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As tendências atuais na circulação internacional de sentenças e o Brasil

As tendências atuais na circulação internacional de sentenças e o Brasil

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A Constituição impõe a homologação de todas as sentenças estrangeiras? A sentença estrangeira sem fundamentação pode ser reconhecida? Podem ser concedidas a medida cautelar ou a antecipação de tutela no processo de homologação?

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. As reformas jurídicas e sua interpretação; 2.1 A reciprocidade; 2.2 Outras condições para o reconhecimento; 2.3 A forma do reconhecimento; 2.4 A litispendência internacional – 3. As tendências atuais; 3.1 A tendência subjetiva; 3.2 A tendência geográfica; 3.3 A tendência afetiva – 4. As tendências atuais e algumas controvérsias brasileiras; 4.1 A Constituição da República impõe a homologação de todas as sentenças estrangeiras?; 4.2 O art. 90 do CPC merece uma interpretação estrita?; 4.3 A sentença estrangeira sem fundamentação pode ser reconhecida?; 4.4 Podem ser concedidas a medida cautelar ou a antecipação de tutela no processo de homologação? – 5. Conclusão.

RESUMO: Quais são as tendências atuais na circulação internacional de sentenças? Com base em reformas jurídicas operadas a partir de 1980 em diversos países, observa-se que as novas leis tendem a privilegiar o indivíduo (em lugar do Estado), as soluções globais e uma atitude amistosa em relação aos estrangeiros. De acordo com a autora, essa tendência deve ser considerada na resposta a algumas questões sobre o reconhecimento de sentenças estrangeiras no Brasil, como, por exemplo: as sentenças estrangeiras sem fundamentação podem ser reconhecidas?

PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional Privado; Processo Civil Internacional; Sentença Estrangeira.


1. Introdução.

Na virada do século XX [01], observa Cappelletti ([1968], p. 345), o direito internacional privado passou a basear-se na soberania dos Estados [02]:

O princípio fundamental [do direito internacional] torna-se aquele da completa, plena separação recíproca dos ordenamentos soberanos. Desse princípio se extraem [...] múltiplos e importantíssimos corolários. Afirma-se —com Franz Kahn na Alemanha, em 1891, com Etienne Bartin na França, em 1897— o caráter meramente interno do direito internacional privado. Afirma-se o princípio da territorialidade da jurisdição. A lei estrangeira, a sentença estrangeira, por fim a sentença internacional afirmam-se como simples fatos para o direito interno.

O direito internacional privado do século XX, descrito por Cappelletti, é familiar a todos nós [03]. Alguns de seus conceitos soam até óbvios, como a territorialidade da jurisdição e o caráter interno das normas estatais que regem os conflitos de leis e de jurisdições. Apesar disso, as premissas por trás desses conceitos: o Estado, sua soberania e seu território, vêm sendo postas de lado, inclusive na disciplina do reconhecimento de sentenças estrangeiras.

Este trabalho irá identificar as atuais tendências ideológicas [04] na circulação internacional de sentenças cíveis [05]. O ponto de partida será a identificação e a interpretação de várias mudanças [06] legislativas e jurisprudenciais posteriores a 1980 e ocorridas em diversos países (item 2), com base nesta pergunta: quais eram as motivações do "legislador" antigo e quais são as do hodierno? Somente as normas estatais serão consideradas [07].

As respostas, a princípio casuísticas, serão posteriormente sintetizadas em três grandes linhas evolutivas (item 3): 1) as normas passam a preferir a perspectiva do indivíduo à do Estado; 2) passam a privilegiar as soluções globais, em vez das localistas; 3) passam a adotar uma postura mais amistosa em relação ao estrangeiro.

Quando compreendermos os novos fundamentos, estaremos mais aptos para interpretar as normas sobre o reconhecimento de sentença estrangeira. A título de exemplo, a exegese atualizada que propomos será usada para solucionar quatro controvérsias jurídicas brasileiras, no final deste estudo (item 4).


2. As reformas jurídicas e sua interpretação.

A análise das recentes reformas jurídicas sugere os seguintes contrastes entre, digamos por comodidade, o modelo jurídico do século XX e o do século XXI [08] na circulação internacional de sentenças: ao contrário de seu sucessor, o modelo do século XX (1) exigia a reciprocidade e (2) várias outras condições para o reconhecimento; (3) previa uma chancela formal para que a sentença estrangeira produzisse quaisquer efeitos locais; (4) não derivava da pendência da lide no exterior repercussão alguma no exercício da jurisdição nacional. A seguir, interpretamos por que cada um desses pontos vem sendo revisto.

2.1 A reciprocidade.

A reciprocidade identifica-se com a ideia de fazer aos outros tal qual eles fazem conosco (MEHREN, 1980, p. 49). Exigi-la como requisito para a cooperação entre países é cultivar a igualdade no plano internacional: se os países são iguais, se nenhum é superior aos outros, nada justifica que um deles colabore para a satisfação do interesse alheio em medida maior àquela na qual será correspondido. Uma vez que a igualdade no plano internacional integra o próprio conceito de soberania, ao menos na formulação tradicional [09], a intenção de preservar a soberania estatal parece ter sido o móbil que levou muitas legislações a exigir a reciprocidade no reconhecimento de sentenças estrangeiras.

Sem embargo, essa política vem sendo modificada.

Na Argentina, a Lei 22.434, publicada em 1981, suprimiu do Código Processual Civil e Comercial da Nação o requisito da reciprocidade para o reconhecimento (ORCHANSKY, 1997, p. 474). No Uruguai, evolução semelhante pôde ser verificada em 1989, com a promulgação do Código Geral de Processo [10] (VESCOVI, 1995, pp. 203 e 206).

No Peru, na antiga Iugoslávia [11] e no Japão, a requisição de reciprocidade foi relaxada. Os primeiros passaram a estabelecer a presunção relativa de reciprocidade, atribuindo o ônus da prova a quem negá-la. A inovação ocorreu, no Peru, em 1992 (vide art. 2.103 do Código Civil de 1984 [12] e art. 838 do Código de Processo Civil de 1992 [13]) e, na ex-Iugoslávia, em 1982 (VARADY, 1983, p. 85) [14].

No Japão, um julgado de 1933 da mais alta corte da época havia determinado que o reconhecimento somente seria possível se o país estrangeiro conferisse à sentença japonesa um tratamento tão ou mais favorável do que o previsto na lei nipônica. Em 1984, no entanto, a Suprema Corte endossou um parecer mais liberal, admitindo o reconhecimento quando a lei no país de origem da sentença coincida com a japonesa "nos pontos relevantes" (TAKESHITA, 1996, pp. 72 e 73).

Conforme pôde ser observado, Hitters [15] (1995, p. 246), Mehren (1980, p. 50) e Barbosa Moreira (1989, p. 261) têm razão quando afirmam que a ideia de reciprocidade vem sendo abandonada no reconhecimento de sentenças estrangeiras [16].

Mehren propõe explicações plausíveis para o fenômeno [17]. Segundo ele, a reciprocidade criaria um embaraço excessivo ao reconhecimento, inclusive porque se trata de um conceito de difícil aplicação prática: principalmente quando o direito estrangeiro não é codificado, pode ser tormentoso descobrir como receberia uma hipotética sentença local. Ademais, o autor observa que é errado onerar os indivíduos em retaliação contra as práticas jurídicas do país estrangeiro (MEHREN, 1980, p. 50).

De par com essas reflexões, que endossamos, o abandono da exigência de tratamento igualitário quiçá evidencie que a soberania vem perdendo valor na disciplina da circulação internacional de sentenças. Para testar essa impressão inicial, convém persistir na investigação.

2.2 Outras condições para o reconhecimento.

Em geral, as sentenças estrangeiras são tratadas com muito maior rigor do que as domésticas, as quais, após o trânsito em julgado, só podem ser desconstituídas em situações de injustiça clamorosa (vide, p. ex., o art. 485 do CPC). Várias razões levam à distinção, entre elas a desconfiança (MEHREN, 1980, pp. 32-34) [18]. Muitos suspeitam que o sistema estrangeiro de administração da justiça, um estranho, possivelmente não produza um resultado equânime. Esse temor ganhou corpo em algumas práticas jurídicas, como na Itália, onde até 1995 se reexaminava o fundo das sentenças estrangeiras proferidas à revelia antes de se reconhecê-las. Igualmente muitas pessoas receiam pelo direito material aplicado no exterior: "será que os juízes alienígenas se valem de normas adequadas para julgar os conflitos? Será que as interpretam bem?" Assim devem se sentir, v.g., os franceses, ao exigirem que a sentença estrangeira tenha por fundamento a norma material indicada pelo direito internacional privado francês [19].

Além da desconfiança, a insegurança jurídica causada pelo reconhecimento é uma razão para diferenciar sentenças nacionais e estrangeiras. Dentro do território do Estado, não há incerteza sobre a forma de solução dos eventuais conflitos, porque existem um corpo legislativo e um sistema judiciário comuns [20]. No entanto, quando se reconhecem sentenças estrangeiras, abre-se espaço para soluções múltiplas, haja vista os muitos ordenamentos jurídicos e organismos judiciários existentes no mundo; gera-se insegurança (MEHREN, 1980, p. 33).

Por fim, o argumento do custo do processo nem sempre dissuade o legislador local de impor restrições às sentenças estrangeiras. No âmbito interno, rever infinitamente uma sentença é dispendioso. Uma vez solucionado o litígio, cumpre poupar energia e, satisfeitas condições mínimas de justiça, aceitar o resultado alcançado. No âmbito internacional, a situação é diferente. O Estado receptor, que nada investiu para produzir a sentença estrangeira, hesita menos em negar-lhe valor (MEHREN, 1980, p. 33).

Ainda assim, constatamos transformações legislativas e jurisprudenciais no tema das condições para o reconhecimento.

Na Itália, a Lei 218 de 1995 aboliu o reexame de mérito da sentença estrangeira, o qual tinha lugar quando a sentença houvesse sido proferida à revelia ou incidisse em uma das hipóteses que autorizariam a rescisão da sentença italiana (CAMPEIS e DE PAULI, 1996, pp. 487 e 507).

No Paraguai, admitiu-se o reconhecimento das sentenças proferidas à revelia com o Código de Processo Civil de 1988 (art. 532 e, sobre o quadro anterior, KOS-RABCEWICZ-ZUBKOWSKI, 1975, p. 357).

Em Portugal, subsiste o privilégio de nacionalidade: a sentença estrangeira contra um nacional não deve ofender as disposições do direito privado português, quando este for aplicável à luz das regras de conflito locais (art. 1.100 do Código de Processo Civil de 1997). Nada obstante, desde 1997 essa imposição legal deixou de ser examinada de ofício e passou a depender da arguição da parte interessada (SANTOS, 1998, p. 349).

Na Alemanha, o privilégio de nacionalidade foi extinto em 1986 (SANTOS, 1998, p. 351).

A antiga Iugoslávia, em 1982, desistiu de rever sempre o fundo das sentenças estrangeiras que tivessem alterado o estado civil de um nacional, e passou a fazê-lo apenas quando as regras de conexão iugoslavas determinassem a aplicação do direito material doméstico. Na mesma ocasião, abandonou-se o controle da competência do juiz estrangeiro com base na bilateralização das regras locais de competência internacional relativa. A lei de 1982 contenta-se com a não-violação da competência exclusiva do país (VARADY, 1983, pp. 85 e 86).

Os casos examinados sugerem que as condições do reconhecimento vêm sendo reduzidas ao mínimo [21] Essa foi também a impressão de Barbosa Moreira (1989, p. 247), Kerameus (1997, p. 356) e Hitters [22] (1995, p. 271), os quais distinguiram um movimento no sentido de facilitar a recepção das sentenças estrangeiras.

As mudanças encontradas são, em primeiro lugar, um voto de confiança aos países estrangeiros. A progressiva assimilação dos sistemas judiciários e dos ordenamentos, o avanço da tecnologia de informação e o intercâmbio de pesquisadores fazem do processo estrangeiro cada vez menos um estranho e consequentemente cada vez mais confiável.

Quanto aos cálculos sobre a insegurança jurídica e o custo da gestação da sentença estrangeira, deve-se admitir que são verdadeiros. Continua a causar certa insegurança o fato de a sentença ser produzida a partir de regras que não foram previamente acordadas na sociedade receptora. Igualmente, ainda é verdade que o custo da sentença estrangeira não onera o país que se recusa a recebê-la. Sem embargo, na ótica dos juízes, dos legisladores, das sociedades contemporâneas, essas ponderações estão tornando-se secundárias. Vêm sendo substituídas pela preocupação em proteger a coisa julgada estrangeira em prol do litigante vencedor, em não duplicar os esforços empreendidos alhures, sobretudo pelas partes, e finalmente em garantir estabilidade e coerência à solução dos conflitos transnacionais (MEHREN, 1980, pp. 35 e 36).

2.3 A forma do reconhecimento.

Para Chiovenda e Anzilotti (apud CAPPELLETTI, [1968], pp. 348 e 349), qualquer eficácia jurídica no foro derivaria não da sentença estrangeira, e sim da sentença local de confirmação ou de delibação, que assumiria como próprio o conteúdo da outra. Coerente com essa premissa teórica, Chiovenda (apud CAPPELLETTI, [1968], pp. 348 e 349) dizia que nenhuma sentença não nacional poderia produzir efeitos locais senão após "nacionalizada". Essa orientação, na verdade uma decorrência lógica da "completa, plena separação recíproca dos ordenamentos soberanos" (CAPPELLETTI, [1968], pp. 345-348), foi incorporada em várias legislações, as quais condicionaram todo reconhecimento de sentença estrangeira a um ato formal de chancela, comumente uma sentença.

Todavia, registram-se dois progressos legislativos nas últimas décadas [23].

No Uruguai, onde uma lei de 1974 sujeitava as sentenças estrangeiras de divórcio ao exequatur, desde 1989 qualquer sentença estrangeira produz efeitos sem passar sequer pelo crivo do Judiciário quando inexista controvérsia e não se trate de executá-la [24]. No registro civil do divórcio, a fiscalização dos requisitos das sentenças estrangeiras vem sendo feita em nível notarial [25] (EDUARDO VESCOVI, 2000, pp. 181, 182 e 204).

A Itália, em 1995, seguiu pelo mesmo rumo do Uruguai e admitiu o reconhecimento automático das sentenças estrangeiras, salvo diante de controvérsia ou execução forçada (BARIATTI, 1995, p. 1242). Se bem que, em vida do Código de Processo Civil de 1942, já houvesse hipóteses de reconhecimento automático de eficácia às sentenças estrangeiras [26], o mecanismo está agora indiscutivelmente [27] generalizado [28].

Em poucas palavras, houve mudanças legislativas que dispensaram algumas sentenças estrangeiras da chancela do Judiciário local [29].

Duas ordens de razões parecem explicar o fato. No plano das relações internacionais, assegurar que o Estado detenha o monopólio do exercício do poder jurisdicional em seu território torna-se menos importante. O conceito de soberania vem sendo esvaziado [30]. No plano processual, o pêndulo "perenemente oscilando entre a qualidade da justiça e a celeridade em sua prestação parece agora preferir a última alternativa" [31] (KERAMEUS, 1997, p. 219). Há mais luz sobre a agilidade na solução dos processos transnacionais do que sobre a prevenção contra os perigos gerados pelas soberanias estrangeiras.

2.4 A litispendência internacional.

Do momento em que o processo é iniciado até sua conclusão, diz-se que está pendente. No âmbito interno, a pendência de um processo tem, inter alia, o efeito de impedir a instauração válida de outro para discutir a mesma causa. O mais novo deve ser extinto sem julgamento do mérito. A existência de processo em curso no exterior (litispendência internacional), entretanto, nem sempre produz esse efeito.

Há legisladores que levam a ferro e fogo o princípio da territorialidade da jurisdição – um corolário da autonomia e independência dos países no plano internacional. A primeira consequência dessa postura são normas arquitetadas para proteger a "prerrogativa nacional da jurisdição sobre situações conexas" ao país, consoante escreveu Consolo (1997, p. 14) acerca especificamente da Itália; a segunda, normas que façam os efeitos da atividade jurisdicional estrangeira esgotarem-se no país de origem (o próprio reconhecimento seria uma exceção) [32]. Ambos os aspectos convergem para que se ignore a litispendência internacional, negando-lhe qualquer repercussão jurídica no foro.

Recentemente, porém, textos legislativos e decisões judiciais têm inovado.

Na Itália, onde o art. 3º do Código de Processo Civil de 1942 previa que "[a] jurisdição italiana não é excluída pela pendência perante um juiz estrangeiro da mesma causa" [33], desde a Lei 218 de 1995 a litispendência internacional acarreta a suspensão do processo doméstico (art. 7º) [34].

A legislação federal suíça ganhou, em 1987, a regra de que o processo local deve ser suspenso, quando a mesma demanda tiver sido proposta com anterioridade no exterior e lá for julgada em tempo razoável (CONSOLO, 1997, p. 35) [35].

Na então Iugoslávia, em 1982 a lei passou a determinar a suspensão do processo doméstico em caso de litispendência internacional, desde que exista reciprocidade (VARADY, 1983, p. 84).

No Japão, o silêncio legislativo foi vencido pela jurisprudência, informa Takeshita. Para confirmar seu ponto de vista, o autor menciona duas decisões —uma de 1984 e outra de 1991— que acolheram a exceção de litispendência internacional, com fundamento na promoção da justa e ordenada administração da justiça (TAKESHITA, 1996, p. 71) [36].

Em síntese, muitos países passaram a limitar a sua atividade jurisdicional diante da litispendência no exterior [37]. Esse balanço é confirmado por Consolo (1997, p. 35): uma solução "aberta" vem sendo generalizada na matéria.

Ao condicionarem, em certa medida, a atividade jurisdicional doméstica à desenvolvida no exterior, as leis traíram a vetusta concepção de mundo na qual, descreveu Taruffo (2001, p. 1057), os vários Estados são indicados por cores diferentes como nos mapas-múndi políticos. Aonde se quer chegar com a quebra do paradigma?

De início, o simples fato de o Judiciário local conhecer da causa já em discussão no processo estrangeiro provoca imprevisibilidade, dúvidas. "Qual processo será efetivo? Qual prevalecerá na concorrência com o outro?", hão de se inquietarem os litigantes. Nessa ótica, não iniciar ou suspender o processo doméstico diante da anterior litispendência internacional serve à segurança dos jurisdicionados.

Além disso —e é o que interessa ao nosso tema—, levar adiante o processo local apesar da litispendência no exterior pode ocasionar decisões conflitantes. Havendo conflito, o reconhecimento da decisão estrangeira será ameaçado, pois o mais provável é que ela seja preterida em benefício da nacional, independentemente da anterioridade de uma ou de outra. Para prevenir o entrave à circulação de decisões e melhorar a qualidade da justiça no mundo [38], as legislações têm dado nova disciplina à litispendência internacional.


3. As tendências atuais.

As convicções que modelaram ou modelam as normas sobre a circulação internacional de sentenças podem ser reagrupadas em torno de três tendências gerais.

3.1 A tendência subjetiva.

Em uma linha horizontal que tenha no extremo esquerdo a ideologia da proteção dos interesses e autonomia estatais e, no direito, a ideologia do acesso à justiça apesar das fronteiras, a tendência é o deslocamento para a direita. Enquanto o legislador do início do século passado se perguntava: "como disciplinar o processo transnacional de modo a preservar a soberania e os interesses nacionais?", o atual indaga-se: "como torná-lo efetivo para as pessoas?". Não se pense, por isso, que antigamente inexistisse a preocupação com o bom funcionamento do processo, nem que hodiernamente a soberania não tenha importância. Mas o fato é que as prioridades mudaram: se antes eram estabelecidas conforme a perspectiva do Estado, agora são escolhidas de acordo com a ótica do indivíduo.

Nesse contexto, podem-se compreender as palavras de Andolina (1996, p. 60) [39]:

Os verdadeiros destinatários do novo aparelho normativo —amadurecido no tema da cooperação internacional em matéria judiciária— não parecem mais ser os Estados, senão os homens.

O baricentro da nova disciplina colhe-se não mais na soberania dos Estados nacionais, mas no direito do Homem (seja qual for sua nacionalidade, raça e lugar onde vive e atua) de ver satisfeita —em termos de efetividade e portanto de tempestividade— a própria necessidade de justiça.

Enquanto o direito privilegiou o Estado, a autonomia das jurisdições teve por reflexo a não-atribuição de efeitos à litispendência internacional e o não-reconhecimento de qualquer eficácia à sentença estrangeira antes de nacionalizada. Em adição, a igualdade entre os Estados justificava que fosse exigida a reciprocidade. Com a superação da perspectiva estatal, tudo isso está perdendo o sentido. À medida que o ponto de referência passa a ser o indivíduo, valoriza-se a facilitação da circulação internacional de sentenças, de modo a garantir ao litigante vitorioso a certeza do seu direito e livrar as partes do preço de rediscutir uma demanda já decidida.

3.2 A tendência geográfica.

Visualizem-se dois círculos concêntricos de raios diferentes. O menor faz uma ilha no maior. O exterior representa o globo terrestre, ao passo que o de dentro, o território nacional. No centro dos círculos, eis o criador das normas sobre o reconhecimento de sentenças estrangeiras. Se a princípio o seu campo de visão não ia além dos limites da ilha, atualmente ele enxerga toda a área do círculo maior. Não mais se contenta com soluções insulares, quer soluções globais. Sem que tenha desaparecido, o círculo menor deixou de ser o todo e tornou-se parte.

Kerameus (1997, p. 405) deu uma boa legenda para nossa imagem: "Na verdade, o que se quer é [...] a disjunção entre o direito e o espaço [nacional]." [40]

Quando a ilha era tudo, impunham-se várias condições para o reconhecimento: era preciso evitar a insegurança trazida pela sentença estrangeira, uma sentença produzida consoante regras que não são previamente acordadas no país. Ademais, pensava-se que o prejuízo da ineficácia da sentença oneraria o país prolator e não se faria sentir localmente. Considerações desse gênero, porém, passaram a soar mesquinhas após a expansão dos limites geográficos. Em uma perspectiva mais ampla, o reconhecimento deve ser facilitado em prol da boa administração da justiça e da segurança jurídica no globo. Com igual propósito, vale regrar a litispendência internacional de forma a não frustrar a circulação de sentenças [41].

3.3 A tendência afetiva.

Estamos ficando menos nacionalistas, mais cosmopolitas. Antigamente as pessoas não conviviam com o estrangeiro. Hoje, os produtos fabricados no exterior, a ampla cobertura jornalística dos fatos ocorridos em outros países e as viagens de passeio, trabalho e estudo compõem a rotina de muitos. Essa nova realidade está mudando nossa forma de sentir e fazendo dos valores estrangeiros conhecidos, familiares, até mesmo estimáveis. Precisamente no tema sob análise, a tendência afetiva conduz as sociedades a vencer os preconceitos mútuos, tornando-as mais receptivas às sentenças estrangeiras.

Em sintonia com os novos dias, Cappelletti ([1968], pp. 395 e 396) disse [42]:

Hoje, depois de duas catástrofes que sacudiram nos fundamentos o "mundo dos Estados", as coisas parecem muito mudadas. A humanidade, mais conscientizada da fundamental comunidade de natureza existente entre todos os homens, parece desejar novas e superiores formas de associação e de comunidade. A antiga "sagrada" idéia de soberania parece já destinada a fazer-se em pedaços. [...] todos somos hoje verdadeiramente conscientes de viver em uma época caracterizada —como destacou Alcalá-Zamora— mais pela tendência associativa que pela nacional, razão por que no plano do direito se impõe a máxima liberalidade no reconhecimento dos valores jurídicos estrangeiros e na adaptação do direito interno para o respeito de tais valores.

Da mesma forma, Sosa (1996, p. 257) enfatizou a importância da solidariedade entre todos os povos na cooperação jurídica internacional, rejeitando o chauvinismo [43].

Se, no reinado do nacionalismo, as suspeitas recíprocas impuseram várias barreiras às sentenças estrangeiras, por exemplo o reexame de mérito como condição para o reconhecimento em alguns países, atualmente prevalece uma atmosfera de confiança, que favorece a demolição ou, quando menos, a diminuição de tais barreiras.


4. As tendências atuais e algumas controvérsias brasileiras.

Quem preferir o indivíduo ao Estado, o globo ao território de seu país, a pátria de todas as mulheres e homens à pátria nacional, enfim quem for uma pessoa do seu tempo avaliará positivamente as tendências na circulação internacional de sentenças.

Todavia aprová-las não basta. É preciso torná-las realidade —no Brasil. Em matéria de reconhecimento de sentenças estrangeiras, muitas de nossas práticas e dúvidas têm raízes em convicções que estão sendo abandonadas no mundo. O quadro seria outro se aplicássemos as tendências atuais na interpretação das normas brasileiras Apesar de ser inviável esgotar o tema aqui, podemos dar quatro exemplos.

4.1 A Constituição da República impõe a homologação de todas as sentenças estrangeiras?

Por algum tempo, houve intenso debate acerca da necessidade ou não de homologar todas as sentenças estrangeiras. A questão vinha à baila sempre que se devesse aplicar o parágrafo único do art. 15 da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942: "Não dependem de homologação as sentenças meramente declaratórias do estado de pessoas." Nessas ocasiões, indagava-se se a Constituição de 1937, ao atribuir a competência para a homologação de sentenças estrangeiras ao Supremo Tribunal Federal, e mais tarde a de 1946 e posteriores, que repetiam a norma trocando o "de" por "das", subordinariam a eficácia de quaisquer sentenças estrangeiras à homologação. Se assim fosse, o parágrafo único, que dispensava uma parte delas do ato formal de chancela, seria inconciliável com a norma constitucional [44].

Em 1953, registram Assis e Tanaka (2003, p. 97), a ementa do acórdão que julgou a Sentença Estrangeira n. 1.343 foi: "Sentença estrangeira; não depende de homologação quando meramente declaratória do estado das pessoas." Mas, dois anos depois, aquele que Valladão (1978, p. 191) chamou o leading case na matéria seria decidido destarte: "Sentença estrangeira; é de ser homologada, em face do disposto no art. 101, I, alínea g da vigente Constituição, ainda que meramente declaratória do estado das pessoas, a fim de se tornarem exeqüíveis no Brasil" (Emb. SE 1.297 – Itália, rel. Ribeiro da Costa, Plenário, j. em 24/05/1955).

Se bem que tenham restado inquietações mesmo após o leading case, principalmente doutrinárias, elas foram aplacadas pelo advento do art. 483 do Código de Processo Civil de 1973, que é explícito: "A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada [...]." Ou seja, em caso algum a sentença estrangeira produzirá eficácia automática no País, restando aparentemente revogado o parágrafo único do art. 15 da Lei de Introdução. Na ausência de lei posterior a 1973 que dispensasse a homologação, a questão da interpretação constitucional permanece como a Bela Adormecida depois do art. 483 envenenado.

Antecipemo-nos ao príncipe: a Constituição de 1988 nunca exigiu a homologação de todas as sentenças estrangeiras.

Era este o texto originário da norma constitucional:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

[ ...]

h) a homologação das sentenças estrangeiras [...].

Essa redação, informa Barbosa Moreira (2001, p. 77), foi adotada a partir de 1946. Em 1937, a Constituição falava em homologação de sentenças estrangeiras. E explica o autor (BARBOSA MOREIRA, 2001, pp. 77 e 78): "A mudança da redação [...] resultara de emenda do então Deputado Adroaldo Mesquita da Costa, destinada precisamente a tornar certo que todas as sentenças estrangeiras precisavam de homologação para produzir efeitos no Brasil." [45]

Parodiando Cappelletti ([1968], p. 368), diríamos: "Não negamos em absoluto que uma indagação histórica possa demonstrar que a intenção deles que deram ao art. 101, I, g, da Constituição de 1946 a redação mantida em todas as constituições posteriores, inclusive, a princípio, na de 1988, fosse de acolher uma interpretação nacionalista da necessidade sempre de homologar as sentenças estrangeiras." E continuando nas palavras do próprio Cappelletti ([1968], p. 368) [46]:

Mas uma interpretação histórico-evolutiva não pode conceber a história de maneira estática e unidimensional. A história não é apenas o passado, mas é o movimento do passado em direção ao presente e ao futuro. A história tem, em suma, três dimensões, e uma correta interpretação histórico-evolutiva não pode deixar de levar em conta os novos movimentos, as novas exigências, as novas tendências que se manifestam em relação à norma, ao princípio ou ao instituto objeto de interpretação.

Pouco importa que a mens legis, em 1946, tenha sido ordenar a homologação de todas as sentenças estrangeiras no Brasil —uma ideia contemporânea da II Guerra Mundial. Pouco importa que a Constituição de 1988 tenha, no início, repetido ipsis litteris a Carta de 1946. Importante é que a realidade em 1988 já era mais cosmopolita do que nacionalista; já preferia a agilidade e a segurança na solução dos conflitos transnacionais, em benefício do indivíduo, à salvaguarda de uma concepção tacanha da soberania. Na conjuntura em que a Constituição de 1988 foi elaborada, exigir a homologação de todas as sentenças estrangeiras não teria sentido. Não era essa a ratio iuris do art. 102, I, h.

O contexto de abertura aos valores estrangeiros que prevalecia em 1988 ficou retratado em algumas inovações trazidas pela Constituição mesma, a saber: (1) o art. 4º, que, no inc. IX, erige a "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade" em princípio reitor das relações internacionais do País e, no parágrafo único, diz: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações."; (2) o §2º do art. 5º, segundo o qual: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes [...] dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

Seja como for, o fundamento racional da norma é mais importante do que a occasio legis (BARROSO, 1998, p. 137), e ele vai adquirindo novos sentidos conforme a realidade em que a norma está inserida vai mudando (REALE, apud BARROSO, 1998, p. 137). Mesmo que o constituinte de 1988 quisesse a homologação de todas as sentenças, tal exigência definitivamente não se justificaria na vida atual.

Por isso, a Emenda n. 45 de 2004 atualizou a dicção constitucional e, pela primeira vez em mais de meio século, fala na homologação de sentenças estrangeiras (art. 105, I, i) [47].

Adicionalmente, a emenda confirmou a tendência ao cosmopolitismo e à valorização do indivíduo nas relações internacionais do País, consoante se percebe nestes acréscimos ao art. 5º [48]: (§3º) "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais."; (§4º) "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão."

Em poucas palavras, a atual Constituição da República não impõe a homologação de todas as sentenças estrangeiras [49].

4.2 O art. 90 do CPC merece uma interpretação estrita?

Prescreve o art. 90 do Código de Processo Civil: "A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas." Isto é, o Brasil ignora a litispendência no exterior ao exercer a sua jurisdição. De lege ferenda, essa norma ultrapassada deveria ser revista. De lege lata, não podemos desprezá-la. O que podemos discutir é se o art. 90 merece uma interpretação ampla ou estrita.

Se interpretássemos amplamente o texto, seríamos levados a acreditar que, onde o legislador escreveu "litispendência", dever-se-ia ler "litispendência ou coisa julgada". A mesma justificativa para ignorar a litispendência serve para ignorar a coisa julgada: a territorialidade do exercício da jurisdição. Em ambos os casos, trata-se de evitar que os efeitos da atividade jurisdicional estrangeira transbordem pelo território brasileiro e de assegurar que o País decida todas as demandas que, previstas em suas normas de competência internacional, tem interesse em julgar. Como se viu, esse parecer está centrado no Estado e em seu território.

Mas o sentido da norma somente pode ser determinado em seu contexto histórico e, hoje, o foco é "o indivíduo no mundo". Na nova perspectiva, deve ser preferida a interpretação estrita do art. 90: a coisa julgada estrangeira impede o juiz brasileiro de reexaminar a causa [50].

Se a sentença estrangeira for favorável ao litigante, faltar-lhe-á interesse de agir para pleitear o rejulgamento da causa no Brasil. A via processual adequada será a demanda homologatória. De mais a mais, não há por que obrigar seu adversário a ser processado duas vezes pelo mesmo motivo.

Se a sentença estrangeira for desfavorável ao litigante —o que é mais verossímil—, não se poderá admitir que ele tente a sorte outra vez no Brasil. Tolerar tal comportamento criaria incerteza na solução dos conflitos transnacionais, agrediria o princípio dos direitos adquiridos e contrariaria o princípio da eticidade nos litígios internacionais, pelo qual "[d]eve-se sempre tentar impedir as partes de lucrar abusivamente com a diversidade das ordens jurisdicionais" [51] (MAYER e HEUZÉ, 2001, p. 292).

A controvérsia tem reflexos na homologação da sentença estrangeira. Estudemos este problema (narrativa em ordem cronológica): 1) A e B têm um filho comum; 2) transita em julgado uma sentença estrangeira atribuindo a guarda do filho a B; 3) A propõe uma demanda, no Brasil, reabrindo a discussão sobre a guarda; 4) o juiz J, dando-se por competente, concede uma medida liminar em favor de A; 5) B pede a homologação da sentença estrangeira. Deve-se homologar?

Não, se se aceitasse a interpretação estatal do art. 90 —a coisa julgada estrangeira não obsta o juiz brasileiro de conhecer da mesma causa. Nesse caso, J teria obedecido à lei. Sob pena de inconsistência, o ordenamento não poderia abrigar normas que adiante privassem de qualquer utilidade prática o exercício legítimo de jurisdição brasileira; em particular, não poderia abrigar normas que amparassem a demanda homologatória proposta por B. No caso, existe até medida liminar brasileira em favor de A e, por isso, permitir a homologação equivaleria a privilegiar um ato soberano estrangeiro em prejuízo do nacional [52].

Mas, visto que o art. 90 não determina que o Judiciário brasileiro opere a despeito da coisa julgada estrangeira, a atuação de J foi ilegítima e nada se opõe à homologação pretendida por B. Um erro não justifica o outro. É esse o nosso parecer.

Uma hipótese semelhante à descrita foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal em 2004, e houve controvérsia (SEC 5.526-1 – Noruega, rel. Ellen Gracie, Plenário, j. em 22/04/2004 [53]). Para a maioria:

A preexistência destes julgados alienígenas não retira a validade da decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara de Família da Comarca de Niterói – RJ que, em sede de medida cautelar preparatória de ação de divórcio direto, conferiu a guarda provisória da menor à requerida. [...]

[...] O deferimento do pedido de homologação representaria, dessa forma, a prevalência da sentença norueguesa sobre a decisão de um juiz brasileiro que, embora proferida em sede liminar, seria modificada, importando numa clara ofensa aos princípios da soberania nacional.

Para Marco Aurélio:

[...] não consta do art. 15 da Lei de Introdução ao Código Civil, como óbice à homologação da sentença estrangeira, o fato de ter-se, no período compreendido entre o trânsito em julgado e o pleito de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, a propositura de uma ação, no Brasil, versando sobre a mesma matéria. [...]

No caso concreto, sendo a decisão anterior à propositura de ação semelhante ou idêntica no Brasil e havendo a sentença estrangeira transitado em julgado em data também pretérita à citada propositura, peço vênia para proceder à homologação [...].

Pelos motivos que expusemos acima, aplaudimos o voto solitário de Marco Aurélio.

4.3 A sentença estrangeira sem fundamentação pode ser reconhecida?

Ao tratar do reconhecimento de eficácia às sentenças estrangeiras, a lei brasileira é liberal na medida em que restringe ao mínimo as condições do reconhecimento. Conforme disciplinado pela Lei de Introdução ao Código Civil de 1942:

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

[...]

Art. 17. As [ ...] sentenças de outro país [ ...] não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

No entanto, a interpretação jurisprudencial dos requisitos de homologação nem sempre combina com o minimalismo legislativo. Por vezes, destacou Dolinger (1985, p. 876), a ordem pública desempenhou um papel excessivo no reconhecimento de sentenças estrangeiras. Um dos casos que, na opinião do autor, denuncia o excesso é a recusa de homologação às sentenças estrangeiras desmotivadas (DOLINGER, 1985, pp. 869 e 870) [54].

Antes de a Emenda Constitucional 45 entrar em vigor, o Supremo Tribunal Federal examinou muitas vezes o tema, que era controvertido. A partir da década de 90, prevaleceu a tese da homologabilidade da sentença estrangeira desmotivada. Era representativa esta ementa [55]:

Sentença estrangeira — Formalidades — Legislação aplicável. A sentença estrangeira deve estar revestida das formalidades impostas pela legislação do país em que prolatada. Descabe cogitar da estrutura de tal peça considerados o Código de Processo Civil e a Constituição nacionais (SEC 4.590 – Estados Unidos, rel. Marco Aurélio, Plenário, j. em 05/06/1992).

A preferência por essa tese, contudo, era sutil. Em várias ocasiões, ganhou o parecer contrário [56]. Veja-se, a propósito: "Decisão que se limita a revelar a sanção aplicada à ré, sem dizer as razões que orientam o arbítrio, não se qualifica como hábil à homologação" (SEC 3.976 – França, rel. Maurício Corrêa, j. em 27/09/1995).

Acreditamos que a sentença estrangeira sem fundamentação possa ser reconhecida. Nossa opinião baseia-se no magistério de Mehren (1980, p. 38) [57], ao tratar da recusa do reconhecimento por motivo processual: "Em essência, todos os sistemas processuais devem ser vistos como um todo; debilidade em um departamento pode ser compensada por força em outro."

Na matéria da fundamentação das decisões judiciais, deve-se ter em conta que há sistemas processuais que valorizam a escritura, enquanto outros têm nítida preferência pela oralidade. Comparado ao processo na Inglaterra, por exemplo, onde às vezes não há fundamentação a não ser que o interessado a requeira (SPENCER, 1998, p. 823), o processo brasileiro é escritural [58]. Lá, com exceção da demanda, "quase tudo é apresentado oralmente" [59] (ROTH, 1998, p. 774). Nesse caso, a forma falada favorece a participação efetiva dos litigantes no processo, permite um intenso intercâmbio de ideias e propicia a fiscalização recíproca e constante de todos os atores processuais, porque a oralidade pressupõe atos realizados em conjunto. Comparando o sistema inglês com o brasileiro, cremos que a falta de fundamentação das sentenças inglesas —uma "debilidade" [60]— seria compensada por uma "virtude" no departamento dos debates diretos e, no todo, o sistema inglês seria justo [61]. Considerações semelhantes poderiam ser tecidas sobre o processo na Alemanha e nos Estados Unidos, países onde nem sempre as sentenças precisam ser fundamentadas.

Não obstante pareça suspeita e arbitrária para os brasileiros, a sentença sem fundamentação pode ser compatível com as nossas noções essenciais de justiça e moral. É errado supor que somente sejam razoáveis os sistemas processuais integrados por garantias e normas idênticas às nossas. É correta a advertência de Mehren (1980, p. 38): "devemos ter cautela na avaliação de outros sistemas; com freqüência excessiva, o não-familiar é equiparado ao injusto" [62]. A tendência ao cosmopolitismo recomenda que não sejamos preconceituosos.

Demais disso, se considerarmos que a homologação muitas vezes é requerida quando a sentença só pode ser executada no Brasil, compreenderemos que recusá-la é bastante grave. É furtar ao indivíduo a certeza do seu direito, apesar de já afirmada alhures.

Seguramente haverá situações em que precisaremos ser draconianos, até porque a aplicação da ordem pública no processo de homologação não comporta meio-termo [63]. Quando a nossa ordem pública internacional exigir, negaremos o reconhecimento da sentença, deixando a parte vitoriosa no estrangeiro na mesma situação daquela que não propôs demanda alguma. Mas isso só é aceitável se a ordem pública exigir, jamais por ignorância do sistema processual estrangeiro.

Em suma: desde que preencha os requisitos legais, a sentença estrangeira sem fundamentação deverá ser homologada no Brasil.

4.4 Podem ser concedidas medida cautelar ou antecipação de tutela no processo de homologação?

O Supremo Tribunal Federal, quando competente, controvertia sobre a possibilidade de concessão de cautelar e antecipação de tutela no processo de homologação (PERIN, 2004, pp. 16-29).

Em 1984, o Plenário negou uma medida cautelar —arresto— requerida no curso do processo homologatório, a qual objetivava assegurar a execução da sentença estrangeira homologanda. O fundamento para a negativa foi a impossibilidade de que a sentença produzisse efeito executivo no Brasil antes do ato formal de chancela. Eis a ementa:

Ementa: - Homologação de sentença estrangeira. Despacho que denega a concessão de medida cautelar de arresto. Inadmissibilidade de efeito executivo à sentença estrangeira antes da homologação – AGRG a que se nega provimento. (Ag. Reg. SE 3.408-5 – Estados Unidos, rel. Cordeiro Guerra, j. em 01.08.1984.)

Em decisão monocrática de 1999, Celso de Mello decidiu ser "incabível, na ação de homologação de sentença estrangeira, a antecipação da tutela a que se refere o art. 273 do CPC", invocando o mesmo fundamento da decisão de 1984: "enquanto não esgotadas as fases rituais da ação de homologação, [...] não se revela possível conferir eficácia executiva à sentença emanada de tribunal estrangeiro, mediante juízo de provisória e antecipada delibação" [64] (SE 6069-8, j. em 26/03/1999).

Em decisão monocrática de 2003, Marco Aurélio afastou-se dos precedentes e concedeu uma medida cautelar para assegurar a efetividade da eventual sentença homologatória de um laudo arbitral inglês (Ação Cautelar n.º 13/PR, j. em 08/05/2003). Nada se disse sobre a possibilidade de a sentença estrangeira produzir efeitos no País antes de homologada.

A melhor decisão é a última, com base na tendência subjetiva: o ponto de vista do indivíduo passa a ser preferido ao do Estado. Os precedentes que negam à sentença estrangeira qualquer efeito antes do ato formal de chancela são anacrônicos. No passado, não se admitia que um ato soberano estrangeiro pudesse produzir efeitos no país. Quando muito, aquiescia-se em que a sentença homologatória local incorporasse o conteúdo da sentença estrangeira. Antes da sentença doméstica, porém, nada. Essa ordem de razões, vimos, apequenou-se diante do valor que hoje damos ao direito humano de acesso à justiça apesar das fronteiras. A premissa não é mais a autonomia das jurisdições, é a efetividade dos remédios processuais para os conflitos intersubjetivos. Portanto, rejeitar a possibilidade de medida cautelar ou antecipação de tutela no processo de homologação constitui um atraso inaceitável. A Resolução 9/2005 da Presidência do Superior Tribunal de Justiça andou bem ao esclarecer, em seu art. 4º, § 3º, que "Admite-se a tutela de urgência nos procedimento de homologação de sentenças estrangeiras."


5. Conclusão.

A disciplina da circulação internacional de sentenças vem sendo alterada no mundo e os brasileiros não devemos negligenciar as tendências atuais. Devemos, ao contrário, usá-las na interpretação das nossas normas. Neste trabalho, foram dados quatro exemplos de como fazê-lo.

Alguns aspectos, contudo, permanecem inexplorados e justificariam pesquisas futuras, como a homologabilidade (ou não) de medidas cautelares [65] Alternativamente, um desafio mais ambicioso do que o enfrentado nesta investigação, restrita às reformas em leis estatais, seria examinar como as tendências estão se fazendo sentir nos tratados e, melhor ainda, comparar a evolução das normas internas com a das internacionais, inclusive indicando-se as influências recíprocas [66].

Fora do âmbito da circulação internacional de decisões, poder-se-iam explorar os recentes progressos em matéria de competência internacional, eventualmente cotejando-os com os descritos aqui [67].

O valor tanto da pesquisa que fizemos quanto das que sugerimos consiste em orientar a atividade do jurista e, quem sabe, do legislador. Aliás, uma lei que se afinasse com as tendências atuais seria muito bem-vinda no Brasil.


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Notas

  1. A data indicada por Cappelletti talvez seja especialmente adequada à Itália, país de unificação tardia. É possível que, em outras partes da Europa e em algumas áreas de influência europeia, a mudança tenha tido lugar um pouco antes. Na França, por exemplo, a revisão do fundo das sentenças estrangeiras, uma medida claramente nacionalista, começou a ser feita no início do século XIX (MAYER e HEUZÉ, 2001, p. 244).
  2. No original: "Il principio fondamentale diviene quello della completa, piena separazione reciproca degli ordinamenti sovrani. Da questo principio principio si desumono via via, con ferreo rigore, in un travolgente movimento de pensiero che ben presto s’impone anche alla giurisprudenza pratica dei vari Paesi, molteplici e importantissimi corollari. Si aferma —con Franz Kahn in Germania nel 1891, con Etienne Bartin in Francia nel 1897— il carattere meramente interno del diritto intenrnazionale privato. S’afferma il principio della territorialità della giurisdizione. La legge straniera, la sentenza straniera, perfino la sentenza internazionale, s’affermano come meri fatti per il diritto interno."
  3. Cappelletti circunscreveu à Europa suas observações sobre a história da ideologia no direito internacional. Nada obstante, a herança colonial parece explicar por que nós testemunhamos uma evolução semelhante à retratada pelo autor. No Brasil, a emergência do nacionalismo fez-se sentir, por exemplo, na controvérsia jurisprudencial acerca da necessidade de homologar todas as sentenças (entre 1915 e 1920) e na subsequente vitória daqueles que pugnavam pela tese afirmativa (controvérsia e superação são relatadas por VALLADÃO, 1978, p. 190).
  4. Em nosso texto, a palavra ideologia tem o significado que lhe deu Cappelletti ([1968], p. IX) no clássico "Processo e ideologie": o conjunto das razões e condicionamentos sociais e culturais subjacentes à norma, ao ordenamento, à interpretação jurídica e, em geral, à atividade do jurista.
  5. Sobre a ideologia e as sentenças estrangeira, cf. CAPPELLETTI, [1968], pp. 339-400. A respeito das linhas evolutivas do processo penal transnacional, cf. GRINOVER, 1995, pp. 3-37 e GRINOVER, 2004, pp. 3-27. Para as principais linhas evolutivas na cooperação jurídica internacional em matéria cível, cf. ANDOLINA, 1997, pp. 108-127, e, com mais detalhes, ANDOLINA, 1996, pp. 8-60.
  6. Assim, se a lei do país A continua a mesma desde 1900 até hoje, ela será ignorada, independentemente de seu conteúdo.
  7. Com isso, evitar-se-ão distorções nos resultados. As normas estatais, em qualquer época, são menos propícias à abertura do que as internacionais —ao celebrarem um tratado, os países fazem concessões recíprocas e nenhum se expõe mais que os outros, o que os predispõe à cooperação. Em consequência, não seria sensato extrair uma tendência do cotejo entre um tratado velho e uma lei doméstica nova ou vice-versa. É verdade que seria razoável comparar leis velhas com leis novas; tratados velhos com tratados novos. Mas essa opção ampliaria sensivelmente o objeto da pesquisa e os nossos propósitos são modestos.
  8. Essas datas são imprecisas. Assim como um carro "2005" já podia ser comprado no final de 2004, o modelo "século XXI" começou a ser produzido na segunda metade do século XX.
  9. Para Rezek (2002, p. 216), é soberano o Estado que possui competências que não são inferiores às de nenhuma outra entidade. E o autor cita o art. 2º, § 1º, da Carta da ONU, que põe como uma das bases da organização o "princípio da igualdade soberana de todos os seus membros" (grifo nosso).
  10. Disponível em: < http://www.parlamento.gub.uy/Leyes/Ley15982.htm>. Acesso em: 26 nov. 2004.
  11. Em 2003, a Iugoslávia foi substituída pelo Estado chamado Sérvia e Montenegro. Em 1983, Varady (1983, pp. 69-86) noticiou que o Código de Direito Internacional Privado havia sido elaborado na Iugoslávia. É provável que essa lei e as demais tenham sido herdadas pela Sérvia e Montenegro.
  12. Disponível em: < http://www.cajpe.org.pe/InformacionJuridica01.htm>. Acesso em: 26 nov. 2004.
  13. Disponível em: < http://www.cajpe.org.pe/InformacionJuridica01.htm>. Acesso em: 26 nov. 2004.
  14. Na verdade, a lei de 1982 foi um pouco além: suprimiu a exigência de reciprocidade no reconhecimento de sentenças de divórcio, anulação de casamento ou reconhecimento de paternidade (VARADY, 1983, p. 85).
  15. Esse autor referia-se particularmente aos países ibero-americanos.
  16. Não temos notícia de qualquer país que, nas últimas décadas, tenha começado a reclamar a reciprocidade.
  17. Essas explicações, aliás, coincidem com as aventadas por Barbosa Moreira (1989, p. 260).
  18. Igualmente Valladão (1978, p. 184) associava um "alto grau de desconfiança mútua" a reservas contra as sentenças estrangeiras.
  19. A situação já foi pior. Até a prolação do acórdão Munzer, de 7 de janeiro de 1964, os franceses procediam à completa revisão de mérito das sentenças estrangeiras antes de reconhecê-las (MAYER e HEUZÉ, 2001, p. 244). Hoje, contudo, examinam-se apenas cinco elementos: "a competência do tribunal estrangeiro que proferiu a decisão, a regularidade do procedimento que teve lugar perante esse tribunal, a aplicação da lei competente segundo as regras de conexão francesas, a conformidade à ordem pública internacional e a absoluta ausência de fraude à lei" (traduzimos, MAYER e HEUZÉ, 2001, p. 247). A mudança não será mencionada no texto porque anterior a 1980.
  20. Exceção: alguns Estados federados.
  21. Ignoramos qualquer reforma posterior a 1980 que tenha aumentado o rigor das condições do reconhecimento.
  22. Para ele, a tendência é a "evaporação" das condições.
  23. Embora dois casos possam parecer pouco expressivos para afirmamos uma tendência, é preciso destacar que tanto a Itália quanto o Uruguai ocupam posição de vanguarda em nosso tema, a qual foi afirmada por Eduardo Vescovi (1995, p. 201) e Valladão (1978, p. 182), respectivamente.
  24. Assim crê, esclarece Eduardo Vescovi (2000, p. 181), a "más autorizada doctrina".
  25. Daí se observa que o reconhecimento é automático quanto à forma, não incondicionado. A sentença estrangeira terá de preencher certos requisitos para ser reconhecida ope iuris. O mesmo ocorre na Itália.
  26. Por exemplo, as sentenças de jurisdição voluntária, por força do art. 801.
  27. Cappelletti ([1968], p. 368) já defendia, na vigência da lei antiga, que nem todas as sentenças estrangeiras precisariam ser delibadas. Nada obstante, havia controvérsia.
  28. Na percepção de Bariatti (1995, p. 1223), sucedeu na Itália um "retorno às origens". De fato, Cappelletti ([1968], p. 343) relata que, no final do século XIX, as sentenças estrangeiras produziam efeitos automaticamente no país, desde que não fosse necessária a execução. Só depois de iniciado o século XX, teria vingado a tese de que inclusive as declaratórias ou constitutivas deveriam ser confirmadas por uma sentença interna para valerem no país (CAPPELLETTI, [1968], p. 348). Bariatti (1995, p. 1222) notou também que o "retorno às origens" teria provocado perplexidade e resistência em alguns ambientes jurídicos, sem, porém, compartilhar desse estado de ânimo.
  29. Pegna (2004, p. 469), depois de fazer a inquietante pergunta "é tempo de contra-reforma?", noticia que, em dezembro de 2003, foi apresentado um projeto de lei restringindo o reconhecimento automático ao previsto em tratados. A lógica da contra-reforma, analisa a autora, seria fechar as portas aos países sem "afinidade jurídica" com a Itália (PEGNA, 2004, p. 471). Apesar disso, Pegna (2004, p. 473) opina que a contra-reforma seria desnecessária, porque o sistema em vigor fornece garantias suficientes.

  30. Não sabemos de reforma posterior a 1980 no sentido inverso. Conquanto o caso esteja fora do período sob exame, pode-se mencionar que, em 1967, o Código Processual Civil e Comercial da Argentina tornou desnecessário o exequatur para que a sentença estrangeira produza efeitos incidentais em um processo doméstico, como, v.g., quando o réu invoca em sua defesa a coisa julgada estrangeira (GOLDSCHMIDT, 2002, pp. 484 e 492).
  31. De acordo com o Prof. Celso Mello (2000, p. 131): "A tendência atual é a da soberania existir como um conceito meramente formal, isto é, estado soberano é aquele que se encontra direta e imediatamente subordinado ao DIP. O seu conteúdo é cada vez menor, tendo em vista a internacionalização da vida econômica, social e cultural."
  32. No original: "perennially swinging between quality of justice and celerity in its administration seems now to prefer the latter alternative".
  33. Diferente argumento, ainda na linha territorialista, foi usado por Andrioli em 1954 (apud CONSOLO, 1997, pp. 11 e 12): a causa da proibição da simultaneidade de processos no âmbito interno seria a economia processual. Como, no entanto, a litispendência no exterior não implicaria qualquer gasto de energia no foro local, far-se-ia irrelevante o bis in idem.
  34. No original: "La giurisdizione italiana non e' esclusa dalla pendenza davanti a un giudice straniero della medesima causa [...]."
  35. Consolo (1997, pp. 5-15) fez uma retrospectiva da disciplina da litispendência internacional na Itália e descreveu um movimento reversivo. A princípio, a litispendência internacional recebia o mesmo tratamento da interna, por analogia. Em 1940, o Código de Processo Civil, refletindo a evolução jurisprudencial, passou a negar-lhe qualquer efeito. Em 1995, uma nova reforma legislativa determinou seja suspenso o processo italiano quando tiver por objeto causa anteriormente apresentada perante o Judiciário estrangeiro, desde que satisfeitas certas condições.
  36. O Código Civil peruano de 1984 contém uma disposição semelhante à da lei suíça, estabelecendo, contudo, o prazo de três meses para a conclusão do processo estrangeiro (art. 2.066).
  37. A maioria dos países citados, senão todos, condiciona o não-exercício da jurisdição a que a decisão estrangeira seja reconhecível no foro local. Dois deles: França e Suíça, deixam à discrição do juiz local declinar de sua jurisdição de plano ou suspender o processo (CONSOLO, 1997, pp. 37 e 38). Em um deles, no Japão, a solução parece ser sempre declinar da jurisdição (TAKESHITA, 1996, p. 71).
  38. Desconhecemos qualquer país que tenha inovado para ignorar a litispendência internacional depois de 1980. A França não foi mencionada no texto porque liberalizou o regime da litispendência internacional na década de 70. De todo modo, Mayer e Heuzé (2001, p. 293) relatam que, conquanto a Corte de Cassação tenha sido hostil à exceção de litispendência internacional durante muito tempo, houve uma reviravolta na jurisprudência, e os acórdãos mais recentes têm acolhido a exceção.
  39. Kerameus (1997, p. 405) notou que raramente se põe em questão que a livre circulação internacional de sentenças contribua para melhorar a qualidade da justiça.
  40. No original: "I veri destinatari del nuovo impianto normativo – maturato in tema di cooperazione internazionale in materia giudiziaria – non sembrano più essere gli Stati ma gli uomini. [§] Il baricentro della nuova disciplina si coglie non più nella sovranità degli Stati nazionali, ma nel diritto dell’Uomo (quale che sia la sua cittadinanza, la razza ed il luogo in cui vive ed opera) di vedere soddisfatto – in termini di effettività e, quindi, di tempestività – il proprio bisogno di giustizia." SOSA (1996, p. 257) expressou igualmente que: "la colaboración internacional en la dimensión jurisdiccional tiene como destinatarios no a los Estados extranjeros, sino al hombre como sujeto de derecho universal, quien debe tener acceso a la jurisdicción internacional en cualquier lugar del universo". Podem-se acrescentar aqui as palavras de Takeshita (1996, p. 74), embora restritas ao Japão: "os tribunais tendem a conceber o sistema de reconhecimento, em primeiro lugar, como instrumento dos interesses das partes, [...] não do interesse nacional" (traduzimos).
  41. No original: "In reality, what is asked for is equality of treatment irrespective of State borders, [...] disjunction of law from space." Cf. também a impressão de Taruffo (2001, p. 1062): "A propósito da jurisdição, pode-se observar, em linha geral, que a globalização comporta uma acentuação do fenômeno que foi oportunamente indicado como «delocalização», ou seja, o afrouxamento e, no limite extremo, a eliminação da tradicional relação entre jurisdição, soberania e território do Estado-nação. [Traduzimos.]" No mesmo sentido, Hitters (1995, p. 281) apontou, em nossa matéria, a superação dos critérios excessivamente localistas e isolacionistas.
  42. Quando dizemos que o nosso tema é a "circulação internacional de sentenças", em vez de simplesmente "reconhecimento", estamos em sintonia com a tendência geográfica: enquanto sob o prisma territorialista, a imagem é de decisões estrangeiras "chegando" ao país, sob o prisma global vêem-se decisões de todas as nacionalidades "indo e vindo".
  43. No original: "Oggi, dopo due catastrofi che hanno scosso dalle fondamenta il «mondo degli Stati», le cose appaiono molto mutate. L’uminatà, divenuta piú consapevole della fondamentale comunanza di natura esistente fra tutti gli uomini, sembra anelare verso nuove e superiori forme di associazione e di comunità [...] siamo oggi invero consapevoli tutti di vivere in un’epoca caratterizzata —come ha rilevato Alcalá-Zamora— piuttosto della tendenza associativa che da quella nazionale, onde sul piano del diritto s’impone la massima liberalità nel riconoscimento dei valori giuridici stranieri e nell’adattamento del diritto interno al rispetto di tali valori."
  44. Mas o radicalismo universalista, ajunte-se logo, tampouco merece acolhida. A tensão entre nacionalismo e cosmopolitismo não deve ser resolvida na base do tudo ou nada ("mundo: ame-o ou deixe-o"). Devemos buscar um novo ponto de acomodação, sem apagar os interesses nacionais.
  45. Para detalhes sobre as discussões doutrinárias e jurisprudenciais, cf. ASSIS e TANAKA, 2003, pp. 91 e ss. Acreditamos que o parágrafo único não tenha sido recepcionado pela Constituição de 1946 e que, se assim não fosse, teria sido revogado pelo art. 483 do CPC em 1973. Sem embargo, como se pode inferir das ponderações adiante tecidas, pensamos que nada obsta —ao contrário, o momento aconselha— a edição de nova norma com o mesmo conteúdo do parágrafo único, que seria agora constitucional. Ressalve-se, contudo, subsistir a controvérsia sobre a vigência do parágrafo único do art. 15 da Lei de Introdução. (PS: ao iniciarmos a elaboração de nossa pesquisa de doutorado, começamos a rever o posicionamento externado nesta nota de rodapé)
  46. Esse aspecto também foi enfatizado pelo parecer de Matos Peixoto no julgamento do leading case em que o Supremo Tribunal Federal, à época competente para o processo de homologação, exigiu a homologação das sentenças impropriamente chamadas "declaratórias do estado de pessoas" (Emb. SE 1.297 – Itália, rel. Ribeiro da Costa, Plenário, j. em 24/05/1955).
  47. Cappelletti ([1968], p. 368) teceu essas considerações para provar que, ainda na vigência do Código de Processo Civil italiano de 1942, a sentença estrangeira deveria produzir eficácia automática no país em alguns casos, apesar da intenção do legislador. Foram estas as suas palavras: "Non neghiamo affatto che un’indagine storica possa dimostrare che l’intenzione di coloro, che redassero gli artt. 796 e ss. del codice del 1942, fosse di accogliere nei nuovi testi l’interpretazione anzilottiana e post-anzilottiana affermante la necessità sempre della delibazione delle sentenze straniere. Ma una interpretazione storico-evolutiva non può concepire la storia in maniera statica e unidimensionale. La storia non è soltanto il passato, ma è il movimento del passato verso il presente e verso il futuro. La storia ha, insomma, tre dimensioni, e una corretta interpretazione storico-evolutiva non può non tener conto dei nuovi movimenti, delle nuove esigenze, delle nuove tendenze che si manifestano rispetto alla norma al principio o all’istituto oggetto di interpretazione."
  48. A emenda alterou a competência para a homologação, que passou do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça. Todavia a novidade não parece ser significativa no quadro das tendências atuais. Ela, na verdade, parece ter sido destinada a diminuir o volume de trabalho do Supremo Tribunal Federal. Ano a ano, de 1990 a 2004, foram estes os crescentes números de processos de homologação recebidos pelo Presidente: 86, 146, 140, 180, 145, 171, 241, 248, 267, 353, 413, 462, 550, 647, 749. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/bndpj/stf/CompPresid.asp>. Acesso em: 12 fev. 2005.
  49. Da mesma forma, é sintomático o novo parágrafo (§5º) do art. 109: "Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal."
  50. No entanto, de acordo com o art. 109, X, da Constituição: "Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] a execução [...] de sentença estrangeira, após a homologação [...]." Isso significa que toda sentença estrangeira será executada pelos juízes federais e somente será executada após homologada. A homologação é pressuposto da execução de todas as sentenças estrangeiras. Nesse caso, o dispositivo vai de encontro à nossa conclusão? Não, pois a norma inequivocamente cuida apenas da execução da sentença estrangeira. Esta só é possível "após a homologação". Ela não põe óbice a que os efeitos constitutivos e declaratórios da sentença tenham lugar independentemente da homologação. A leitura casada dos arts. 105, I, i, e art. 109, X, da Constituição indica que a realização de atos executórios no Brasil com base em provimento alienígena é que depende do controle prévio pelo Superior Tribunal de Justiça. No mais, a disciplina compete à norma infraconstitucional. Embora o art. 109 não sirva para refutar nossa conclusão, ele basta para fazer inconstitucional o art. 13 da Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar da OEA (1989), promulgada no Brasil pelo Dec. 2.428. O tratado prevê que o controle dos requisitos da delibação caiba "diretamente ao juiz a quem corresponda a execução" da sentença.
  51. Exceção: se a sentença estrangeira não preencher os requisitos do reconhecimento.
  52. No original: "Il faut toujours tenter d’empêcher les parties de profiter abusivement de la diversité des ordres juridictionnels."
  53. Como se disse pouco antes de o Supremo Tribunal Federal deixar de deter a competência para homologar sentenças estrangeiras: "a jurisprudência da Corte já se firmou no sentido de que, em caso de conflito entre atos sentenciais brasileiros e estrangeiros que versem sobre o mesmo tema, há que prevalecer a sentença proferida por autoridade judiciária brasileira" (SEC 7.100-3 – Estados Unidos, rel. Carlos Velloso, Plenário, j. em 14/04/2004). Outras decisões nesse sentido: SEC 3.457 – Paraguai, rel. Aldir Passarinho, Plenário, j. em 27/08/1987; SEC 4.012 – Alemanha, rel. Paulo Brossard, Plenário, j. em 22/10/1992; SEC 4.694 – Estados Unidos, rel. Ilmar Galvão, Plenário, j. em 10/12/1993; SE 5.778 – Estados Unidos, rel. Celso de Mello, decisão monocrática, j. em 12/05/2000; SEC 6. 971 – Estados Unidos, rel. Maurício Corrêa, Plenário, j. em 28/11/2002; SEC 7. 218-2 – Estados Unidos, rel. Nelson Jobim, Plenário, j. em 24/09/2003. Mas existe uma diferença entre os precedentes citados e a hipótese examinada: somente nesta existia uma sentença estrangeira transitada em julgado antes da propositura da demanda no Brasil.
  54. No mesmo sentido do voto de Ellen Gracie: SEC 6.729 – Espanha, rel. Maurício Corrêa, Plenário, j. em 15/04/2002. Há, ainda, outros precedentes sobre o tema, tanto no Supremo Tribunal Federal, como, mais recentemente, no Superior Tribunal de Justiça. A matéria não foi pacificada.
  55. Nossa análise limita-se, aqui, à hipótese em que a fundamentação não é exigida no país de origem. Não tratamos daquela em que o juiz estrangeiro, descumprindo a sua lei processual, não fundamenta.
  56. No mesmo sentido: Ag. Reg. SE 2.521 – Estados Unidos, rel. Antônio Neder, Plenário, j. em 07/11/1980; SEC 3.397-6 – Inglaterra, rel. Francisco Rezek, Plenário, j. em 11/11/1993; SEC 4.469 – Inglaterra, rel. Marco Aurélio, Plenário, j. em 10/12/1993: "SENTENÇA ESTRANGEIRA - ESTRUTURA. A estrutura da sentença estrangeira há de ser perquirida em face à legislação do país em que prolatada e não a brasileira"; SEC 3.897 – Inglaterra, rel. Néri da Silveira, Plenário, j. em 09/03/1995; SEC 5.157-6 – Alemanha, rel. Néri da Silveira, Plenário, j. em 19/06/1996; SEC 4.415 – Estados Unidos, rel. Francisco Rezek, Plenário, j. em 11/12/1996; SEC 5.720 – Áustria, rel. Marco Aurélio, Plenário, j. em 22/10/1998; SEC 5.418 – Estados Unidos, rel. Maurício Corrêa, Plenário, j. em 07/10/1999: "A concisão da sentença não compromete sua inteligibilidade, se apoiada nas razões da inicial, da contestação e da reconvenção, acostadas aos autos. Pedido de homologação deferido." Em vários julgamentos em que a sentença estrangeira não tinha fundamentação —o que se pode inferir do relatório—, essa circunstância não mereceu sequer o debate, o que é uma anuência tácita à homologação de sentenças estrangeiras sem fundamentação. Cf., inter alia, SE 2.124 – Estados Unidos, rel. Bilac Pinto, Plenário, j. em 04/04/1974; SEC 4.835-4 – Estados Unidos, rel. Néri da Silveira, Plenário, j. em 04/04/2002.
  57. Cf. SEC 3.262 – Estados Unidos, rel. Djaci Falcão, Plenário, j. em 03/09/1986; SEC 3.977 – França, rel. Francisco Rezek, Plenário, j. em 01/07/1988; SE 4.447 – Estados Unidos, pres. Sidney Sanches, decisão monocrática, j. em 11/10/1991; SEC 3.976 – França, rel. Maurício Corrêa, Plenário, j. em 27/09/1995; ED – SEC 3.977 – França, rel. Carlos Velloso, Plenário, j. em 05/09/1996.
  58. No original: "In principle, all procedural systems should be viewed as a whole; weakness in one department may well be offset by strength in another."
  59. A partir da lição de René David, Enrique Vescovi (1995, pp. 29 e 30) dividiu o mundo em quatro partes: anglo-saxã, soviética, do civil law continental e do civil law hispano-americano (a nomenclatura não era claríssima —foi a empregada por um uruguaio—, mas certamente o processo brasileiro se identifica mais com a descrição do sistema hispano-americano do que com qualquer outra). Nos três primeiros, prevaleceria a oralidade. O último, de processo escrito, foi retratado destarte: "Sin inmediación, con predominio de funcionarios y burocrático. Basado, al decir de Cappelletti en el sistema de actas. (Quod non est in actis non est in mundo)" (ENRIQUE VESCOVI, 1995, pp. 29 e 30).
  60. No original: "presque tout est présenté oralement".
  61. A rigor, não se trata de debilidade, porém de uma opção. Toda pessoa tem o direito de conhecer as razões que levam o judiciário a decidir de modo a afetar-lhe os interesses; sem isso não há devido processo legal. Mas esse direito não se confunde com a fundamentação escrita no corpo da sentença, ou seja, com a fundamentação de que trata o art. 458, II, do CPC e correntemente se crê tratar o art. 93, IX, da CR. O direito de conhecer as razões pode ser condicionado à requisição do interessado ou pode ser satisfeito oralmente; a fundamentação contextual e escrita é apenas um dos meios de atendê-lo. Cf. Andrade (1992, pp. 192-220), que tece considerações semelhantes em torno da fundamentação de atos administrativos em Portugal.
  62. O Instituto de Direito Comparado da Universidade de Paris II e a Escola Nacional da Magistratura francesa realizaram um colóquio sobre o tema "a elaboração das decisões judiciais: estudos de direito comparado". Os resultados são muito elucidativos e foram publicados em: REVUE INTERNATIONALE DE DROIT COMPARÉ, 1998.
  63. No original: "Furthermore, one must be cautious in evaluating other systems; too often the unfamiliar is equated with the unjust."
  64. O mecanismo de atuação da ordem pública na aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional é bem diferente. Se a regra de conexão indicar uma norma incompatível com a nossa ordem pública, nem por isso o juiz negará o direito da parte. Ele irá aplicar a lei do foro e dará o direito a quem tiver razão. Na homologação, é tudo ou nada. Se a sentença não for reconhecida, a parte será prejudicada, ponto final (MAYER e HEUZÉ, 2001, p. 257).
  65. Ele aduziu um novo argumento: o Supremo Tribunal Federal seria uma instância de delibação, não de execução.
  66. Quem se dispuser a estudar esse tema se beneficiará da leitura de: COLLINS, 1992, pp. 121-127.
  67. Para essa pesquisa, sugerimos: ANDOLINA, 1996, pp. 8-60.
  68. Podem-se consultar sobre o tema: STARACE, 2002, pp. 305-326; NEDJAR, 1997, pp. 61-102; SCHIMA, 1966, pp. 681-691.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Marcela Harumi Takahashi. As tendências atuais na circulação internacional de sentenças e o Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2912, 22 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19375. Acesso em: 10 maio 2024.