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Conceito, terminologia e elementos caracterizadores do assédio moral nas relações de trabalho

Conceito, terminologia e elementos caracterizadores do assédio moral nas relações de trabalho

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1.BREVE INTRODUÇÃO:

Pretende-se, por meio do presente artigo, analisaremos o conceito, a terminologia do assédio moral nas relações laborais, visando à maior compreensão e conhecimento acerca desse fenômeno, tão nocivo para a sociedade.

1.1. Conceito

Não há no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação específica sobre o assédio moral, razão pela qual inexiste um conceito legal acerca do tema.

Embora não se trate de fenômeno novo, pois se pode dizer que existe desde que o homem passou a viver em sociedade, apenas recentemente o assunto tem sido objeto de estudos na área jurídica, notadamente no Brasil, inclusive quanto à sua ocorrência nas relações de trabalho.

Por essa razão, inicialmente, busca-se a conceituação de assédio moral na área da Psicologia, valendo-se dos estudos já realizados nesse campo da ciência.

Os estudos acerca desse fenômeno nas relações de trabalho tiveram início com as investigações de Heinz Leymann, pesquisador em Psicologia do Trabalho, e a publicação de ensaio científico no ano de 1984. Seus estudos fomentaram a elaboração de pesquisas sobre o tema na Europa.

Na França, a psicanalista e vitimóloga Marie-France Hirigoyen foi quem, de modo pioneiro, alertou acerca do assédio moral nas relações trabalhistas, mediante a publicação de sua obra "Assédio moral: a violência perversa do cotidiano".

Em seu conceito, Marie-France Hirigoyen compreende que:

POR ASSÉDIO EM UM LOCAL DE TRABALHO TEMOS QUE entender total e qualquer conduta abusiva, manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. [01]

No Brasil, quem primeiramente tratou dessa questão no meio jurídico foi a Juíza do Trabalho Márcia Novaes Guedes, na obra "Terror Psicológico no Trabalho". Na obra, apresenta conceituação do fenômeno pontuando que:

No mundo do trabalho, mobbing significa todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, da direção da empresa, de gerente, chefe, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais da vítima. [02]

De lá para cá, o tema tem despertado a atenção de profissionais e pesquisadores de diversas áreas, dentre médicos, administradores, psicólogos, juristas, preocupados com as repercussões do fenômeno no mundo do trabalho.

Embora o assédio moral não seja exclusividade das relações de trabalho, é inegável que a subordinação jurídica e a hipossuficiência do trabalhador o tornam ainda mais recorrente no meio laboral.

Não obstante, pode-se dizer que a discussão ainda está em fase inicial, havendo, ainda, amplo espaço para debate.

A expressão assédio deriva de assediar, que significa por assédio ou cerco a, importunar, molestar com perguntas ou pretensões insistentes. [03]

Já a expressão "moral", Marie-France Hirigoyen sustenta que:

A escolha do termo moral implicou uma tomada de posição. Trata-se efetivamente de bem e de mal, do que se faz e do que não se faz, e do que é considerado aceitável ou não em nossa sociedade. Não é possível estudar esse fenômeno sem levar em conta a perspectiva ética ou moral, portanto, o que sobra para as vítimas do assédio moral é o sentimento de terem sido maltratadas, desprezadas, humilhadas, rejeitadas (...). [04]

Assim, o assédio moral, ou o terrorismo psicológico, como também é conhecido, é uma forma de violência de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, por meio de ações as mais diversas, compreendendo gestos, palavras e atitudes, que humilham, degradam e atingem reiteradamente a vítima, visando desestabilizá-la, isolá-la ou eliminá-la do local de trabalho.

1.2. Terminologia

No Brasil, a expressão certamente mais difundida para o fenômeno é "assédio moral", sendo utilizados também, como dito, os termos "terrorismo psicológico" ou "psicoterror".

Todavia, em países estrangeiros, há o uso de termos variados, a saber, dentre outros, bullying, mobbing, harassment e ijime, terminologias que refletem diferenças de nacionalidade e de perspectiva cultural dos pesquisadores.

Na Alemanha, Itália, Dinamarca, Suécia, Suíça e Finlândia, é usado o termo mobbing, consistente em manobras hostis, freqüentes e repetidas no ambiente de trabalho, visando sistematicamente à mesma pessoa. O termo vem do verbo inglês to mob, que significa "assediar, atacar, agredir, e foi empregado pelo famoso etologista austríaco Konrad Lorenz para definir o comportamento agressivo de certos animais, que, cercando ameaçadoramente um membro do grupo deste, conseguem afugentá-lo por medo de ser atacado.". [05]

Na Inglaterra e Canadá prepondera o uso do termo bullying, derivado do verbo inglês to bully, significando o trato desumano e grosseiro para com os mais fracos, aproximando-se do tirânico. Esse termo, de início, não se relacionava com o trabalho, mas com ameaças e humilhações que certas crianças ou grupos de crianças dirigiam a outras. Posteriormente, estendeu-se às agressões verificadas nas Forças Armadas, nas atividades esportivas, na família e às pessoas de idade avançada. A rigor, pode-se dizer que é um termo mais amplo que mobbing.

Nos Estados Unidos, prevalece o termo harassment, que pressupõe ataques repetitivos e voluntários de uma pessoa a outra, dando atenção aos efeitos nocivos à saúde.

No Japão, para referir-se ao assédio moral, usa-se o termo ijime, que, além das humilhações e ofensas, inclui as pressões de um grupo com o objetivo de formar os jovens recém-contratados ou de reprimir os perturbadores.

Em que pesem as pequenas variações de significado e de abrangência que podem ser citadas exemplificativamente, trataremos doravante essas expressões como sinônimas ou equivalentes, por não ser o objeto deste artigo traçar um estudo aprofundado acerca da terminologia do assédio moral no direito estrangeiro.

1.3. Elementos caracterizadores

Dos conceitos mencionados alhures, podem ser extraídos os elementos que caracterizam o assédio moral, a saber:

a)conduta abusiva;

b)natureza psicológica que atente contra a dignidade psíquica do indivíduo;

c)reiteração da conduta;

d)intenção de excluir a vítima no local de trabalho.

No trabalho subordinado, diversamente do trabalho autônomo, a subordinação jurídica confere ao empregador o poder para dirigir a prestação do serviço pelo trabalhador, orientá-lo, controlá-lo, fiscalizá-lo e puni-lo. É o chamado jus variandi.

Ocorre que esse poder, ou direito, conferido ao empregador não é ilimitado – assim como os demais poderes ou direitos em um Estado Democrático de Direito -, devendo, sempre, fiel observância aos parâmetros fixados pelo ordenamento jurídico e o respeito à dignidade da pessoa humana.

No momento em que o empregador ou superior hierárquico se excede no exercício desse poder, caracteriza-se a conduta abusiva, passível de ser caracterizada como ato ilícito, nos termos do artigo 187 do Código Civil Brasileiro.

Pois bem, muitas situações em que há excesso no poder diretivo podem caracterizar assédio moral. Pode-se citar as hipóteses em que o empregador sobrecarrega o empregado com metas impossíveis de ser atingidas ou que o submete a "treinamentos" degradantes. Nesses casos, o exercício de um direito, a princípio regular, conferido ao empregador, torna-se ilícito justamente quando se verifica o excesso, o abuso, ultrapassando-se os limites.

Outro elemento que caracteriza o assédio moral é a natureza psicológica da agressão, que atente contra a dignidade psíquica do indivíduo. Assim, nas situações em que a violência ultrapasse o campo da ofensa psíquica, atingindo diretamente o corpo ou o patrimônio da vítima, o ilícito se revestirá de outra natureza.

Não obstante, é justamente a natureza psicológica, atentatória à dignidade psíquica do indivíduo, que faz dessa uma das características mais perversas, uma vez que o que é atingida é a alma do trabalhador, afetando o seu equilíbrio emocional, sua personalidade, o modo como está inserido na sociedade. Não raro, a vítima se transforma em uma pessoa insegura, dependente, sem perspectivas.

Não se pode deixar de pontuar que as vítimas possuem capacidades diferentes para resistir ao assédio moral e também reagem de maneira diversa ao fenômeno.

Por isso, nem sempre é possível aferir facilmente a relação de causalidade dos transtornos causados à pessoa. Nessa ordem de idéias, não deve ser exigida a ocorrência de efetivo dano psíquico. Este deve ser presumido pela violação de direitos da personalidade do trabalhador, partindo-se da premissa que não há como medir o trauma ou o grau de sofrimento da vítima.

Para caracterização do assédio moral, necessário ainda que as condutas ofensivas ou humilhantes sejam, de regra, repetitivas, prolongadas.

Assim, um ato isolado de humilhação ou constrangimento pode dar ensejo à reparação do dano moral imposto à vítima, mas não caracteriza, regra geral, o que se define como assédio moral. Do mesmo modo, discussões eventuais ou desentendimentos pelo debate de idéias divergentes não representam casos de assédio moral.

Márcia Novaes Guedes esclarece que: [06]

Não é, porém, toda agressão à intimidade do trabalhador que pode ser definida como mobbing. É preciso, portanto, distinguir o que é e o que não é mobbing. A violação da intimidade, particularmente verificada na revista pessoal, ainda não é mobbing. O sujeito perverso, todavia, pode empregar diversos expedientes, inclusive a revista, para ferir sistematicamente a dignidade da pessoa escolhida para ser assediada moralmente.

Desse modo, há de se verificar a presença da repetição, da reiteração, das condutas do agressor para que se possa configurar o assédio moral.

O último elemento necessário à caracterização do mobbing é aquele representado pelo ânimo do agressor, ou seja, a finalidade, expressa ou velada, de excluir a vítima do ambiente de trabalho.

Paulo Peli indica o pensamento do assediador ao praticar o assédio moral: [07]

O assediador, consciente ou inconscientemente, ao mirar uma vítima parte de pensamentos comuns, muitas vezes pouco elaborados, mas que trazem à superfície a natureza do seu caráter, traumas, complexos e outras variáveis psicológicas e comportamentais, que quase sempre são potencializadas em ambientes ou situações de forte competição ou desafios.

Nem sempre a identificação da intenção do agente é tarefa fácil, na medida em que a intenção declarada ao público é diametralmente oposta.

É o que se observa, por vezes, em campanhas motivacionais dentro das empresas, nas quais, a pretexto de motivar os trabalhadores para alcançar as metas estabelecidas, impõem-se "brincadeiras" inaceitáveis para aqueles que não logram atingi-las, ao invés de se estimular positivamente o grupo de trabalhadores mediante a concessão de prêmios aos melhores.

O objetivo do assediador, portanto, é desestabilizar a vítima, levando-a a desistir da sua colocação na empresa, do seu emprego, ante os obstáculos que lhe são impostos. O trabalhador, muitas vezes, demora a perceber que está sendo vítima de assédio moral, o que, aliado à necessidade de permanência no emprego, faz com que só procure ajuda médica ou a tutela jurisdicional do Estado quando já foi excluído do seu meio ambiente de trabalho.

Por isso, é sobremodo importante que os trabalhadores saibam identificar situações que podem caracterizar o assédio moral.

Segundo Lippmann, o(s) agressor(es) pode(m) valer-se das seguintes condutas, objetivando desestabilizar o(s) assediado(s): [08]

- isolamento da(s) vítima(s) dos demais colegas de trabalho, separado-o(s) dos demais colegas de trabalho, separando-o(s) em sala isolada e distante, ou em local humilhante como um corredor, subterrâneo, garagem etc;

- críticas públicas, tendendo para a humilhação ou ridicularização;

- tratamento da vítima ou do grupo por apelido pejorativo;

- brincadeiras, sarcasmos e piadas envolvendo o assediado;

- solicitação de tarefas abaixo ou acima da qualificação do assediado;

- mandar que o empregado faça tarefas inúteis;

- obrigação de cumprimento de metas de resultados impossíveis.

Quando o assediador é o empregador ou superior hierárquico, Reginald Felker aponta alguns fatores com que este conta na condução do processo desgastante do trabalhador: [09]

- a timidez e a incapacidade de reação que dominam muitos indivíduos;

- a demora nas soluções judiciais, que leva o trabalhador a evitar o seu acesso ao Judiciário;

- muitas vezes a solidariedade que o empregador conta entre colegas da vítima, interessados em agradar o patrão ou superior hierárquico, antevendo alguma vantagem futura na sua carreira profissional;

- o receio de, uma vez se desligando da empresa, vir a ser integrado nas famosas "listas negras" que circulam entre empregadores;

- o risco do desemprego, que assusta os trabalhadores, hoje, em geral, diante do quadro imposto pela nova (des)Ordem Econômica.

Desse modo, essas práticas, ao se prolongarem no tempo, caracterizam-se como assédio moral, com os seus efeitos danosos sobre a integridade física e mental das vítimas.


2. CONCLUSÃO:

O assédio moral é uma forma de violência de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, por meio de ações as mais diversas, compreendendo gestos, palavras e atitudes, que humilham, degradam e atingem reiteradamente a vítima, visando desestabilizá-la, isolá-la ou eliminá-la do local de trabalho.

Constata-se que se trata de prática odiosa, cometida por empregador, superior hierárquico ou colega de trabalho, que fragiliza o trabalhador assediado e o expõe a doenças de ordem psíquica e física. A vítima, não raro, é levada a pedir demissão e, em casos mais graves, chega até a cometer o suicídio.

Apesar do esforço das instituições estatais no combate a essa prática ilícita, destacando-se aqui o importante trabalho desenvolvido pela Justiça do Trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho e pela Advocacia-Geral da União, cada uma em sua linha de atuação, a gravidade do problema reclama o engajamento de toda a sociedade no debate. Assim, certamente reduziremos, gradativamente, a ocorrência do assédio moral nos meios laborais em nosso país.


Notas

  1. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano/ Marie-France Hirigoyen; tradução de Maria Helena Kühner. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 65.
  2. GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2 ed., São Paulo: LTr, 2004, p. 32.
  3. BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário Silveira Bueno. 6ª ed., São Paulo: Lisa S/A, 1992, p. 84.
  4. Apud ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na relação de emprego. 1ª ed. (ano 2005), 4ª tir., Curitiba: Juruá, 2008, p. 37.
  5. GUEDES, Márcia Novaes, op. cit, p. 32.
  6. GUEDES, Márcia Novaes, op. cit, p. 33.
  7. PELI, Paulo. Assédio moral: uma responsabilidade corporativa / Paulo Peli & Paulo Teixeira. São Paulo: Ícone, 2006, p. 64.
  8. Apud STADLER, Denise de Fátima. Assédio moral: uma análise da teoria do abuso de direito aplicada ao poder do empregador. São Paulo: LTr, 2008, p. 78.
  9. FELKER, Reginald Delmar Hintz. O dano moral, o assédio moral e o assédio sexual nas relações do trabalho: doutrina, jurisprudência e legislação. 2 ed., São Paulo: LTr, 2007, p. 180.

Autor

  • Aloizio Apoliano Cardozo Filho

    Aloizio Apoliano Cardozo Filho

    Procurador Federal desde dezembro de 2003, atualmente lotado e em exercício na Procuradoria-Geral Federal, em Brasília, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União.Ex-servidor do Poder Judiciário do Estado do Ceará, de 1995 a 2003. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará.Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOZO FILHO, Aloizio Apoliano. Conceito, terminologia e elementos caracterizadores do assédio moral nas relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2957, 6 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19710. Acesso em: 28 mar. 2024.