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O dano extrapatrimonial contratual no âmbito das relações de consumo

O dano extrapatrimonial contratual no âmbito das relações de consumo

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Sumário: 1. Proposta de Trabalho - 2. Os Princípios Informativos do Direito Contratual Clássico- 3. A Constituição Federal de 1998 e o Direito dos Contratos - 4. O Código de Defesa do Consumidor: 4.1. Natureza das Normas Protetivas dos Consumidores: Ordem Pública; 4.2. Âmbito do Microssistema; 4.2.1. Os Direitos Básicos dos Consumidores: A Efetiva Reparação; 4.2.2. A Responsabilização Objetiva dos Fornecedores; 4.2.3. A Disciplina dos Contratos no Âmbito do CDC: 4.2.3.1. Os Contratos de Adesão; 4.2.3.2. As Cláusulas Abusivas - 5. O Dano Extrapatrimonial; 5.1. Distinção com o Dano Moral; 5.2. A Desnecessidade da Comprovação de Prejuízo; 5.3. O Dano Extrapatrimonial por Violação ao Princípio da Boa-Fé, em decorrência da imposição de cláusulas abusivas.


1. Proposta de Trabalho

O presente trabalho monográfico tem como tema central o dano extrapatrimonial contratual no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

Em primeiro lugar, cumpre-nos destacar que o conceito de dano extrapatrimonial que utilizamos em nosso trabalho não guarda nenhuma relação direta com o instituto do dano moral, nada obstante ambos os termos serem utilizados indistintamente pela doutrina.

Para nós, o dano extrapatrimonial decorre da simples violação de um direito ou dever jurídico que o ordenamento jurídico outorga ou impõe às pessoas em dada sociedade, quer físicas, quer jurídicas.

Já o dano moral seria toda a agressão dirigida à esfera íntima do indivíduo (honra, nome, afeição, sentimentos etc.), quer lhe atingindo a imagem, quer os seus sentimentos pessoas. Enfim, tem-se por dano moral aquele decorrente da violação dos direitos da personalidade.

Assim, o instituto do dano extrapatrimonial possuiria um caráter preventivo ou intimidatório-repressivo, ao revés do caráter ressarcitório, objetivo esse das indenizações por dano moral.

Logo, em vista da dicotomia adotada, os danos moral e extrapatrimonial poderiam até coexistir, haja vista a natureza distinta de ambos, o que procuraremos demonstrar no transcorrer do nosso trabalho.


2. Os Princípios Informativos do Direito Contratual Clássico

Sob os influxos da Revolução Francesa, o Direito Privado sofreu grande influência por parte de seus três postulados: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade".

Entendeu a Revolução que o Homem, ser livre e racional, detinha o direito ou a liberdade de autodeterminar-se segundo a sua própria vontade, o que representava em uma de suas faces a possibilidade de contratar e ser contratado, bem como a de estipular o conteúdo da contratação.

O liberalismo acentuado reinante no início do século XIX influenciou toda a construção doutrinária e legislativa da teoria contratual, fazendo com que o contrato, como instrumento jurídico que possibilita a circulação de riquezas, resultasse totalmente dominado por dois princípios básicos: o da lei entre as partes (lex inter partes) e o da observância do pactuado (pacta sunt servanda). O primeiro impede a alteração do que as partes convencionaram; o segundo obriga-as a cumprir fielmente o que avençaram e prometeram reciprocamente.(1)

A teoria clássica do contrato, informada por esses dois princípios, levou à conseqüências máximas a autonomia da vontade, desprezando o próprio conteúdo do contrato e a realidade exterior, como as condições sociais envolvendo as partes contratantes. Atendia a um modelo de sociedade estabilizada, tanto do ponto de vista político, como do sociológico e do econômico, mesmo que nela houvesse disparidades sociais e econômicas.(2)

Se duas ou mais pessoas desejassem firmar entre si qualquer contrato, tudo aquilo que porventura estipulassem teria força de lei entre elas, tornando-se o conteúdo do contrato intangível, imodificável.

Diante do pensamento que dominava a teoria contratual clássica, surgiram, além dos princípios já citados, outros informativos do direito contratual: a) princípio da autonomia da vontade; b) princípio do consensualismo; c) princípio da força obrigatória; d) princípio da boa-fé; e) princípio da relatividade dos efeitos dos contratos.

Para o mestre Orlando Gomes o princípio da autonomia da vontade "significa o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica."(3), vale dizer, a possibilidade dos contraentes escolherem a espécie contratual que melhor corresponda aos seus objetivos, além de poderem fixar o conteúdo do contrato, quer restringindo, quer ampliando os seus direitos e obrigações.

Tal poder de autoregramento de interesses, por sua vez, até mesmo sob a égide da teoria contratual clássica não é absoluto, encontrando limites nos bons costumes e nas normas de ordem pública.(4)

O princípio do consensualismo ainda é liberdade: é a liberdade quanto à forma que deve revestir os contratos e os negócios jurídicos unilaterais. Em especial quanto aos contratos, caracteriza-se o consensualismo dizendo que em regra basta o acordo entre as partes, para que estas fiquem vinculadas - consensus obligat(5), ao contrário do que ocorria no direito romano, no qual dominavam o formalismo e o simbolismo que submetiam a validade de determinado contrato ao aperfeiçoamento de determinado ritual.

O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória. Diz-se que é intangível, para significar a irretratabilidade do acordo de vontades. Nenhuma consideração de eqüidade justificaria a revogação unilateral do contrato ou a alteração de suas cláusulas, que somente se permitem mediante novo concurso de vontades. O contrato importa restrição voluntária da liberdade; cria vínculo do qual nenhuma das partes pode desligar-se sob o fundamento de que a execução a arruinará ou de que não o teria estabelecido se houvesse previsto a alteração radical das circunstâncias.(6)

Essa força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é a pedra angular da segurança do comércio jurídico.(7) Vê-se que uma das razões a justificar a rigidez dos princípios contratuais clássicos é a segurança das relações jurídicas.

O princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa impossibilidade de revisão pelo juiz, ou de libertação por ato seu.(8)

As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das partes. Se ocorrem motivos que justificam a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para a decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação do seu conteúdo.(9)

O princípio da boa-fé, para a teoria contratual clássica, corresponde a um estado de espírito em harmonia com a manifestação de vontade que vinculou as partes contratantes. É a intenção pura, isenta de dolo ou malícia, manifestada com lealdade e sinceridade, de modo a não induzir a outra parte ao engano ou erro.(10) É a chamada boa-fé subjetiva, um estado de ignorância sobre características da situação jurídica que se apresenta, suscetível de lesionar os direitos de outrem.

Por último, o princípio da relatividade dos efeitos do contrato quer dizer que o contrato produz efeito apenas e tão-somente entre as partes que nele se vincularam, não favorecendo ou prejudicando terceiros.

Como se vê, a teoria contratual clássica tem como pilar central a vontade dos indivíduos, pouco se importando com a justiça ou equilíbrio da estipulação contratual. O direito deve apenas proteger a vontade, reconhecida a sua força vinculativa, criadora de direito e obrigações. A vontade é, portanto, a força fundamental que vincula os indivíduos.(11)

Nesse sentido, doutrina o professor Serpa Lopes que "na teoria contratual clássica, todo o edifício do contrato assenta na vontade individual que é a razão de ser de uma força obrigatória. As partes não se vinculam senão porque assim o quiseram e o papel da lei resume-se em consagrar esse entendimento. Nada pode o juiz ante essa vontade soberana; a sua função limita-se a assegurar-lhe o respeito, na proporção da inexistência de qualquer vício de consentimento ou de qualquer vulneração às regras de ordem pública."(12)

Para o professor português João Calvão da Silva, "moralmente, a teoria da autonomia da vontade louva-se na ideia de que a vontade livre dos indivíduos não podia senão realizar a Justiça. Cada pessoa é o melhor juiz dos seus interesses. Logo, o contrato, acordo de vontades, é conforme os interesses das partes contratantes, não se concebendo que alguém queira conscientemente o contrário do seu interesse. Deste modo, o equilíbrio de interesses dos contratantes está garantido e a justiça contratual salvaguardada. << Quem diz contratual, diz justo >> (Fouillée)."(13)

Em que pesem tais considerações, a teoria contratual moderna, máxime após a promulgação da Constituição Federal de 1998, substituiu a visão individualista do direito por um viés social, solidário, sendo que os princípios contratuais clássicos, centrados no indivíduo, passaram a ser focados na sociedade, tendo as estruturais contratuais tradicionais sofrido forte abalo, o que provocou profunda mudança no direito privado, máxime no dos contratos.


3. A Constituição Federal de 1998 e o Direito dos Contratos

A Constituição Federal de 1998 positivou novos valores que representam os hodiernos anseios da sociedade brasileira, afastando o ranço individualista que até então marcava o direito privado.

Com efeito, a Carta Política sufraga, como valores supremos da ordem jurídica, os ideais de dignidade, de igualdade, de liberdade, de segurança, de propriedade e de justiça, antepondo-os, como inerentes à natureza humana, ao Estado, ao legislador e ao intérprete.(14)

Quis o constituinte ampliar o espectro de nossa Constituição, exatamente para direcionar, sob sua ótica, o legislador ordinário, impondo-lhe balizas e limites claros, definidos e expressos, sobre diferentes temas de cunho político, social e econômico, a exemplos de outros sistemas ocidentais em que de há muito se têm imiscuído conotações, principalmente sociais, aos esquemas tradicionais, que reduziam à regulamentação da estrutura do Estado e de suas relações com os cidadãos em seu território a temática constitucional.(15)

Abandona-se, dessa forma, o neutralismo do Estado antes chamado "de Direito" pela noção de "Estado de Justiça", impregnado de valores que lhe cabem defender e perseguir, estes, aliás, declarados solenemente no preâmbulo de nossa Carta e em seus textos iniciais, e que representam os valores mais elevados da própria natureza humana.(16)

"O individualismo e o abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal", anota o constitucionalista José Afonso da Silva, "provocaram imensas injustiças, e os movimentos sociais do século passado e deste especialmente, desvelando a insuficiência, permitiram que se tivesse consciência da necessidade da justiça social, conforme nota Lucas Verdú, que acrescenta: "Mas o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal, necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade, integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro, individualista, para transformar em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social". Transforma-se em Estado Social de Direito, onde o "qualificativo social refere-se à correção do individualismo clássico liberal pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de justiça social"."(17)

O direito passa a ser um instrumento de justiça e inclusão social na sociedade atual, instrumento de proteção de determinados grupos na sociedade, de realização de novos direitos fundamentais, de combate ao abuso do poder econômico.(18)

Dentro desse novo contexto introduzido pela Constituição Federal de 1988, o Direito Privado é impregnado de elementos sociais, o que redunda na eliminação dos resquícios individualistas e formalistas até então vigorantes, submetendo a sociedade brasileira aos novos valores sociais que representam os anseios e expectativas do mundo contemporâneo, dentre as quais destaca-se a Justiça Social, exigindo do Estado uma atuação firme para a defesa da sociedade.

Tal atuação dar-se-á, principalmente, através da intervenção estatal no domínio privado, com o objetivo de preservar os interesses tidos por relevantes, reflexos esses dos valores positivados no texto constitucional.

A respeito da citada intervenção estatal, a professora gaúcha Cláudia Lima Marques dá-nos conta de que "no início, o intervencionismo estatal dar-se-á através da planificação de certas atividades, pela fiscalização e controle de certos negócios, pela fixação de quotas e preços mínimos. Mas, aos poucos, o intervencionismo estatal evolui de modo a fomentar a edição de leis limitadoras do poder de auto-regular determinadas cláusulas (p. ex.: cláusulas de juros) e determinar o conteúdo de certos contratos, passando a ditar o conteúdo daqueles contratos em atividades imprescindíveis (por exemplo: de transportes, fornecimento de água, luz)." (19)

Em obra precursora da nova visão do direito privado, o jurista gaúcho Clóvis do Couto e Silva dilucida: "Exemplo frisante da limitação da liberdade de dar cláusulas ao negócio jurídico é o da fixação de preços para certas utilidades. O ato administrativo que, com base em lei especial, determina o preço, altera as obrigações em curso no contrato.

Dentro da filosofia do Estado liberal, atos dessa natureza seriam inadmissíveis, por existir, como já anotamos, a separação nítida e quase absoluta entre Estado e Sociedade. É manifesto, porém, que tal separação não dizia respeito a todos os aspectos, pois, do contrário, não se poderia compreender em que consistiriam as funções do Estado. Este intervinha para tornar orgânicos, na vida social, os princípios apregoados pelo liberalismo e erradicar tudo aquilo que se vinculasse à estruturação de classes ao estilo do sistema feudal. A ingerência do Estado efetuava-se no sentido da igualdade, no do nivelamento, no da generalização dos princípios políticos decorrentes da inserção do "Bill of Rights" nas cartas constitucionais."(20)

"Modernamente", segue o mestre, "o Estado possui funções de formador subsidiário do meio econômico e social, exarando normas que se dirigem à planificação de certas atividades dos particulares, em determinados momentos, e editando, por vezes, legislação marginal ao fenômeno sociológico do mercado.

No desempenho dessas prerrogativas, derivadas do conceito de Estado Social praticam-se atos "iure imperii", destinados a alterar e ajustar os negócios privados, afeiçoando-os à política governamental. Alguns desses atos refletem-se nas relações obrigacionais, como aqueles, por exemplo, que fixam preços: estipulando as partes preço superior ao constante da tabela, é nula a estipulação, e, se a fixação de preço ocorrer na vigência do contrato, o preço convencionado será reduzido ao montante previsto na determinação administrativa."(21)

Ante a nova filosofia do chamado Estado Social, haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social, com a imposição de um novo paradigma, o princípio da boa-fé objetiva. É o contrato, como instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade de consumo, mas, assim como o direito de propriedade, agora limitado e eficazmente regulado para que alcance a sua função social.(22)

Com efeito, a partir da crescente intervenção estatal nos negócios privados, visando regulá-los e limitar a incidência de uma plena autonomia da vontade, passa o Direito a ser visualizado predominantemente por sua face social, preocupado em estabelecer uma ordem jurídica justa, e não apenas imposta, abstraída de quaisquer preocupações ético-sociais.

Por isso, segundo anotou o gênio alemão de Karl Larenz, a preocupação com o direito justo "concierne a los juristas, porque, si bien es cierto que los juristas pueden limitar-se a cumplir las normas de un concreto Derecho positivo, o las decisiones judiciales que en ese Derecho sean vinculantes, no pueden evitar que se los coloque incesantemente ante el problema de saber si lo que hacen es o no <<justo>>, sobre todo cuando las relaciones vitales cambiam y los casos no se planteam ya de un modo igual."(23) A preocupação atual dos juristas passa a ser a busca da realização de justiça, e não apenas a de se aplicar a lei mecânicamente, verificando se a hipótese fática subsume-se à legal, sem qualquer influência de valores metajurídicos.

A Constituição Federal deixa isso claro, especialmente sob a inteligência de seu artigo 170, quando fixa as finalidades da Ordem Econômica. Há liberdade de ação no mercado, tendo em vista o princípio da livre iniciativa; todavia, a liberdade de ação é contrabalançada pelos demais princípios regentes da ordem econômica, máxime o da proteção dos consumidores.

É induvidoso que a Constituição Federal claramente adotou o modelo econômico capitalista, fundado na livre iniciativa e na livre concorrência: a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema econômico, o sistema capitalista.(24)

Explicitado o sistema capitalista como aquele pelo qual faz opção a ordem econômica na Constituição de 1988, cabe indagarmos se, ao fazê-lo, o texto constitucional rejeita – ou não rejeita – a economia liberal e o princípio da auto-regulação da economia. (25)

Essa indagação é, também, prontamente respondida: há nela, nitidamente, rejeição da economia liberal e do princípio da auto-regulação da economia. Basta, para tanto, ler o art. 170: a ordem econômica liberal é substituída por uma ordem econômica intervencionista. (26)

Face o texto constitucional o modelo capitalista encontra limites, e esses limites visam inibir quaisquer posturas que de alguma forma agridam os princípios retores da ordem econômica, dentre os quais o da livre concorrência e o da defesa dos consumidores(27).

Como bem adverte Sérgio Varella Bruna, "A liberdade de iniciativa empresarial, portanto, porque inserida no contexto constitucional, há de ser exercitada não somente com vistas ao lucro, mas também como instrumento de realização da justiça social – da melhor distribuição de renda – com a devida valorização do trabalho humano, como forma de assegurar a todos uma existência digna. Assim, o lucro não se legitima por ser mera decorrência da propriedade dos meios de produção, mas como prêmio ou incentivo ao regular desenvolvimento da atividade empresária, segundo as finalidades sociais estabelecidas em lei. A liberdade de iniciativa, destarte, mais do que uma garantia individual, passa a ser uma técnica de produção social, dentre da qual se insere o sistema de mercado, cujos objetivos são juridicamente estabelecidos. Isso eqüivale a dizer que o estabelecimento de uma ordem econômica, que tem por obrigação a realização da justiça social, através da proteção do consumidor, da busca do pleno emprego, da redução das desigualdades sociais, entre outros, condiciona não só a ação do Estado, mas as ações de toda a sociedade. Todos, inclusive os empresários, devem orientar suas atitudes com vistas à consecução de tais objetivos."(28)

Busca o Estado, em sua concepção social, proteger determinados valores, determinados grupos de pessoas que a própria Constituição Federal houve por bem zelar, com destaque especial aos consumidores.

Prova disso é o fato de que "A Constituição Federal de 1998, pela primeira vez na história dos textos constitucionais brasileiros, dispõe expressamente sobre a proteção dos consumidores, identificando-os como grupo a ser especialmente tutelado através da ação do Estado (Direitos Fundamentais, art. 5º, XXXII)"(29)

Isso ocorreu porque, na realidade, a plena economia de mercado, assim entendida aquela em que o Estado deixava aos particulares a missão de autoregularem os seus interesses, e que implicava necessariamente na visão absolutista dos direitos subjeivos, já não mais se mostrava adequada à efetiva proteção daqueles que não detinham os meios de produção e informação, não mais garantia o atingimento de uma das finalidades da República: a proteção à dignidade da pessoa humana.

Era necessária a intervenção estatal com o objetivo precípuo de restabelecer o equilíbrio dos agentes sociais de há muito rompido na prática, através da imposição de políticas mínimas, impondo, algumas vezes, restrições ao pleno exercício das atividades econômicas, já que o modelo jurídico-econômico fundado no voluntarismo e individualismo exacerbados, conseqüência das concepções difundidas nos séculos XVIII e XIX, não se mostrava adequado e consentâneo à realidade social atual. Face à dinâmica atual da vida econômica e social brasileiras, não poderia o Direito deixar de se adequar às novas realidades.

Tendo isso em conta, Carlos Maximiliano já advertia: "Não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelos legisladores. Se as normas positivas se não alteram à proporção que envolve a coletividade, consciente ou inconscientemente a magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes, imprevistas. A jurisprudência constitui, ela própria, um fator do processo de desenvolvimento geral; por isso a Hermenêutica se não pode furtar à influência do meio no sentido estrito e na acepção lata; atende às conseqüências de determinada exegese: quanto possível a evita, se vai causar dano, econômico ou moral, à comunidade. O intuito de imprimir efetividade jurídica às aspirações, tendências e necessidades da vida de relação constitui um caminho mais seguro para atingir a interpretação correta do que o tradicional apego às palavras o sistema silogístico de exegese."(30)

O que estava a faltar na sociedade brasileira era justamente a adaptação do direito privado às novas realidades do país(31). Fruto de tais concepções sociais, a Lei nº 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor - positivou o que há de mais moderno no direito contratual e obrigacional na seara do direito comparado, dando efetividade à norma constitucional determinadora da proteção dos consumidores, eis que reconhecida a sua vulnerabilidade no mercado de consumo face aos demais agentes econômicos.

E isso se deu através da imposição de pautas mínimas de conduta aos fornecedores de produtos e serviços, com o fim induvidoso de moralizar a relação econômica, posto que o direito não pode caminhar divorciado dos princípios morais que imperam na sociedade e que norteiam as consciências a conceberem os relacionamentos dentro de um mínimo de decência e pudor econômico, sob pena de se converterem estes em instrumento de pura especulação e destruição, ao invés de se tornarem fatores construtivos da riqueza nacional.(32)

Assim, atento a essa realidade da sociedade de massas e com a visão ideológica dos postulados da nova teoria contratual, que pressupõe a relevância do interesse social de forma a influir sobre as relações obrigacionais privadas, o legislador brasileiro editou o Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90, que surge como o mais novo e amplo conjunto de normas sobre matéria contratual, para disciplinar, na condição de norma geral, todos os negócios jurídicos envolvendo relações de consumo.


4. O Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumior é multidisciplinar, posto conter em seu contexto normativo os regramentos básicos da defesa das relações de consumo tanto na esfera civil, processual, administrativa e penal. Com isso buscou o legislador emprestar maior efetividade à defesa e coerência na aplicação da lei com vistas à proteção do bem jurídico tutelado.

Não se quer dizer com isso que outras leis tais como o Código Civil ou o Código Penal não sejam aplicáveis às relações de consumo; porém, isso somente ocorrerá de modo subsidiário ao Código de Defesa do Consumidor, a fim de ser suprida eventual lacuna do texto legal, e desde que tal incidência não entre em conflito com os novos princípios instituídos pela legislação consumerista.

Há que se ter em conta o caráter principiológico do Código de Defesa do Consumidor, aplicável a toda relação de consumo, pouco importando a sua natureza - contratual ou extracontratual -, ou espécie, como demonstrou o mestre Nelson Nery Júnior: "É preciso aliar-se ao fato de o CDC ser lei especial que regula as relações de consumo, a circunstância de que o Código é um microssistema que contém regramentos e princípios gerais sobre relações de consumo, que não podem ser modificados por leis posteriores setorizadas, isto é, por leis que tratem de algum tema específico de relações de consumo.

Assim, sobrevindo lei que regule, v.g. transportes aéreos, deve obedecer aos princípios gerais estabelecidos no CDC. Não pode, por exemplo, essa lei específica, setorizada, posterior, estabelecer responsabilidade subjetiva para acidentes aéreos de consumo, contrariando o sistema principiológico do CDC, que prevê o regime da responsabilidade objetiva para os acidentes de consumo (CDC, arts. 6º, VI, e 12).

Pensar-se o contrário é desconhecer o que significa o microssistema do Código de Defesa do Consumidor, como lei especial sobre relações de consumo e lei geral, principiológica, à qual todas as demais leis especiais setorizadas das relações de consumo, presentes e futuras, estão subordinadas."(33)

A modificação no sistema introduzida por estas novas leis é substancial, conseqüência direta do abrangente campo de aplicação que o legislador costuma conceder a estas leis. Muitas vezes, seu campo de aplicação será coincidente com o campo de aplicação de outras leis especiais, de forma a combater privilégios não mais condizentes com os novos valores que pretende introduzir.(34)

A entrada em vigor de uma nova lei de função social traz como conseqüência natural uma modificação profunda no ordenamento jurídico vigente.(35) Daí a dificuldade do operadores do direito em interpretá-la tomando por base o pensamento e a filosofia que impregnavam o direto codificado do século XIX.

Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor é uma destas leis de função social, as quais têm o mérito de positivar as novas noções valorativas orientadoras da sociedade, procurando, assim, assegurar a realização dos modernos direitos fundamentais (direitos econômicos e sociais) previstos nas Constituições. Leis típicas do intervencionismo do Estado Social, elas nascem com a difícil e a específica função de servir de parâmetro de nova orientação, de efetivo instrumento para alcançar o equilíbrio social que o legislador moderno pretende realizar.(36)

Ninguém duvida da árdua e difícil – para muitos praticamente impossível – tarefa de mudar a realidade através de normas jurídicas. O legislador, porém, na sua sociológica e política finalidade de transformar a realidade cuida de dotar as leis de função social de uma série de características que, no sistema do Direito, isto é, internamente no ordenamento jurídico de determinado país, as possibilitarão de cumprir a sua função.(37)

São leis declaradas de ordem pública, a reconhecer a superioridade da lei em relação à autonomia da vontade do indivíduo. São normas, portanto, inderrogáveis pela ação da vontade do indivíduo, a regular de maneira imperativa e imediata as questões jurídicas que tratam.(38)

Trata-se, pois, de conjunto ordenado de princípios e de normas editado para a proteção de direitos reconhecidos universalmente às pessoas, uma vez que ínsitos em sua própria essência, a saber, os direitos à vida, à segurança, à higidez física, à higidez psíquica, à intimidade, à honra e outros que se incluem no elenco dos denominados direitos da personalidade. Volta-se ao amparo das pessoas nas relações de consumo, ou seja, enquanto participantes de operações em que se apresentam como destinatárias finais dos produtos ou dos serviços oferecidos ao mercado.(39)

4.1. - Natureza das Normas Protetivas dos Consumidores: A Ordem Pública

Somente a partir da 1ª Guerra Mundial, com as profundas modificações que acarretou no meio sócio-econômico e político, é que ocorreu um fenômeno no Direito, forçado pela necessidade de se restabelecer a paz social, que possibilitou abalar a autonomia da vontade nas relações contratuais, que deixaria de ser um princípio sem limites para admitir limitações. Tal fenômeno ficou conhecido como dirigismo contratual, fundado no reconhecimento de que a autonomia da vontade das partes em um determinado ajuste privado cede às exigências do bem comum, que deve prevalecer sobre o individualismo, funcionando como fator limitativo da liberdade contratual.

No Brasil tal visão é acentuada pela caráter social da Constituição Federal de 1998, a qual, como já se disse, claramente impõe freios à livre atuação dos agentes econômicos.

Com isso, o Direito Privado passa a sofrer uma influência direta da Constituição, da nova ordem pública por ela imposta e muitas relações particulares, antes deixadas ao arbítrio da vontade das partes, obtêm uma relevância jurídica nova e um conseqüente controle estatal, que já foi chamado de "publicização do direito privado". A defesa do consumidor inclui-se, assim, na chamada ordem pública econômica, cada vez mais importante na atualidade pois legitima e instrumentaliza a crescente intervenção do Estado na atividade econômica dos particulares.(40)

A expressão Ordem Econômica designa, com as expressões Ordem Política e Ordem Social, um universo presidido por princípios, e regras rígidas, que as informam, assegurando-lhes condições de existência, resguardo e equilíbrio, endereçando-se, em cada Estado, a regra jurídica constitucional e a lei contra qualquer tipo de ato atentatório pertubador da atividade humana, no seio de cada Ordem.(41)

Ao lado da ordem pública social e da ordem pública econômica, fala-se modernamente em ordem pública de proteção dos consumidores, com especial incidência nas relações de consumo por contrato de compra e venda. Com efeito, as regras ortodoxas do direito privado não mais atendem à ordem pública de proteção do consumidor, notadamente quanto aos vícios do consentimento, à noção de causa no contrato, ao regramento da cláusula penal, à teoria das nulidades e à proteção contra as cláusulas abusivas. Daí a necessidade de criar-se um microssistema informado por modernas técnicas de implementação de regras de ordem pública modificadoras da então ordem jurídica privada vigente no Brasil, em atendimento aos preceitos universais que reclamam seja feita defesa mais efetiva dos direitos dos consumidores."(42)

Seguindo a linha adotada pelos legislador constitucional, o Código de Defesa do Consumidor veio cumprir o expresso mandamento previsto no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal: "Art. 1º - O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e Art. 48 de suas Disposições Transitórias."

O Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, pois salvaguarda relevantes interesses sociais.

E sendo de ordem pública(43), incide mesmo contra a vontade dos interessados, devendo o juiz conhecer todas as questões de ofício, bastando que delas tenha tido conhecimento no decorrer do processo.

As normas de ordem pública representam uma das formas de intervenção do Estado Social no domínio econômico, fruto do fenômeno denominado dirigismo contratual, o qual atua como fator de mitigação da autonomia privada.

O Estado atinge o seu objetivo protecionista através de dois enfoques. Primeiramente, a desregulamentação econômica, eliminando as restrições impostas à circulação de bens, preservando a liberdade do tráfico mercantil, mas tudo sob a tônica da intervenção do Estado. O segundo enfoque para obter os objetivos desejados - restabelecimento das relações contratuais, equilíbrio - é a presença do dirigismo contratual, que durante o período do liberalismo era visto como verdadeiro "atentado à liberdade contratual". O estabelecimento, em determinados negócios específicos, de condições contratuais a serem observadas, o ordenamento impõe situações que obrigatoriamente devem constar da contratação, não podendo as partes, por sua própria vontade, derrogar ou mesmo alterar as disposições, uma adaptação dos contratos às circunstâncias econômicas, procurando manter situação de paridade entre prestação e contraprestação, o sinalagma.(44)

Sobre a importância das normas de ordem publica, o jurista argentino Rubén S. Stiglitz diz que "Lo cierto es que la dificultad em capturar conceptualmente la noción de orden público com um criterio universal, há generado algunas alternativas: la de quienes, por uma parte. agrupan por categorías las disposiciones que revisten esse carácter, la de quienes intentan aportar nuevos elementos que permitan precisar el perfil de tan imprecisa noción, y la de quienes contribuyen convergentemente em enunciar supuestos y enriquecer el concepto. Em esta última opción se adscribe Enneccerus cuando, al referirse a la preponderancia del interés público y a la consiguinte interferencia de disposiciones forsozas en el derecho privado, alude a las exigencias del bien general, concepciones morales, la seguridad del tráfico, la tutela de la familia y los económicamente más débiles o la protección contra la propia ligereza y la propria inexperiencia, como elementos condicionantes de um derecho privado forzoso que aun así sigue siendo propiamente derecho privado.

Aquel cartabón referido a los económicamente más débiles, reiteradamente há sido aplicado em pronunciamientos judiciales referidos a las relaciones industriales (contrato de trabajo), y a al venta de inmuebles em fracciones y a plazos y a las leyes de emergencia (contrato de locación de inmuebles).

De lo hasta aquí expresado se desprende que la noción de orden público porta aptitud suficiente em punto a la corrección de situaciones creadas, abusos del derecho, e injusticias generales previstas por la organización social, por la cual cumple uma función reguladora, de carácter institucional, cara al Estado, reparadora y solidarista.

El efecto que trae aparejada la celebración de um contrato contrario al orden público, debe ser la nulidad por ilicitud em función de lo previsto por el art. 21 del Cód. Civil: "Las convenciones particulares no pueden dejar sin efecto las leyes en cuya observancia estéan interesados el orden público y las buenas costumbres". (45) (Grifamos)

O fenômeno do dirigismo contratual não se dá em qualquer situação, mas apenas nas relações jurídicas consideradas como merecedoras de controle estatal para que seja mantido o desejável equilíbrio entre as partes contratantes.(46)

As leis reguladoras têm por escopo o restabelecimento do equilíbrio contratual, criando barreiras ao abuso do poder econômico e mecanismos preventivos - controle administrativo do conteúdo das condições gerais de negociação ou estabelecimento de regras legais para não se admitir a imposição de determinadas situações -, limites legislativos e, por fim, tornar mais fácil o acesso da parte contratante mais frágil ao Judiciário.(47)

Assim, o contrato, anteriormente concebido como o intangível acordo de vontades formalizado entre duas pessoas capazes encontra limites no próprio ordenamento jurídico que lhe dá sustento, em virtude da nova visão social do contrato, com especial ênfase nos deveres anexos de conduta, corolários da boa-fé objetiva, bem como nas normas jurídicas de ordem pública, como bem diz sobre estas últimas o mestre de sempre Orlando Gomes: "A liberdade de obrigar-se tem limites. Se bem que o regime dos contratos se constitua basicamente de preceitos de caráter supletivo, há princípios gerais e normas imperativas que devem ser respeitados pelos que querem contratar, certo sendo que a vontade dos contratantes, conquanto autônoma, sempre encontrou limitações na lei. A ordem jurídica descansa em princípios gerais que dominam toda a área do direito contratual. Para se resguardar nos seus fundamentos e preservar sua política institui a ordem pública e os bons costumes como fronteiras da liberdade de contratar e atribuir caráter imperativo a preceitos cuja observância impõe irresistivelmente, negando validade e eficácia aos negócios jurídicos discrepantes desses princípios ou infringentes dessas normas."(48)

Segundo o escólio do genial Pontes de Miranda, "Direito cogente (impositivo, proïbitivo) é o direito que a vontade dos interessados não pode mudar. Uma vez composto o suporte fáctico, a regra jurídica incide, ainda que o interessado ou todos os interessados não no queiram."(49)

Por fim, cumpre sublinharmos que os fins visados pelas normas de ordem pública são, ao buscar a proteção dos interesses da parte mais fraca de uma relação jurídica, restringindo a liberdade contratual, a realização do pacto materialmente justo. Segundo o jurista português Antunes Varella, "Entre os fins visados por semelhantes restrições destacam-se o de assegurar a lisura e a correção com que as partes devem agir na preparação e execução dos contratos, o de garantir quanto possível a justiça real, comutativa (não a simples justiça formal expressa pela igualdade jurídica dos contratantes) nas relações entre as partes, o de proteger a parte que dentro da relação contratual se considera económica ou socialmente mais fraca e o de preservar a integridade de certos valores essenciais à vida de relação, como sejam a moral pública, os bons costumes, a segurança do comércio jurídico e a certeza do direito."

4.2. Âmbito do Microssistema

Os artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/90 delimitam, num primeiro momento, o âmbito de incidência da tutela legal apenas e tão-somente às denominadas relações de consumo.

Poderíamos definir relações de consumo como o vínculo jurídico, consubstanciado em um produto ou serviço, existente entre um fornecedor e um consumidor.

Nos termos da lei fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, pública ou privada, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços. Consumidor, por seu turno, é toda pessoa física ou jurídica que adquira ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.

Aparentemente os conceitos de fornecedor e de consumidor não trariam qualquer problema dada a clareza com que se encontram presentes no texto legal.

No entanto, a situação é bastante debatida na doutrina, especialmente no que diz respeito a extensão do termo destinatário final, presente na conceituação legal de consumidor, e, também, no que concerne na possibilidade das pessoas jurídicas receberam a proteção do Código de Defesa do Consumidor.

Ao lado da definição legal dos conceitos de fornecedor e consumidor, o Código de Defesa do Consumidor veicula os denominados consumidores por equiparação.

Isso quer dizer que muito embora determinadas pessoas não se enquadrem prima facie na definição legal básica do artigo 3º, da Lei, serão consideradas consumidoras, e receberão a proteção especial do Código, desde que presentes os pressupostos previsto no parágrafo único, do artigo 2º, no artigo 17 e no artigo 29.

No que tange a equiparação existente no parágrafo único, do artigo 2º, do Código, o Código passará a incidir desde que uma coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, haja intervindo nas relações de consumo.

Para Arruda Alvim, "O que caracteriza os entes despersonalizados é, basicamente, a inexistência formalizada da chamada "affectio societatis" (intenção manifesta de manter vínculo associativo) dentro de um grupo que contenha um liame organizacional, tendo em vista sociedades de fato, lucrativas ou não.(50)

O segundo conceito de consumidor por equiparação legal encontra-se estampado no artigo 17, do Código de Defesa do Consumidor, e diz respeito a todas as pessoas que foram vitimadas por um acidente de consumo.

Acidente de consumo é o evento que causa dano aos consumidores em virtude de um defeito no produto ou no serviço. É também denominado de fato do produto ou do serviço.

O terceiro e último conceito de consumidor por equiparação diz respeito diretamente as práticas comerciais e contratuais abusivas, assim como a publicidade. Diz o artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor: "Art. 29 - Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas."

O artigo em questão tem gerado inúmeras controvérsias, dado o seu amplo espectro de incidência: todas as pessoas expostas a uma das práticas nele previstas estariam sob o manto protetor do Código.

Para alguns, o artigo em comento disse mais do que tencionava, pois pretendia apenas reforçar a proteção do consumidor no campo contratual, das práticas comerciais e da publicidade.

Todavia, em que pesem as considerações em contrário, entendemos que o artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor está a representar verdadeira regra de sobredireito, alcançando até os contratos interempresariais.

Em primeiro lugar, quando o artigo em comento veicula a equiparação legal de consumidor, ele apenas restringe a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos capítulos nele indicados. Com efeito, essa é a única restrição existente.

Em segundo lugar, o artigo 29, do Código de Defesa do Consumidor, segundo entendemos, procura inserir no direito privado a moderna noção do direito obrigacional(51), o qual tem por objeto manter o equilíbrio e a proporcionalidade dos pactos privados. Como já se disse anteriormente, tendo em vista os valores maiores sufragados pelo texto constitucional - justiça, dignidade, igualdade - entendemos que o secular princípio da autonomia da vontade somente poderá ser exercido desde que respeitados tais valores, sob pena de manifesta inconstitucionalidade.

E foi justamente isso que ocorreu: ao contrário do pensam alguns doutrinadores, o artigo 29 buscou humanizar e flexibilizar os princípios seculares do direito privado clássico, consentâneo aos princípios vigorantes no direito contratual moderno: autonomia privada, boa-fé objetiva e justiça contratual.

Nesse sentir, cumpre trazermos à colação o pensamento do ilustre desembargador gaúcho Antonio Janyr Dall´Agnol Junior: "Noticia Antonio Benjamin, incansável batalhador pela causa do "consumerismo" e jurista experimentado, que "o conceito do art. 29 integrava, a princípio, o corpo do art. 2º. Como conseqüência de lobby empresarial que queria eliminá-lo por completo, foi transportado, por sugestão minha, para o Capítulo V".

"Não houve qualquer prejuízo - prossegue o eminente autor. Mantém-se, não obstante a fragmentação do conceito, a abrangência da redação primitiva. O consumidor é, então, não apenas aquele que ‘adquire ou utiliza produto ou serviço’ (art. 2º), mas igualmente as pessoas expostas às práticas previstas no Código (art. 29). Vale dizer: pode ser visto concretamente (art. 2º) ou abstratamente (art. 29). No primeiro caso, impõe-se que haja ou esteja por haver aquisição ou utilização. Diversamente, no segundo, o que se exige é a simples exposição à prática, mesmo que não se consiga apontar, concretamente, um consumidor que esteja em via de adquirir ou utilizar o produto ou o serviço"."(52)

Prossegue o autor: "Em outros termos, estende-se a rede protetiva àquele que se encontra em situação de vulnerabilidade - de modo restrito, pois limitada ao conjunto de regras que compreendem os capítulos V e VI-, pouco relevando que não haja relação estritamente de consumo.

Esta tem sido a tendência jurisprudencial dos tribunais gaúchos, conforme se observa, para lembrar apenas os primeiros, de julgamentos publicados na Revista de Direito do Consumidor, em seus números 6 e 9. Em ambos os casos, cuidava-se de negócio jurídico de financiamento, figurando, de uma lado, instituição financeira, e, de outro, pequena empresa; nos dois julgamentos foram invalidadas, por abusivas, cláusulas contratuais, invocado o art. 51 do CDC; as cláusulas previam, em contrato de mera adesão, possibilidade de variação da taxa de juros pela predisponente."(53)

Como se vê, a técnica de equiparação de determinadas pessoas a consumidores adotada pelo Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 17 e 29 permite a sua aplicação até mesmo às hipóteses em que não haja uma relação de consumo propriamente dita - aqusição ou utilização de produtos ou serviços na condição de destinatário final -, o que representa grande avanço no direito pátrio, eis que visa inibir a utlização do instrumento contratual, máxime os contratos de adesão, como forma de prepotência, de pressão, de abuso, da parte econômica e técnicamente mais forte contra aquela que não se encontra no mesmo pé de igualdade. Em síntese, é o denominado take it or leave it basis.

4.2.2. Os Direitos Básicos dos Consumidores: A Efetiva Reparação

Dentre os vários direitos básicos que o Código de Defesa do Consumidor (art. 6º e incisos) positivou, destacamos aquele que interessa mais de perto à presente monografia: o direito à efetiva reparação de danos patrimoniais e morais.

Lê-se no artigo 6º, inciso VI, da Lei nº 8.078/90: "VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;"

Constitui direito básico dos consumidores a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais causados pelos fornecedores de produtos e serviços em geral. E efetiva, na sistemática adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, significa a mais ampla possível, tendo em mira o restabelecimento do status quo ante.

Todo o aparato legal visa prevenir a ocorrência de danos ao consumidor, quer estipulando obrigações ao fornecedor, quer responsabilizando-o por danos e defeitos, quer restringindo a autonomia da vontade nos contratos, quer criminalizando condutas, mas isso não impede que tais danos venham a ocorrer. Daí ser assegurado como direito do consumidor o ressarcimento do prejuízo sofrido, seja patrimonial, individual, coletivo ou difuso, pois, do contrário, não haverá efetividade na tutela (art. 6º, VI).(54)

Com efeito, é o princípio da reparação integral, reflexo da garantia estampada no artigo 5º, incisos X e XXXII, e artigo 170, inciso V, da Constituição Federal, de modo que o viés constitucional deverá estar sempre presente na análise dos casos emanados duma relação de consumo.

Os produtos e serviços ofertados no mercado destinam-se a satisfazer as necessidades dos consumidores, nos aspectos de indispensabilidade, utilidade e comodidade, sendo conatural a expectativa de que funcionem conveniente e adequadamente ou se prestem à finalidade que deles legitimamente se espera. Não fosse assim e não estaria justificada a razão de sua existência.(55)

Para a consecução do seu objetivo, o Código de Defesa do Consumidor instituiu a responsabilização objetiva dos fornecedores de produtos ou serviços, vale dizer, independente da existência de culpa.

4.2.3. A Responsabilização Objetiva dos Fornecedores

O direito brasileiro adotava, tradicionalmente com regra, a responsabilidade civil dos particulares, em face da cláusula geral positivada no artigo 159, do Código Civil, prevendo a responsabilização do causador de determinado dano apenas quando o mesmo obrasse com negligência, imprudência ou imperícia. Portanto, caberia ao lesado, a fim de obter o ressarcimento que entendia pertinente, comprovar, além do dano e do nexo causal, ter agido o autor do fato com culpa, o que na maioria das vezes tornava impossível a reparação.

Todavia, se na sociedade rural a medida da responsabilidade de alguém era satisfatoriamente avaliada por um padrão de comportamento negligente, atribuível à conduta esperada de um homem médio, já na sociedade industrial esse critério entrou em crise, com a dificuldade de individualizar-se o culpado por ações perdidas no anonimato das cadeias de distribuição dos bens, estabelecidas nas fases intermediárias entre produção e consumo. Na atual sociedade tecnológica e pós-industrial, com mais razão, não se pode conviver com modelos jurídicos pertencentes a outras épocas. A responsabilidade civil não se assenta mais na conduta culposa de uma pessoa determinada, porque terminou a era do individualismo e do voluntarismo jurídico. Ela agora encontra seu fundamento num dever de solidariedade social, base de uma responsabilidade sem culpa.(56)

A descoberta do verdadeiro autor de um dano deu lugar à atribuição do dever do ressarcimento a um sujeito predeterminado, escolha que não é feita aleatoriamente, mas, na expressão de Eliseu Figueira, " segundo um critério de valoração de interesses", pelo qual "a responsabilidade é um conceito de relação entre uma atividade e um sujeito."(57)

O centro de interesse do sistema de reparação desloca-se do autor do dano para a vítima. Entre ambos há um conflito de interesses, envolvendo a liberdade de um e a segurança do outro. O dano constitui um atentado aos direitos da vítima, que devem ser reparados como os outros direitos subjetivos. Com essa fundamentação, Boris Stark desenvolveu sua toria da garantia, compreensiva de todos os casos de obrigação de reparar danos com abstração da culpabilidade. É menos importante a aplicação de sanção no plano subjetivo (culpa do defendente) do que os efeitos no plano objetivo (garantia dos direitos do demandante).(58)

Essa tendência vem sendo incorporada à legislação de muitos países nos últimos anos, geralmente precedidas por decisões jurisprudenciais que vão rompendo com as antigas barreiras da responsabilidade individual subjetiva(59), o que ocorreu com o Código de Defesa do Consumidor, diploma que expressamente contemplou a responsabilidade civil objetiva.

Seguindo tal tendência. consagrou o Código de Defesa do Consumidor, de forma incisiva e clara, que o fornecedor responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados por defeitos ou insuficiência e inadequação de informações, em relação aos produtos e serviços que colocou no mercado (CDC, arts. 12 e 14)(60)

A respeito, doutrina Nelson Nery Junior: "O Código adotou a teoria do risco da atividade como postulado fundamental da responsabilidade civil ensejadora da indenização dos danos causados ao consumidor. A simples existência da atividade econômica no mercado, exercida pelo fornecedor, já o carrega com a obrigação de reparar o dano causado por essa mesma atividade. A responsabilidade é, portanto, objetiva (arts. 12 e 18). Não é necessário que tenha agido com culpa, tampouco que a sua atividade esteja autorizada pelo órgão competente do poder público, ou, ainda, que tenha havido caso fortuito ou força maior. Apenas e tão-somente as circunstâncias mencionadas no CDC em numerus clausus como cláusulas excludentes do dever de indenizar é que efetivamente podem ser invocadas pelo fornecedor a fim de eximi-lo desse dever. Esse sistema é semelhante ao já existente no Brasil para o dano causado ao meio ambiente (art. 14 da Lei 6.938/81), que não admite o caso fortuito e a força maior como causas de exclusão da responsabilidade civil.

Como o sistema do CDC no que respeita à responsabilidade civil, é o da responsabilidade objetiva, deve ser aplicado a toda e qualquer pretensão indenizatória derivada de relação de consumo. Dizemos isso porque ao intérprete apressado poderia parecer que o CDC teria apenas regulado a responsabilidade civil pelos acidentes de consumo (fato do produto ou serviço), colocando-a sob o regime da responsabilidade objetiva, ao lado de regular, também, a responsabilidade pelos vícios do produto ou serviço, cuja norma reguladora (art. 18) parece tratar-se de responsabilidade subjetiva, porque não repetiu a locução "independentemente de culpa" constante do art. 12.

Em remate, conclui o festejado autor: "Conforme já salientamos alhures, tanto a responsabilidade pelos acidentes de consumo como a pelos vícios dos produtos e serviços são de natureza objetiva, prescindindo da culpa para que se dê o dever de indenizar. (...) Portanto, não teria sentido falar-se em responsabilidade subjetiva, com culpa, pelos vícios dos produtos e serviços no sistema do CDC, pois isto representaria retrocesso jurídico a um tempo anterior à edição de nosso Código Comercial de 1850! O CDC, por certo, veio para modernizar as relações de consumo. (...) Como as relações de consumo como um todo se encontram reguladas pelo microssistema do Código de Defesa do Consumidor, a elas são aplicáveis as regras e os princípios existentes no CDC. Somente devem incidir sobre elas as normas do Código Civil, Código Comercial, Código de Processo Civil etc., quando houver lacuna no CDC e, mesmo assim, se as normas desses outros diplomas não forem incompatíveis com os princípios reguladores das relações de consumo que se encontram expressamente tratados no CDC."(61)

4.3. A Disciplina dos Contratos no Âmbito do CDC

No contexto da teoria contratual clássica, o contrato era fruto da vontade de duas ou mais pessoas, as quais discutiriam cláusula a cláusula os termos do ajuste, eis que encontravam-se - ou pelo menos eram consideradas - no mesmo patamar de igualdade.

Entretanto, tal premissa era plenamente válida quando a sociedade levava em consideração as necessidades de um indivíduo ou ao menos de um pequeno grupo deles.

Todavia, atualmente, vivemos o período da economia de massas: produtos são desenvolvidos ou serviços são prestados em grande quantidade, tendo as relações jurídicas se despersonalizado. Os empresários não se importam com as reais necessidades dos consumidores, mas, ao revés, buscam neles incutir desejos, criar expectativas, ditar tendências que precisam ser seguidas, sob pena de serem excluídos socialmente.

Em matéria contratual, não mais se acredita que assegurando a autonomia de vontade e a liberdade contratual se alcançará, automaticamente, a necessária harmonia e eqüidade nas relações contratuais. Nas sociedades de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em massa, as relações contratuais se despersonalizaram, aparecendo os métodos de contratação estandardizados, como os contratos de adesão e as condições gerais dos contratos. Hoje esses métodos predominam em quase todas as relações entre empresas e consumidores, deixando claro o desnível entre os contratantes - um, autor efetivo das cláusulas, e outro, simples aderente. É uma realidade social bem diversa daquela do século XIX, que originou a concepção clássica e individualista do contrato, presente em nosso Código Civil de 1917.(62)

"La evolución económica y social de nuestro tiempo", disserta o jurista espanhol Luiz Diez-Picazo, "se ha visto condicionada merced a la dinámica interna del capitalismo por el fenómeno de la producción en massa y, por ello mismo, se ha visto forzada a una ampliación de la masa de los consumidores, que determina in ensanchiamiento del número de personas que aspiran a adquirir o desfrutar los bienes y los servicios que las grandes empresas proporcian. Este hecho ha determinado un tráfico económico, cada vez más acelerado, que se há ido convirtiendo en lo que rigurosamente puede llamarse un <<tráfico en massa>>."(63)

Todos os dias novas "necessidades" são criadas pela mídia através do bombardeio incessante de publicidade sob os mais diversos produtos ou serviços. O que importa para os empresários é criar a "necessidade vital"(64) do consumo.

Produtos que pouco interessavam anos atrás, hoje se mostram essenciais: o mais moderno aparelho de televisão estéreo ou a roupa usada pela estrela de tevê.

Na realidade, tais necessidades não são reais, mas sim criadas pela mídia que tem o interesse de manter a roda do consumo em pleno andamento. Quanto maior o consumo, maiores as verbas publictárias.

Com efeito, a publicidade faz com que as pessoas adquiram produtos por impulso. Você ainda não tem o relógio do James Bond? Não?! Ora, não corra o risco de ficar fora de moda! Adquira já o seu!

Por certo, a vida tornou-se uma verdadeira competição: compra-se cada vez mais não por necessidade, mas pelo desejo de não se ficar desatualizado, ficar deslocado na sociedade. Ora, se todos têm, por que não tenho? O ter é muito mais importante do que o ser.

Diante disso, indaga Philip Kotler: "O que o homem realmente precisa? Algumas centenas de grama de comida todos os dias, aquecimento e abrigo, dois metros para se deitar e alguma forma de trabalho que lhe proprocionará uma sensação de realização. E isso é tudo, sob o aspecto material. Todos nós sabemos disso. Mas recebemos uma lavagem cerebral de nosso sistema econômico, até que terminemos numa tumba, debaixo de uma pirâmide de prestações, hipotecas, utensílios absurdos, brinquedos que desviam nossa atenção de tudo isso."(65)

Como atualmente a regra é a fabricação e a aquisição de produtos ou serviços em massa, vale dizer, em larga escala, e por impulso, o dogma da autonomia da vontade sofreu forte abalo. Na sociedade moderna a liberdade contratual passou a ser unilateral. Em regra, a parte economicamente mais forte impõe à mais frágil as condições de contratação: se quiser adquirir ou usufruir de algo, que acate as regras.

Consciente de tal realidade, o Código de Defesa do Consumidor restringiu a liberdade contratual no âmbito das relações de consumo, invalidando cláusulas e instituindo padrões de conduta a serem seguidos pelos fornecedores de produtos e serviços. Buscou, com efeito, reequilibrar a força desigual dos figurantes das relações de consumo, privilegiando a boa-fé e a lealdade dos parceiros contratuais.

Hodiernamente, a nova concepção do contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para o qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância.(66)

À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.(67)

O Código remodela a função jurisdicional na apreciação da legitimidade dos pactos privados, atribuindo poderes ao juiz para perscrutar o próprio conteúdo contratual. A atividade do magistrado deixa de ser apenas um controle formal da vontade dos contraentes, se comprometida (ou não) por vícios ou defeitos que retiram a validade do negócio jurídico. Em sede judicial, a atividade controladora do conteúdo contratual implica no exame da própria justeza do pacto, em termos de equilíbrio das obrigações assumidas.

Nesse contexto cabe ao juiz, pois, exercer o controle das estipulações contratuais, como doutrina o jurista italiano Enzo Roppo: "Ao juiz, na realidade, são facultados também instrumentos que lhe permitem controlar o regulamento contratual elaborado pelos sujeitos privados, e interferir, eventualmente, nas suas determinações, já não segundo uma lógica solidária com as escolhas da autonomia privada (como se viu acontecer com a interpretação e como o juízo de equidade) mas, ao invés, segundo uma lógica de potencial antagonismo relativamente a ela: são os instrumentos, através dos quais o juiz avalia se a operação realizada com o contrato se coloca, nalguma sua faceta, em conflito com os objetivos fundamentais e valores de natureza ética, social, económica, pelos quais se rege o ordenamento jurídico, ou até com as contingentes escolhas políticas do legislador - por outras palavras se os interesses privados prosseguidos com o contrato violam o interesse público, o interesse geral da colectividade."(68)

A visão teleológica e atual do Direito, alteração essa provocada pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor, passa a ser sempre presidida por uma lógica de solidariedade(69) e lealdade entre os parceiros contratuais, baseando-se na boa-fé e eqüidade, como bem salienta o jurista argentino Anibal Alterini: "El discurso jurídico descalificador de las cláusulas abusivas, y de las condiciones generales írritas, tiene un alto voltage ético: en él aparecen la moral, las buenas costumbres, el imperativo de la buena fe, las riquíssimas nociones del error y del dolo-engaño, del ejercicio regular de los derechos, de la lesión, de la delibilidad jurídica. Tales cláusulas abusivas son naturalmente inaceptables para el Derecho común, tanto en los contratos de empresa como en culaquier contrato."(70)

Vê-se, pois, que o contrato deixou a sua esfera jurídica restrita ao domínio da vontade das partes, para passar a integrar uma outra área, na qual se manifesta o predomínio do interesse da coletividade, cuja guarda, efetivação e incentivo cabe ao Estado como responsável pela implementação de políticas públicas destinadas a concretizar a ordem econômica e social.(71)

4.2.3.2 Os Contratos de Adesão

Fruto das novas necessidades advindas da sociedade de massas, surgiram os denominados contratos de adesão.

Contrato por adesão é aquele no qual as cláusulas são preestabelecidas unilateralmente por um dos futuros contratantes, de maneira que o outro não pode modificá-las, apenas aceitá-las ou repudiá-las, sem participação na configuração do conteúdo negocial.(72)

Essa técnica de contrato por adesão, sob condições gerais, preestabelecidas pelo fornecedor, é, nos dias atuais, inevitável, mercê da dinâmica do tráfico econômico moderno que impede a elaboração de contratos individuais e discutidos com cada um dos clientes. Um critério elementar de racionalização e organização empresarial (em si irrepreensível, pois visa ao progresso global), que conduz, contudo, à imposição de contratos uniformes, contratos-tipos, instrumentados em formulários, impressos, etc. (73)

Como se observa na sociedade de massa atual, a empresa ou mesmo o Estado, pela sua posição econômica e pelas suas atividades de produção ou de distribuição de bens ou serviços, encontram-se na iminência de estabelecer uma série de contratos no mercado. Estes contratos são homogêneos em seu conteúdo (por exemplo, vários contratos de seguro de vida, de compra e venda a prazo de bem móvel), mas concluídos com uma série ainda indefinida de contratantes. Logo, por uma questão de economia, de racionalização, de praticidade e mesmo de segurança, a empresa predispõe antecipadamente um esquema contratual oferecido à simples adesão dos consumidores, isto é, pré-redige um complexo uniforme de cláusulas à simples adesão dos consumidores, isto é, pré-redige um complexo uniforme de cláusulas, que serão aplicáveis indistintamente a toda esta série de futuras relações contratuais.(74)

Segundo Luiz Diez-Picazo, "Nos es posible que la gran empresa económica establezca contratos peculiares con cada uno de sus eventuales clientes. Un mínimo criterio de racionalización y de organización empresarial explica la necesidade del contrato único o contrato tipo, establecido por medio de formularios o de impresos. Las grandes empresas mercantiles o industriales mediante esos contratos en masa imponen a sus clientes un tipo de contratos previamente redactado. Estos contratos se refieren muchas veces a la utilización y a la defensa de bienes y servicios imprescindibles para la vida cotidiana o de uso necesario, y otras en contra a bienes cuya adquisición aparece impuesya por el nivel de vida.

De hecho, el esquema del contrato en masa y la estandardización de la materia contractual rompen el paradigma del contrato, que tenía in mente la doctrina tradicional. El presupuesto ideológico de la igualdad de los contratantes no pasa de ser una quimera. El contrato no es ya una regla de conducta, obra de común de ambas as partes. Es algo que una de ellas tiene que limitar-se a admitir, en virtud de una situación de necesidad y, por tanto, algo que le viene previamente impuesto."(75)

"Na sua formação teórica tradicional", ensina Antunes Varella, "o contrato é normalmente precedido de uma livre discussão entre os pactuantes sobre o teor de cada cláusula.

Pressuposto do debate prévio entre os contraentes é a igualdade jurídica das partes, uma das premissas em que o liberalismo individualista assentava a força soberana do contrato.

À medida, porém, que o poder económico dos grupos se foi fortalecendo com o desenvolvimento do capitalismo, a actividade das empresas se foi diversificando e a oferta dos produtos em massa se foi alargando, começaram a surgir e a multiplicar-se no comércio jurídico os casos em que a lex contractus é praticamente elaborada por um só dos contraentes, sem nenhum debate prévio acerca do seu conteúdo.

Ao outro contraente fica apenas, na prática, a liberdade (tantas vezes precária) de aceitar ou não o contrato que lhe é facultado, mas não a de discutir a substância das soluções nele firmadas.

Ao tipo de contratos assim forjados, bem próprios das sociedades de consumo e bem distanciados do modelo clássico da época liberal, é que na doutrina e prática dos países latinos se tem dado o nome sugestivo de contratos de adesão.

Diz-se, por conseguinte, contrato de adesão aquele em que um dos contraentes - o cliente, o consumidor - como sucede, por exemplo, na generalidade dos contratos de seguro e de transporte por via aérea, férrea ou marítima ou dos contratos bancários, não tendo a menor participação na preaparação e redação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado.

Sucede, realmente, que determinadas empresas, explorando certos ramos de actividade comercial ou industrial ou a prestação de determinados serviços, em lugar de discutirem caso por caso o conteúdo dos contratos que celebram com os seus clientes, adoptam determinados padrões ou modelos que utilizam na generalidade dos seus contratos. Depois, seja porque a empresa tem o monopólio da actividade que explora, seja porque igual atitude é tomada por todas as empresas concorrentes (pondo em jogo s força resultante da sua fácil união contra a fraqueza relativa da outra parte, proveniente da sua debilidade económica ou da dispersão dos seus membros), os particulares, necessitados de celebrar o contrato, são forçados pelas circunstâncias a aceitar o modelo que de certo modo lhes é imposto. Eles são apenas livres de aderir ao modelo, padrão ou norma que lhes é oferecida, ou de a rejeitar, não de discutirem ou alterarem o conteúdo da proposta. Não há aqui, por conseguinte, a livre discussão entre as duas partes, que salutarmente costumava preceder a fixação do conteúdo do contrato e da qual nascia a seiva ético-jurídico do negócio bilateral.

Daí exatamente o nome de contrato de adesão, dado a esse tipo de convenções, que entre nós têm os seus exemplos mais vulgarizados, como vimos, nas várias modalidades do contrato de seguro, em algumas variantes do contrato de transporte (aéreo, marítimo ou terrestre), de fornecimento (de água, energia ou gás), em certas operações bancárias e nas promessas de compra e venda de imóveis."(76)

Para o mestre Orlando Gomes, "Seja qual for a natureza dos chamados contratos de massa, a verdade é que constituem uma técnica de legalização de operações econômicas que favorece a um dos participantes, ao lhe permitir a emissão de um regulamento que tem de ser aceito pelo outro, sem alternativa. É só e só ele que regula a operação, quer dizer, que traça o esquema da relação negocial; ao outro não se concede liberdade alguma no jogo das negociações pré-contratuais ou preliminares.

É compreensível que essa condição hegemônica - de preponderância, de superioridade, de supremacia -, da empresa que presta o serviço, fornece bens ou vende em massa sob o estímulo do mecanismo de contratação a incite a prescrever condições favoráveis a seus interesses e a impô-las em seu proveito. Pulverizada a clientela em centenas senão milhares de indivíduos interessados na obtenção do serviço, no fornecimento ou na aquisição do bem, cada qual se apresenta perante a empresa numa situação de inferioridade por força da necessidade de ter de se submeter ao regulamento prescrito e imposto. Atente-se para o casos, corriqueiros da vida moderna, da utilização de um transporte coletivo, do consumo de água, luz e força, do estacionamento pago de um automóvel, da compra num supermercado, e até mesmo, da contratação de um seguro ou de um empréstimo bancário. Quem precise se locomover, consumir, estacionar, comprar, fazer seguro ou tomar dinheiro emprestado, estrá adstrito à observância das regras estabelecidas unilateralmente pela empresa, ainda que proteste (protestastio facto contraria), alegue ignorância ou invoque erro. Desamparado, o cliente, seja um usuário seja um consumidor, precisa de amparo como parte fraca na relação jurídica que provoca. Daí por que a proteção do aderente se tornou o grande problema dos contratos de massa.

Passou, com efeito, a ser a principal preocupação do legislador, na seqüela da doutrina e da jurisprudência, concentrada a sua política em torno da idéia de que a proteção deve realizar-se mediante controles." (77)

O Código de Defesa do Consumidor, ciente da nova realidade econômica fulcrada na sociedade de massas, disciplinou, pela primeira vez no direito brasileiro, através do seu artigo 54 e incisos, o denominado contrato de adesão: "Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo."

Tal positivação tornou-se de extrema importância porque na realidade da economia de massas em que vivemos a parte que se investe de maior vantagem por estar dotada de maior quantidade de poder econômico terá sempre maior poder sobre a que detém menor poder econômico. Seria destruir a essência de uma relação econômica pura pretender, no nível de relação meramente econômica, qualquer contenção ao exercício e à efetivação desse poder de dominação. Desta forma, a tendência expansiva do fenômeno econômico puro levará seguramente à situação de prepotência do contratante mais forte sobre o mais fraco.(78)

A forma pela qual essa prepotência se concretiza na relação entre dois pólos de uma operação econômica se dá pela inserção de exigências destinadas a garantir aquela situação concreta de vantagem, atribuindo maiores porções à parte que já detém maior poder.(79)

Para concretizar e reafirmar esse objetivo de fortalecimento cada vez maior da parte mais forte economicamente, vale-se esta do fenômeno contratual e, através deste, da inserção de cláusulas garantidoras de sua situação de prevalência, que tende a se tornar cada vez maior. Assim, o instrumento que se destinava, no plano objetivo, a efetuar o deslocamento de riquezas em condições de equivalência de quantidade de riqueza transposta de parte a parte, assume, no plano subjetivo, uma situação propiciadora de desigualdade e até mesmo garantidora e incrementadora da prepotência de uma das partes na relação jurídica.(80)

No contexto dos pactos de adesão, portanto, dificilmente um resultado justo será alcançado, como bem doutrina o professor português Joaquim de Sousa Ribeiro em obra recente: "Um resultado justo não pode ser assegurado pelo simples facto de ter sido unilateralmente querido por um declarante. Essa conclusão é segura, sem reservas, quando ele lhe é favorável, pois cada um quer o máximo de vantagens para si, sem ter em conta os interesses dos outros. Mas também quando a consequência jurídica é desfavorável ao sujeito que a quer a garantia da sua adequação é ténue, pois é sempre de recear que ele só aceite desvantagens menos gravosas do que as que a justiça exigiria (e que o próprio, aliás, não está em condições de avaliar com rigor). Além de que a transferência só é adequada e tem sentido quando é proveitosa para o accipiens, e este a quer (daí o princípio do contrato, como regra, e, onde ele não vigora, a possibilidade renúncia ao benefício).(81)

Daí porque no âmbito dos contratos de adesão ou das condições contratuais gerais ser maior a incidência de cláusulas abusivas, impostas nestes pactos pelos fornecedores de produtos e serviços, a fim de submeterem os consumidores integralmente à sua vontade, pouco importando se o conteúdo da estipulação é ou não jurídico, melhor dizendo, justo.

4.3.2. As Cláusulas Abusivas

O fenômeno da elaboração prévia e unilateral, pelos fornecedores, das cláusulas dos contratos possibilita aos empresários direcionar o conteúdo de suas futuras relações contratuais com os consumidores como melhor lhes convém. As cláusulas contratuais assim elaboradas não têm, portanto, como objetivo realizar o justo equilíbrio nas obrigações das partes, ao contrário, destinam-se a reforçar a posição econômica e jurídica do fornecedor que as elabora.(82)

Não é raro, portanto, que contratos de massa, contenham cláusulas que garantam vantagens unilaterais para o fornecedor que as elaborou, diminuindo os seus deveres em relação ao consumidor, exonerando-o de responsabilidades, diminuindo assim seus riscos e minimizando os custos de uma futura lide. Assim, por exemplo, as cláusulas referentes às obrigações do fornecedor em caso de inadimplemento total ou parcial terão como objetivo, geralmente, limitar ao máximo estas obrigações, limitar a responsabilidade contratual do fornecedor, transferi-la a terceiros ou fixar sancionamentos indevidos para o caso de rescisão por parte do consumidor.(83)

São as chamadas cláusulas abusivas, as quais incluídas em contratos de adesão ou em condições gerais dos contratos vão ser oferecidas à aceitação pelos consumidores. Poderíamos perguntar porque o consumidor aceitaria contratar sob estas condições que lhe são tão gritantemente desfavoráveis. (84)

Em verdade, a maioria dos consumidores que concluem contratos pré-redigidos o fazem sem conhecer precisamente os termos do contrato. Normalmente o consumidor não tem a oportunidade de estudar com cuidado as cláusulas do contrato, seja porque elas se encontram disponíveis somente em outro local, seja porque o instrumento contratual é longo, impresso em letras pequenas e em uma linguagem técnica, tudo desestimulando a sua leitura e colaborando para que o consumidor se contente com as informações gerais (e nem sempre totalmente verídicas) prestadas pelo vendedor. Assim, confiando que o fornecedor cumprirá, pelo menos, o normalmente esperado naquele tipo de contrato, ele aceita as condições impostas, sem plena consciência de seu alcance e de seu conteúdo.(85)

A abusividade da cláusula contratual é, portanto, o desequilíbrio ou descompasso de direitos e obrigações entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato específico; é a unilateralidade excessiva, é a previsão que impede a realização total do objetivo contratual, que frustra os interesses básicos das partes presentes naquele tipo de relação, é, igualmente, a autorização de atuação futura contrária à boa-fé, arbitrária ou lesionária aos interesses do outro contratante, é a autorização de abuso no exercício da posição contratual (Machtposition).(86)


5. O Dano Extrapatrimonial

As relações havidas entre as pessoas em sociedade se desenvolvem em um ambiente que poderíamos denominar de regulado, o que significa dizer que tais relações são reguladas ou norteadas por normas ou regras de caráter obrigatório, as quais denominamos de jurídicas ou legais.

Aos direitos outorgados pelo ordenamento jurídico à determinada pessoa que se encontra em certa situação fática correspondem correlatos deveres (v. g. em regra, ao direito de contratar escolhendo o tipo e o parceiro contratuais corresponde o dever de cumprir o conteúdo do que vier a ser contratado). Enfim, inúmeros exemplos poderiam ser dados.

Nesse contexto, portanto, o descumprimento de um dever jurídico provoca um abalo na ordem jurídica, pouco importando se desse fato decorrem perdas materiais ou morais em face de determinado sujeito.

Portanto, pode-se dizer que o descumprimento de um dever jurídico significa a lesão a um direito, direito esse outorgado pelo ordenamento jurídico a uma pessoa ou grupo de pessoas, os quais poderemos denominar de titulares.

Nesses casos, a ocorrência de qualquer fato ilícito provoca uma lesão ou violação a um interesse juridicamente protegido, o qual poderemos denominar de bem jurídico imaterial, haja vista não possuir existência concreta.

E, para nós, é justamente esse o conceito de dano extrapatrimonial: a lesão ou violação a um interesse juridicamente protegido, independentemente de qualquer repercussão na esfera íntima do lesado.

Para a ocorrência do dano extrapatrimonial basta a violação de um direito ou lesão de um interesse juridicamente protegido.

Com efeito, ousamos propor um novo enfoque do que seja dano: a lesão a um interesse juridicamente protegido. O dano extrapatrimonial passa a ter somente um caráter normativo. A lei tutela interesses que quando violados ou frustrados representam uma das mais graves infrações à ordem jurídica.

Eis o que doutrina o ilustre professor paranaense João Casillo: "Na legislação brasileira, ao contrário de outras, apesar de encontrarem-se inúmeras referências ao dano em diversos textos legais, nenhum deles o conceitua, aliás seguindo orientação predominante de que as definições devem ficar para a doutrina.

Entretanto, no Código Civil brasileiro há pelo menos dois textos que permitem deduzir qual o âmbito abrangido pelo vocábulo.

Outros dispositivos poderiam ser citados, mas os arts. 159 de 178, § 10, IX, principalmente por estarem localizados na Parte Geral do Código, já são suficientes para demonstrar que, no texto legal, cabe, sem qualquer dificuldade ou embaraço, o conceito amplo e moderno de dano.

Assim, leia-se, primeiramente, o art. 159 do CC brasileiro: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano (grifo nosso).

O Código indica como dano reparável, isto é, indenizável, aquele decorrente de prejuízo causado ou direito violado. Pretendesse o legislador vincular a noção de dano apenas às hipóteses onde houvesse prejuízo no sentido de diminuição patrimonial, não teria incluído a expressão violar direito. Bastaria dizer que aquele que causasse prejuízo ficaria obrigado a repará-lo.

Fosse ainda intenção do legislador dizer que dano indenizável seria somente aquele através do qual a violação do direito acarretasse prejuízo, outra seria a redação, substituindo-se a conjunção alternativa ou pelo conectivo com, como, por exemplo, violar direito com prejuízo ou ainda, violar direito causando prejuízo.

Ao invés, o texto é muito claro. o direito à indenização nasce quando seja causado o prejuízo ou simplesmente violado o direito. É verdade que outros códigos são mais diretos em sua redação, ao se referirem ao dano moral, mas pecam pela falta de tecnicidade, ao empregar esta expressão, que é espécie do gênero dano não patrimonial.

Basta a violação, a ofensa ao direito, para que a proteção jurídica referente à reparação imediatamente nasça, independentemente de outra cogitação. Bem demonstrado o alcance do art. 159 do CC, o 1º TACivSP, em acórdão que foi Relator o Juiz Ferraz Nogueira, na 2ª Câm. Esp., ao apreciar o pedido de indenização por dano extrapatrimonial formulado pelos pais em virtude de morte do filho, fixou que "não é a morte que legitima o interesse, mas sim o sofrimento real e injusto, em consonância com os arts. 159 do CC e 3º do CPC, dispositivos estes, que afastam qualquer limite ao dever de indenizar o dano inescusável"."(87)

Como conseqüência da nova categoria de danos que defendemos - os extrapatrimoniais -, todas as vezes que ocorrer a violação de um direito ou interesse juridicamente protegido ficará o lesante obrigado a indenizar o lesado. Está indenização possuirá apenas caráter punitivo, e terá como primordial função inibir ou coibir a prática ou a ocorrência de quaisquer ilícitos futuros.

Tal premissa, segundo entendemos, encontra suporte no inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição Federal, verbis: "XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;" (Grifamos)

O dispositivo em tela possui nítido caráter preventivo, dado estabelecer que a intervenção judicial se dará nos casos em que ocorrer lesão ou ameaça a direito.

Logo, conclui-se que o sistema constitucional pátrio não outorga proteção às vítimas apenas nos casos em que ocorrer dano. Ao revés, o inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição Federal procura justamente inibir a sua ocorrência.

Portanto, não exige a Constituição Federal que somente haverá indenização em caso de dano, bastando para tanto, segundo entendemos, a simples lesão ou ameaça.

Em que pese o entendimento da doutrina civilista tradicional que vincula a idéia de indenização à ocorrência de dano, o que por vezes até impedia a correta definição do denominado dano moral, ousamos dela discordar, com supedâneo no texto constitucional.

Com efeito, nenhum dos insignes mestres do direito civil jamais analisou o tema da responsabilidade civil sob o viés constitucional, mas apenas sob o ângulo da legislação infraconstitucional, o que entendemos ser incorreto.

Entendemos, pois, que os doutrinadores que ainda estão a defender somente existir a obrigação de indenizar quando ocorrer dano (material ou moral) encontram-se, na atualidade, equivocados.

Um simples exemplo demonstrará a utilidade da teoria do dano extrapatrimonial como fator de inibição e punição de condutas anti-jurídicas: um determinado consumidor recebe em casa a cobrança de um produto ou serviço que não solicitou. Como nada tem a ver com aquilo, não se importa com a cobrança por entender que houve um equívoco. Passadas algumas semanas, é surpreendido com o recebimento de uma Aviso de Protesto, referente à indevida cobrança: deverá pagar a quantia nele descrita em tantas horas sob pena de vir a ser protestado. A ocorrência de tal situação é bastante comum.

Em face da doutrina tradicional que vincula a idéia de indenização à ocorrência de dano, se o consumidor que foi indevidamente cobrado conseguir obter a sustação judicial do protesto indicado no exemplo, comprovando depois que o mesmo era indevido, apenas conseguirá desconstituir o título ou obter a declaração de inexigibilidade da cobrança. Nenhuma punição sofrerá o fornecedor que enviou ao consumidor cobrança que sabia ou deveria saber ser indevida.

Ora, tal situação se apresenta completamente injusta, pois transfere à vítima o ônus de impugnar a cobrança indevida, sem que o fornecedor sofra qualquer punição.

Todavia, adotando-se a doutrina do dano extrapatrimonial para a solução do exemplo dado, todas as vezes que o fornecedor enviar ao consumidor cobrança indevida deverá indenizá-lo em razão da simples prática de um fato ilícito, no caso a violação ao princípio da boa-fé objetivamente considerada.

Destarte, ante o exemplo indicado, violado o princípio da boa-fé surge ao ofensor a obrigação de indenizar o lesado, indenização essa que possuirá apenas caráter punitivo, intimidatório, inibitório, pois buscará evitar que casos análogos ocorram.

O eixo da responsabilidade civil se transfere do dano para a conduta ofensiva ou lesiva, o que, segundo entendemos, transformar-se-á numa das mais importantes formas de controle social: ocorrida um conduta ofensiva ou lesiva a ordem jurídica surgirá ao ofensor a obrigação de indenizar a vítima de tal postura, possuindo tal indenização contornos punitivos.

5.1. Distinção com o Dano Moral

Segundo a doutrina do insigne mestre Wilson Mello da Silva, "Danos morais, pois, seriam, exemplificadamente, os decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal."(88)

De início já se pode perceber a nítida diferença entre os denominados danos morais e os extrapatrimoniais: os primeiros repercutem nos chamados direitos da personalidade, ou na esfera íntima das pessoas: sentimentos, dor, angústia, aflição, medo etc.. Ao segundo, porém, apenas importa a ocorrência de um ato ou fato violador ou lesivo a um direito ou interesse juridicamente protegido, mesmo inexistindo qualquer reflexo nos direitos da personalidade ou na esfera íntima da vítima.

Enquanto a indenização por dano moral possui, segundo entendemos, caráter compensatório, o qual visará mitigar ou compensar a dor sofrida em conseqüência de determinado fato ilícito, a indenização relativa aos danos extrapatrimoniais, ao revés, possuirá apenas caráter punitivo, intimidatório ou inibitório da prática de futuras agressões.

A adoção de tais distinções permitirá ao magistrado calibrar melhor a indenização no caso concreto, permitindo sejam visualizados os aspectos punitivos e compensatórios das verbas indenizatórias, evitando-se, assim, que sejam fixadas pífias indenizações que não atingem os seus reais objetivos: punir o ofensor e compensar a dor ou transtorno sofrido.

Por vezes, no caso concreto, ambas as indenizações poderão concorrer. Nesses caso, a indenização por dano moral será um plus em relação a fixada com fulcro na doutrina do dano extrapatrimonial. Se além da violação ou lesão da ordem jurídica também ocorrer o ataque a um dos direitos da personalidade ou a esfera íntima do indivíduo, o que será observado pelo magistrado no caso concreto, ambas as indenizações poderão coexistir.

Em casos que tais, como ambas as indenizações possuem natureza jurídica diversa, uma punitiva, outra compensatória, nenhum risco de ocorrência de bis in idem existirá.

Por fim, podemos indicar a título exemplificativo que a adoção da doutrina do dano extrapatrimonial colocará um ponto final à discussão até hoje travada em doutrina, muito embora a mesma esteja praticamente superada, se as pessoas jurídicas podem ou não sofrer dano moral. Entendido o dano extrapatrimonial como a lesão que repercute apenas na esfera jurídica do lesado, nenhuma dificuldade haverá em aceitar-se as pessoas jurídicas como vítimas de danos extrapatrimoniais.

5.2. A Desnecessidade da Comprovação de Prejuízo

Em decorrência da sua própria natureza, a existência de dano extrapatrimonial independe de prova, pois o mesmo decorre da simples prática de um ato violador de direito ou de interesse juridicamente protegido.

Nesse aspecto, ambas as espécies de danos (moral e extrapatrimonial) possuem caracteres semelhantes: independem da prova da ocorrência de efetivo prejuízo.

Destarte, como bem ensina o saudoso jurista Carlos Alberto Bittar, o dano existe no próprio fato violador de direito: "Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso, verificado o evento danoso, surge, ipso facto, a necessidade de reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa ponderação, emergem duas conseqüências práticas de extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a desnecessidade de prova de prejuízo em concreto.

Nesse sentido, ocorrido o fato gerador e identificadas as situações dos envolvidos, segue-se a constatação do alcance do dano produzido, caracterizando-se o de cunho moral pela simples violação da esfera jurídica, afetiva ou moral, do lesado. Ora, essa verificação é suscetível de fazer-se diante da própria realidade fática, pois, como respeita à essencialidade humana, constitui fenômeno perceptível por qualquer homem normal: por exemplo, a dor pela morte de um filho sofrida pela mãe; a desonra de que é vitimada pessoa honesta; a angústia de quem vê privada de seu nome a divulgação de obra estética que criou, e assim por diante."(89)

Em outro tópico de sua obra, acrescenta o respeitado jurista: "Satisfaz-se, pois, a ordem jurídica com a simples causação, não cabendo perquirir-se da intenção do agente, análise, aliás, nem sempre necessária no próprio sistema de determinação de responsabilidade. De fato, como já assinalamos, há situações em que se prescinde dessa investigação, ou seja, aquelas em que se reconhece a objetividade da conduta lesiva como elemento bastante. Desse modo, nos casos em que se exige essa perquirição (responsabilização por atos ilícitos no regime codificado), tem-se que abrange apenas o fato produtor do dano e não o reflexo correspondente. Não se cura, portanto, de verificar se estava, ou não, na cogitação do agente a realização do reflexo lesivo produzido. Assim, uma vez constatada a esfera do lesado, surge a obrigação de reparar o dano para o agente, como, por exemplo, na não divulgação do nome do titular de obra intelectual estética (música, poesia, romance ou outra) em uso público, na divulgação de fato desonroso, não correspondente à realidade, contra pessoa notória, a assim por diante.

O dano existe no próprio fato violador, impondo a necessidade de resposta, que na reparação se efetiva. Surge ex facto, ao atingir a esfera do lesado, provocando-lhe as reações negativas já apontadas. Nesse sentido é que se fala em dano in re ipsa.

Ora, trata-se de presunção absoluta, ou iures et de iure, como a qualifica a doutrina. Dispensa, portanto, prova em concreto. Com efeito, corolário da orientação traçada é o entendimento de que não há que se cogitar de prova de dano moral. Não cabe ao lesado, pois, fazer a demonstração de que sofreu, realmente, o dano moral alegado."(90)

O mesmo ocorre no Direito Argentino, segundo o escólio do jurista Ramon Daniel Pizarro: ""Para probar el daño moral en su existencia y entidad no es necesario aportar prueba directa, sino que el juez deberá apreciar las circunstancias del hecho y las cualidades morales de la víctima para estabelecer objetiva y presuntivamente el agravio moral en la órbita reservada de la intimidad del sujeto pasivo. No creemos que el agravio moral debe ser objeto de prueba directa, pues ello resulta absolutamente imposible por la índole del mismo que reside en lo más íntimo de la personalidad, aunque se manifiesta a veces por signos exteriores que pueden no ser su auténtica expresión.""

"A partir de la acreditación del evento lesivo y del carácter de legitimado activo del actor, puede operar la prueba de indicios o la prueba presuncional, e inferirse la existencia del daño moral."(91)

Conclui-se, portanto, que a existência de dano extrapatrimonial encontra-se vinculada apenas à ocorrência de ato ou fato anti-jurídico.

5.3. O Dano Extrapatrimonial por Violação ao Princípio da Boa-Fé, em Decorrência da Imposição de Cláusulas Abusivas

Não raro, encontramos nos contratos de massa de consumo um sem-número de cláusulas contratuais iníquas, que colocam o consumidor em desvantagem exagerada e que são contrárias a boa-fé. Tais cláusulas, como já dissemos, são denominadas pelo Código de Defesa do Consumidor de abusivas.

Com efeito, os próprios fornecedores inserem ditas cláusulas nos instrumentos contratuais pois objetivam garantir e fazer prevalecer a sua posição técnica e economicamente mais vantajosa no mercado.

De outro lado, pode também ocorrer que a inserção de cláusulas abusivas não ocorra em virtude da má-fé do fornecedor, mas, sim, da sua ignorância ou desconhecimento dos limites impostos pelo ordenamento jurídico à contratação. Muitas vezes os fornecedores podem não ter tido acesso à assessoria jurídica adequada, o que explica em parte a existência de cláusulas abusivas em alguns instrumentos contratuais.

Todavia, em face do Código de Defesa do Cosnumidor tal ignorância ou ausência de competência do advogado do fornecedor pouco importa: adota a legislação em comento a teoria do risco do negócio, a qual transfere aos fornecedores todos os riscos da exploração da atividade econômica no mercado.

Diante disso, e tendo em vista as premissas defendidas neste trabalho, basta a ocorrência de dano extrapatrimonial no âmbito dos contratos de consumo a simples inserção de cláusulas abusivas nos instrumentos contratuais, haja vista que a existência de ditas cláusulas viola o princípio da boa-fé objetiva.

Na base do conjunto de princípios e em razão da influência do aspecto moral, encontra-se o princípio da boa-fé, segundo o qual as partes devem pautar a sua atuação em consonância com a lealdade e com a confiança recíprocas que a vida de relações impõe. Cumpre a cada qual respeitar a posição do outro contratante e operar com fidelidade e com probidade, a fim de que alcance os objetivos pretendidos com o contrato, agindo consoante padrões éticos normais à contratação pretendida.(92)

Presente tanto na formação, na conclusão e na execução, o princípio impregna de moralidade a atividade negocial, na defesa de valores básicos da convivência humana e de direitos ínsitos na personalidade. Com isso, o comportamento da parte deve, em todos os diferentes momentos do relacionamento, desde a aproximação à consecução de todas as obrigações, estar imbuído de espírito de lealdade, respeitando cada um o outro contratante e procurando, com a sua ação, corresponder às expectativas e aos interesses do outro contratante. Fidelidade à palavra, lealdade no tratamento e cumprimento adequado das obrigações, consoante padrões normais à contratação a que se vincula, são, pois, noções componentes do princípio em questão, que encontra, ademais, consagração legislativa em vários pontos das codificações, inclusive a nossa, que em diferentes situações protege especialmente a parte que, em sua ação, o obedece (como, dentre outros, nos casos de aquisição de boa-fé, atuação, por outrem, de boa-fé; posse de boa-fé).(93)

É, em verdade, princípio cardeal do sistema jurídico romano-cristão, cuja base ética é realçada na doutrina, exatamente em razão de concepções ideológicas relacionadas à própria natureza humana, donde se extrai, no fundo, o direito aplicável a cada civilização, em consonância, substancialmente, com a alma da coletividade e, formalmente, à regra da maioria para a sagração.(94)

Em decorrência desse princípio, são reconhecidos deveres correlatos ou laterais em todas as espécies contratuais, que se incorporam às relações negociais, exigindo aos contratantes comportamentos adequados, principalmente em vínculos que se estendem no tempo.(95)

A primeira função do princípio da boa-fé objetiva na nova concepção do contrato, diz respeito aos chamadosdeveres anexos ou secundários.

A segunda função, ou seja, a boa-fé objetiva atuando como limitadora do exercício abusivo dos direitos subjetivos, é de extrema valia no âmbito da teoria contratual moderna, uma vez que, com o desaparecimento cada dia maior da liberdade de contratar para a parte débil da relação contratual, a parte economicamente mais forte exerce abusivamente o seu direito subjetivo de contratar.

A boa-fé objetiva exerce importantíssima função, como bem escreveu a professora Cláudia Lima Marques(96): "Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui uma dupla função na nova teoria contratual: 1) como fonte de novos deveres anexos, e 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos."

Segundo o gênio alemão de Karl Larenz(97): "El principio de la "buena fe" significa que cada uno debe guardar "fidelidad" a la palabra dada y no defraudar la confianza o abusar de ella, ya que ésta forma la base indispensable de todas las relaciones humanas; suppone el conducirse como cabía esperar de cuantos con pensamiento honrado intervienen en el tráfico como contratantes o participado en él en virtud de otros vínculos jurídicos. Se trata, por lo tanto, de un módulo "necesitado de concreción" que únicamente nos indica la dirección en que hemos de buscar la contestación a la cuestión de cuál sea la conducta exigible en determinadas circunstancias. No nos da una regra apta para ser simplemente "aplicada" a cada caso particular y para leer en ella la solución del caso cuando concurran determinados presupuestos. Sino que en cada supuesto se exige un juicio valorativo del cual deriva lo que el momento y el lugar exijan. Pero este juicio no se obtiene a través del criterio subjetivo del que hace la apreciación en caso de litígio, por conseguinte, del juez, sino que se tomará como módulo el pensamiento de un intérprete justo y equitativo, es decir, que la sentencia ha de ajustarse a las exigencias generalmente vigentes de la justicia, al criterio reflejado en la conciencia jurídica del pueblo o en el sector social al que correspondan los participantes (p. ej., comerciantes, artesanos, agricultores), en tanto ello no sea contrario a las exigencias y al contenido objetivo de los valores descritos en las palabras "fidelidad" y "crédito" (es decir, confianza). A este juicio cooperan los usos y concepciones ya existentes en el tráfico – habiendo de investigarse a su vez si coinciden con aquellas supremas exigencias – y de otra parte el ejemplo y modelo que la jurisprudencia ofrece en la valoración de casos análogos o equiparables."

Nesse contexto, é certo, pois, que a boa-fé objetiva visa limitar o abuso, atuando como limitadora do exercício abusivo dos direitos subjetivos(98), (99), porque ela significa "uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes."(100)

Ao inserir o fornecedor nos contratos de consumo quaisquer cláusulas abusivas, estejam elas previamente enumeradas no Código de Defesa do Consumidor ou venham a ser desconstituídas judicialmente, terá de indenizar o consumidor por dano extrapatrimonial, em virtude da postura adotada em desconformidade à boa-fé objetiva.

A indenização por dano extrapatrimonial, em virtude do seu caráter punitivo e inibitório da ocorrência de fatos ilícitos, segundo entendemos, será o meio mais eficiente de se evitar que os fornecedores continuem a inserir nos contratos de consumo, máxime nos contratos de adesão, um número incomensurável de cláusulas abusivas, as quais sempre acarretam danosas conseqüências aos consumidores: a perda de um bem que entendiam estar segurado, a cobrança de encargos indevidos num contrato de mútuo, as cláusulas de renúncia de direitos, a qual desestimula os mais humildes a discuti-la judicialmente, provocando o perecimento do seu direito, dentre outros inúmeros exemplos que poderiam aqui ter sido enumerados.

Portanto, como visto, entendemos que a adoção da doutrina do dano extrapatrimonial funcionará como uma das melhores formas de controle social, a fim de evitar que os instrumentos contratuais permaneçam repletos de cláusulas abusivas, obrigando os consumidores a ingressar em juízo para discutir a validade de tais cláusulas, o quem em muitas ocasiões se torna praticamente impossível, mormente quando nos deparamos com consumidores mais humildes, que sequer conhecem a Justiça, tampouco têm acesso à advogados para salvaguardar os seus interesses. O dano extrapatrimonial servirá como uma política de inclusão social, pois inibirá que alguns fornecedores permaneçam abusando dos consumidores em geral, especialmente dos mais humildes.

Inserida cláusula abusiva em um contrato de consumo, caberá ao fornecedor a obrigação de indenizar o consumidor por ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, tendo em vista as premissas em que se assenta a teoria do dano extrapatrimonial.


NOTAS

1. Reinaldo Filho, Demócrito Ramos. O poder interventivo do juiz nos contratos de consumo. In: http://www.teiajuridica.com.

2. Reinaldo Filho, Demócrito Ramos Reinaldo Filho. O poder interventivo do juiz nos contratos de consumo. In: http://www.teiajuridica.com.

3. In Contratos. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p 22;

4. "Tais normas de ordem pública, em função de sua inerente cogência, portanto "incidirão até mesmo e apesar da vontade contrária dos interessados". O ius cogens é forma de proteção do interesse social porque tutela "instituições jurídicas fundamentais e tradicionais, bem como as que garantem a segurança das relações jurídicas e protegem os direitos personalíssimos e situações jurídicas que não podem ser alteradas pelo juiz e pelas partes por deverem ter certa duração." (ALVIM, Arruda. Código do Consumidor Comentado. 2ª ed. São Paulo: RT, 1995, p. 16 e ss.);

5. NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 117;

6. GOMES, Orlando. Contratos. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 36;

7. GOMES, Orlando. Contratos. obra citada. p. 36;

8. GOMES, Orlando. Contratos. obra citada. p. 36;

9. GOMES, Orlando. Contratos. obra citada. p. 36;

10. ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 130;

11. LIMA MARQUES, Cláudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: RT, 1999, p. 47;

12. In Curso de Direito Civil. Volume III. 4ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991, p. 15;

13. In Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1995, p. 34;

14. BITTAR, Carlos Alberto. obra citada. p. 15 e ss.;

15. BITTAR, Carlos Alberto. obra citada. p. 17;

16. BITTAR, Carlos Alberto. obra citada. p. 17;

17. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 116;

18. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 101;

19. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 117;

20. COUTO E SILVA, Clóvis do. A Obrigação como Processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 22 e ss.;

21. COUTO E SILVA, Clóvis do. obra citada. p. 23;

22. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 102;

23. LARENZ, Karl. Derecho Justo-Fundamentos de Etica Juridica. Madri: Civitas, 1993, p. 19;

24. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1998.3ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 306;

25. GRAU, Eros Roberto. obra citada. p. 306;

26. GRAU, Eros Roberto. obra citada. p. 306;

27. Sobre o princípio constitucional de proteção e defesa dos consumidores, assevera o professor JOSÉ AFONSO DA SILVA: "Realça de importância, contudo, sua inserção entre os direitos fundamentais, com o que se erigem os consumidores à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais. Conjugue-se isso com a consideração do art. 170, V, que eleva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica. Tudo somado, tem-se o relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista. Isso naturalmente abre larga brecha na economia de mercado, que se esteia, em boa parte, na liberdade de consumo, que é a outra face da liberdade do tráfico mercantil fundada na pretensa lei da oferta e da procura. A defesa dos consumidores "responde a um duplo tipo de razões: em primeiro lugar, razões econômicas derivadas das formas segundo as quais se desenvolve, em grande parte, o atual tráfico mercantil; e, em segundo lugar, critérios que emanam da adaptação da técnica constitucional ao estado de coisas que hoje vivemos", imersos que estamos na chamada sociedade de consumo, em que o "ter" mais do que o "ser" é a ambição de uma grande maioria das pessoas, que se satisfaz mediante o consumo." (Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 255);

28. BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu exercício. São Paulo: RT, 1997, p. 141;

29. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: RT, 1995, p. 162;

30. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 199 , p. 157;

31. Nos idos de 1981, já advertia Orlando Gomes acerca da necessidade de adpatar-se o direito ao ambiente sócio-cultural vigente: "O direito privado vigente entre nós é ainda basicamente, tanto no método quanto nos pressupostos culturais e nos fins práticos, o direito nascido e criado no século passado. As profundas transformações sociais aceleradas nos últimos trint`anos, que suscitaram novos e graves problemas jurídicos, ainda não erradicaram os dogmas e postulados sobre os quais se edificaram os códigos do século em curso, muito embora muitas modificações tenham sido elaboradas em ambiente social e atmosfera cultural notoriamente diferentes. A conservação desses princípios explica, em grande parte, a crise de tão grave repercussão no direito positivo dos próprios países democráticos.

Os sintomas de defasamento podem ser observados a olho nu pela mais célere leitura dos preceitos de direito civil e comercial constitutivos do ordenamento jurídico privado, todo ele marcado por anacronismos e contradições." (In Escritos Menores. São Paulo: Saraiva, 1981, p 17 e ss.) (Grifamos)

32. RIZZARDO, Arnaldo. Da Ineficácia dos Atos Jurídicos e da Lesão no Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 96;

33. NERY JÚNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 5. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 345;

34. MARQUES, Cláudia Lima. A responsabilidade do transportador aéreo pelo fato do serviço e o Código de Defesa do Consumidor - Rev. da Fac. Direito da UFRGS nº 9, p. 133;

35. MARQUES, Cláudia Lima. artigo citado. p. 133;

36. MARQUES, Cláudia Lima. artigo citado. p. 133;

37. MARQUES, Cláudia Lima. artigo citado. p. 133;

38. MARQUES, Cláudia Lima. artigo citado. p. 133;

39. BITTAR, Carlos Alberto. O Advento do Código de Defesa do Consumidor e seu Regime Básico - Revista de Direito do Consumidor nº 2. São Paulo: RT, 1992, p. 138;

40. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 164;

41. Cretella Júnior, José. Comentários À Lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 72;

42. NERY JÚNIOR, Nelson. obra citada. p. 346;

43. "Com as novas perspectivas decorrentes do intervencionismo estatal", di-lo MÁRIO AGUIAR MOURA, "no caso em que ocorre, os contratos passaram a ser regidos por normas de ordem pública ou cogentes. Em razão disso, às partes é dado unicamente o querer contratar ou não. A partir da efetiva vinculação contratual, os efeitos dimanam da lei. De tal sorte que, mesmo com a expressa inserção no contrato de cláusulas ajustadas, não terão elas aplicação coercitiva, se contrariarem ao que foi cogentemente imposto ou proibido por lei." (Repertório IOB Jurisprudência – RJ/3 nº 16/9. 12ª Quinzena de Agosto de 1991, p. 348);

44. MANDELBAUM, Renata. Contratos de Adesão e Contratos de Consumo. São Paulo: RT, 1996, p. 68;

45. STIGLITZ, Rubén S.. Objeto, causa y frustración del contrato. Buenos Aires: Depalma, 1992, p. 48 e ss.;

46. NERY JÚNIOR, Nelson. obra citada. p. 348;

47. MANDELBAUM, Renata. obra citada. p. 68;

48.. In Contratos. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 154;

49. In Tratado de Direito Privado, 1970, 3ª ed, Borsói, tomo I, § 18, p. 56 .;

50. ALVIM, Arruda et alii. Código do Consumidor Comentado. 2ª ed. São Paulo: RT, 1995, p. 21;

51. Desde os anos 50, com juristas como Karl Larenz, vêm-se trazendo novas noções acerca do direito das obrigações. Larenz dizia que "o direito dos contratos não surge exclusivamente dos princípios da autodeterminação e da autovinculação, como posto no liberalismo; agregam-se a estes, os transformando, os princípios da equivalência objetiva e da proporcionalidade medida, os quais funcionam, no aspecto positivo, para conformar o ‘direito legal’ que integra o contrato (aí incidindo os princípios básicos da tutela à boa-fé a rejeição ao abuso) e, no aspecto negativo, para impor limites ao próprio conteúdo contratual, infletindo nas hipóteses extremas – e todavia, não excepcionais – da laesio enormis e do desequilíbrio provocado pelas ‘condições gerais dos negócios’, tornando possível a revisão judicial do contrato para o restabelecimento da comutatividade, ou relação de equivalência originariamente fixada." (MARTINS COSTA, Judith H.. apud CASADO, Márcio Mello. O Leasing e a Variação Cambial – Revista dos Tribunais nº 763. São Paulo: RT, 1999, p. 87;);

52. Direito do Consumidor e Serviços Bancários e Fianceiros - Aplicação do CDC nas Atividades Bancárias - Revista de Direito do Consumidor nº 17. São Paulo: RT, 1998, p. 12;

53. Dall´Agnol Junior, Antonio Janyr. artigo citado. p. 13 e ss.;

54. Batista de Almeida, João. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 38;

55. Batista de Almeida, João. obra citada. p. 38;

56. PASQUALOTTO, Adalberto de Souza et alii. Estudos sobre A proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul - "A responsabilidade civil do fabricante e os riscos do desenvolvimento". Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1994, p. 18 e ss.;

57. PASQUALOTTO, Adalberto de Souza. obra citada. p. 18 e ss.;

58. PASQUALOTTO, Adalberto de Souza. obra citada. p. 18 e ss.;

59. PASQUALOTTO, Adalberto de Souza. obra citada. p. 18 e ss.;

60. Batista de Almeida, João. obra citada. p. 65;

61. NERY JÚNIOR, Nelson. Revista do Direito do Consumidor nº 3 - setembro/dezembro 1992, p. 57 e ss.;

62. MARQUES, Cláudia Lima. Novas Regras Sobre a Proteção do Consumidor nas Relações Contratuais - Revista de Direito do Consumidor nº 1. São Paulo: RT, 1992, p. 27;

63. DIEZ-PICAZO, Luiz. Derecho y masificación social. 2ª ed. Madri: Civitas, 1987, p. 42;

64. Diz o professor Clóvis do Couto e Silva: "A sociedade moderna vem-se caracterizando por incessante e progressiva padronização. Assim, à margem dos seus tipos legais, estabeleceram-se os que se poderiam denominar de sociais (...) São atos absolutamente necessários à vida humana."(In A Obrigação como Processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 92); (Grifamos)

65. apud JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A Publicidade no Direito do Consumidor. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 15;

66. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 101;

67. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 101;

68. ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 177 e ss.;

69. Segundo o mestre argentino RUBÉN S. STIGLITZ, "Pero de lo que no cabe duda es de que al hallarse el contrato inserto en el contexto social, y ser un instrumento de convivencia, debemos privilegiar a la solidariedad, y a los principios y valores que la sustentam, como cláusula abierta, flexible, pura y oxigenante, que ineludibelmente debe hacer campamento, e integrarse conceptualmente, en la relacíon de equivalencia.

Ello motiva la necessidad de que sea el ordenamiento jurídico quien, para preservar un mínimo de "justicia contratual", derogue o declare inaplicables disposiciones que, errónea e injustificadamente, fundadas en el orden público, no sean útiles a la paz social sino a la agresión, a la hostilad y a la desconfianza. Y especialmente provechosas en punto al estímulo de la litigiosidad.

El contrato debe ser concebido con una mínima dosis de sensibilidad, o, si se prefiere, de humanidad, pues si aceptamos que no se trata de un fonómeno factible de ser reducido a una operación económica, también habremos de coincidir en que su función, predominantemente, consiste en satisfacer y tutelar necessidades e intereses humanos legítimos."(Autonomía de la voluntad y revisón del contrato. Buenos Aires: Depalma, 1992, p. 69; (Grifamos)

70. Bases para armar la teoría general del contrato en el derecho moderno - Revista de Direito do Consumidor nº 19. São Paulo: RT, 1996, p. 16.;

71. LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Cláusulas Abusivas nos Contratos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 104;

72. STIGLITZ, Gabriel. O Direito Contratual e a Proteção Jurídica do Consumidor - Revista de Direito do Consumidor nº 1. São Paulo: RT, 1992, p. 187;

73. STIGLITZ, Gabriel. artigo citado. p. 187;

74. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 50;

75. DIEZ-PICAZO, Luiz. Derecho y masificación social. 2ª ed. Madri: Civitas, 1987, p. 43 e ss.;

76. ANTUNES VARELLA, João de Matos. Das Obrigações em Geral. Vol. I. 8ª ed. Coimbra: Almedina, p. 261 e ss.;

77. In Novos Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 56 e ss.;

78. LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Cláusulas Abusivas nos Contratos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 58;

79. LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. obra citada. p. 58;

80. LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. obra citada. p. 58;

81. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O Problema do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual. Coimbra: Almedina, 1999, p. 76;

82. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 82;

83. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 80;

84. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 81;

85. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 81;

86. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 81;

87. CASILLO, João. Dano à Pessoa e sua Indenização. 2ª ed. São Paulo: RT, 1994, p. 51 e ss.;

88. MELO DA SILVA, Wilson. O Dano Moral e sua Reparação. 3ª ed.. Rio de janeiro: Forense:, 1983, p. 2;

89. BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. 3ª ed. São Paulo: RT, 1998 p. 214 e ss.;

90. In obra citada. p. 216;

91. PIZARRO, Ramon Daniel. Daño Moral – Prevención/Reparación/Punición. Buenos Aires: Hamurabi, s.d. p. 563 e ss.;

92. BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos Contratos e Dos Atos Unilaterais. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 38 e ss.;

93. BITTAR, Carlos Alberto. obra citada. p. 39;

94. BITTAR, Carlos Alberto. obra citada. p. 39;

95. BITTAR, Carlos Alberto. obra citada. p. 40;

96. MARQUES, Cláudia Lima. obra citada. p. 79;

97. Derecho de Obligaciones. tomo I. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p. 142 e ss.;

98. Há muito tempo já dizia CARVALHO SANTOS a respeito do abuso dos direitos sujetivos: "O que mais pràticamente se poderá dizer repetindo a velha fórmula, acolhida pela jurisprudência francesa, segundo a qual todo direito deve ter por limite a satisfação de um interêsse sério e legítimo. Dizendo-se legítimo, entende-se, naturalmente, normal, exercido dentro dos fins sociais traçados para êle ou, para aquêle que age de boa-fé. Com razão pôde dizer o professor Orozimbo Nonato que a noção do abuso de direito vale como a afirmação da justiça contra a lei: "Ela aparece, diz Cornil, como princípio mitigante do rigor do direito formulado. "E porque a noção do justo é, sobretudo, moral, é em um elemento moral que a teoria do abuso do direito lança as suas raízes profundas.

"O ato abusivo mostra-se como falta de medida (reveladora de um ânimo desvestido de boa-fé) no exercício, prejudicial a outrem, de um direito próprio que, destarte, contraria, falta à sua vocação"(Revista Forense, cit. Pág. 17). No direito moderno, pois, já não se toleram os direitos absolutos, não faltando mesmo quem sustente, quanto ao seu exercício, que todo o direito é relativo, verificando-se o abuso sempre que se verificar a ruptura do equilíbrio dos interêsses sociais em jogo." (Código Civil Brasileiro interpretado. vol. III. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1950, p. 340 e ss.) (Grifamos)

99. Sobre o tema pontificava o mestre ALÍPIO SILVEIRA, "Se a obrigação de conduzir-se com bôa fé constitue um presuposto inilludivel da celebração e efficacia dos actos juridicos, o exercicio dos direitos individuaes, seja qual for sua fonte ou origem, não escapa a esse principio, que decorre, tanto aqui como em outros terrenos, como lei ineluctavel." (A Bôa Fé no Direito Civil. São Paulo: Typ. Paulista, 1941, p. 155);

100. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: RT, 1995, p. 79 e ss;


Autor


Informações sobre o texto

Texto adaptado de trabalho apresentado como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito das Relações de Consumo perante a PUC/SP. Agradecimentos: Professor Luiz Antonio de Souza, da PUC/SP e Exmo. Sr. Min. José Augusto Delgado, do Superior Tribunal de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEGALLA, Alessandro Schirrmeister. O dano extrapatrimonial contratual no âmbito das relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2008. Acesso em: 26 abr. 2024.