreensão do tema, abordam-se a origem e a evolução do referido instituto desde a sua origem. Ulteriormente, destacou-se a introdução do instituto no ordenamento jurídico nacional e sua manutenção até a atualidade na ordem Constitucional vigente, procurando enfocar a sua relevância para o ordenamento jurídico e o Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Tribunal do Júri. história. evolução


INTRODUÇÃO

A pesquisa científica que se segue, intitulada "Aspectos históricos do Tribunal do Júri ao longo do tempo e sua relevância para o ordenamento jurídico brasileiro", abordará a origem e a evolução do Tribunal Popular ao longo do tempo, destacando a relevância do referido instituto para o ordenamento jurídico brasileiro.

É salutar a abordagem da presente temática, visto que o Tribunal do Júri constitui-se a mais democrática instituição do Direito Brasileiro, e assim, deve ser preservada e mantida com todas as suas características e garantias, quais sejam plenitude da defesa, soberania dos veredictos, sigilo das votações e competência para os crimes dolosos contra a vida. Outrossim, a pesquisa revela-se notória para o corpo social, já que a sociedade civil é parte integrante do referido órgão.

A fim de que se possa alcançar o embasamento necessário para a elucidação do presente estudo, será utilizado o método exegético-jurídico, bem como o dedutivo, posto que parte de verdades gerais para se chegar a conclusões particulares com consultas a doutrinas e a legislação.

No primeiro momento será realizada uma pesquisa minuciosa sobre a origem e evolução do Tribunal ao longo do tempo. Posteriormente será destacada sua instalação no Brasil e manutenção no ordenamento jurídico brasileiro e, por fim será demonstrada toda a relevância do instituto em comento para o direito brasileiro.


1 A ORIGEM DO TRIBUNAL POPULAR

A palavra a júri deriva do latim "jurare" que significa fazer juramento. O Tribunal Popular surgiu na antiga Palestina, no momento em que naquela região predominavam as sociedades comunitárias, cuja população encontrava-se unida por laços de sangue e afetividade. Na defesa desse entendimento Nucci (2008, p. 41) explica que:

Na Palestina, havia o Tribunal dos vinte e três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de Israel.

Assim, vê-se que o Tribunal Popular surgiu com a própria organização social e, naquele momento histórico prevaleciam às comunidades patriarcais, as quais eram administradas pelos homens mais velhos e estes além da administração da comunidade, aplicavam as regras que deveriam ser respeitadas por todos. As normas eram repassadas a todos os membros do clã, o que geralmente era feito oralmente, vez que na antiguidade predominava o direito consuetudinário, ou seja, aquele que acompanhava as tradições familiares e, era repassado oralmente, pois estes ainda não usavam a escrita. Os primeiros escritos surgidos naquela região eram feitos em blocos de pedras. A exemplo tem-se os dez mandamentos.

Para Tucci (1999) é possível atribuir o surgimento do Tribunal do Júri à época mosaica, o mesmo teria surgido entre os judeus no Egito antigo, pelas leis de Moisés, no período em que estes foram escravizados pelos faraós. Para o aludido autor, em meio a esse povo havia uma maneira especial para julgar aqueles que cometessem delitos.

O referido órgão possuía determinadas características que são atribuídas ao Tribunal Popular moderno, quais sejam, a boa publicidade, julgamento por pares, cidadãos da comunidade e, ao acusado era dado o direito de defesa e produção de provas na tentativa de demonstrar sua inocência. Assim, existiam critérios e regras previamente definidas.

Naquela época, segundo o aludido doutrinador, os Tribunais Populares possuíam uma característica marcante, qual seja, à referência teocrática, uma vez que, na antiguidade a religião consolidava as bases do Estado e o governante também administrava a religião, ou até mesmo era considerado um deus vivo, a exemplo dos faróis do Egito. Outrossim, no Antigo Testamento da Bíblia, a obra sagrada para os judeus, em seus livros Deuteronômio, Êxodo, Levítico e Números mencionam o referido Tribunal Ordinário, bem como fazem referência ao Conselho dos Anciãos e ao Grande Conselho, órgãos encarregados pelos julgamentos.

Tucci (1999) aponta ainda que o Júri Popular também esteve presente na antiguidade greco-romana. Em Roma através da Lex Calpurnia de 149 a.C. foi instituída a primeira quaestio uma espécie de comissão de inquérito, com a finalidade de investigar e julgar os casos de funcionários estatais que tivessem causado prejuízo ao Estado. A referida comissão era formada por um presidente o praetor vel quaestior, pois em Roma o Pretor era o funcionário encarregado de aplicar a justiça e, no máximo cinquenta cidadãos iudices iurati, estes eram escolhidos, de início apenas entre os senadores. Posteriormente, com a Lex sempronia, proposta pelo tribuno da plebe Caio Graco (122 a.C.), já no final do período republicano, passaram a integrá-lo também os cavaleiros, na proporção de uma terça parte de cada ordem existente na época e os tribuni aerarii, os tribunos da plebe.

Na Grécia Antiga, especificamente em Atenas havia dois conselhos: a Helieia e o Areópago. A Helieia era um tribunal popular integrado por um número significativo de heliastas, cidadãos atenienses que julgavam depois de ouvida a defesa de acordo com sua íntima convicção. Incumbia a Helieia julgar atos de menor relevância para a sociedade.

Em Apologia de Sócrates, Platão (2002) narra com primor o julgamento de seu mestre pelo tribunal da Helieia, ocasião em que o conselho condenou o filósofo à pena de morte, para tanto teve que ingerir o cicuta, um veneno usado na época para aplicação da pena de morte. Assim, em nome de seus princípios e de seus ideais, o pensador abdicou de sua própria vida aceitando sua pena, atitude digna dos grandes homens.

Por outro lado, o Areópago possuía competência para apreciar os delitos criminais, especialmente aqueles praticados com premeditação. O aludido órgão também era composto por cidadãos atenienses, os quais decidiam de acordo com o senso comum, guiados pela prudência. Para o ingresso nos tribunais gregos, exigia-se apenas que os cidadãos contassem com trinta anos de idade, conservassem reputação ilibada e quitação plena de seus débitos com o tesouro público. Sobre os institutos gregos Nucci (2008, p. 13) explicita que:

Na Grécia, desde o Século IV a.C., tinha-se conhecimento da existência do Júri. O denominado Tribunal de Heliastas era a jurisdição comum, reunindo-se em praça pública e composto de cidadãos representantes do povo. Em Esparta, os Éforos (juizes do povo) tinham atribuições semelhantes às dos Heliastas.

O Tribunal Popular surgiu na Palestina, porém, recebeu os atuais contornos na Inglaterra, país cujo instituto perdeu a influência teocrática que o circundava desde as origens, e, por conseguinte, desligou-se das amarras do Estado, adquirindo a imparcialidade. Nesse sentido Nucci (2008, p. 726) entende que:

O Tribunal do Júri, na sua feição atual, origina-se na Magna Carta, da Inglaterra, de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o Júri antes disso. Na Palestina, havia o Tribunal dos Vinte e três nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais Cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com pena de morte. Os membros eram escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de famílias de Israel.

Na Inglaterra em 1215, o Concílio de Latrão aboliu os juízes de Deus órgão até então encarregado dos julgamentos e, instalou o conselho de jurados. Este objetivava julgar crimes de bruxaria ou aqueles com caráter místico. Diante de tal fato, passou a existir na Inglaterra o pequeno Júri composto por doze pessoas e o grande Júri, formado por vinte e quatro pessoas. O primeiro encarregava-se de julgar apreciando o caso concreto, concedendo os veredictos, enquanto o segundo encarregava-se da acusação, pois era composto por testemunhas oculares do fato criminoso. Sobre o Tribunal do Júri inglês, elucida Rangel (2008, p. 485) que:

Nesse conjunto de medidas, acusação pública, que até então era feita por um funcionário, espécie de Ministério Público, passou a ser feita pela comunidade local quando se tratava de crimes graves (homicídios, roubos etc.), surgindo assim, o júri que, como era formado por um número grande de pessoas (23 jurados no condado), foi chamado de grand jury (Grande Júri). Por isso era chamado de Júri de acusação.

Os jurados (pessoas do povo daquela comunidade onde ocorreu o crime) deviam decidir segundo o que sabiam e com base no que se dizia, independentemente de provas, já que estas eram de responsabilidade de outros doze homens de bem, recrutados entre os vizinhos, formando assim um pequeno Júri (Petty Júri) que decidia se o réu era culpado (guilty) ou inocente (innocent).

Dentre as características do júri inglês destaca-se a sua composição, feita por sorteio e o juramento para o exercício do mandato, uma vez que, o conselho julgaria seus pares concidadãos. Assim, verifica-se que tais características de alguma forma, já haviam se manifestado nos tribunais antigos destacados.

Paralelamente a consolidação do Tribunal Popular inglês, o restante da Europa ainda vivenciava a dura realidade medieval, período conturbado para a ciência jurídica, sobretudo para os direitos humanos e o devido processo legal. Sobre o período medieval Beccaria (2007, p. 25) aduz que:

O povo tinha na nobreza apenas opressores e tiranos; e os que pregavam o Evangelho, enodoados na carnificina e com as mãos cheias de sangue, ousavam oferecer aos olhos do povo um Deus misericordioso e de paz.

Naquela época, sobressaia o poder da Igreja Católica e o procedimento processual utilizado na busca da verdade real trilhava o caminho da tortura e da crueldade, com aplicação de penas de morte, geralmente promovidas em espetáculos públicos, com a finalidade única de demonstrar o poderio do clero cristão e da nobreza feudal. Sobre as torturas medievais Beccaria (2007, p. 37) acrescenta que:

É uma barbárie consagrada pelo uso na maioria dos governos aplicar a tortura a um acusado enquanto se faz o processo, seja para que ele confesse a autoria do crime, seja para esclarecer as contradições em que tenha caído, seja para descobrir os cúmplices ou outros crimes de que não é acusado, porém dos quais poderia ser culpado, seja finalmente porque sofistas incompreensíveis pretenderam que a tortura purgava a infâmia.

Desta feita, percebe-se que o Júri Inglês constituiu-se em uma exceção na Europa, uma vez que naquele país o poder da nobreza ganhou um contorno diverso, pois com a finalidade de proteger os direitos fundamentais do povo face aos abusos perpetrados pelo poder despótico, permitiu que os cidadãos julgassem seus pares, segundo os critérios do bom censo e dos costumes, daí a relevância atribuída a Inglaterra para a organização do Tribunal do Povo.

Enfatizando a relevância da legislação inglesa Rangel (2008) destaca o artigo 48 da Magna Carta Britânica, a qual preceituava que "Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdade, senão em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país.

Partindo da Inglaterra, o referido órgão julgador chegou à França e, posteriormente espalhou-se pelo mundo. Sobre a propagação do Tribunal Popular Nucci (2008, p. 42) enfatiza que:

Após a Revolução Francesa, de 1789, tendo por finalidade o combate às idéias e métodos esposados pelos magistrados do regime monárquico, estabeleceu-se o Júri na França. O objetivo era substituir um Judiciário formado, predominantemente por magistrados vinculados à monarquia, por outro, constituído pelo povo, envolto pelos novos ideais republicanos.

A Revolução Francesa motivada por ideias iluministas contribuiu para a organização judiciária daquele país e o Júri criminal foi consagrado como instituição judiciária. A partir de então as decisões do referido órgão passaram a simbolizar a soberania exercida pelos cidadãos franceses como obrigação de todos.

Dentre as características do julgamento popular na França pode-se destacar: a matéria criminal e a publicidade dos debates. Porém, o cidadão deveria ser eleitor para alistar-se como jurado e, quem não se inscrevesse na lista de jurados estaria impedido de concorrer a qualquer função ou cargo público pelo prazo de dois anos.

Naquele país, o procedimento do júri dividia-se em três fases: a instrução preparatória, o Júri de acusação, o qual era formado por oito membros sorteados de uma lista de trinta cidadãos e a sessão de julgamento, formada por doze membros sorteados entre uma lista de duzentos cidadãos, com direito de recusa de vinte pelas partes. O voto era individual de acordo com o livre convencimento do acusado. Para a condenação fazia-se necessário a votação da maioria, ou seja, nove votos de um total de doze jurados. Ao contrário do sistema inglês, que a condenação dependia da totalidade dos votos.

O Júri consolidou-se nos Estados Unidos da América no século XVII, antes mesmo da independência daquele país, o qual possuía competência para todos os delitos. Em face da divisão daquele território em Treze Colônias autônomas, a organização do Júri não era idêntica em todas as colônias, entretanto todos apresentavam características comuns, pois todas as formalidades eram revestidas de publicidade, respeitava-se o regime de plena oralidade, por sua vez dotada de contraditoriedade real.

Para Tasse (2008) a base do Tribunal Popular encontra-se sedimentada sempre em duas vigas: o juízo oral e o veredicto dos jurados, pois ambos possuem a função precípua de concretizar a garantia da imparcialidade do julgamento, visto que os mesmos afastam a submissão do julgador da estrutura do poder estatal.

Quando em um julgamento há manifestação acerca das provas é feita oralmente pelas partes na presença de todos os envolvidos e interessados, observando-se o sistema de franco contraditório, somando-se ao fato de que, o julgador não integra a estrutura formal do Estado, não detendo a obrigação de agradar terceiros, a lisura das decisões é manifesta. Nesta esteia Tasse (2008, p. 20) explicita que:

Dessa forma concebido, o julgador passa a ser livre para decidir conforme a sua consciência e em acordo com os elementos de prova racionalmente trazidos ao seu conhecimento. Há um total desapego às próprias formulações legislativas, discursivamente neutras, mas representativas da vontade de quem detém o poder político e, portanto, edita as leis.

Com a atual feição, principalmente após a vigência dos grandes tratados sobre direitos humanos, assim como, com a importância atribuída ao princípio do devido processo legal, é perceptível a intenção do legislador em proteger o cidadão investigado em um processo penal, concedendo a este o contraditório, ou seja, ciência e participação no processo.

A finalidade do Tribunal Popular é afastar a influência do poder político da atribuição de julgar e, por conseguinte, conceder às pessoas comuns a possibilidade de decidir o destino do acusado de um crime. É mais do que um ato de civilismo; denota a responsabilidade dos cidadãos perante a sociedade. Assim, Tasse (2008, p. 24) afirma que:

O exercício da democracia é presente, de forma destacada, no Júri, lugar no qual o cidadão, representando, a sociedade, diretamente afirma o seu posicionamento quanto a determinado fato submetido à sua análise, sem intermediários, na paz de sua consciência e na busca de auxiliar na construção de uma sociedade mais justa.

Com a evolução e a propagação do Tribunal do Júri ao logo do tempo, pode inferir que, este percorreu séculos e continentes, passou por tiranias e democracias, príncipes e burgueses, Estados democráticos e Estados Absolutos, enfrentou, enfim, todos os vícios e virtudes da humanidade. O órgão passou por momentos áureos, em que seus princípios se fortaleceram, entretanto, atravessou momentos difíceis, frente às restrições dos Estados absolutos e dos regimes autoritários.


2 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

O Tribunal Popular foi instalado no Brasil através de um decreto do Príncipe Regente D. Pedro I em 18 de junho de 1822, antes mesmo do aludido órgão ser instalado em Portugal. Tasse (2008, p. 22) defende que:

O júri foi implantado no Brasil pelo Príncipe Regente D. Pedro um pouco antes da proclamação da independência em 1822, composto por juízes de fato que se encarregaram de julgar exclusivamente os abusos quanto à liberdade de imprensa. A partir daí evoluiu bastante e passou por diversas transformações legislativas, enfrentando até mesmo o desprezo protagonizado pela Carta de 1937.

O conselho então implantado era composto por vinte e quatro cidadãos: homens bons, inteligentes, honrados e patriotas. Segundo Nucci (2008) estes tinham a atribuição de julgar os delitos de abuso de liberdade de imprensa, sendo as suas decisões passíveis de mudanças apenas pelo regente, pois este detinha o Poder Moderador. Nesse momento histórico, percebe-se que o aludido órgão ainda não adotava o princípio da soberania dos veredictos.

Com o advento da Independência, um novo Estado estava surgindo, desta feita, havia a necessidade de uma Constituição para regulamentar as instituições que estavam nascendo. Assim em 1824, o Imperador D. Pedro I, outorgou a primeira Carta Política do Brasil, na qual o Tribunal do Júri foi inserido no capítulo pertencente ao Poder Judiciário, com atribuições para julgar causas cíveis e criminais. Sobre o nascimento do Júri no Brasil destaca Rangel (2008, p. 488) que:

Em se tratando de Júri, o nosso nasceu na Lei de 18 de Julho de 1822, antes, portanto da independência (7 de setembro de 1822) e da primeira Constituição brasileira (25 de março de 1824) e, ainda, sob o domínio português, mas sob forte influência inglesa. Entretanto, o júri era apenas para os crimes de imprensa e os jurados eram eleitos.

Devido à forte influência britânica, o Júri brasileiro possui algumas de suas características, dentre as quais se pode destacar a existência da divisão em Júri de acusação e Júri de sentença, nos moldes do pequeno e do grande júri inglês já destacados neste texto.

Em 1832 entrou em vigor o Código de Processo Criminal do Império, o qual criou um conselho de jurados em cada termo judiciário, ao passo que a Lei n.° 261 de 3 de dezembro de 1841, extinguiu o Júri de acusação, permanecendo o Júri de sentença. O referido diploma normativo previu a aplicação da pena de morte, porém, exigiu-se que a decisão do Júri observasse o quórum mínimo de dois terços dos votos, subsistindo a maioria absoluta para as demais matérias. Em caso de empate, prevaleceria a aplicação do caminho mais benéfico para o réu.

Durante o período republicano a legislação manteve a existência do Tribunal do Povo, agora no capítulo pertinente aos direitos e garantias individuais e, foi criado o Júri Federal através do Decreto nº. 848 de outubro de 1890, porém influenciado pelo Tribunal norte americano. Sob o Júri durante a República brasileira, ressalta Rangel (2008) que:

Na primeira Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil promulgada em 24 de fevereiro de 1891. o júri era colocado dentro do título referente aos cidadãos brasileiros e na secção da declaração dos direitos, estabelecendo, no seu art. 72, § 31, que era mantida a constituição do jury.

Tal assertiva fez com que se sustentasse que a Constituição, quando mantinha o júri, impedia que leis posteriores pudessem alterar sua essência e, caso assim o fizessem, seriam inconstitucionais.

Para Nucci (2008) a Constituição republicana sofreu influência direta da corrente então dominante, qual seja a positivista. Naquela época ressalta o aludido autor que destacou-se a figura de Rui Barbosa, pois o mesmo era um ferrenho defensor do Tribunal do Povo. Neste diapasão, o júri passou a ser consagrado como um direito ou garantia individual na Constituição da nascente República.

A Carta de 1934 promulgada por Getúlio Vargas retirou o júri do capítulo referente aos direitos do homem e do cidadão e, o mesmo foi inserido no capítulo referente ao Poder Judiciário. Em 1937, Vargas instala o Estado Novo, uma ditadura em moldes fascistas e outorga uma nova Constituição para o Brasil, a qual não mencionou a existência do júri em nenhum de seus capítulos.

Não obstante a Constituição não ter feito referência ao Tribunal Popular, o Decreto Lei nº. 127 de janeiro de 1938 admitiu de maneira inibida e implícita a existência do tribunal na ordem jurídica interna, estabelecendo sua competência para julgar os crimes de homicídio, infanticídio, induzimento ou auxílio ao suicídio, duelo com resultado morte ou lesão seguida de morte, roubo seguido de morte e sua forma tentada. Contudo, as decisões do Tribunal não eram soberanas, uma vez que, o então tribunal de apelação poderia modificar as decisões, atribuindo-lhe interpretação diversa, ou seja, contra as decisões do conselho de sentença.

Em 1941, entrou em vigor o Código de Processo Penal Brasileiro pelo Decreto-Lei n.º 3.689, ainda em vigor, mas com algumas alterações. O referido diploma legal foi inspirado no Rocco Italiano de Benito Mussolini, no qual prevalecia à presunção de culpabilidade para os acusados, ou seja, a partir do momento em que se deflagrava uma ação penal o sujeito apontado como autor da conduta delitiva era presumivelmente culpado até que provasse à sua inocência através de sentença absolutória transitada em julgado.

Neste passo, o acusado não era tratado como sujeito de direitos, mas como objeto do processo, a face de sua influência fascista, não era assegurado aos acusados as garantias mínimas de um processo legal, pois o procedimento possuía uma feição autoritária e inquisitorial. Assim, eram comuns as confissões obtidas por meio de torturas, intimidações e presunções, pois o silêncio do acusado verificado por ocasião do seu interrogatório era interpretado em seu prejuízo.

O interrogatório era ato pessoal do juiz e não admitia a intervenção das partes, Ministério Público e advogado de defesa, o não comparecimento do réu para ser interrogado ensejava à sua condução coercitiva.

Em 1946 o Brasil retorna a Democracia, após o fim da Segunda Guerra Mundial e a Carta Política do ano supracitado volta a inserir a instituição no capítulo "Dos Direitos e Garantias Individuais", preceituando em seu artigo 141, parágrafo 28 que é mantido o Júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja ímpar o número de seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Segundo Nucci (2008, p. 43):

A Constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no seu texto, reinserindo-o no capítulo dos Direitos e Garantias individuais como se fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões desse retorno tivessem ocorrido, segundo narra Victor Nunes Leal, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado em garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas.

O século XX foi marcado por períodos de democracia e ditadura, de forma intercalada. Em 1964, os militares seguindo as nuances da Guerra Fria, instalaram o regime ditatorial, firmando-se como o mais violento e sombrio período da história brasileira. Em 1967, fora outorgada a nova Constituição, a qual manteve a existência do júri, porém com competência mais restrita, já que julgavam apenas os crimes dolosos contra a vida com veredictos soberanos, contudo, no ano seguinte, a soberania fora retirada.

Finalmente, as luzes do Estado Democrático voltam a irradiar a nação brasileira, quando em 1988, foi promulgada a Constituição Cidadã, que inseriu o Tribunal do Júri no título dos Direitos e Garantias fundamentais, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, reconhecendo a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos e d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Sobre a relevância do instituto preconiza Oliveira (2009, p.107):

Costuma-se afirmar que o Tribunal do Júri seria uma das mais democráticas instituições do poder judiciário, sobretudo pelo fato de submeter o homem ao julgamento de seus pares e não segundo a justiça togada. É dizer: aplicar-se-ia o Direito segundo a sua compreensão popular e não segundo a teoria dos tribunais.

A relevância que se dá a este magnífico órgão do Poder Judiciário consiste, a priori, na possibilidade do ser humano julgar os seus pares de acordo com a sua livre convicção, denotando, com isso, o seu caráter democrático. Destarte, persiste a possibilidade de seus juízes não julgarem atrelados somente à lei, uma vez que, estes proferem seus veredictos de acordo com a sua compreensão e a sua consciência.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem fática do presente trabalho científico teve como objetivo demonstrar a relevância do Tribunal Popular para o ordenamento jurídico brasileiro. Neste contexto, aliás, foi que iniciou este estudo, abordando a instituição do Júri Popular desde os tempos mais remotos, porque para compreender sua atuação nos dias de hoje, fazia-se necessário conhecer sua origem e evolução histórica.

Posteriormente, buscou-se relatar a entrada do aludido órgão julgador no ordenamento pátrio, destacando suas nuances e transformações ao longo dos anos, ressaltando, outrossim, sua passagem por ditaduras e democracias.

Hodiernamente, do ponto de vista funcional, assim, a Constituição Federal reservou lugar de destaque para o aludido órgão, encontrando-se o mesmo previsto no capítulo dos direitos e garantias fundamentais.

Portanto, não há a menor dúvida de que, por força da Constituição, o Tribunal do Júri reflete toda a experiência democrática vivenciada atualmente pelo direito brasileiro, conforme disposições do artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal de 1988.


REFERÊNCIAS

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BRASIL, Constituição Federal. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia. 2 ed. Niterói: Ímpetos, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

______. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

______. O Tribunal do Júri. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

______.Processo Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

PLATÃO, Apologia de Sócrates. Tradução da Editora Martin Claret. ed. São Paulo: Martin Claret, 2002.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008.

______.Direito Processual Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2009.

TASSE, Adel El. O novo rito do júri: em conformidade com a Lei 11.689, de 09.06.2008. Curitiba: Juruá, 2008.

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantais Individuais no processo Penal Brasileiro. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

______.Tribunal do Júri. Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Vera Lúcia Lopes. Aspectos históricos do tribunal do júri ao longo do tempo e sua relevância para o ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2907, 17 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19314. Acesso em: 28 mar. 2024.