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Exame de ordem: o parecer do Instituto dos Advogados Brasileiros

Exame de ordem: o parecer do Instituto dos Advogados Brasileiros

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SUMÁRIO: 1. O Parecer do IAB; 2. O desafeto da advocacia; 3. A inconstitucionalidade do Exame de Ordem; 4. Os argumentos do Dr. Argollo – e do Dr. Marcus Coêlho; 5. A Faculdade é de Advocacia.


1. O Parecer do IAB

O Instituto dos Advogados Brasileiros aprovou, recentemente, um Parecer (veja aqui) pela constitucionalidade do Exame de Ordem, de autoria do Dr. Oscar Argollo.

O Dr. Argollo tentou contestar o Parecer da Procuradoria Geral da República, no Recurso Extraordinário nº 603.583 (veja aqui), que opinou pela inconstitucionalidade do Exame da OAB:

"De todo o exposto, opina o Ministério Público pelo parcial provimento do recurso extraordinário, com a declaração incidental de inconstitucionalidade do inciso IV do art. 8º da Lei nº 8.906/94, por violação ao conteúdo essencial do direito fundamental consagrado pelo art. 5º, XIII, da CF de 1988, de forma a conceder a segurança impetrada pelo recorrente e afastar, tão somente, a exigência de aprovação no exame de ordem como requisito indispensável para inscrição como advogado nos quadros da OAB".

Em seu Parecer, disse o Dr. Argollo:

"Na verdade, não é de agora que alguns desafetos da advocacia pretendem alterar a história e a realidade dos fatos. O subprocurador está esquecendo o munus público desempenhado pelo advogado. Está esquecendo que entre os Advogados, Magistrados e membros do Ministério Público não há hierarquia (EAOAB, art. 6º, § único), e que os Procuradores da República, dos Estados, dos Municípios, e de órgãos da Administração Pública são Advogados.

O Subprocurador esquece, ainda, a liberdade e independência, ex-vi direitos e prerrogativas, da instituição sui generis, a OAB, e de seus membros, os advogados. A independência da Advocacia, do advogado e da OAB, está, mais uma vez, agredida e, como também, sofrerá amargamente o Poder Judiciário – que haverá de decidir sobre a questão – prestes a receber um contingente de "desqualificados profissionais" se, porventura, o Exame de Ordem for extinto. Trabalhos jurídicos prolixos, de cunho supostamente verdadeiro, surgirão repletos de argumentos pinçados daqui e dali, dando-lhes conotação diversa da realidade, para concluir ao modo tendenciosamente pretendido, mas sem observar, ao redor, os demais efeitos incidentes sobre a mesma matéria. Hermeneutas de ocasião e adversários da razão estarão causando enormes prejuízos à Sociedade em geral, utilizando-se de argumentos falaciosos, desprovidos de amparo fático-jurídico cabíveis à matéria sub-judice." (Parecer, p. 11)

Deve ser ressaltado, desde logo, que o Dr. Argollo parece desconhecer o que seja "repercussão geral", porque afirmou (Parecer, pp. 1-2) que o julgamento do Recurso Extraordinário nº 603.583 "resultará em decisium de Repercussão Geral".

É interessante que o próprio Presidente do Conselho Federal da OAB também desconhecia completamente o significado da "repercussão geral". A repercussão geral não é sinônimo de efeito vinculante. O julgamento do Supremo Tribunal Federal, neste recurso extraordinário, não "resultará em decisium de repercussão geral", como afirma o Dr. Argollo. O que acontece é que o recurso extraordinário somente será "conhecido" pelo STF porque este já decidiu que a questão constitucional envolvida tem repercussão geral.

Em artigo anterior (veja aqui), expliquei detalhadamente o que é a repercussão geral:

"A repercussão geral é um requisito processual criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2.004, que acrescentou um parágrafo ao art. 102 da Constituição Federal:

"§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros."

Dessa maneira, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 45, de 2.004, os recursos extraordinários somente serão "conhecidos" pelo Supremo Tribunal Federal se este reconhecer a sua repercussão geral, o que é decidido pelo "Plenário Virtual", e isso ocorreu em 11.12.2009…"

A Argumentação do Parecer do Dr. Argollo, aprovado pela Casa de Montezuma, não se sustenta, portanto, nem mesmo neste particular. Não será a simples extinção do Exame de Ordem que poderá trazer para a advocacia "profissionais desqualificados", "hermeneutas de ocasião" e adversários da razão". Eles sempre existiram e sempre existirão, mesmo porque não se trata, aqui, simplesmente, de conhecimento jurídico, mas de "razões de estado", que exigem de certos hermeneutas uma "conotação diversa da realidade, para concluir ao modo tendenciosamente pretendido..."

Deve ser ressaltado, ainda, que ninguém defende a extinção pura e simples do Exame de Ordem, que é inconstitucional, mas a sua substituição – pelas vias legais, claro – por um Exame de Estado, para todas as profissões regulamentadas, nos moldes do que existe na Itália, por exemplo. O Exame de Estado seria perfeitamente constitucional, no Brasil. O que não é possível é defender um Exame apenas para os bacharéis em direito, regulamentado e aplicado discricionariamente por um Conselho Profissional, que pode decidir a vida e o destino de 90% dos concluintes de nossas faculdades de direito.


2. O desafeto da advocacia

Não me considero desafeto da advocacia, como afirma o Parecer em questão, que certamente não reflete a opinião da grande maioria dos advogados filiados à Casa de Montezuma, pelo simples fato de que esteja defendendo a tese da inconstitucionalidade do Exame de Ordem. Ao contrário, sou desafeto do corporativismo da advocacia, ou melhor, dos dirigentes da OAB. Considero que esta é a minha obrigação, defender a Constituição Federal, como professor de Direito Constitucional e como advogado.

Como professor, tenho sofrido diversas represálias das instituições em que lecionei, que são até compreensíveis, porque o Exame de Ordem envolve interesses de todos os tipos, e as Faculdades de Direito devem sofrer muitas pressões dos dirigentes da OAB. Mas não será por essa razão que eu deixarei de defender a inconstitucionalidade do Exame de Ordem, em sala de aula, apesar de todas as pressões contrárias.

Prefiro assinar meus futuros artigos como "Professor de Direito Constitucional desempregado", porque um professor que aceita covardemente a censura, e que ensina aos acadêmicos apenas o que lhe mandam, ou aquilo que interessa aos detentores do Poder, não merece ser chamado de mestre.

Todas as Faculdades de Direito se gabam de ter como objetivo a formação de profissionais capacitados a raciocinar criticamente o Direito. Na minha opinião, uma instituição de ensino que adota qualquer tipo de patrulhamento ideológico se torna muito pior do que aquelas que praticam o mais rasteiro e asqueroso mercantilismo, ou aquilo que os próprios dirigentes da OAB costumam denominar "estelionato educacional".

E são muitas, certamente, as instituições de ensino superior que se preocupam apenas com o lucro, e não com a qualidade do ensino. Faculdades de Direito que funcionam em prédios adaptados, geralmente prédios de colégios de ensino médio, bibliotecas inexistentes – quando o MEC chega para fiscalizar, a Faculdade providencia o empréstimo de uma boa quantidade de livros -, turmas com setenta alunos ou mais, horários de aula inadequados, etc.

Depois que o MEC vai embora, os professores doutores e mestres são substituídos por outros professores, como medida de contenção de despesas. Outras instituições podem declarar vínculos inexistentes, com professores mestres ou doutores, para "impressionar" o MEC. Se existem vagas a preencher, o vestibular aprova até mesmo analfabetos, como já tem sido divulgado pela imprensa. Se os alunos forem reprovados pelo professor, é muito possível que ele seja demitido. Se o professor constatar que a maioria da turma copiou um trabalho da internet, provavelmente a Faculdade dirá que a culpa é do professor, que não orientou corretamente os alunos.

Neste ponto, portanto, os dirigentes da OAB têm razão. Existem muitas instituições mercantilistas. Mas não será por esse fato que a competência constitucional do poder público para a fiscalização e avaliação do ensino passará a ser exercida pela OAB.

Também é preciso lembrar, agora, que muitos dos professores dessas instituições mercantilistas são Conselheiros da OAB, assim como muitos coordenadores dos Cursos de Direito. Como professores e coordenadores, eles servem aos interesses das instituições de ensino e aos seus próprios interesses. Como conselheiros da OAB, muitos defendem o Exame de Ordem. É um caso evidente de dupla personalidade.

É muito cinismo. Pior do que isso, somente o prêmio que o Conselho Federal da OAB recebeu, no ano passado, porque determinou a inclusão da matéria Direitos Humanos no Exame de Ordem. (veja aqui)

Mas muito pior do que uma instituição mercantilista é uma instituição de ensino que nega ao professor a sua liberdade de manifestação do pensamento. Como é possível que um professor de Direito Constitucional seja proibido de falar sobre a inconstitucionalidade do Exame de Ordem da OAB? Instituições de ensino desse tipo, que exercem essa ou qualquer outra modalidade de patrulhamento ideológico, são muito piores do que qualquer instituição mercantilista e não merecem nem mesmo o nome de instituição de ensino.

Como advogado, estou apenas cumprindo o juramento que fiz, em 1.967:

"Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar  a  ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas."

Como advogado, eu não poderia defender esse Exame inconstitucional. Aliás, não acredito que os dirigentes da OAB e do IAB não consigam entender que o Exame de Ordem é inconstitucional. Não pode ser falta de entendimento jurídico, especialmente quando se trata do Instituto dos Advogados Brasileiros, "na vanguarda do Direito desde 1.843". Não pode ser falta de entendimento jurídico, claro, de uma instituição como o IAB, que pretende ser "referência da cultura jurídica nacional". Devem ser, realmente, os interesses pessoais e corporativos, ou as "razões de estado".


3. A inconstitucionalidade do Exame de Ordem

Em artigo anterior, procurei sintetizar os motivos dessa inconstitucionalidade:

"O Exame de Ordem da OAB é inconstitucional, em primeiro lugar, porque atenta contra o princípio constitucional da igualdade, para beneficiar interesses corporativos dos dirigentes da OAB, que querem reduzir a concorrência dos novos advogados, e impedir, como eles dizem, o "aviltamento dos honorários profissionais".

Em segundo lugar, o Exame da OAB é inconstitucional porque a Constituição Federal estabelece que a fiscalização e a avaliação do ensino devem ser feitas pelo poder público. Isso significa que poderíamos ter, no Brasil, aquilo que a doutrina chama de "Exame de Estado", ou seja, um Exame feito pelo poder público, pelo Ministério da Educação, evidentemente, mas para todas as áreas – e não apenas para o ensino jurídico. Como acontece, por exemplo, na Itália, que tem um Exame de Estado, para todas as áreas, e que apesar disso costuma ser citado pelos defensores do Exame da OAB. Talvez eles ainda não tenham entendido a diferença entre Exame de Ordem e Exame de Estado. Talvez eles ainda não tenham entendido, também, que o princípio constitucional da isonomia não permite a existência de um exame apenas para os bacharéis em direito, deixando sem qualquer controle todas as outras áreas profissionais.

Finalmente, o Exame da OAB é também formalmente inconstitucional, porque foi regulamentado pelo Conselho Federal da OAB, e não pelo Presidente da República, como determina o art. 84 da Constituição Federal."

Convém ressaltar, neste ponto, que inúmeros juristas tem defendido, com denodo, nos últimos anos, a tese da inconstitucionalidade do Exame de Ordem. Para o Dr. Carlos Nina, que é também membro do Instituto dos Advogados Brasileiros,

"É lamentável que toda a discussão do assunto esteja movida pelo corporativismo, pelo interesse econômico, ignorando, por completo, as origens do problema, que são as péssimas condições das Faculdades, das quais são professores advogados e membros dos próprios Conselhos e outros órgãos da OAB. É uma espécie de organização criminosa, onde a desídia e a omissão coniventes propiciam os lucros que vão beneficiar os responsáveis por esse estelionato, que tem como vítimas da impiedade, da absoluta falta de sensibilidade, do descaso, da irresponsabilidade e da corrupção, cidadãos de bem que acreditaram no Poder Público, que dedicaram, no mínimo, cinco anos de suas vidas, sacrificando a convivência familiar, o aconchego de pais e filhos, a saúde, a alimentação e as condições pessoais de vida, enfrentando todo tipo de dificuldades para alimentar a esperança de que, ao final, o diploma lhes garantiria uma profissão com a qual pudessem ganhar a vida honestamente." (veja aqui)

Na verdade, antes das péssimas condições das Faculdades, convém lembrar ainda os problemas da educação brasileira em geral. Os professores deveriam ter remuneração digna, o que não existe nem mesmo nas Faculdades. Os professores das Faculdades de Direito são remunerados, em sua maioria, por hora/aula, o que significa que podem receber, no fim do mês, um contracheque de R$250,00, aproximadamente, a não ser que tenham uma carga horária maior, ou lecionem em três ou quatro instituições.

Além da remuneração digna, é claro que os professores devem ser muito bem qualificados para o desempenho de sua profissão. E devem ser honestos, também. Aliás, se o Exame de Ordem é necessário para os advogados, como defendem os dirigentes da OAB, muito mais necessário seria, ainda, para os professores, que podem causar prejuízos muito maiores à sociedade, como já está acontecendo.


4. Os argumentos do Dr. Argollo – e do Dr. Marcus Coêlho

Em seu Parecer, o Dr. Argollo defende uma tese central: a de que a "qualificação profissional" do advogado é diferente da "qualificação profissional" do bacharel em direito:

"Mas, o mau intérprete apenas aponta seu olhar para uma situação específica, quando é de sabença comezinha que o bom hermeneuta examina as normas jurídicas em conjunto com as demais disposições constantes, justamente para não cometer impropriedades. Ora, se a "qualidade" de advogado é, exclusivamente, daquele que está inscrito na OAB, nítidas, pois, quais as "qualificações profissionais" (sic) que o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil determina para o exercício da profissão. Distinga-se, por óbvio, a "qualificação profissional" (sic) do bacharel em direito da do advogado." (Parecer, pp. 5-6)

Entende o Dr. Argollo, portanto, que para o advogado existem duas qualificações, a do diploma de uma faculdade de direito e a da aprovação no Exame de Ordem:

"Para os advogados, a lei determina mais uma "qualificação", além daquela representada pelo diploma de bacharel em direito: a aprovação no Exame de Ordem." (Parecer, p. 7)

Diz o Dr. Argollo:

"O Exame de Ordem (...) não viola o direito fundamental ao livre exercício de profissão, previsto no inciso XIII, do art. 5º, da Constituição Federal, uma vez que se trata de uma das qualificações profissionais a ser atendida pelo bacharel em direito, mediante aferição técnico-científica organizada pela OAB, a fim de que ele possa ostentar a qualidade de advogado e exercer o munus público..." (Parecer, p.13)

Para fechar com chave de ouro a sua "teoria", que evidentemente não se sustenta perante a Constituição Federal, e nem mesmo em face do mais simples raciocínio lógico, arremata o Dr. Argollo:

"Ora, para aferir a capacidade técnico-científica, o bacharel em Direito deve ser submetido ao Exame de Ordem, a fim de serem verificados os conhecimentos a respeito da atividade privativa. Somente a aferição da capacidade técnico-científica do bacharel em Direito pode revelar a plena condição e aptidão para o exercício da função pública. Para alcançar o grau de bacharel em Direito, o interessado submete-se aos constantes Exames de Faculdade, até ser declarado apto para o exercício profissional de atividades que exijam tal diplomação; ao passo que para ser advogado é necessário que o bacharel em Direito se submeta ao Exame de Ordem, situação distinta daquela meramente acadêmica. Pedindo vênia a V. Exas.: A Faculdade é de Direito, não de Advocacia!" (Parecer, pp. 6-7)

Argumentação semelhante foi defendida por um Conselheiro Federal da OAB, que também tentou contestar o Parecer da Procuradoria Geral da República, em artigo recentemente publicado (veja aqui), e que se notabiliza, aliás, pela falta de educação de seu autor, o Dr. Marcus Coêlho, que utilizou várias vezes a expressão "Sub", para se referir ao Dr. Rodrigo, autor do Parecer do Ministério Público Federal.

Afirmou o Dr. Marcus:

"O parecer parte da premissa falsa de que existe um curso de bacharelado em advocacia. Olvida uma informação basilar, há o bacharelado em direito, abrindo oportunidade para o exercício de diversas profissões, todas selecionáveis por concurso ou teste. (…)

Na mesma linha, abaixo da crítica, o sofista parecer aduz que "o grau de bacharel em direito é conferido ao acadêmico pelo Reitor".

Como o curso possui determinadas cadeiras atinentes ao eixo de formação profissional, então o curso passaria a ser bacharelado em advocacia. (…)

Tanto escreveu, contudo o Sub não consegue esclarecer onde ele dá o salto para transformar o curso de direito em curso de advocacia…."


5. A Faculdade é de Advocacia

O argumento do Dr. Argollo – e do Dr. Marcus - constitui aquilo que ele mesmo denomina, com tanta propriedade e com enorme erudição, um "argumento falacioso, desprovido de amparo fático-jurídico cabível à matéria sub-judice."

Na verdade, de acordo com a Constituição Federal, a Faculdade é de Advocacia. Não resta a menor dúvida. O art. 205 da Constituição Federal diz que a educação qualifica para o trabalho. E o trabalho do bacharel em direito, a sua profissão liberal, evidentemente, é a advocacia. A sua qualificação para a advocacia decorre da educação, ou seja, do curso de direito, que a lei exige, em uma instituição de ensino superior, autorizada e fiscalizada pelo MEC – e não pela OAB.

É claro que, para a Advocacia Pública, para o Ministério Público, para as Defensorias, para a Magistratura, devem ser feitos concursos públicos, conforme exige a própria Constituição.

Mas o bacharel, portador de um diploma, já está juridicamente qualificado para o trabalho – se as faculdades não prestam, é outro problema -, e não pode ter esse diploma rasgado por um Exame inconstitucional, que atenta contra a sua liberdade fundamental de exercício profissional.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), "Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular." (Art. 48)

De acordo com a mesma Lei, "A educação superior tem por finalidade: (...) II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua." (art. 43)

Portanto, as Faculdades de Direito preparam, ou deveriam preparar, para a Advocacia. O diploma do bacharel em direito é um documento público, que atesta sua aptidão para o exercício da advocacia. Se as Faculdades não estão preparando corretamente esses bacharéis, a culpa é do Estado brasileiro, e não dos bacharéis.

E não compete à OAB avaliar ou fiscalizar o ensino, porque de acordo com o art. 209 da Constituição Federal, a avaliação da qualidade do ensino compete ao poder público, e a OAB não pertence ao poder público, nem "mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico" (Estatuto da Advocacia, art. 44, § 1º).

O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

"...3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências".

5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária…." (ADI 3026-DF)

Se fosse verdade o que afirma o Dr. Argollo, que as faculdades são de Direito e não de Advocacia, o bacharel em Direito seria o único, no Brasil, que depois de cinco anos de estudo, não tem uma profissão, e não serve para nada, a não ser que seja aprovado em um concurso público, ou que seja "qualificado" pela OAB, que nem ao menos se enquadra como instituição de ensino. O que não tem nenhuma lógica, mas é o que acontece, com o Exame da OAB, que reprova até 90% desses bacharéis.

Mas o Dr. Argollo, ao que tudo indica, pelo que consegui descobrir na internet, fez uma Faculdade de Advocacia, a Faculdade de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro, da Universidade Gama Filho, tendo concluído o seu Curso em 1.977. Não deve ter feito o Exame de Ordem, que não existia, e a sua Faculdade era de Advocacia. Pelo menos, essa é a conclusão lógica que se pode extrair de sua "teoria".

Eu também fiz uma Faculdade de Advocacia, que depois passou a integrar a Universidade Federal do Pará, criada no Governo Castelo Branco. Não fiz o Exame de Ordem, porque me inscrevi na OAB/PA em 1967. Fiz apenas o estágio.

A partir de 1.968, comecei a lecionar Direito Constitucional na "Faculdade de Advocacia" da Universidade Federal do Pará. Até o ano em que me aposentei, em 1.996, nenhum de meus alunos era obrigado a fazer o Exame de Ordem, para se inscrever na OAB. A Faculdade era de Advocacia!

Mas depois disso, voltei a lecionar, em instituições privadas de ensino superior: Unama, Fama, Fibra, Fabel, Fapan....

Os alunos dessas instituições são obrigados, agora, a fazer o Exame de Ordem. Aliás, também os alunos de qualquer instituição pública.

Por que será que isso acontece? Não existem mais Faculdades de Advocacia?

O próprio Presidente da OAB, assim como a grande maioria dos Conselheiros da OAB e também a grande maioria dos advogados inscritos na OAB, dos Magistrados e dos membros do Ministério Público, todos devem ter feito uma Faculdade de Advocacia.

A minha dúvida, então, é a seguinte: o que aconteceu com as Faculdades de Advocacia, no Brasil? Será que houve algum atentado terrorista? Será que o Bin Laden mandou explodir as antigas Faculdades de Advocacia?

Parodiando o Dr. Marcus Coelho(educadamente):

"Tanto escreveu, contudo o Dr. Marcus não consegue esclarecer onde ele dá o salto para transformar o curso de advocacia em um simples curso de direito…."

Como é possível que agora só existam Faculdades de Direito, como querem o Dr. Argollo, o Dr. Marcus, a OAB e a Casa de Montezuma, Faculdades essas que não servem nem para qualificar profissionalmente um bacharel?

O Dr. Argollo e o Dr. Marcus que me desculpem, mas eles devem ler o § 1º do art. 29 do Código de Ética e Disciplina da OAB (veja aqui).

De acordo com esse dispositivo, "Títulos ou qualificações profissionais são os relativos à profissão de advogado, conferidos por universidades ou instituições de ensino superior, reconhecidas."

E então, Dr. Argollo? E então, Dr. Marcus? E então, Ilustres Dirigentes da Casa de Montezuma? E então, Ilustres Conselheiros da OAB? Como é que as Faculdades não são de Advocacia? Como é que a OAB e o IAB podem pretender que o Exame de Ordem tenha um caráter de qualificação profissional? Será que a OAB é uma Universidade ou uma instituição de ensino superior? Será que as Escolas Superiores da Advocacia da OAB são instituições de ensino superior?

Não seria melhor fechar todas as Faculdades de Direito, públicas e privadas, e deixar que a OAB se encarregue de formar os futuros advogados?

Pedindo vênia a V. Exas.: A Faculdade é de Advocacia, claro!



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Exame de ordem: o parecer do Instituto dos Advogados Brasileiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2961, 10 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19738. Acesso em: 28 mar. 2024.