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Ensaio sobre a parceria público-privada (PPP) da nova arena esportiva Fonte Nova

Ensaio sobre a parceria público-privada (PPP) da nova arena esportiva Fonte Nova

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Empreende-se uma análise da PPP firmada entre o Governo do Estado da Bahia e o consórcio OAS/Odebrecht para a construção, operação e manutenção da Arena Esportiva Fonte Nova.

SUMÁRIO:1. INTRODUÇÃO; 2. MARCO REGULATÓRIO DA PPP NO BRASIL; 3. DEFINIÇÃO DE PPP; 4. PPP EM ESTÁDIOS DE FUTEBOL; 5. A PPP DA FONTE NOVA; 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 7.REFERÊNCIAS.


RESUMO

O presente trabalho discute os limites e possibilidades do recurso à PPP (parcerias público-privada) para viabilizar a construção de equipamentos esportivos (Estádios de Futebol), tendo como contexto a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de futebol em 2014. O caráter recente da adoção das PPP no país faz com que sejam poucas as experiências em curso, justificando seu estudo de forma aprofundada. Em paralelo, o volume de recursos a ser investido para a realização da Copa do Mundo em 2014 enseja o exame minucioso das formas a serem utilizadas pelos governos para viabilizar a infraestrutura necessária. Assim, por meio de uma pesquisa empírica, empreende-se uma análise da PPP firmada entre o Governo do Estado da Bahia e o consórcio OAS/Odebrecht para a construção, operação e manutenção da Arena Esportiva Fonte Nova. Nossa análise revela que muito embora o recurso à PPP tenha sido uma escolha adequada, os riscos assumidos pelo operador privado foram aquém do necessário, contribuindo assim para uma sobrecarga demasiada do governo estadual.

PALAVRAS-CHAVE: PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA; PPP; ESTÁDIOS; FUTEBOL; FONTE NOVA; COPA.


1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos formas alternativas à provisão estatal vêm sendo invocadas para a provisão de serviços de utilidade pública. Da provisão privada total, passando pela terceirização, pela concessão e, mais recentemente, pelas Parcerias Público-Privadas (PPP). As novas modalidades possuem como traço comum a entrada em cena de novos atores em papéis anteriormente desempenhados por entes estatais, sobretudo em função das restrições orçamentárias dos governos.

A escolha do Brasil como sede de grandes eventos esportivos tais como: Copa das Confederações em 2013, Copa do Mundo de Futebol em 2014, Copa América em 2015 e Jogos Olímpicos em 2016, demanda, evidentemente, uma série de investimentos tanto em equipamentos esportivos quanto em serviços de infraestrutura (aeroportos, transporte público de massa, serviços de saúde, por exemplo). Diante do expressivo volume de recursos necessários à organização desses eventos nos padrões estipulados pelos organizadores, nada mais natural que entes privados sejam invocados a participar dos esforços para materialização da estrutura correlata.

Nesse sentido, o presente trabalho busca compreender os limites e possibilidades das PPP para a construção de estádios de futebol, tomando como base a experiência concreta da PPP da Fonte Nova, orquestrada pelo Governo do Estado da Bahia. Para tanto, após essa introdução, analisa-se a a lei nacional de PPP (Lei nº 11.079/04), cotejando-a com a Lei do Programa de PPP do Governo do Estado da Bahia, Lei nº 9.290, de 27 de dezembro de 2004. Em seguida, discute-se as vantagens e desvantagens dessa forma híbrida de provisão de serviços públicos, tendo como suporte construtos teóricos caros ao campo teóricos conhecido como economia das organizações, o qual tem sido empregado em estudos da área da análise econômica do direito, também conhecido como Law and Economics (ZYLBERZSTAJN e STAJN, 2005). Na sequencia, examina-se as características e potencialidades da PPP firmada entre o Governo do Estado da Bahia e o consórcio OAS/Odebrecht para a construção, operação e manutenção da Arena Esportiva Fonte Nova. Vale ressaltar que o presente estudo não examinará o contexto histórico do surgimento das PPPs no Brasil ou no Direito comparado, tampouco as objeções a sua implementação no Brasil, pois parte-se do pressuposto de sua constitucionalidade. Ademais, recorrendo ao uso da primeira pessoa, no nosso entender não vislumbramos nada que acrescentar a este debate, frequentemente pautado por argumentos calcados em juízo de valor e em convicções ideológicas de defensores e contrários ao modelo. Assim, em meio a uma perspectiva positiva, procuramos examinar a realidade e a partir dela tecer considerações que possam servir de subsídio a teóricos da área de direito e a formuladores de políticas públicas.


2. DEFINIÇÃO DE PPP

A PPP é uma forma híbrida de provisão de serviços públicos, ou seja, um arranjo organizacional no qual há a participação conjunta e coordenada entre o Poder Público e atores privados para a consecução de um fim tipicamente público (CABRAL, 2006). Serviço público, por sua vez, segundo Marçal Justen Filho (2005, p. 478):

é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público

A PPP, contudo, não é o único arranjo híbrido possível no sistema legal brasileiro. É apenas o mais novo. Podemos citar, além das PPPs, as concessões comuns e as terceirizações. Como demonstra a figura 1 abaixo, o que distingue cada um desses arranjos organizacionais é o grau de transferência do Poder Público para o particular dos direitos de propriedade, direitos de decisão e também a receita proveniente da operação (CABRAL e SILVA Jr, 2009, p.3).

 

Envolvimento do operado provado

               
   

 

             

Privatização

 

Alto

 

               
   

 

         

PPP

   
   

 

               
 

Médio

 

     

Concessão

       
   

 

               
 

Baixo

 

 

Terceirização

           
   

 

               
 

Nulo

Gestão Direta

               
   

 

               

Propriedade

Pública

 

Pública

 

Pública

 

Privada

 

Privada

Duração dos direitos de propriedades do operador

-

 

Curto

 

Médio

 

Médio/Longo

 

Perpétuo

Figura 1 – Principais formas de provisão de serviços de utilidade pública

Fonte: Adaptação de Huet e Saussier (apud CABRAL, 2006, p.34)

A figura acima não esgota as possibilidades de arranjos envolvendo governo e iniciativa privada, mas tão somente apresenta as formas mais importantes, segundo à classificação utilizada pela ciência jurídica. Percebe-se que, entre a provisão governamental direta e a privatização, existem outros arranjos cujas características podem situá-los mais próxima da gestão direta ou mais próxima da privatização.

A PPP apresenta inúmeras vantagens. Utilizando-se delas, o Poder Público pode comprar o serviço de um operador privado ao invés de investir recursos próprios, o que garante a realização dos fins do Estado sem comprometer o orçamento público (CABRAL e SILVA Jr, 2009, p.3). Acrescente-se, ainda, a vantagem de o serviço público delegado ao particular conserva sua legitimidade conferida pelo setor público somado ao potencial de gestão (flexibilidade e agilidade) do setor privado (CABRAL e SILVA Jr, 2011).

Tomando-se por base a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, considerada como o marco regulatório da PPP no Brasil (ANDRADE, 2011, p. 10), no que diz respeito às características do contrato, precisa é a lição de Paulo Sérgio Souza Andrade (2011, p.2) a seguir transcrita. Para ele, uma análise interdisciplinar, com base na Análise Econômica do Direito (Law & Economics):

"Em linhas gerais [a PPP] também é uma concessão de serviço público, diferindo da concessão comum pelo maior prazo do contrato para viabilizar investimentos maiores em ativos destinados à provisão de serviços de utilidade pública tradicionalmente oferecidos diretamente pelo Poder Público. O prazo da concessão não será inferior a 05 (cinco) anos nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, ou seja, de médio a longo prazo, enquanto que nas concessões comuns o prazo é curto o que inviabiliza investimentos maiores. O investimento mínimo é de R$ 20 milhões. A PPP funciona da seguinte forma: o operador privado pode investir recursos próprios para a construção de um dado ativo para a provisão de um serviço público de forma autônoma ou conjunta com o ente estatal. Em retribuição ao seu aporte financeiro, o ente privado adquirirá a concessão para explorar o serviço por prazo determinado, compatível com o valor do investimento. Tal período compreende o tempo necessário à amortização do investimento, além de considerar a realização de uma margem de lucro compatível a atividade empresarial, que seja igual ou superior ao custo de oportunidade do ator privado. Os contratos de PPP ainda poderão prever, adicionalmente, a repartição de riscos e lucros entre o Poder Público contratante e o particular contratado. Ao final do contrato, quando acabam as obrigações do operador privado, o ativo originalmente construído por esse será revestido para o patrimônio público. A partir de então, o Poder Público será o titular dos direitos de propriedade e terá a faculdade de explorar o serviço diretamente, por sua conta e risco, ou cometê-lo à particulares nos termos e condições previstos na Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispões sobre as permissões e concessões comuns de serviços públicos."

Do ponto de vista da Law & Economics, a PPP, enquanto arranjo híbrido, pode ser caracterizada sob a égide da teoria da agência (CABRAL, 2006, p.68). Em resumo, haverá a presença do Estado na qualidade de principal, em nome de quem a outra parte, o operador privado ou agente, executará tarefas e tomará decisões. Nesse arranjo, o principal delega tarefas a um agente e espera que este último empreenda o máximo de esforço para a consecução do fim almejado (JENSEN e MECKLING, 1976). Entretanto, os interesses dos atores envolvidos podem não estar perfeitamente alinhados. Deste modo, para que o principal consiga determinar o comportamento do agente, faz-se preciso instituir um sistema de incentivos (punições e recompensas) adequado ao fim pretendido (CABRAL e SILVA Jr, 2009). O design dos sistemas de incentivos é uma questão central na economia das organizações. A idéia é que as partes irão trabalhar melhor se forem recompensadas pelos seus resultados. A ocorrência de incentivos, por seu turno, demanda um eficaz sistema de monitoramento e controle para que não se cometam injustiças nem com as premiações nem com as punições (ROBERTS, 2010). Além das responsabilidades, a delegação entre agente e principal requer a transferências dos riscos. Sob a ótica da eficiência econômica, os riscos devem ser alocados às partes que possuam melhor condições para gerenciá-los ao menor custo (CABRAL e SILVA Jr, 2009, 2011).

O grande problema envolvendo incentivos reside em seu desenho, por vezes não trivial, e na própria reação dos atores econômicos e sociais a sua existência. Segundo John Roberts (2010, p.125):

The problem is that people respond just as strongly to badly designed incentives as they do to well- structured ones. And when those badly designed incentives are strong, they can lead to really egregious forms of behavior, and the results then can be horrendous. [01]

Além do que foi dito até aqui, as PPPs também estão sujeitas aos mesmos males a que são acometidos os contratos administrativos em geral. Há sempre, v.g., o risco de colusão entre os atores envolvidos, em detrimento do bem estar coletivo (CABRAL, LAZZARINI e AZEVEDO, 2010). Partido desse pressuposto, andou bem o legislador pátrio quando condicionou a contratação na modalidade de PPP à submissão da minuta de edital e de contrato à consulta pública, mediante publicação na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que deverá informar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo mínimo de 30 (trinta) dias para recebimento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos 7 (sete) dias antes da data prevista para a publicação do edital (Lei de PPP, art. 10, inciso VI).

No caso da PPP da Fonte Nova temos um exemplo de tentativa de controle social que merece nota. O Ministério Público do Estado da Bahia tem se destacado pela atuação controladora e por sucessivas ações visando a fiscalização do empreendimento e a observação de aspectos relacionados ao financiamento, da concessão de licenças ambientais. Além do MP, entidades profissionais, ambientalistas e sociais da Bahia, manifestam-se, por meio de manifesto público, contrárias especialmente à proposta de demolição integral do Complexo Esportivo da Fonte Nova [02], sob o argumento, dentre outros, de que o estádio era perfeitamente recuperável e reaproveitável a baixo custo. Sem julgar a pertinência ou não dos clamores, é fato concreto que as PPP possibilitam o controle social, aumentando as chances de preservação de interesses da sociedade.

De fato, acerca do controle popular dos atos praticados pela Administração Pública, Marçal Justen Filho (2005, p, 732) fez uma brilhante observação, a seguir transcrita:

o controle da atividade administrativa depende de instrumentos jurídicos adequados e satisfatórios. Mas nenhum instituto jurídico formal será satisfatório sem a participação popular. A democracia é a solução mais eficaz para o controle do exercício do poder. A omissão individual em participar dos processos de controle do poder político acarreta a ampliação do arbítrios governamental

E, em seguida, conclui que "os instrumentos que prevêem a participação popular na atividade administrativa representam, por isso, a solução mais satisfatória e eficiente para promoção dos direitos fundamentais" (JUSTEN FILHO, 2005, p, 732). As palavras de Marçal, de clara intelecção, são suficientes por si só, dispensando, assim, qualquer comentário.


4. PPP EM ESTÁDIOS DE FUTEBOL

Tradicionalmente utilizada em setores de infra-estrutura, como energia, saneamento e transporte, a PPP passou também a ter aplicação em setores menos ortodoxos, tais como equipamentos esportivos (CABRAL e SILVA Jr, 2009).

A primeira questão a ser enfrentada é a tipificação do futebol como serviço público. Levando-se em consideração o conceito de serviço público, consagrado por Marçal Justen Filho, apresentado linhas acima, podemos afirmar seguramente que sim, já que não há dúvidas de que o futebol é esporte, lazer e trabalho, direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Para Sandro Cabral e Antônio Francisco Silva Júnior (2009, p.43) o futebol pode ser tipificado como um serviço de utilidade pública por sua importância cultural na sociedade brasileira e pelas externalidades positivas geradas por equipamentos esportivos. Mais um forte argumento a favor da tipificação do futebol como direito a ser protegido pelo Estado, pois, segundo a Constituição Federal (art. 23, III) é dever dos entes políticos zelar pelos bens e valores culturais e históricos.

No caso brasileiro, a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014 gerou uma necessidade de investimentos em estádios na ordem de 5,4 bilhões de reais para obras de manutenção dos equipamentos existentes e construção de novos, conforme se demonstra na figura 2. Surge daí uma questão: sabendo-se que os recursos são limitados e há restrições à atuação direta da Administração Pública, como trasladar recursos de áreas prioritárias, concernentes à prestação de Direitos sociais pelo Estado, para viabilizar investimentos em equipamentos esportivos? A solução encontrada por muitos governos Estaduais, como é o caso da Bahia, foi a utilização de PPP.

Figura 2 – Investimentos em Equipamentos Esportivos

 

Estádio

Estado

Custo em R$ milhões

 

Estádio

Estado

Custo em R$ milhões

 

 

 

 

 

 

 

Valvidão

Amazonas

500

 

Arena da Baixada

Paraná

100

Fonte Nova

Bahia

605,5

 

Arena Capibaribe

Pernambuco

480

Castelão

Ceará

617

 

Maracanã

Rio de Janeiro

600

Mané Garrincha

Distrito Federal

700

 

Arena das Dunas

Rio Grande do Norte

400

Verdão

Mato Grosso

342

 

Beira-Rio

Rio Grande do Sul

130

Mineirão

Minas Gerais

619

 

Morumbi

São Paulo

240

Total de Investimentos Demandados em Bilhões de R$

5,335

Informações adaptadas do site: www.copa2014.org.br

Contudo, o recurso à PPP para investimento em equipamentos esportivos é arriscado na medida em que aspectos intangíveis, como a preferência por um clube em determinado lapso temporal, (CABRAL e SILVA Jr, 2009).

Os autores complementam em seguida:

na medida em que resultados ruins podem implicar em menores receitas de bilheteria, redução de exposição na mídia, diminuição das cotas de patrocínio e arrefecimento das vendas de produtos ligados ao clube (CABRAL, 2009, p.44).

Os aludidos autores apontam quatro alternativas não excludentes entre si para que este tipo de negócio dê certo quais sejam: financiamento a baixo custo; a instituição de um Fundo Garantidor; a instituição de um seguro; e a necessidades de projetos associados ao principal (CABRAL, 2009, p.52-53).


5. A PPP DA FONTE NOVA

Até o presente momento, a discussão foi travada sob ponto de vista teórico. A partir de agora, ao revés, iremos examinar um caso concreto, a PPP da Fonte Nova. Objetiva-se, com isso, contrastar o modelo teórico (ideal) ao fático, em buscas de dessemelhanças.

O Governo do Estado da Bahia mostrou-se interessado em delegar essa atividade a um particular, exonerando-se, por conseguinte, dos riscos, responsabilidades e despesas com a manutenção do Estádio da Fonte Nova que, com 59 anos de uso, estava obsoleto e em péssimas condições de conservação. Em decorrência de sua precariedade, foi palco de um grave acidente com a ocorrência de vítimas fatais em novembro de 2007, provocando sua interdição.

Várias opções para viabilizar uma nova praça esportiva foram cogitadas, porém após discussões o governo estadual decidiu pelo uso de PPP. A projeção de receita considerada no contrato da PPP levou em consideração um "caso-base", com as seguintes premissas: a) o Estádio tem capacidade de cerca de 50.000 assentos; b) que apenas o Esporte Clube Bahia clube da capital realizará jogos na Arena, visto que o outro clube da capital, o Esporte Clube Vitoria, tem seu próprio Estádio; c) que o Bahia realizará cerca de 33 jogos por ano na Arena; c) que, adicionalmente à premissa acima, os jogos profissionais dos outros clubes de futebol do Estado da Bahia sejam realizados prioritariamente na Arena.

Após uma Proposta de Manifestação de Interesses (PMI) lançada pelo governo do Estado da Bahia em 2008 para escolha de potenciais projetos para o estádio e de um processo licitatório em 2009, em 2010, o Governo do Estado da Bahia firmou contrato de Parceria Público-Privada com o consórcio formado pelas Construtoras OAS e Odebrecht visando a demolição do antigo estádio de Futebol Octávio Mangabeira (Fonte Nova); o posterior soerguimento de uma Arena Esportiva [03] em sucedâneo, observando os padrões recomendados pela FIFA (Federação Internacional de Futebol Association); e a ulterior gestão da operação e da manutenção do Estádio.

Para resolver o problema da baixa expectativa de receita, o Governo, a partir do caso base, projetou uma expectativa de demanda. Havendo variação desta demanda acima de 100%, as receitas líquidas auferidas serão compartilhadas na proporção de 50% para cada uma das partes. Igualmente, mas em sentido oposto, havendo variação da demanda, a menor, verificada abaixo de 100%, os prejuízos serão compartilhadas entre as partes, na proporção de 50% para cada um, não ensejando a revisão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O compartilhamento de riscos com o operador privado foi uma das soluções encontras pelo Governo do Estado da Bahia para salvar o negócio.

O operador privado (OAS/Odebrecht) arcou com os cursos do projeto, no valor de aproximadamente R$ 2.56 milhões e deverá investir R$ 605.5 milhões para a construção da Arena-Esportiva, incluindo neste valor a despesas com a demolição do antigo Estádio. O prazo determinado para a conclusão da obra é 31.12.2012 para que o equipamento possa ser utilizado na Copa das Confederações em 2013.

O financiamento para a obra foi obtida pelo operador privado com a garantia de solvência apresentada pelo Governo Baiano [04]. O empréstimo foi concedido com taxas de juros subsidiadas, tendo sido contraído junto ao BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social e ao Desenbahia - Agência Baiana de Fomento, respectivamente no valor de R$ 591 milhões e R$ 50 milhões.

A concessão terá prazo de 35 anos. A gestão da operação e da manutenção do empreendimento terá início em janeiro de 2013 e inclui, conforme o contrato, a coordenação de sua conservação rotineira, de sua conservação preventiva e de sua manutenção de emergência, incluindo, sem limitação, conservação das estruturas de concreto e outras, da arena e do gramado do estádio, dos assentos e outras acomodações para públicos diversos, das instalações e equipamentos eletrônicos, elétricos e hidráulicos, áreas verdes, estacionamentos e outras áreas comuns. O objetivo é proporcionar que o estádio esteja em perfeito estado de conservação e funcionamento, admitido tão somente o desgaste natural que não comprometa as suas funções. Deve-se, ainda, buscar o aprimoramento contínuo de seu serviço, segundo técnicas e tecnologia que se façam disponíveis em bases comercialmente viáveis.

Os contratos de PPP possuem duas modalidades: patrocinada ou administrativa, as quais se diferenciam no que tange às fontes de financiamento. A modalidade da PPP da Fonte Nova foi a administrativa, um contrato de prestação de serviços no qual a Administração Pública será a usuária direta ou indireta (Lei de PPP, art.2º, § 2º). Esta opção também resultou da pouca atratividade do negócio. Dentre os serviços prestados ao Estado baiano, inclui-se a obrigação contratual de disponibilizar à FIFA o Estádio para a sua utilização durante a Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e Olimpíada de 2016, o que não ensejará remuneração ao operador privado, incluindo, sem limitação, obrigação de disponibilizar infra-estrutura de apoio à realização das partidas, limitada essa obrigação, no entanto, ao serviço de operação e manutenção do Estádio.

Sendo, pois, o Governo do Estado da Bahia, usuário do serviço em uma PPP na modalidade administrativa, após a conclusão da obra, a cargo do operador privado, o perador privado receberá uma contraprestação mensal do Governo Baiano, cuja soma de todas as contraprestações mensais durante os 35 anos de contrato é de aproximadamente R$ 592 milhões de reais, em valores atuais. A contraprestação mensal aludida destina-se ao atendimento das "condições operacionais mínimas" do equipamento esportivo, mas também funcionará como um sistema de incentivo, com base em medidas de desempenho, pois há uma parte variável e sua percepção dependerá de um bom desempenho. O monitoramento e controle do desempenho do agente (operador privado) será realizado por verificador independente (terceiro imparcial) cujos relatórios serão validados pelo órgão regulador estatal, a SUDESB - Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia. O verificador independente será remunerado pelo operador privado, tendo sido o valor máximo anual do serviço estipulado contratualmente em R$ 300 mil reais. Os critérios objetivos de aferição do desempenho foram pré-estabelecidos contratualmente e deverão ser rigorosamente observados pelo verificador independente.

Há que se registrar que as atividades relacionadas à PPP da Fonte Nova são bastantes suscetíveis a erros de mensuração, como é de praxe em arranjos organizacionais marcados por incompletude contratual e pela presença de informação assimétrica entre as partes (CABRAL e SILVA Jr, 2009). Tal situação é descrita por Jonh Roberts (2010, p.3) como aquela na qual não se sabe ao certo em que medida um bom desempenho do agente é devido ao seu esforço ou a outras variáveis não observáveis. Nesse caso, o desempenho contratual pode ser potencializado pelo desempenho esportivo do clube local. Fatores externos podem contribuir negativamente, como por exemplo a diminuição de receitas por conta da dificuldade de se coibir o uso indevidos de meia-entrada, ou até mesmo pelas condições macroeconômica do país.

As receitas não se limitam à contraprestação mensal aludida acima que só serve para a operacionalização do Estádio em condições mínimas de funcionamento. As demais despesas com a operação, manutenção, amortização do investimento inicial e com o lucro que se espera do empreendimento poderão ser cobertas por outras atividades associadas ao negócio principal (receitas de bilheteria e camarote), receitas de Marketing e Publicidade, como naming rights; receitas de patrocínio; locação do estádio para clubes de futebol, outras equipes esportivas, e prestadores de conteúdo e entretenimento em geral; eventos; receitas acessórias oriundas da exploração da área do entorno, v.g., bares, lanchonetes e restaurante, lojas de artigos esportivos, etc; atividades de exploração turística do próprio Estádio, visita guiada; e estacionamento, sem prejuízo de outras compatíveis com o negócio principal. A análise do contrato firmado entre as partes permite inferir que as possibilidades de receitas adicionais a bilheteria poderiam ter sido mais altas, sobretudo em função do projeto arquitetônico escolhido, o qual não proporcionou áreas locáveis no equipamento em número suficientemente amplo de forma a mitigar as inversões governamentais.

O grande problema envolvendo a contraprestação mensal avançada é que ela pode ser utilizada pelo agente para solver a dívida contraída para realizar a parte que lhe competia no negócio, construir o Estádio. Se isso ocorrer, a PPP estará desnaturada por completo, pois o Governo, além de pagar pela parte do serviço da qual é usuário, estará financiando a construção do ativo.

Em relação aos riscos assumidos pelo Operador Privado, além da responsabilidade pela liquidação do financiamento, pode-se destacar, ainda: a responsabilidade solidária pela segurança no interior do Estádio, em colaboração com a segurança pública; angariar o maior número de eventos possíveis; responsabilidade pelos danos diretos que, por si, seus representantes ou subcontratados forem causados ao Poder Concedente, aos usuários, ou a terceiros, na execução do serviço, exceto segurança pública, cujo dever de assegurar é do Estado;e acontratação e pagamento de seguros de, no mínimo, danos materiais e responsabilidade civil.

Merece nossa atenção o fato de que o operador privado será soberano para decidir sobre suas práticas comercias, assumindo todos os riscos daí advindos. Isso é muito importante, pois como o empreendimento está sujeito à variação de demanda, sem esta previsão, qualquer insucesso seria atribuído ao Poder Concedente. Segundo o contrato, o operador privado, goza de liberdade para, segundo suas políticas comerciais, fixar, reajustar e revisar perante os usuários ou quaisquer terceiros, os preços que comporão suas receitas operacionais e praticar, se lhe convier, preços promocionais temporários em jogos, eventos e outras atividades, desde que observados preços não discriminatórios, razoáveis e consistentes com o padrão dos serviços prestados e com equipamentos esportivos e de entretenimento comparáveis.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos dados estudados, podemos inferir que a PPP da Fonte Nova apresenta algumas diferenças em relação ao que se poderia modelar sob o ponto de vista teórico. Nesse diapasão chama a atenção a assunção de riscos em demasia e o maior aporte financeiro em relação ao ideal. Alguns fatores contribuíram para esta configuração: os riscos inerentes à exploração econômica de estádios de futebol por atores privados, algo bastante incipiente no país, além do risco associado à participação de apenas um clube no empreendimento, o Esporte Clube Bahia. Essas duas causas juntas tornaram o investimento pouco atrativo para um operador privado. Além disso, o projeto arquitetônico escolhido, o qual demandou a demolição do equipamento, julgada desnecessária por especialistas em estruturas da Universidade Federal da Bahia, não priorizou áreas comerciais que permitissem receitas adicionais que possibilitassem a diminuição da participação do governo estadual. Diante deste quadro, o Governo do Estado da Bahia que tinha revelado interesse em delegar o serviço a um particular, ao que aparenta, realizou concessões para viabilizar o negócio. Contudo, a teoria não esgota todas as possibilidades de sucesso. Logo, não há como afirmar que a PPP da Fonte não resultará em um ganho social em termos de bem estar. O que determinará isso será o comportamento dos atores envolvidos. Por certo e felizmente, tal comportamento pode ser influenciado pela participação dos Órgãos de controle democráticos e da sociedade que têm o dever de fiscalizar o empreendimento e cobrar qualidade do serviço.


7. REFERÊNCIAS

ANDRADE, Paulo Sérgio Souza. A Aplicação da Lei Nacional de Parceira Público-Privada (PPP) aos Contratos do Governo do Estado da Bahia. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2893, 3 jun. 2011. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/19238. Acessado em: 4 jun. 2011.

BRASIL, BAHIA. Lei nº 9.290, de 27 de dezembro de 2004. Institui o Programa de Parcerias Público-Privadas do Estado da Bahia - PPP Bahia e dá outras providências.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. [Constituição Federal].

BRASIL. Lei nº 11.079 , de 30 de dezembro de 2004 . Dispõe sobre normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.

CABRAL, Sandro. Além das Grades: Uma análise comparada das modalidades de gestão do sistema prisional. 2006. 293 f. Tese (Doutorado em Administração) – Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, Bahia. 2006.

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CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. Salvador: JusPODIVM, 2009.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editora, 2005.

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ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito & Economia: Análise Crítica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.


Notas

  1. Tradução livre: O problema é que as pessoas respondem tão fortemente aos incentivos mal concebidos como fazem para os bem-estruturados. E quando esses incentivos mal concebidos são fortes, eles podem levar a formas de comportamento realmente notórias, e então os resultados podem ser terríveis.
  2. O manifesto foi subscrito pelas seguintes entidades: ABENC – Associação Brasileira dos Engenheiros Civis; ANEAC – Associação dos Engenheiros e Arquitetos da Caixa Econômica Federal; CONAM - Confederação Nacional das Associações de Moradores; CREA- BA – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia da Bahia; FABS - Federação das Associações de Bairros de Salvador; FAMEB - Federação das Associações de Moradores do Estado da Bahia; FAUFBA - Faculdade de Arquitetura da UFBA; Fórum A Cidade Também é Nossa; GAMBÁ, entre muitas outras.
  3. O novo padrão de Estádio-Arena adotado não contempla pista de atletismo o que resulta em um prejuízo à sociedade nesse particular. Além do atletismo, a piscina olímpica que funcionava no local não será reconstruída e o Estado prometeu licitará a construção de novas piscinas olímpicas no Estádio Pituaçu. Até o momento da redação do presente trabalho, as intenções manifestadas não haviam disso materializadas.
  4. O Governo do Estado da Bahia compromete-se contratualmente a prestar ao Concessionário, garantia ou fluxo de pagamento da contrapartida devida ao Concessionário que, por si só, possa ser aceita pelos Financiadores como um instrumento para que o Concessionário obtenha empréstimo ou financiamento a longo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Paulo Sérgio Souza; CABRAL, Sandro. Ensaio sobre a parceria público-privada (PPP) da nova arena esportiva Fonte Nova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2912, 22 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19385. Acesso em: 29 mar. 2024.