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O processo sincrético para cumprimento das sentenças condenatórias

O processo sincrético para cumprimento das sentenças condenatórias

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Estuda-se o cumprimento de sentença com base em obrigação para pagamento de quantia certa na atual sistemática processual, adotada com o advento da Lei nº 11.232/2005, o chamado modelo sincrético.

Introdução

O presente trabalho objetiva apresentar o cumprimento de sentença com base em obrigação para pagamento de quantia certa na atual sistemática processual, adotada com o advento da lei n. 11.232/2005, o chamado modelo sincrético.

Para tanto, será abordada a origem romana da noção de jurisdição com o intuito de esclarecer o período de vigência da autonomia da fase executiva da sentença cível condenatória, o que dava margem a necessidade de se instaurar um novo processo após o cognitivo.

A trilogia estrutural do processo – jurisdição – ação – processo – para uma prestação jurisdicional adequada e em tempo razoável é a base deste estudo.

O tema do sincretismo processual está inserido exatamente no contexto de que a tutela padrão de cognição ampla e exauriente buscada pelo cidadão ao exercer seu direito subjetivo de ação, o que provoca a atuação do Estado-Juiz para dar uma reposta definitiva a um conflito de interesses, não atende mais às necessidades da sociedade contemporânea.

Nessa esteira, colaciona-se a utilização das tutelas diferenciadas e a quebra do paradigma da prestação das tutelas cognitiva, executiva e cautelar de forma estanque em processos autônomos, na busca da efetiva prestação jurisdicional e da pacificação dos conflitos sociais.


2 Origem histórica da Jurisdição

A influência do nosso direito é romana. Portanto, perpassa a construção do conceito de jurisdição à luz do Direito Romano para entender os argumentos da doutrina que entende autônomas as ações de cognição e de execução e chegar à adoção do processo sincrético no ordenamento jurídico brasileiro.

Inicia-se um breve estudo histórico do surgimento da noção de jurisdição no viés público-privatista romana, buscando-se o significado dos símbolos da balança e da espada, observados na célere passagem de Rudolf Von Ihering: "A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito".

Na mitologia grega cabia à deusa Têmis a guarda dos juramentos dos homens e da lei e era invocada nos julgamentos perante os magistrados. A imagem de Têmis é apresentada segurando uma balança, o que significa a busca pelo equilíbrio entre as partes envolvidas no litígio. A filha de Zeus com Têmis, Diké (ou Dice), era a deusa da justiça e também segurava a balança na mão esquerda e na mão direita uma espada, essa simbolizando a força das decisões judiciais, originalmente mostrada de olhos bem abertos para demonstrar a busca alerta pela verdade.

Na mitologia romana, a deusa correspondente à Têmis e Diké, era a Iustitia, vingadora das violações da lei, entretanto era apresentada de olhos vendados, para simbolizar a imparcialidade da justiça e aparecia segurando a balança com as duas mãos e com uma espada desembainhada.

Observa-se que as representações gregas e romanas se apresentavam diferentes quanto à atitude em relação à espada. Enquanto Diké empunhava a espada, representando a imposição da justiça pela força (iudicare), Iustitia segurava a balança pelas duas mãos para representar o ius dicere e a espada ficava em posição de descanso para ser utilizada só quando se fizesse necessário.

Com a imagem da balança, igualdade entre as partes para a declaração da norma que resolva o conflito social estabelecido, e da espada, possibilidade da utilização da força pelo Estado, passa-se ao funcionamento da prestação jurisdicional em Roma.

O sistema processual romano teve três fases visíveis, a saber: a) o das legis actiones (ações da lei) [01], vigente no período arcaico; b) o per formulas (formulário) [02], adotado no período clássico; e c) o sistema da cognitio extra ordinem (extraordinário) [03], no pós-clássico e justinianeio. Esses sistemas foram sendo substituídos com o tempo, inclusive convivendo lado a lado até o anterior cair em desuso.

Inicialmente em Roma a tutela dos direitos ocorria por meio de dois sujeitos – o praetor e o iudex. O iudex era nomeado pelo praetor e tinha uma relação contratual privada com as partes. Conforme ensina Ovídio Baptista [04], se nos fosse possível reinstalar em nosso direito a estrutura do processo civil romano do período formular

diríamos que ao iudex seriam reservadas as funções de juiz do processo de conhecimento, em que, por definição, não pode haver execução, como atividade subseqüente à sentença de procedência, na mesma relação processual. Quer dizer, tal como acontecia em direito romano, a sentença condenatória exauria a atividade jurisdicional. Já ao praetor seria atribuída a função de proferir sentenças mandamentais e executivas, parcela da jurisdição vedada ao iudex do ordo iudiciorum privatorum.

A sentença do iudex era a solução definitiva do conflito entre as partes, entretanto o iudex não detinha poder para dar-lhe execução, uma vez que o detentor do imperium era o praetor e só esse poderia se utilizar da força para fazer cumprir a decisão.

Vale lembrar que o pretor vinha da carreira política e, uma vez eleito pela Assembléia das Centúrias, acumulava funções administrativas, governativas, judiciais e de comando militar.

A trajetória da justiça romana foi abandonando esse modelo público-privatista para a execução com base em sentença condenatória, título judicial, e passou a ser totalmente pública, sendo a decisão proferida e concretizada pelo pretor, no sistema da cognitio extra ordinem (extraordinário). Permaneceu, entretanto, a autonomia das atividades cognitivas e executivas.

A autonomia do processo de conhecimento pode ser atribuída ao modo clássico de conceber a jurisdição como simples declaração – consequência da separação de poderes, estabelecendo-se clara distinção entre jurisdição e administração [05]. Nessa visão a jurisdição haveria de ser apenas declaratória, uma vez que execução é um ato executivo do Estado, portanto não mais jurisdicional, mas praticado pelo juiz enquanto agente do Poder Executivo.

Assim, originariamente pode-se dizer que o poder de coerção era categoria oposta à prestação jurisdicional. O dizer o direito era a atividade típica jurisdicional, enquanto o fazer era atividade de imperium [06].

Em suma, o dizer o direito submetia-se ao processo de cognição ordinário (iurisdictio), enquanto o fazer (imperium) podia ser efetivado com base em cognição sumária. Por essas razões, no direito romano os interditos estavam excluídos da jurisdição [07], conforme conclui Ovídio Baptista

a)o "comando" imposto pelo pretor era "condicionado", quer dizer, o magistrado ordenava com base num direito non ancora accertado, o que significa afirmar que não teria havido, ainda, "composição" (definitiva) do conflito;

b)o interdito estabelecia um vínculo di natura pubblicistica, ao passo que o ordenamento jurídico privado somente poderia produzir um reconhecimento (declaração) de direitos, nunca uma ordem.

Havia no direito romano, portanto, dois institutos de proteção e defesa dos direitos à disposição do indivíduo, podendo invocá-los ao magistrado: a ação, tutela cognitiva, e os interditos, esses últimos compostos pela tutela executiva e mandamental. O direito real correspondia à reivindicação e o direito das obrigações à ação.

Os interditos eram definidos em cognição sumária e caso a ordem emitida não fosse cumprida é que se instaurava um procedimento pela via ordinária, consistente na ação cominatória.

Observa-se que na origem das ações pelo rito ordinário a função é emitir juízo final de certeza, declarações - a sentença, e não de produzir ordens, que visam a efetivação dos efeitos do direito acertado, em caso de descumprimento voluntário da declaração. Na atividade de imperium o decreta era ordem de fazer e dos interdicta, ordem de abstenção.

Estabelecida está a dicotomia dizer versus realizar, atividade cognitiva exauriente separada da atividade executiva. Primeiro o uso da balança, depois, se necessário, o uso da espada, conforme a simbologia romana.

Na atualidade Ovídio Baptista [08] revisita a teoria quinaria da classificação das ações para defender a separação entre cognição e execução em processos autônomos, na forma como ocorria no sistema romano

Mas há, na obra de Pontes de Miranda, esta passagem de importância capital para a distinção entre condenação e sentença executiva. Escreve ele: "Quem reivindica, em ação, pede que se apanhe e retire a coisa, que está, contrariamente a direito, na esfera jurídica do demandado, esse lha entregue. Nas ações de condenação e executivas por créditos não se dá o mesmo: os bens estão na esfera jurídica do demandado, acorde com o direito; porque o demandado deve, há a condenação dele e a execução que é a retirada do bem, que está numa esfera jurídica para outra esfera jurídica, a fim de satisfazer o crédito, portanto modifica-se a linha discriminativa das duas esferas".

Dessa forma, a sentença condenatória declara procedente a pretensão do autor e esse ainda encontrará o obstáculo a ser afastado para a definitiva satisfação de seu direito que é o direito real do demandado, quer seja, o devedor paga com o que lhe pertence, enquanto numa ação reivindicatória o réu deverá restituir o que não lhe pertence, podendo-se o Estado-Juiz se utilizar de meros atos executivos.

Importante, ainda, deixar registrado que resgatando o princípio básico que nos liga ao direito romano, através da distinção, que atravessou os séculos, entre direito e propriedade e as obrigações, entre o ter, como proprietário, e o dever ser, como credor, não se pode sujeitar todas as pretensões e ações de direito material ao tratamento uniforme e obsoleto da ação condenatória, conforme sustenta Ovídio Baptista [09]

A lição do romanista deixa claro o seguinte: (a) a oposição entre jurisdição e poder, o que equivale a dizer entre julgar e ordenar; (b) a separação entre direito e fato, entre dictum e o factum, que ainda perdura na doutrina moderna; (c) a redução da jurisdictio apenas ao procedimento da actio, como o indeclinável dare oportere, inerente apenas às actiones in personam; (d) as decisões sobre o factum ou viso achavam-se fora da jurisdição, integrando o imperium do pretor. Não havia decisão sobre direito, apenas sobre fato. Quanto ao direito, havia julgamento, não decisão, enquanto ato de vontade.

Salienta-se que modernamente a finalidade da atividade jurisdicional não se limita ao reconhecimentode que houve lesão ou ameaça a direito. Além de dizer o direito, é preciso criar condições concretas de entregar o bem da vida tutelado. É nesse hibridismo de finalidades que repousa a inserção do sincretismo processual no ordenamento jurídico brasileiro, respeitadas a natureza de cada espécie de tutela.


2 Trilogia estrutural do processo: Jurisdição, Ação e Processo

Na sociedade contemporânea, Carmen Lúcia Antunes Rocha [10] conceitua Jurisdição como sendo a atividade estatal soberana pela qual se deslinda uma situação social de conflito, afirmando-se e aplicando-se o direito objetivo, direito expresso no art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988, ao estabelecer que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.

Dentre as características principais da Jurisdição está a sua inafastabilidade, por se tratar de direito fundamental do cidadão, bem como sua inalienabilidade, uma vez que é inegociável. Ao lado dessas características está sua imperatividade, pois não se presta em caráter precário ou condicional, ela é terminativa, obrigatória, definitiva, revestida de soberania, a qual qualifica o poder político da pessoa pública.

Entretanto, para que o Estado exerça seu papel, a Jurisdição precisa ser, em regra, provocada e, para tanto é necessária vontade do indivíduo do exercício do direito de ação. E o que a Ação?

A ação é direito subjetivo público, por isso exercida contra o Estado que é obrigado a realizar a jurisdição, por meio dos órgãos competentes, prestando a tutela jurisdicional requerida.

O direito de ação está consagrado no princípio da inafastabilidade da jurisdição, portanto é direito inerente ao ser humano. O que depende do indivíduo é tão somente a vontade de exercitar o direito de ação, configurada na propositura da demanda. E como propor a demanda? Por meio do Processo.

O Processo é, portanto, o instrumento do exercício do direito de ação e se movimentará por meio dos procedimentos, que são os atos de materialização do processo, resultando, ao final, na prestação de tutela jurisdicional. Necessariamente, tem-se um intervalo de tempo para se alcançar o resultado pretendido.

Nessa esteira, colaciona-se o princípio da razoável duração do processo, inserido no texto constitucional através de EC nº 45/2004, no art. 5º, inciso LXXVIII, como garantia fundamental, o que espelha a insatisfação da sociedade com a prestação da tutela jurisdicional e a busca de efetividade no serviço prestado pelo Estado através do Poder Judiciário.

O Direito Processual é composto por regras ordenadoras que determinam o caminho a ser seguido para alcançar a tutela jurisdicional pretendida, o que ocorre à luz dos ditames constitucionais, garantindo às partes igualdade de condições e ampla participação, um instrumento sistemático, mas antes de tudo democrático e capaz de servir para o alcance da pacificação social.

Entretanto, o processo não pode se transformar em escravo da forma, pois a dimensão de sua importância está circunscrita aos objetivos que a determinam. Vale transcrever, nesse sentido, o que afirma José dos Santos Bedaque [11]:

O apego exagerado ao formalismo acaba por transformar o processo em mecanismo burocrático e o juiz no burocrata incumbido de conduzi-lo. Não é este o instrumento que desejamos. É preciso reconhecer no julgador a capacidade para, com sensibilidade e bom senso, adequar o mecanismo às especificidades da situação, que não é sempre a mesma.

Não se pode perder de vista o escopo social do processo de instrumento capaz de efetivar os direitos, por apego a regras formais, porque o que se busca ao provocar a prestação jurisdicional é eliminar os conflitos mediante critérios justos.


4 Espécies de Tutelas Jurisdicionais

Tradicionalmente o Estado põe à disposição das partes três espécies de tutela jurisdicional: - a cognição, a execução e a cautela. O que as distingue são os diferentes provimentos judiciais com que o juiz responde ao exercício do direito de ação.

Historicamente essas atividades foram tratadas autonomamente, de forma estanque, porque tendentes a perseguir finalidades diferentes, embora, de certa forma, complementares.

Assim como no direito romano, na tutela cognitiva, fixa-se a regra jurídica individualizada que deve regular o caso concreto, formulando-se juízo sobre direito afirmado; na executiva, tomam-se as providências práticas para a realização, no plano fático, do direito reconhecido ou presumidamente existente; e na cautelar, adotam-se medidas para assegurar o resultado útil das duas primeiras, sempre que a demora em sua prestação possa acarretar alguma espécie de dano à efetividade do processo.

No sistema do Código de Processo Civil de 1973, a cada espécie de tutela correspondiam "processos" e "ações" distintas; atualmente, as atividades jurisdicionais são prestadas, em regra, no âmbito de uma única relação processual, a demonstrar que a segmentação das três espécies em relações processuais autônomas não é imposição natural ou de ordem científica, mas opção confiada à discrição legislativa, a ser amoldada segundo as conveniências sociais e à finalidade do processo.

Em regra, a tutela de conhecimento precede à de execução; no entanto, podem ambas ser prestadas simultaneamente; pode ocorrer, igualmente, prestação integral de tutela executiva, provisória ou definitivamente, sem que tenha se esgotado, ou mesmo iniciado, a prestação da tutela de conhecimento; quanto à tutela cautelar, esta é prestada antes ou no curso da prestação de uma das demais espécies, e jamais depois delas.

Para Teori Zavascki [12], pela nova configuração do sistema processual já não faz sentido a classificação tradicional da tutela dos direitos, em tutela de conhecimento, de execução e cautelar, com a seguinte argumentação

Muito mais importante e apropriado será considerá-las em duas dimensões novas que agora evidentemente ocupa, cada qual com suas características, com seus princípios e com seus resultados: como tutela definitiva ou como tutela provisória.

O procedimento comum é o que se aplica a todas as causas para as quais a lei processual não haja instituído um rito próprio ou específico (artigo 272 do CPC). Subdivide-se em dois ritos diferentes: o ordinário e o sumário.

O rito ordinário, dito padrão, é regulado de forma completa e exauriente. Portanto, é o aplicável por exclusão para todas as causas que não tenham previsão de um rito especial, razão pela qual, também é aplicado subsidiariamente aos demais ritos.

Entretanto, não é apenas no procedimento ordinário que se opera cognição exauriente, conforme ensina Teori Zavascki [13]

Ela pode resultar tanto do procedimento ordinário como também do sumário (que, em geral, consiste apenas em comprimir no tempo a prática dos mesmos atos processuais básicos do procedimento ordinário). A cognição exauriente, por outro lado, não é incompatível com a técnica processual de repartição do conflito, de sua solução por partes, em porções distintas, cada qual submetida a processo autônomo, como ocorre em muitos procedimentos especiais, já referidos. Nesses casos, há cognição exauriente, semelhante ao procedimento comum ordinário, com a única diferença de que num se oferece a solução concentrada para todo o conflito e no outro se desconcentra a solução, mediante a partição do conflito em demandas e procedimentos autônomos.

A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do iudicium, do julgamento do objeto litigioso [14].

A análise da cognição é o exame da técnica pela qual o magistrado tem acesso e resolve as questões que lhe são postas para apreciação [15]. É importante salientar que o direito à cognição exauriente, amparada pela garantia de ampla defesa não é um direito absoluto, uma vez que deve ser ampla nos limites adequados à necessidade de dar-se ao processo seu sentido prospectivo e dinâmico, de fazer com que ele chegue ao seu final no menor tempo possível [16].

Não por outra razão, a lei processual prevê a limitação de prazos para os atos processuais, para que o processo siga em frente e passe de uma fase para outra até alcançar a tutela pretendida, conforme prossegue Teori Zavascki [17]

Portanto, nada impede que a lei ordinária estabeleça limites razoáveis à garantia da ampla defesa...Com isso, o legislador está habilitado a construir procedimentos especiais apropriados à tutela de situações diferenciadas de conflito, que, nos limites próprios, constituem, sim, processos de cognição exauriente.

A tutela jurisdicional prometida na Constituição é tutela de cognição exauriente, que persegue juízo o mais aproximado possível da certeza jurídica; é tutela definitiva, cuja imutabilidade confere adequado nível de estabilidade às relações sociais; é, em suma, tutela que privilegia o valor segurança [18].

O processo judicial serve de instrumento para garantir a todos o acesso à justiça e, é nessa visão, que se verifica a necessidade de desburocratização dos procedimentos na busca da essencialidade nos serviços prestados, para vencer o que jurista Mauro Cappelletti [19] chama de "obstáculo processual" ao acesso à Justiça.


5 Tutelas Diferenciadas e a cognição sumária

O procedimento comum padrão, no qual a cognição é ampla e exauriente, resulta em um instrumento demorado e dispendioso, do qual nem todos estão dispostos ou podem se utilizar, surgindo, assim, o engendramento de novos modelos para as situações complexas de conflitos na sociedade contemporânea, diante do inegável escopo social do processo.

O novo Código de Processo Civil que está em trâmite no Congresso Nacional traz mecanismos de aperfeiçoamento do atual modelo, uma vez que não restam dúvidas de que estar em juízo vai muito além do exercício do direito de ação por meio do ajuizamento de um processo, e, nesse viés, as discussões do novo texto processual parte do ponto de vista da necessidade de adaptar o processo civil ao tipo de litígio, analisar as características que diferenciam um litígio de outro e o grau de complexidade de solução das lides.

Ovídio Baptista [20] questiona a lógica absolutizante do Processo de Conhecimento que suprime os juízos de verossimilhança, baseado na ideologia da ordinariedade, que tem como pressuposto de que a função jurisdicional seja exclusivamente declaratória com a exigência de juízos de certeza, nos seguintes termos

Se o direito, como qualquer outra manifestação do espírito, no domínio da criação científica, ou em qualquer outra expressão cultural, é função de ideologias comunitárias dominantes, ou ao menos por estas em grande medida influenciadas, como pretender que o Processo de Conhecimento – instituição forjada sob o pressuposto da separação dos poderes entre Sociedade e Estado, concebido para impedir a criação jurisprudencial do direito – possa ainda servir a uma sociedade de massas, sacudidas permanentemente por conflitos ideológicos profundos e por constantes transformações sociais e políticas?

Com as reformas processuais ocorridas após a Constituição Federal de 1988, o legislador vem introduzindo novos instrumentos, quebrando a utilização de um só paradigma, o procedimento padrão, fortalecendo e facilitando a utilização das tutelas diferenciadas, bem como da possibilidade da prestação de mais de uma espécie de tutela no bojo de um único processo. Ressalta-se nesse momento o retorno do processo sincrético.

A tutela definitiva, formada em procedimento necessariamente contraditório, nem sempre é capaz de garantir a eficácia da prestação jurisdicional, razão pela qual se faz necessária a utilização de medidas acautelatórias. Portanto, o sistema coloca paralelamente à disposição do jurisdicionado outra espécie de tutela jurisdicional, a chamada tutela diferenciada.

As tutelas diferenciadas, caracterizadas por sua provisoriedade, consistem, em regra, em dois tipos de providências, a saber: antecipadoras dos efeitos da tutela definitiva pretendida e de garantia para a futura execução. Nesse sentido Teori Zavascki [21] assim afirma acerca das características dessas tutelas

A primeira nota característica dessa espécie de tutela jurisdicional está na circunstância de fato que lhe serve de pressuposto. Ela supõe a existência de uma situação de risco ou de embaraço à efetividade da jurisdição, a saber: risco de dano ao direito, risco de ineficácia da execução, obstáculos que o réu maliciosamente põe ao andamento o normal do processo e assim por diante.

As providências tomadas antes do esgotamento das vias ordinárias se revestem, ainda, da característica da urgência em sentido amplo, quer seja, estão presentes nas situações de risco ou embaraço à efetividade da jurisdição, que dão suporte à tutela provisória. Essas tutelas são também concedidas em caráter provisório, o que significa que têm eficácia limitada no tempo e serão sucedidas por tutelas definitivas.

A tutela jurisdicional diferenciada é concedida à parte antes da maturação do processo, portanto ocorre uma quebra da sequência lógica do procedimento padrão, trata-se de mecanismos aceleratórios da prestação jurisdicional.

Importante ressaltar a diferença entre cognição sumária e processo sumário, buscada em Teori Zavascki [22]

O processo sumário de conhecimento é autônomo, porque gera prestação jurisdicional definitiva, de cognição exauriente (embora, como se fez ver, não absoluta), apta a produzir coisa julgada material. A cognição sumária é própria da tutela jurisdicional não autônoma, de caráter temporário, inapta a formar coisa julgada material, sempre relacionada a uma tutela definitiva à qual serve. Nos processos sumários há cognição exauriente, embora limitada à natureza da situação controvertida e da redução – horizontal – do objeto cognoscível.

E continua o citado autor [23]se a cognição exauriente se presta à busca de juízos de certeza, de convicção, porque o valor por ela privilegiado é a da segurança jurídica, a cognição sumária, própria da tutela provisória, dá ensejo a juízos de probabilidade, de verossimilhança, de aparência, de fumus boni iuris, mas apropriados à salvaguarda da presteza necessária a garantir a efetividade da tutela.

A distinção necessária para entender a diferença entre medidas antecipatórias e medidas cautelares propriamente ditas é a dos elementos provisórios e temporários. A antecipação de tutela é provisória, porque destinada a durar até que seja sucedida pela tutela definitiva, já as cautelares são temporárias porque não serão sucedidas por outra medida de igual natureza.

Em síntese, a tutela definitiva, privilegia o valor segurança, tem as seguintes características: é formada em cognição exauriente com ampla defesa e contraditório e marcada pela imutabilidade própria da coisa julgada. Por sua vez, a tutela provisória, privilegia o valor efetividade, carrega as seguintes características: está relacionada a um pedido de tutela definitiva; tem pressuposto em uma situação de urgência em sentido amplo para resguardar a regular prestação da tutela definitiva; é admitida a formação à base de cognição menos aprofundada; tem eficácia limitada no tempo; por ser precária não se submete à imutabilidade da coisa julgada, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo.


6 Sentença condenatória e sincretismo processual

Conforme visto até agora, o módulo processual cognitivo é o destinado a uma definição de direitos, um acertamento, portanto seu objetivo será alcançado somente com uma sentença definitiva, capaz de resolver o mérito da causa.

A lei 11.232/05 alterou o conceito de sentença que constava do CPC e passou a estabelecer no art. 162, § 1º, do CPC, que a sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC.

Importante ressaltar que essas alterações se deram apenas para adaptar-se ao modelo novo teórico adotado para a execução de sentença, o processo sincrético, em que não é mais tratada como processo autônomo, mas como mera continuação do mesmo processo em que a sentença tenha sido proferida. Entretanto, há de se considerar que a sentença é ato final do juiz que põe fimao seu ofício de julgar um módulo processual, o cognitivo.

As sentenças podem ser classificadas emdefinitivas, quandocontêm resolução do mérito, nos termos do art. 269 do CPC, e são aquelas que acolhem ou rejeitam o pedido do demandante, bem como a sentença que homologa transação; e emsentenças terminativas,essasnão resolvem o objeto do processo, conforme art. 267 do CPC. Nesse estudo, interessa ater-se às sentenças definitivas.

A sentença definitivase classifica à luz da teoria trinaria da ação e segundo seu conteúdo em três espécies: meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias.

Importante nesta seara entender a diferença entre conteúdo e efeitos da sentença. A sentença como ato jurídico peculiar tem um conteúdo. Além disso, a sentença é capaz, em regra, de produzir efeitos no mundo do direito. A aptidão para produzir tais efeitos é chamada de eficácia.

Os efeitos de um ato jurídico guardam correspondência com seu conteúdo, a esse fenômeno chama-se imputação. Portanto, o efeito não se confunde com o conteúdo do ato jurídico, uma vez que este se localiza dentro do ato, enquanto aquele é necessariamente extrínseco.

As sentenças condenatórias são aquelas nas quais o juiz declara a existência do direito ou a da relação jurídica afirmada pelo autor, ou, ainda, declara ter havido a lesão alegada pela parte e determina a sanção correspondente à violação, consistente numa prestação devida pelo réu, passível de ser executada pelo demandante.

Com o alargamento do conceito de obrigação, a sentença de condenação funciona como título executivoe, ao contrário das sentenças meramente declaratórias e das sentenças constitutivas, não satisfaz, por si só, a pretensão do autor, pois este precisará mover o processo executivo para que o bem da vida requerido seja definitivamente entregue. O efeito dessa sentença seria, assim, condenatório.

O ordenamento jurídico brasileiro adota as espécies de execução baseado no direito material, levando em conta o tipo de obrigação cujo cumprimento se pretende exigir. Portanto, temos:

a)execução para entrega de coisa (certa ou incerta); - desapossamento.

b)execução das obrigações de fazer e de não fazer; - transformação.

c)execução por quantia certa (contra devedor solvente ou insolvente. – expropriação.

Nessa esteira, após as alterações produzidas pela Lei 11.232/05, a execução de título judicial de sentença para pagamento de quantia certa far-se-á no bojo dos próprios autos da ação conhecimento, prescindindo de ajuizamento de nova ação, uma vez que será somente mais uma fase do referido processo.

De toda sorte, seja como uma nova fase do processo, seja como era anteriormente, por meio de uma nova ação, para que o demandante alcance o bem da vida pretendido, a satisfação efetiva de seu direito, a sentença condenatória não se basta em si mesma se o obrigado não cumprir voluntariamente, serão necessários atos de sub-rogação, penhora, para a efetivação da prestação jurisdicional, quer seja, a efetiva realização da prestação jurisdicional.


Conclusões

O direito amplo à Jurisdição dignifica o próprio cidadão, tornando-se membro ativo perante o Estado e aos demais integrantes da sociedade, passando a lutar pelos seus direitos e consequentemente participar ativamente da vida política.

O princípio do direito de ação reafirma o direito de todos de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Adequada, no sentido de que atenda tempestivamente o interesse processual do jurisdicionado, podendo vir a ser acolhida ou rejeitada a pretensão.

Sem embargo, o momento é de crítica ao funcionamento do Judiciário, já que a noção de efetividade do processo está ligada ao tempo de tramitação do processo, e, para que se concretize, é necessário detectar os principais obstáculos e encontrar soluções práticas.

O processo judicial deve garantir a todos o acesso à justiça. É o instrumento da jurisdição e é através dele que o juiz pode e deve propiciar a ampla participação das partes, sempre com respeito ao princípio do contraditório e preservando a imparcialidade.

O princípio da razoável duração do processo é o norte do novo Código de Processo Civil à luz da Constituição Federal de 1988. Ressalta-se que a questão do tempo no processo está atrelada à própria ideia de justiça, uma vez que o excesso de tempo na prestação jurisdicional traduz-se em verdadeira sonegação de justiça.

A noção de efetividade do processo está ligada à agilização da entrega do bem da vida pretendido pelo cidadão, e para que isso ocorra é necessário encontrar soluções práticas, desapegando-se de formalismos e, ao final, propiciar o efetivo acesso à justiça.

A adoção do sincretismo processual para o cumprimento de sentença condenatória para pagamento de quantia certa, dinheiro, é sem dúvida um grande passo para a realização da jurisdição.


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ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.


Notas

  1. Alguns esclarecimentos acerca dos processos no direito Romano, extraídos da dissertação de mestrado "DO JUIZ E DO ÁRBITRO NAS ACTIONES CIVILES NO DIREITO ROMANO CLÁSSICO", Nelson Melo de Moraes Rego, apresentado na Universidade de Coimbra, 2005: LEGIS ACTIONE: "Caracteriza-se por um sistema de ações, com prioridade da actio sobre ius , consagradas na Lei das XII tábuas. Foi a primeira forma em que a justiça privada foi ordenada sob a direção e o controle da autoridade estatal. Destinava-se a proteger direitos reconhecidos pelo ius civile. Apenas os cidadãos romanos, em Roma ou no raio duma milha da cidade, estavam legitimados para este processo. Estava dividido em duas fases, in iure, presidida pelo magistrado ou pretor, com jurisdição estatal que, depois de ouvir as alegações das partes, concedia ou denegava a actio solicitada pelo actor (demandante), na presença de testemunhas, ocasião em que se fixava os termos da lide (os limites do pedido) e as partes acordavam, por meio da litiscontestatio (um acordo entre demandante e demandado), submeterem-se à decisão do iudex ( um juiz privado e compromissado) que escolhiam ou era nomeado pelo magistrado. Perante aquele, recaía a incumbência de emitir uma opinião com força vinculativa, denominada sententia, após terem sido provados ou não os fatos deduzidos pelas partes, sendo esta a segunda fase, apud iudicem, que decorria na presença do juiz, árbitro ou colégio de juízes." Disponível em: www.enm.org.br/.../Juiz%20e%20Arbitro%20no%20Proc%20Romano%20-%20PAPER%20MESTRADO.doc. Acessado em 28/05/2011.
  2. Ibidem. O PER FORMULAS: A origem do processo formulário tem sido apontada na atividade do praetor peregrinus, instituído este em 242 a. C. para dirimir conflitos entre romanos e peregrinos.... Decorreu, então, que as solenidades orais da litiscontestatio foram substituídas por um documento escrito, a formula (mas permaneceu a litiscontestatio), com o que apresentava características próprias: a) é menos formalista e, portanto, mais célere; b) esvaziado o cáreter estritamente oral de que se revestiam as legis actiones; c) maior atuação do magistrado (pretor) no processo e d) extinção da condenação pessoal por dívidas, tornando-se exclusivamente pecuniária. O procedimento, em síntese, era o seguinte: depois de o demandante houver sido citado a juízo - de modo privado (in ius vocatio) - o demandado, e se este houvesse comparecido, o primeiro solicitava do pretor a concessão da ação – postulatio actionis. O pretor faz então uma cognição sumária da questão – causae cognitio – e concedia ou denegava a ação – datio/denegatio actionis – que se redigia por escrito em umas tabuinhas, no momento do acertamento do litígio ou da litiscontestatio, entregando-se estas tabuinhasao demandante. Com estes atos, terminava o procedimento in iure perante o pretor e seguia-se, a segunda parte perante o iudex privatus, a fase apud iudicem. Então, depois de receber as distintas provas apresentadas pelos litigantes , de ordinário com a intervenção de advogados, e de valorá-las, dava sua opinião, sententia, sobre a questão litigiosa. Para prolatar a sentença e assim concluir o processo, tinha o iudex um prazo de dezoito meses, desde a litiscontestatio até à sententia. Esta era inapelável, uma vez que inadmitia-se a recorribilidade para outro iudex privatus. Ainda convém registrar que a forma dos atos processuais era oral e sem quaisquer custas.
  3. Ibidem. A cognitio extra ordinem: os magistrados passaram a ser competentes para julgar questões civis relacionadas com delitos que, pelo poder de polícia que dispunham, lhes competia. Assim, verbi gracia, o praefectus urbi tornou-se competente para dirimir conflitos decorrentes de usurpações violentas, queixas de banqueiros contra clientes, questões relativas à ingenuidade e à liberdade e o praefectus uigilum dirimia litígios entre locadores e locatários, extra ordinem. Ademais, com a vigência da lex de imperium, o imperador tinha poderes para solucionar questões cíveis e criminais. No início, nos dois primeiros séculos do cristianismo os imperadores pouco se utilizaram, mas a partir do III século fizeram uso intenso, inclusive delegando poderes a funcionários imperiais, magistrados especiais... É característica deste novo sistema de cognição que a ação perde sua tipicidade e se converte em um modo genérico de pedir justiça. Mesmo que se conservasse a antiga nomenclatura clássica, era inevitável a confusão entre os distintos recursos processuais e « complementários» da nova jurisdição oficial. Ao desaparecer a bipartição processual, a litiscontestatio, ainda que se continue falando dela, perdeu sua eficácia; seus efeitos referem-se agora ao momento da demanda e outros sobre a consumação processual, a sentença definitva. A base convencional desparece e prevalece o ponto de vista da organização judicial, pois a jurisdição se converte em uma parcela da administração pública. A citação faz-se oficialmente – litis denunciatio – e desde meado do século V, dá-se o procedimento escrito do libelo – libellus convencionis e libelus contradictorius – o comparecimento se assegura pela cautio iudici sisti e o processo pode transitar em contumácia do demandado. Interessante observar ainda que o juiz, que representa a autoridade e potestade do imperador, se manifesta como condescendente para escutar os que pedem justiça; daí surge a palavra audientia. Contra as sentenças dos juízes estatais inferiores pode apelar-se aos juízes superiores. A tramitação faz-se preferencialmente escrita e protocolizada; surgem as custas processuais e os honorários para os oficiais judiciais. Ademais, o juiz pode acudir livremente às provas que estime necessárias.
  4. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 165.
  5. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 35.
  6. Op. Cit. Rego, Nelson Melo de Moraes. "Do Juiz e do Árbitro nas Actiones Civiles no Direito Romano Clássico". Importante trazer ao presente estudo a diferença entre jurisdictio-imperium e ius dicere, resgatando-a do trabalho citado: ." O primeiro é império, autoridade jurisdicional, atividade, condição própria do magistrado (pretor) e o segundo é função atribuída ao iudex privatus por aquele. Portanto, a palavra iurisdictio tem um significado próprio. O processo cognitio extra ordinem é todo ele jurisdicional, porquanto desenvolvido perante um juiz estatal, um magistrado ou o imperador ou ainda um magistrado com delegação de poderes. Também havia significações distintas para os termos Iurisdictio e Imperium, pois neste evidenciava-se o máximo poder público, assim, compatível com as atividades discricionárias, no âmbito administrativo estatal, e aquele significava a atividade jurisdicional, por excelência; verbi gratia, o praefectus urbis é investido de jurisdição em matéria civil, mas não detém o imperium em atividades policiais ou criminais, por não lhe estar afeta a chefia desta atividade. Outrossim, os interdicta e as cuationae não são atos tipicamente jurisdicionais. Por outro aspecto, o Imperador, em algumas competências, notadamente no período do cognitio extra ordinem, estava revestido tanto de jurisdictio e ius dicere quanto de imperium. Também há distinções no entendimento de imperium, por se tratar de poder com várias aplicações, por exemplo, o poder do magistrado, originalmente era ilimitado; posteriormente, com a criação da magistratura extraordinária, a qual se atribui poderes especiais, inclusive poderes de revisão ou recursais, a concepção de imperium infinitum maius passa por uma ulterior modificação; e com imperium maius surge somente o poder de interceder contra ato do collega minor. No ordo iudiciorum privatorum o magistrado pronunciava verba legitima, e sua função se exauria com esta pronuncia: dicebat ius. E a explicação da iurisdictio estava reservada para aplicação do que estivesse estatuído na formula, sem que houvesse adição de poder de comando ou sem a permissão de mais atribuições do que aquelas especificadas. Ius dicere indicava a forma com a qual aquela função se explicava, não o conteúdo dessa função. Neste segundo período, per formulas, a atividade do magistrado é menos chegada à observância de formalidades, sendo maior a sua importância para o processo, com o que constata-se o caráter público que o processo começa a assumir. Em consequência, o ius dicere vem a mudar de significado e a pressupor um certo exercício de poder discricionário, que não é apenas poder de comando e por força de que se refere mesmo à um conteúdo dessas verba pronunciadas pelo magistrado. Conceder a actio, nas legis actiones era uma atividade que os romanos diferenciavam de todas as outras formas de intervenção do magistrado na administração da justiça. Na época clássica, se observa com frequência, por exemplo a contraposição entre iurisdictio e iudicatio. Como também, qualifica-se de jurisdicional o processo extra ordinem, o qual é muito frequente designar com o nome de cognitio. Nesta época, começa em Roma o processo a assumir a forma de verdadeiro processo (nos moldes atuais), uma vez que, por exemplo, com a aparição das denuntiatones ex auctoritate, há nova regra relativa à contumácia do demandado e devido ao fato do magistrado poder modificar ou revogar a própria sentença, quando tivesse que assegurar um regular contraditório à outra parte. Note-se ademais que a regulamentação da cognitio extra ordinem é devido a uma maior importância que assume no ordenamento judiciário de Roma, com o que se verifica a perda, pouco a pouco, do caráter de intervenção extraordinária."
  7. Op.cit. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica, p. 19.
  8. Ibiidem, p. 9.
  9. Op.cit. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica, p. 37.
  10. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O Direito Constitucional à Jurisdição, In: As Garantias do Cidadão na Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.,) 1993, p. 31.
  11. BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros, 2006, p.45.
  12. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3.
  13. Op. cit. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 21.
  14. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 41.
  15. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. I, 13ª ed.. Bahia: JusPODVIM, 2011, p. 311.
  16. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 22.
  17. Ibidem, p. 23.
  18. Ibiidem, p. 25.
  19. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9.
  20. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 186 e 189.
  21. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 28.
  22. Ibidem, p. 33.
  23. Ibidem, p. 33.

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BARROS, Janete Ricken Lopes de. O processo sincrético para cumprimento das sentenças condenatórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2980, 29 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19868. Acesso em: 19 maio 2024.